sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Túneis mexem com imaginário do povo em Porto Calvo - Professor Aloísio Vilela de Vasconcelos

TÚNEIS. Livros publicados no século 17 fazem menção às estruturas durante as invasões holandesas. 

Professor Aloísio Vilela de Vasconcelos da Ufal defende estudo

Por: SEVERINO CARVALHO - REPÓRTER - Fonte: Gazeta de Alagoas

Na edição de domingo, 8 de julho, o caderno de Municípios da Gazeta de Alagoas publicou reportagem acerca da possível existência de túneis que cortariam o subsolo da histórica cidade de Porto Calvo. As estruturas subterrâneas teriam sido construídas no século 17 e serviriam às fugas dos exércitos luso-espanhol e holandês, que disputavam a posse do território. 


Antigos moradores entrevistados pela Gazeta garantiram que os túneis existem e que, até, já vislumbraram suas entradas, na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação e no Alto da Forca; bem como suas saídas, que estariam submersas pelas águas do Rio Manguaba. 



Em contrapartida, o arquiteto e urbanista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Alagoas (Iphan), Sandro Gama, sentenciou que não existe, na historiografia da arqueologia brasileira, nenhuma comprovação acerca da existência de túneis de fuga/abastecimento usados durante as batalhas.



Eis que surge uma voz no meio acadêmico que levanta-se para dizer que há sim, na historiografia, referências e alusões aos tais túneis misteriosos de Porto Calvo. Trata-se do professor de arqueologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Aloísio Vilela de Vasconcelos.





“Depois da reportagem, andei vendo alguns livros em minha biblioteca. Verifiquei que há sim referência à existência dos túneis”, afirmou o professor. E, como comprovação, cita duas obras publicadas no século 17: Memórias Diárias da Guerra do Brasil, de Duarte de Albuquerque Coelho (1654), e o Valeroso Lucideno, do frei Manuel Calado (1648).



No primeiro livro, explica Vasconcelos, há diversas referências sobre alocalização de construções situadas no outeiro de Amador Alvres, nas proximidades da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação. Esse outeiro (pequeno monte) estaria “a tiro de canhão” da povoação, conforme a obra de Duarte Coelho. 



Vasconcelos relata que o Outeiro de Amador Alvres é citado como reduto usado pelas tropas de Matias de Albuquerque que ali encontraram abrigo durante o “Êxodo Pernambucano” para o sul, quando as tropas holandesas tomaram o Forte Real de Bom Jesus. “O outeiro assume papel importante. Todos os cronistas da guerra falavam dele”, destacou. 



Em o Valoroso Lucideno, porém, há a referência mais clara, na ótica de Vasconcelos, acerca da existência dos túneis. Trata-se de uma passagem em que frei Manuel Calado, fala da fuga do Conde de Banholo de Porto Calvo, cercada pelos holandeses.



“O padre se refere que o conde de Banholo teria saído por um caminho secreto, na sua fuga, acossado pelas tropas holandesas comandadas pelo conde João Maurício de 



Nassau”, detalha o professor.



“Como ele se refere a caminho secreto, então o que significa caminho secreto? É um caminho que você passa por ele e ninguém vê. Que você o percorre e não é pressentido e isso dá a ideia da existência de um túnel, de uma saída de emergência”, conclui Vasconcelos, que defende, na atualidade, um estudo mais aprofundado sobre o assunto.



“Qual a função da ciência? A procura da verdade. Se existe alguma referência sobre a existência de túneis, cabe aos pesquisadores averiguar se essa referência é verdadeira”, disse. ‡ 




PORTO CALVO. Antigos moradores defendem estudo aprofundado
Túneis mexem com imaginário do povo
Por: SEVERINO CARVALHO - REPÓRTER
Porto Calvo – Na histórica Porto Calvo, berço de Domingos Fernandes Calabar, primeiro herói e idealista brasileiro dos anos seiscentistas, um grupo de adolescentes indignados com uma atitude do padre e professor planeja se vingar. Numa Sexta-Feira Santa, eles invadem a sacristia para esconder os vinhos e hóstias. Só que não contavam que tal atitude os levaria a cair misteriosamente numa passagem secreta subterrânea que há mais de três séculos permanece inexplorada e servia a fugas estratégicas dos holandeses contra os luso-espanhóis. Lá dentro, dentre tantos mistérios, suspenses e surpresas, ficam cara a cara com a serpente adormecida. 


Essa é a apresentação do livro A Serpente Adormecida (2011) da escritora alagoana Marluce Maria da Costa. A obra é de ficção; porém, lastreada por fatos históricos que dão vida à narrativa. Que a tal víbora não existe, todos concordam. A figura do monstro integra o imaginário popular da cidade, é tratada como lenda: se surgir em público, Porto Calvo desaparecerá sob as águas turvas do caudaloso Manguaba. 



O que antigos moradores, dentre eles escritores e professores, tratam como não ficção é a existência do habitat da serpente: túneis escavados no século 16 pelos portugueses ou holandeses (não existe um consenso acerca da autoria) e que serviam à logística da guerra, como também eram utilizados como rota de fuga ante as intensas refregas entre os exércitos adversários. O certo é que, mesmo depois de reformas executadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na igreja tombada de Nossa Senhora da Apresentação, erigida em 1610, nenhum vestígio das passagens secretas fora encontrado até agora. 



Crentes na existência de tais estruturas, um grupo de portocalvenses defende um estudo mais aprofundado e específico por parte do Iphan para desenterrar a história e trazê-la aos olhos dos incrédulos. O caminhoneiro aposentado Amaro de Lima, 59 anos, é um deles. Não inspirou a escritora a desenvolver um dos personagens do livro, mas bem que poderia. Quando adolescente, conta que chegou a descer alguns degraus que levavam ao túnel. O medo o fez recuar.



“Eu sabia que a serpente não estava lá. Tinha, na verdade, muito escorpião, muita poeira. Tive medo da escuridão e voltei”, recordou. Na época, quem administrava a igreja com mãos de ferro era o padre Expedito Barbosa. Amaro vivia em volta do templo católico a brincar. A distração predileta era exterminar morcegos a “tiros” de estilingue e, quando o vigário dava um vacilo, lá ia o moleque procurar o tesouro perdido dentro do túnel. Conta a lenda que as relíquias em ouro e prata eram vigiadas pela temida serpente.


“Eu era um garoto travesso, mexia com tudo em Porto Calvo”, relembra o aposentado. Hoje, saúde combalida e uma caixa abarrotada de remédios sobre a mesa. Amaro segue narrando sua epopeia. Ele não desistira da empreitada e equipara-se com vestimenta adequada e um capacete daqueles usados por exploradores de cavernas: lanterna no alto da cabeça. “Eu já tinha uns 17, 18 anos e me preparei. Lembro que o comentário na rua era um só: ‘é hoje que o Amaro vai entrar’. Lá em casa, a choradeira era grande para eu não entrar. Mas o padre não deixou nem eu entrar”, recordou Amaro. ‡

Ex-prefeito da cidade nega ter fechado acesso à rede subterrânea
Consultado acerca do suposto pedido feito pelo então padre de Porto Calvo Expedito Barbosa para que fechasse a entrada do túnel que existiria na sacristia da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, o ex-prefeito Zaronir Ramalho foi enfático ao afirmar que tudo não passa de lenda.

“Não há nada de concreto. Estive lá na igreja para ver e não tem nada”, disse Zaronir, negando ter bloqueado a passagem. Natural de Jacuípe e vivendo hoje em João Pessoa (PB), a escritora e professora Marluce Maria da Costa acredita na existência da rede de túneis. “Desde pequena, ouço falar disso, inclusive vi uma das entradas. A da igreja fica na sacristia. Falei com o padre Expedito, mas ele desconversou”, lamentou a escritora.

Ela relata que o livro é uma mistura de ficção, história e lenda, mas que o ambiente escuro e lúgubre onde viveria o réptil é real. O professor de História Amaro Petrúcio Oliveira, 59, é outro que atesta a existência dos túneis. Porém, segundo o mestre portocalvense, não havia conexão entre eles. 

“Eram dois túneis independentes. Um saía da igreja em direção ao Rio Manguaba e outro saía do Alto da Forca, atual hospital, seguindo até o rio na altura do Bairro do Curi. Todos, porém, estão com suas entradas bloqueadas”, lamentou o professor, que leciona no município de Porto Calvo. SC ‡

ALERTA. Professor diz que poderá haver conflito entre a história imaginada e a realidade

Inexistência pode afetar folclore
Por: SEVERINO CARVALHO - REPÓRTER
Porto Calvo - O professor Scott Joseph Allen, coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa Arqueológica (Nepa) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), teme que uma pesquisa arqueológica em busca  dos túneis, escavados supostamente durante as invasões holandesas, acabe afetando o patrimônio imaterial de Porto Calvo, ou seja, todo o folclore que envolve essas estruturassubterrâneas. 


Ele vislumbra que poderá haver um conflito entre a história imaginada e a real se a pesquisa for levada à frente.



"Há, na história da colonização das Américas, evidências da existência de túneis usados, entre outras coisas, como rota de fuga. Mas em Porto Calvo, não posso afirmar. Se um trabalho arqueológico vier a descobrir a existência dos túneis, ótimo; mas e se não existirem, como fica?", ponderou o professor.



ROTA



Scott esteve em Porto Calvo, em anos anteriores, durante sondagens feitas para o Projeto Rota da Escravidão/Rota da Liberdade: A Arqueologia Histórica da Diáspora Africana em Alagoas, que vai ingressar na segunda fase. 



Naquelas ocasiões, Scott ouviu inúmeros relatos da população sobre a existência dos túneis, mas a pesquisa feita por ele não tinha relação com este tema especificamente. 



"A verificação da existência dos túneis, enfatizada muitas vezes pela população, é algo que me deixa com um pouco de receio, pois me parece que a arqueologia pode, de certa forma, afetar parte do folclore de Porto Calvo, lendas que têm lugar importante no imaginário dos habitantes e para os visitantes", observou, enfatizando que só a comunidade local pode decidir sobre a realização ou não de uma pesquisa em busca dos túneis. 



O arqueólogo considera, ainda, que a história de Porto Calvo ficou à sombra da história de outros centros coloniais, tais como Recife, Penedo e Salvador, na Bahia. Lembra, também, que a região banhada pelo Rio Manguaba foi um dos berços da produção açucareira em terras alagoanas logo após a colonização da Capitania de Pernambuco, cenário importante da ocupação holandesa e reconquista pelos portugueses.




Professor propõe educação patrimonial
O professor Scott conta que a região de Porto Calvo foi desenvolvida inicialmente por volta de 1580, por Cristóvão Lins, que recebera uma grande sesmaria que se estendia do Porto de Santo Agostinho, em Pernambuco, até o Rio Camaragibe, em Alagoas. Ele acredita, entretanto, que a arqueologia de Porto Calvo representa uma oportunidade inédita de aprofundar o conhecimento da época colonial em Alagoas.

"Teremos, eventualmente, acervos de materiais arqueológicos - como cerâmica importada e de fabricação local - que auxiliarão na interpretação de diversas comunidades periféricas. O Projeto Rota da Escravidão/Rota da Liberdade fornecerá dados imprescindíveis para o conhecimento da diáspora africana em Alagoas", considerou.

Para ele, grande desafio será, porém, a implantação de um programa de educação patrimonial, não voltado para colocar em questão as lendas, mas para para orientar o público sobre os limites e possibilidades da arqueologia. 

O lotérico Adelmo Monteiro defende a busca pelos túneis. "Eu comecei a me interessar pela história de Porto Calvo depois que saí do antigo Produban (extinto banco do Estado) e montei uma pizzaria.

Os turistas chegavam falando e perguntando sobre a história de Porto Calvo. Ficavam tristes porque, além da igreja, não tinha nada para ver. A descoberta desse túnel pode alavancar o turismo histórico em Porto Calvo, basta as autoridades se interessarem em fazer um trabalho arqueológico", propõe Monteiro. SC ‡




TÚNEIS. Livros publicados no século 17 fazem menção às estruturas durante as invasões holandesas
Professor da Ufal defende estudo
Por: SEVERINO CARVALHO - REPÓRTER
Na edição de domingo, 8 de julho, o caderno de Municípios da Gazeta de Alagoas publicou reportagem acerca da possível existência de túneis que cortariam o subsolo da histórica cidade de Porto Calvo. As estruturas subterrâneas teriam sido construídas no século 17 e serviriam às fugas dos exércitos luso-espanhol e holandês, que disputavam a posse do território.

Antigos moradores entrevistados pela Gazeta garantiram que os túneis existem e que, até, já vislumbraram suas entradas, na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação e no Alto da Forca; bem como suas saídas, que estariam submersas pelas águas do Rio Manguaba. 

Em contrapartida, o arquiteto e urbanista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Alagoas (Iphan), Sandro Gama, sentenciou que não existe, na historiografia da arqueologia brasileira, nenhuma comprovação acerca da existência de túneis de fuga/abastecimento usados durante as batalhas.

Eis que surge uma voz no meio acadêmico que levanta-se para dizer que há sim, na historiografia, referências e alusões aos tais túneis misteriosos de Porto Calvo. Trata-se do professor de arqueologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Aloísio Vilela de Vasconcelos.



“Depois da reportagem, andei vendo alguns livros em minha biblioteca. Verifiquei que há sim referência à existência dos túneis”, afirmou o professor. E, como comprovação, cita duas obras publicadas no século 17: Memórias Diárias da Guerra do Brasil, de Duarte de Albuquerque Coelho (1654), e o Valeroso Lucideno, do frei Manuel Calado (1648).

No primeiro livro, explica Vasconcelos, há diversas referências sobre alocalização de construções situadas no outeiro de Amador Alvres, nas proximidades da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação. Esse outeiro (pequeno monte) estaria “a tiro de canhão” da povoação, conforme a obra de Duarte Coelho. 

Vasconcelos relata que o Outeiro de Amador Alvres é citado como reduto usado pelas tropas de Matias de Albuquerque que ali encontraram abrigo durante o “Êxodo Pernambucano” para o sul, quando as tropas holandesas tomaram o Forte Real de Bom Jesus. “O outeiro assume papel importante. Todos os cronistas da guerra falavam dele”, destacou. 

Em o Valoroso Lucideno, porém, há a referência mais clara, na ótica de Vasconcelos, acerca da existência dos túneis. Trata-se de uma passagem em que frei Manuel Calado, fala da fuga do Conde de Banholo de Porto Calvo, cercada pelos holandeses.

“O padre se refere que o conde de Banholo teria saído por um caminho secreto, na sua fuga, acossado pelas tropas holandesas comandadas pelo conde João Maurício de

Nassau”, detalha o professor.

“Como ele se refere a caminho secreto, então o que significa caminho secreto? É um caminho que você passa por ele e ninguém vê. Que você o percorre e não é pressentido e isso dá a ideia da existência de um túnel, de uma saída de emergência”, conclui Vasconcelos, que defende, na atualidade, um estudo mais aprofundado sobre o assunto.

“Qual a função da ciência? A procura da verdade. Se existe alguma referência sobre a existência de túneis, cabe aos pesquisadores averiguar se essa referência é verdadeira”, disse. ‡ 



Porto Calvo/AL - De peça em peça, grupo tenta reconstruir história

18/1/2006 - Defender




Correspondente Voluntária ETUR Gizelda da Silveira
Maragogi, cidade do litoral de Alagoas, que faz divisa com Pernambuco - Preocupado com a falta de registros da história de Porto Calvo, um grupo de moradores da cidade começa a reunir peças para a formação de um acervo destinado ao Museu Calabar. O resgate do personagem alagoano que teve sua trajetória deturpada pela versão oficial é considerado ponto de honra. Para tanto, tentam articular com órgão públicos e entidades culturais ações que resultem na recuperação de relíquias, na instalação do museu e retomada da auto-estima da comunidade por meio do conhecimento do seu passado.
Liderados pelo empresário Adelmo Monteiro, 48, dono de uma casa lotérica, empresários e profissionais liberais formam um reduzido grupo de pessoas que está aos poucos recolhendo peças que contam o passar do tempo na localidade considerada por alguns historiadores como a mais antiga de Alagoas. Polêmicas à parte, certo mesmo é que muitos objetos não se encontram mais na cidade. Alguns estão expostos em casas culturais de Maceió e do Recife, outros foram vendidos ou simplesmente doados para visitantes e colecionadores de arte da Bahia e do Rio de Janeiro, por exemplo.
Monteiro arruma sobre uma mesa em sua casa o que já conseguiu reunir para um dia expor ao público. São pedaços de tijolos pequenos, de cor amarelada, balas de canhão, moedas e um par de utensílios de cozinha, uma colher e um garfo com o símbolo do governo holandês, um cata-vento, e outra peça que ainda não se descobriu o uso. “Parte desse material foi doada por pessoas daqui mesmo e alguns eu mesmo consegui”, comentou com uma ponta de satisfação, convidando para ver outras investidas do grupo.
Ao lado do professor de História Amaro Petrúcio Oliveira Fereira, 52, parceiro no projeto de resgate do patrimônio histórico de Porto Calvo, Monteiro mostra o ponto que está sendo escavado na tentativa de localizar um dos túneis que serviram para fugas estratégicas dos perseguidos pelos invasores. O buraco aberto na cadeia abandonada da cidade ainda não possibilitou o encontro de alguma passagem subterrânea.
Apesar de o imóvel ser considerado “novo”, se comparado à história de Porto Calvo, ele representa bem a falta de preservação que praticamente eliminou da arquitetura urbana as marcas do passado. Depredado, restam apenas as paredes sem portas nem janelas. Sequer possui teto e apenas a grade de uma cela resiste à ação do tempo e dos vândalos. Adelmo conseguiu a chave para guardar no local as ferramentas usadas nos trabalhos de prospecção. Do lado de fora, o que restou das paredes serve de apoio para os varais de roupas das casas vizinhas.
Ignorado, patrimônio guarda relíquias de tempos remotos A tentativa de encontrar passagens que levem aos lendários túneis remetem à busca do Santo Graal, o cálice usado na última ceia de Jesus Cristo. Os registros históricos são incontestáveis. Resta encontrá-los. Sobre os subterrâneos, indícios de sua existência devem ser considerados, ainda mais quando se questiona como Calabar e cerca de 100 soldados holandeses teriam conseguido entrar na igreja matriz de Porto Calvo com a cidade tomada pelo exército luso-espanhol.
Usada como local de resistência durante 48 horas, a igreja onde provavelmente o filho da valente cidade foi batizado ou fez sua primeira comunhão serviu como pano de fundo para seu enforcamento sob o olhar da população. O julgamento sem direito à defesa condenou Calabar à morte, acusado de traição por entender que seria melhor para a então colônia brasileira ficasse sob o julgo do governo da Holanda ao invés da Coroa portuguesa.
Degraus em alguns pontos das margens do rio sugerem acessos às aberturas feitas às margens do Manguaba, única forma de os navios atingirem Porto Calvo. A lógica indica que a provável rede subterrânea ligaria setores estratégicos da cidade: a igreja matriz, uma construção registrada em uma gravura holandesa com sua base repleta de canhões - local da atual sede da 10ª Coordenadoria Regional de Ensino - e a fortificação existente no ponto mais alto da cidade, chamado erroneamente de “Alto da Forca” quando o correto é “Alto da Força” por causa da fortaleza militar erguida pela aliança entre portugueses e espanhóis.
O espaço privilegiado do ponto de vista militar é ocupado atualmente pelo Hospital Municipal, em reforma desde julho de 2005. Relatos indicam que durante sua construção, nos anos 40 do século passado, foram encontrados diversos objetos, a maioria doados pelo então prefeito Manoel Ferreira de Barros. Parte desse acervo, inclusive “restos de fardamentos”, está em exposição na sede do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, em Maceió, de acordo com Adelmo Monteiro. Entradas de túneis foram irremediavelmente lacradas com a construção da unidade de saúde.
Vizinho ao hospital, já nos anos 70, foi erguido outro prédio para serviços de saúde pública. Durante os serviços, novas descobertas aconteceram e mais uma vez desperdiçadas com doações para particulares da cidade e de outros locais. O patrimônio de Porto Calvo escorria como areia fina entre as mãos dos que não percebiam a importância de manter no município as relíquias de sua própria história.
De Zumbi a Calabar, templo é referência O templo que homenageia atualmente Nossa Senhora da Apresentação tem em sua fachada a inscrição com o ano de 1610. Para Audemário Lins, autor de obras sobre Calabar e Zumbi dos Palmares, a cartela indica o término de sua construção. Ele acredita que o começo da obra deve ter ocorrido em 1597, corrigindo uma informação passada aos turistas e estudantes quanto ao significado do registro. Sobre a versão de que o herói negro Zumbi dos Palmares tivesse sido coroinha da igreja, Audemário diz que não encontrou em suas pesquisas registro que atestasse a suposição. Ele acredita que “Zumbi, uma criança escrava, deve ter feito serviços de limpeza na igreja para o padre”.
As observações feitas por Audemário, mais conhecido por Calabar por causa de sua dedicação à vida do conterrâneo, são frutos de “muitas horas de leitura” que lhe renderam 6 graus em cada lente dos óculos. Cansado, garante ter concluído a última investida sobre a vida do mulato filho de uma índia e de pai desconhecido. Trata-se do original ainda sem previsão de publicação intitulado “Tributo a Calabar e Arciszewiski”, este um oficial polonês que lutou ao lado do brasileiro a serviço do príncipe Maurício de Nassau.

Comentários sobre a matéria: Para quem não sabe, Cabalar é uma figura que se   destacou na história pátria colonial durante a época da invasão dos holandeses no Nordeste (1630-1654). Morador de Porto Calvo, Alagoas, passou para o lado holandês em 1632. Consequentemente, é desprezado pela maioria das pessoas como traidor. Mas, nos peruntamos: A quem Calabar traiu? Ele não traiu o Brasil, pois naquela época o Brasil ainda não era uma pátria. Muitos defensores de Calabar o defende dizendo que ele fez o que era melhor para o Brasil.
A iniciativa de Maragogi  é muito importante, pois estão tentando resgatar a base histórica de Porto Calvo e é a população quem está a frente de tudo isso.



Vale lembra......



A origem é lendária. Dizem que antes da chegada de Cristóvão Lins para assumir as terras que ganhara da Coroa, às margens do Rio Manguaba, um velho calvo morava nas redondezas. O Porto do Calvo ficou conhecido desde então.  Quando a povoação se consolidou, após a criação dos primeiros engenhos, foi elevada à vila com o nome de Bom Sucesso, em regozijo à vitória obtida contra os holandeses. Mais adiante, foi denominada Santo Antônio dos Quatro Rios, devido aos cursos d`água que a rodeiam. Todavia, a denominação original prevaleceu arraigada que estava no coração de sua gente.

História - Quem quer que passe pela estrada litorânea que liga Alagoas a Pernambuco, viajando de Maceió, na região balizada por morros e rios, antes de Japaratinga e Maragogi, avista uma cidade que imediatamente traz recordações de grandes acontecimentos históricos. Desde a fase da expansão dos engenhos, passando pelo período de domínio holandês, ela esteve indelevelmente ligada à história do Nordeste e do Brasil. Parecerá ao viajante ouvir ruídos e vozes distantes, falas estranhas e ininteligíveis de índios, portugueses, negros, espanhóis e flamengos com seus desejos, medos e ambições. Tantos personagens, tantas emoções, que essa pessoa será levada a concluir que ali há um túnel do tempo, outra dimensão ou um museu invisível.

Na bandeira e no brasão de Alagoas, somente ela e mais duas cidades têm o privilégio de ter o seu escudo colocado em realce. Herança da engenharia heráldica holandesa, o primitivo brasão foi idealizado por Maurício de Nassau, que reconheceu a sua importância e destacou os três morros postos em faixa, típico de sua formação montanhosa. Para diferenciá-los do antigo símbolo holandês, nossa bandeira e brasão atual trazem quatro faixas ondadas de azul que representam os quatros rios dali: o Tapamundé, o Moicatá, o Comandatuba e o Manguaba, alusão ao antigo nome da sesmaria doada a Antônio de Barros Pimentel, que era chamada de Santo Antônio dos Quatro Rios.              

Renomada por sua antigüidade e por feitos imorredouros ao longo de sua trajetória colonial, a segunda cidade mais antiga do estado edificou-se a partir de uma sociedade patriarcal voltada para a cultura da cana-de-açúcar, com a hegemonia de um patriciado rural sustentado pelo trabalho escravo. Avulta nela a grande propriedade, que tinha o engenho bangüê como centro e a capela e a senzala como elementos indispensáveis ao projeto de colonização, implantado de forma autoritária para os índios que viviam no local antes da chegada dos portugueses e dos negros africanos trazidos à força de sua distante terra. Posto intermediário onde se detinham os que vinham da sede da capitania em demanda a Alagoas do Sul e ao seu ponto extremo, Penedo do São Francisco, tinha Porto Calvo base populacional expressiva de mulatos, resultante dos cruzamentos entre os brancos senhoriais e os negros mantidos em servidão nos numerosos bangüês existentes em sua área geográfica. Calabar, ícone da região e uma das figuras mais controvertidas da história brasileira, é um exemplo de mulato, filho de senhor de engenho e escravo, o que explica muitos fatos de sua vida, seu comportamento e o desejo de independência e respeito pessoal.

Duarte Coelho já teria percebido o valor estratégico da localidade quando percorreu sua capitania costa abaixo, “entrando nos portos todos de seus domínios”. As diversas tentativas de estabelecer um posto avançado de Olinda só se concretizariam quando Cristóvão Lins, a mando de Jerônimo de Albuquerque, novo donatário, substituindo sua irmã, que falecera, percorreu o litoral chefiando uma bandeira. Esta bandeira combateu os índios, resistentes encarniçados ao projeto de colonização, e lhes tomaria as terras para o plantio de cana-de-açúcar. Como prêmio ao sucesso de sua cruzada, Cristóvão Lins recebeu a vasta sesmaria que ia da foz do Manguaba até o cabo de Santo Agostinho.

Casado com D. Adriana de Holanda, o nobre florentino fez prosperar a sesmaria e edificou sete engenhos e uma capela, desenvolvendo a agricultura, tornando-se o pioneiro da indústria açucareira, após expulsar os potiguaras. Recebeu o título de alcaide-mor. Iniciara-se a colonização. 

Dirceu Lindoso opina que, embora ela seja a segunda povoação mais antiga, depois de Penedo foi, no entanto, a primeira comunidade política estabelecida na parte austral de Pernambuco e que “de uma fortaleza militar, ela evoluiu para uma cidade defendida e depois para o centro político principal da Alagoas Boreal”. A ocupação da colina, segundo ele, foi antes um ato militar. Se o patriarca Cristóvão Lins ficou para estabelecer as bases do povoamento, responsável pelos primeiros engenhos que fizeram florescer o valioso burgo, a partir de 1560 coube ao seu neto, o jovem Cristóvão Lins de Vasconcelos, se eternizar quando das lutas de restauração contra os holandeses, liderou seus habitantes contra os invasores dos Países-Baixos. A consolidação do novo centro econômico, político e militar da capitania foi ameaçada por lutas e revoltas ao longo do tempo, uma delas nesse período.

Sua bravura foi cantada por Frei Manoel Calado, entusiasta da expulsão dos flamengos, de língua diferente e religião inimiga da Igreja Católica. No livro “O Valoroso Lucideno”, espécie de Ilíada dos portugueses que, claro, dá versão portuguesa e maniqueísta do conflito, há a seguinte estrofe:

“Não me posso escusar de dar louvor
A um mancebo de tão tenra idade.
Com quem o esforço, o brio e o valor
Confirmam da nobreza a qualidade.
Foi desta povoação descobridor:
Cristóvão Lins, exemplo de bondade.
Porém se pelo avô foi conquistada.
Também foi pelo neto restaurada.”

A restauração de Porto Calvo, como a de Penedo, foi um marco divisor da guerra, interrompendo a gangorra de vitórias e derrotas de ambos os lados. A comoção causada pela prisão pelos batavos do fidalgo portocalvense Rodrigo de Barros Pimentel, casado com dona Jerônima de Almeida, matriarca de grande prestígio, e a aliança de Cristóvão Lins com Vasco Marinho Falcão, encorajou os habitantes da vila ao enfrentamento decisivo, atraindo gente de todos os lugares da região, armada com espingardas, dardos, espadas, paus, facões, foices, arcos, flechas e todo tipo de arma disponível. Um barco holandês conduzindo víveres e munições foi capturado no Rio Manguaba. Após 42 dias de sítio, a cidade foi retomada pelos nativos. Em 17 de setembro de 1645, o pavilhão flamengo foi arriado sob o olhar pesaroso do coronel Calram Florins e substituído pelo pavilhão dos quinas, como eram chamados os restauradores.

Naqueles dias incertos e tempestuosos, imortalizavam-se pelo heroísmo demonstrado nas batalhas as figuras de Felipe Câmarão, sua mulher dona Clara Camarão, Henrique Dias, Jerônimo de Albuquerque e o mais controvertido deles, Domingos Fernandes Calabar, considerado pelos portugueses um traidor, e por muitos historiadores um herói.

Detentor de incrível coragem e conhecedor do terreno, Calabar mudou o curso da guerra ao escolher as hostes holandesas. Traído por um morador, entregou-se durante o cerco à cidade para poupar seus novos companheiros. Foi enforcado e esquartejado em sua cidade natal, onde hoje é glorificado. Chico Buarque de Holanda escreveu um trabalho sob o sugestivo título de “Elogio da Traição”. Há vários livros sobre o tema, como “Calabar, o Patriota”, de Hercules Pinto, e a significativa frase de José Bonifácio, o Moço: “A quem traístes, herói?”.

Outro fato que merece registro na cidade são as passagens dos visitadores do Santo Ofício, perseguindo pessoas por heresia e comportamento inconveniente. Há alguns casos de denúncia de portocalvenses que redundaram em duras penas da terrível Inquisição, em Lisboa. Também merece menção o papel desempenhado pela povoação, no Século XVII, por ocasião dos ataques à fortaleza do Quilombo dos Palmares, pois era lá a base onde se concentravam as forças reais que partiam na tentativa de destruir a famosa cidadela da liberdade.

De lá saíram, por exemplo, em 1677, a primeira expedição chefiada pelo sargento-mor Manoel Lopes Galvão, e a do capitão Fernão Carrilho, que por ter vencido pela primeira vez os denodados negros, imaginou erroneamente que tinha acabado com a chamada Tróia Negra. Ainda podemos assinalar no Século XIX sua participação nos movimentos da independência, com a criação da primeira junta governativa emancipadora, sua presença no movimento revolucionário de 1824, na Guerra dos Cabanos, de 1831 a 1834, e ainda, na Revolução Praieira, de 1848 e 1849.

Fonte: Enciclopédia Municípios de Alagoas


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Carta Testamento de Getúlio Vargas

Carta Testamento de Getúlio Vargas

Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
“Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
“Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
“E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Doce lucro - Stuart B. Schwartz

Doce lucro

A cana-de-açúcar reforçou o papel do Brasil na economia global e foi responsável pela invenção de uma nova sociedade. O negócio era ser “senhor”

Stuart B. Schwartz
1/7/2013
  • O Brasil colonial não nasceu do açúcar, mas do pau-brasil. Foi a famosa madeira, da qual se extrai um corante, que primeiro deu motivos aos portugueses para se estabelecer e explorar a terra a que tinham chegado em 1500. Porém, foi a introdução da cana-de-açúcar e a dos engenhos, com sua tecnologia para a produção de açúcar, as verdadeiras responsáveis por transformar a colônia três décadas depois desse primeiro contato. O açúcar foi a madrasta da colonização, que por quase dois séculos regeu a história econômica, social e política do Brasil. E, em algumas regiões, continua a dominar.
    Ao longo da costa brasileira – primeiro em São Vicente, Pernambuco e Bahia, depois no Rio de Janeiro e em outras áreas – foi no espaço dos engenhos que a sociedade colonial tomou forma. Essa nova sociedade era fruto da Europa medieval, a partir do conceito jurídico de estados ou ordens, com nobres e plebeus, pagãos e cristãos, cristãos-novos e cristãos velhos. Foi modificada ainda com as novas realidades americanas de etnias ou raças. A presença de índios e africanos, que tinham diferentes cores de pele, culturas, religiões e línguas, criava novas hierarquias.
    Os engenhos não erigiram essa pirâmide social, mas a reforçavam. Nessas verdadeiras indústrias, os brancos eram os donos da terra e das moendas. Os indígenas e depois os africanos eram a força de trabalho. E cabia aos brancos pobres, mulatos, mestiços e libertos os chamados “ofícios mecânicos”. Essas fazendas se transformaram no espelho e na metáfora da sociedade brasileira: os brancos nas mais altas posições, os negros (ou índios) na mais baixa, e as pessoas de raças misturadas, no meio. Gradações bem parecidas, aliás, com as da produção do açúcar: o branco como o mais valorizado; o de panela, escuro, e de menor valor; e o marrom, mascavo, no meio.
    Claro que sempre houve segmentos da sociedade que não estavam diretamente envolvidos na produção açucareira – como roceiros, boiadeiros, calafates (profissionais que vedam as frestas de uma embarcação) e sertanistas – mas era frequente, de um jeito ou de outro, que seus negócios (as plantações, o gado, as embarcações, os índios cativos) estivessem relacionados com a economia do açúcar. Até o surgimento de Minas Gerais como força econômica, era comum dizer que o Brasil era uma “sociedade e civilização do açúcar”.
    É fácil entender por quê. A produção do açúcar cresceu de forma rápida especialmente em Pernambuco e na Bahia. Em 1570, havia 60 engenhos no Brasil. Em 1630, eram 350 e produziam mais de 20 mil toneladas por ano. A riqueza estava sendo criada. No fim do século XVII, o lucro que a colônia dava a Portugal já era cerca de 50% maior que o seu custo de manutenção. Esse período de rápida expansão no século XVI, quando algumas fortunas foram criadas, foi possível em função dos altos preços do açúcar no mercado europeu. Já na década de 1620, guerras e retrações econômicas diminuíram as margens de lucro. Embora os preços tenham subido novamente em 1640, o início da competição com o açúcar das ilhas caribenhas nas décadas seguintes acabou abaixando os valores novamente. Junto a isso, a demanda nessas ilhas por trabalho aumentou o custo dos escravos no Atlântico. No fim da década de 1680, os senhores de engenho no Brasil reclamavam que a indústria açucareira estava quase falindo. Mas as guerras europeias novamente mudaram as condições do mercado, e os produtores brasileiros outra vez ganharam confiança.
    Depois de 1670, o Brasil nunca mais dominou o mercado do açúcar no Atlântico da mesma maneira que antes, mas a indústria açucareira permaneceu lucrativa. Na maior parte do século XVIII, os senhores de um engenho bem administrado contavam com um lucro anual de 5 a 10%. E em algumas décadas, como a de 1790, os ganhos foram consideravelmente maiores que isso. Também é importante lembrar que, até no ápice da mineração de ouro no século XVIII, o valor da produção agrícola sempre excedeu o do garimpo. Mesmo quando Barbados, Jamaica e outras ilhas se tornaram grandes produtores de açúcar, o Brasil produzia mais do que todos eles. Apesar das rivalidades e competições entre si, o setor açucareiro – os senhores de engenho, os lavradores de cana, os mercadores que entregavam o açúcar – continuaram sendo uma força política na colônia.
    O Brasil se tornou uma colônia de sucesso porque a coroa portuguesa podia taxar a produção e o comércio de açúcar, e percebia que a indústria açucareira crescia principalmente a partir de investimentos privados. Enquanto isso foi verdade, a coroa portuguesa deu aos produtores de açúcar alguma liberdade. O crescimento da produção de açúcar foi acompanhado por outra mudança e, de alguma forma, só foi possível graças a ela: a questão da mão de obra indígena. Na primeira metade do século da produção brasileira, os povos nativos foram contratados ou forçados a trabalhar no campo. Mas a relutância de guerreiros em trabalhar na agricultura – que eles consideravam serviço de mulheres – as doenças epidêmicas da década de 1560, as guerras de resistência, as leis reais contra a escravização dos indígenas (de 1570, 1595 e 1609), além dos esforços dos jesuítas que exigiam um tratamento mais digno para os índios, tornaram muito caro e difícil o uso de trabalhadores indígenas. A resposta veio da África.
    Os escravos africanos eram caros, mas os portugueses acreditavam que eles eram mais produtivos que os índios, e menos propensos a fugir ou a morrer de doenças. “Sem açúcar, não há Brasil; sem a escravidão, não há açúcar; sem Angola, não há escravos”, era um dito comum que mostrava a centralidade do açúcar, da escravidão e da África para a existência da colônia. O que saiu daí foi o sistema de plantation, que ao fim se espalhou pelas Américas, de Luisiana a Barbados, como uma forma clássica de produção do açúcar e, depois, para o cultivo de café, cacau e outras monoculturas
    A escravidão fazia parte de todos os aspectos da vida brasileira, mas nas áreas do açúcar os escravos eram frequentemente 70% da população. A alta mortalidade e as baixas taxas de fertilidade dos escravos nessas áreas exigiam uma importação contínua de mais africanos – um fato que ajuda a explicar a presença e a persistência da cultura africana no Brasil. Quando o Conde de Arcos, governador da Bahia, reclamou com exasperação em 1760 que sua capitania era “uma terra de hotentotes [povo do sudoeste da África]”, ele estava reconhecendo a herança do açúcar.
    A influência do doce produto ultrapassava as porteiras dos engenhos. Quase todas as primeiras cidades brasileiras foram portos criados para exportar o açúcar e importar maquinário, materiais, comida e pessoas necessárias às moendas. Já a “incrível machina e fábrica”, como o padre Antônio Vieira chamou os engenhos, por sua vez, eram verdadeiras cidades: escravos, administradores, trabalhadores livres e artesãos se reuniam nas lavouras, o que reduzia a necessidade de pequenas vilas rurais e comunidades. As capelas, por exemplo, encontradas em muitos engenhos, serviam como centros da vida religiosa. Além disso, nos primeiros anos da colonização, os engenhos também tinham uma função defensiva contra ataques indígenas, ou seja, cada engenho era “uma nação dentro de si”, conforme comentou um contemporâneo. Outros observadores ressaltaram que, por estar tão diluído nesses pequenos pontos isolados, faltava ao Brasil colonial o senso de comunidade e coesão social.
    Nas cidades verdadeiramente constituídas era possível encontrar ainda figuras importantes, como mercadores portugueses e estrangeiros, advogados, inspetores, fiscais de impostos e oficiais do governo. Essa aglomeração até alimentava as tensões entre engenho e município, senhor de engenho e mercador, mas pesquisas recentes têm mostrado que as elites urbana e rural estavam muitas vezes interligadas, e que a posse de um engenho era um objetivo social, não apenas uma atividade econômica. Os senhores de engenho insistiam em usar esse título porque ele significava autoridade senhorial. Eles raramente se autodenominavam “fazendeiros”. Como na famosa passagem de padre Antonil (pseudônimo do jesuíta italiano Giovani Andreoni, que viveu no Brasil entre os séculos XVII e XVIII): “é título [o de senhor] a que muitos aspiram, porque traz consigo a ser servido, obedecido e respeitado de muitos”.
     Muitos dos senhores de engenho tinham origem plebeia ou eram cristãos-novos (ou seja, descendentes de judeus), mas agora viviam e agiam como se pertencessem a uma aristocracia. Eles eram apoiados pelos lavradores de cana, que não tinham capital suficiente para ter seus próprios engenhos, mas que, ainda assim, cultivavam a cana-de-açúcar em suas propriedades ou em terras alugadas. Essa classe era característica da economia brasileira do açúcar. Entre esses lavradores havia desde homens ricos com alto status até pobres e dependentes. O certo é que a maioria era branca e quase todos desejavam possuir seu próprio engenho. Por volta de 1710, quando o Brasil tinha 525 engenhos, havia cerca de 450 famílias controlando-os, e em torno de 2 mil famílias de lavradores. Juntos, eles formavam a elite colonial. Mesmo que fossem frequentes as dívidas com mercadores da colônia, o setor açucareiro encantava estes comerciantes: até eles buscavam ganhar prestígio social para também se tornarem senhores de engenho.
    Conforme a indústria açucareira se desenvolveu, o campo se ajustou ao seu produto principal e às suas necessidades. Gado, lenha e farinha de mandioca estavam todos ligados ao mundo dos engenhos. E no centro de tudo estava a safra de nove meses, com a qual o engenho operava dia e noite, moendo a cana e consumindo a lenha e as pessoas para produzir açúcar e riqueza. “Um engenho de açúcar é o horror, e todos os seus senhores são malditos”, disse o jesuíta Andrés de Gouvea, na Bahia, em 1627. Padre Antônio Vieira fez uma comparação do caldeirão de cobre e da fumaça que subia das caldeiras com o inferno. Em um famoso sermão, ele equiparou os escravos do engenho à paixão de Cristo.
    Vieira era um realista, cujo irmão era dono de engenhos na Bahia. Ele conhecia bem a economia da cana. Sempre reconheceu que a riqueza do açúcar assegurava o crescimento do Brasil. O seu comércio garantia a Portugal a capacidade de se manter independente e de defender o seu império contra as ameaças de conquistas dos holandeses invejosos ou a absorção pela vizinha Castela. Mesmo que no fim do século XVII Vieira tenha reconhecido que a frota brasileira, às vezes, carregava “mais queixas que caixas”, ele, como as demais pessoas, viram que o açúcar moldou o corpo e a alma da colônia, suas virtudes e seus pecados, e deu importância ao Brasil dentro do império de Portugal e da economia global. Esse legado continuaria de diversas formas bem depois de o açúcar deixar de ser o principal produto brasileiro.
     
    Stuart B. Schwartz é professor daUniversidade de Yale (EUA) e autor de Segredos internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835 (Companhia das Letras, 1995).

A história macabra do açúcar - William Dufty

A história macabra do açúcar
William Dufty *
É tentador averiguar a função exercida pelo açúcar no declínio do Império Árabe.
Após a ascensão do Islã, o açúcar veio a se tornar uma potente arma política. Os homens seriam capazes de vender suas próprias almas para tê-lo. O mesmo destino que destruiu os conquistadores árabes viria agora a atormentar seus adversários cristãos. Em sua marcha para arrancar os lugares santos das mãos do Sultão, os cruzados logo desenvolveram um gostinho todo especial pelo condimento dos sarracenos. Alguns desejavam simplesmente se lançar nas terras dos infiéis para receber suas doses de suco fermentado de cana e doces. Em breve os governantes europeus viriam a descobrir que seus embaixadores na corte do Egito estavam se corrompendo pelo hábito de comer açúcar, e sendo subornados com custosas especiarias e açúcar. Alguns tiveram que ser retirados.
A última grande Cruzada terminou em 1204. Poucos anos mais tarde o Quarto Concílio de Latrão reuniu-se em Roma para planejar outras cruzadas contra hereges e judeus. No ano de 1306 o Papa Clemente V — exilado em Avignon — recebeu um apelo em favor da reativação das cruzadas dos bons velhos tempos. Cópias deste apelo foram enviadas aos reis da França, Inglaterra e Sicília. Este antigo documento diplomático delineava uma posição estratégica açucareira voltada para o Sul, tendo como pretexto expulsar para o inferno aqueles crápulas sarracenos.
"Nas terras do Sultão, o açúcar cresce em grandes quantidades e dele o Sultão recolhe generosas taxas e tributos. Se os cristãos capturassem estas terras, infligiriam grandes danos ao Sultão e, ao mesmo tempo, a cristandade teria todo seu suprimento garantido a partir de Chipre”.
Diante de sinuosas afirmações deste gênero é chegada a hora da cristandade dar sua grande dentada no fruto proibido. O que sobreveio foram sete séculos, nos quais os sete pecados mortais floresceram através dos sete mares, deixando um rastro de escravidão, genocídio e crime organizado.
O historiador inglês Noel Deerr nos diz claramente: "Não seria exagero afirmar que o tráfico escravo atingiu a cifra de 20 milhões de africanos, dois terços dos quais sob a responsabilidade do açúcar".
Os portugueses saíram à frente na primeira etapa da corrida européia ao açúcar. Os sarracenos haviam introduzido o cultivo da cana-de-açúcar na Península Ibérica durante a ocupação. Grandes plantações foram estabelecidas em Valência e Granada. O célebre Infante Dom Henrique explorou a costa ocidental da África à procura de campos para a plantação da cana fora dos domínios árabes. Não encontrou o que procurava mas, em compensação, descobriu muitos corpos negros aclimatados, que poderiam ser escravizados em regiões tropicais, onde a cana-de-açúcar pudesse florescer. Em 1444, Dom Henrique levou 235 negros de Lagos para Sevilha, onde foram vendidos como escravos.
Isto foi o começo.
Dez anos mais tarde, o Papa foi induzido a estender sua bênção ao tráfico negreiro. A autoridade papal chegou a "atacar, subjugar e reduzir à escravidão os sarracenos, pagãos e outros inimigos de Cristo". A pretensa base racional que guiava o cristianismo no exterior era a mesma que, em casa, justificava a caça a hereges e judeus: salvar suas almas. A chegada de suarentos braços negros para o trabalho dos novos canaviais, nas ilhas da Madeira e Canárias, foi um providencial benefício para o Império Português. Por séculos, as escrituras foram sistematicamente pervertidas para o conforto dos cristãos traficantes de negros e açúcar.
Açúcar e escravidão eram as duas faces da moeda do Império Português. Por volta de 1456 os portugueses detinham o controle do comércio do açúcar na Europa. No entanto, a Espanha não estava muito atrás. Quando os mouros foram expulsos da Espanha deixaram atrás de si seus canaviais em Granada a Andaluzia.
Em sua segunda viagem ao Novo Mundo, no ano de 1493, Cristóvão Colombo levou consigo algumas mudas de cana-de-açúcar, por sugestão da Rainha Isabel. No livro escrito durante esta viagem Pedro Mártir afirma que os exploradores encontraram a cana crescendo nas ilhas de Hispaniola. Colombo sugeriu que levassem nativos das Índias Ocidentais para trabalharem nos canaviais espanhóis. Isabel opôs-se à idéia. Quando Colombo enviou à Espanha duas caravelas repletas de escravos a rainha ordenou que retornassem. Após a morte de Isabel o Rei Fernão de Aragão consentiu em recrutar o primeiro grande contingente de escravos africanos, necessários à florescente indústria açucareira de 1510.
Pouco mais tarde os portugueses começaram a cultivar cana no Brasil com o trabalho escravo (Martim Afonso de Souza fundou, em 1532, em São Vicente, o primeiro engenho de açúcar do Brasil). Existe um elemento extremamente interessante nesta estratégia açucareira lusa. Enquanto outras nações européias queimavam seus judeus, hereges e bruxos, os portugueses esvaziaram suas prisões e enviaram os criminosos condenados para a colonização de suas terras no Novo Mundo. Os "degredados" foram encorajados à miscigenação com as escravas para produzir uma raça híbrida que pudesse sobreviver nos canaviais tropicais.
Por volta de 1500, entram em cena os mercadores holandeses; marinheiros habilidosos, tornaram possível um transporte mais barato — os escravos eram vendidos a crédito. Em breve, os holandeses estabeleceriam uma refinaria de açúcar em Antuérpia. O açúcar em estado bruto era enviado de Lisboa, Canárias, Brasil, Espanha e Costa Bárbara para ser processado nas refinarias de Antuérpia. O produto era, então, exportado para os Estados Bálticos, Alemanha e Inglaterra. No ano de 1560 o Rei Carlos V da Espanha já havia construído seus magníficos palácios, em Madrid e Toledo, com dinheiro proveniente de taxas cobradas sobre o comércio do açúcar. Nenhum outro produto influenciou tanto a história política do mundo ocidental como o açúcar. Ele foi a mola propulsora de grande parte da história do Novo Mundo. Os impérios português e espanhol cresceram rapidamente em opulência e poder.
Da mesma forma que os árabes, também eles entraram rapidamente em declínio. Só podemos especular sobre o fato desse declínio ter sido biológico, ocasionado pela embriaguez de açúcar ao nível da corte. Entretanto, lá estava a Inglaterra esperando para recolher os cacos. A principio a Rainha Elisabeth I evitou institucionalizar a escravidão nas colônias britânicas, considerando-a "detestável", uma coisa que poderia "atrair a vingança dos céus" sobre seu reino. Em 1588 seus escrúpulos sentimentais foram superados. A Rainha concedeu uma carta real, estendendo seu reconhecimento à Real Companhia de Aventureiros da Inglaterra na África, concedendo-lhe assim um monopólio de Estado sobre o tráfico de escravos na África Ocidental.
Nas Índias Ocidentais, os espanhóis, seguindo a trilha de Colombo, haviam exterminado a população nativa e introduzido escravos africanos para trabalhar em seus canaviais. Em 1515, monges espanhóis ofereciam US$500 em ouro, como empréstimo, a quem iniciasse um engenho de açúcar. Posteriormente a Armada inglesa expulsaria os espanhóis. Os escravos refugiaram-se nas montanhas e começaram uma luta de guerrilhas. Os ingleses anexaram as ilhas por tratados formais; o monopólio da Coroa instalou seus capatazes nos canaviais e assumiu o controle do tráfico escravo.
O caldo fermentado da cana era transformado em rum. Os primeiros mercadores de rum traziam a aguardente para Nova York e Nova Inglaterra, onde era trocada por valiosas peles com os índios norte-americanos. Um penny de rum comprava muitas libras de pele que, por sua vez, poderiam ser vendidas na Europa por uma pequena fortuna. Em suas viagens ao Ocidente, a Real Companhia dos Aventureiros da Rainha faria uma visita à costa ocidental da África em busca de escravos; estes eram, então, transportados às índias Ocidentais e vendidos aos plantadores para que plantassem mais cana, fizessem mais melado e rum. Açúcar e pele para a Europa. Rum para os índios americanos. Melado para os colonos norte-americanos.
Este tráfico triangular duraria até que as terras em Barbados e outras ilhas britânicas do Caribe se tornassem gastas, exauridas, esgotadas. Onde nada mais poderia crescer.
O tráfico de açúcar havia se tornado tão lucrativo que por volta de 1660 os ingleses estavam a ponto de ir à guerra para manter seu monopólio. Os Atos de Navegação de 1660 tiveram como objetivo prevenir o transporte de açúcar, tabaco ou qualquer outro produto das colônias americanas para qualquer porto fora da Inglaterra, Irlanda e possessões britânicas. As colônias desejavam serem livres para fazer comércio com todas as potências européias. A mãe Inglaterra desejava proteger suas rendas e manter o inestimável monopólio naval. Ela possuía a Armada Real. As colônias não tinham poder de fogo; assim, a Inglaterra dominava os mares... e controlava a indústria e o comércio açucareiro. Por volta de 1860 a palavra açúcar havia se transformado em sinônimo de dinheiro, em inglês.
Embora alguns historiadores norte-americanos prefiram argumentar que foi a taxa britânica sobre o chá que precipitou a guerra da independência americana, outros apontam o Ato do Melado (Molasses Act), de 1733, que estabelecia pesadas taxas sobre o açúcar e o melado procedentes de outras terras que não as ilhas açucareiras do Caribe. Os armadores da Nova Inglaterra entraram no lucrativo comércio de escravos, melado e rum. Uma carga de rum era levada para a costa de escravos na África, onde era trocada por negros; estes eram levados de volta às Índias Ocidentais e vendidos aos ávidos senhores ingleses. Ali pegavam uma carga de melado que traziam de volta à colônia para ser destilado em rum e distribuído entre seus alcoolizados clientes locais. Muito antes do Boston Tea Party, o consumo anual de rum nas colônias americanas era estimado em quase 15 litros/homem, mulher e criança. O Ato do Melado, de 1733, impôs uma séria ameaça, não apenas ao ciclo comercial das colônias americanas mas, igualmente, à sede pelo demoníaco rum.
"Nenhum barril de açúcar chega à Europa sem que esteja banhado em sangue. Diante da miséria destes escravos qualquer pessoa de sentimento deveria renunciar a este artigo e recusar-se a um prazer que só se toma possível com as lágrimas e mortes de incontáveis criaturas infelizes".
Assim escreveu o filósofo francês Claude Adrien Helvetius, na metade do século dezoito, quando os franceses colocavam-se na dianteira do comércio açucareiro. A Sorbonne o condenou; os padres persuadiram a corte de que ele estava cheio de idéias perigosas; afinal, retratou-se - em parte para salvar a própria pele - e seu livro foi queimado pelos carrascos. Helvetius disse em público aquilo que muita gente pensava em segredo.
O estigma da escravidão perseguia o açúcar por todos os países, particularmente a Inglaterra.
O açúcar tornara-se em todo o mundo uma fonte de riqueza pública e importância nacional. Através de taxas e impostos cobrados sobre o açúcar, o governo tomara-se um cúmplice do crime organizado. Fortunas estavam sendo acumuladas pelos senhores, plantadores, mercadores e armadores; e a única preocupação da realeza européia era como tirar sua fatia do bolo.
Foram necessários três séculos para que a consciência européia se tocasse ao ponto de formar a primeira Sociedade Anti-Sacarita, em 1792. Em breve o boicote inglês ao açúcar se espalharia por toda a Europa. As Companhias Britânicas das Índias Ocidentais - atoladas até o nariz com o comércio do ópio -, aproveitando o tema escravidão, realizaram uma campanha publicitária usando o boicote ao açúcar para praticar inovações moralistas.
"O açúcar das Índias Orientais não é produzido por escravos" era seu lema no século XVIII. "Armazéns B. Henderson China — Rye Lane Peckhan — informa respeitosamente aos amigos da África que tem à venda um sortimento de bolas de açúcar (rapaduras), tendo escrito em letras douradas: O Açúcar das Índias Orientais Não É Produzido por Escravos." Em letras menores trocavam em miúdos: "Uma família, usando 2,5 quilos de açúcar/semana, se usar o açúcar das Índias Orientais em vez do das Índias Ocidentais, por um período de 21 meses, evitará a escravidão ou o assassínio de uma criatura humana. Oito dessas famílias irão, em 19,5 anos, evitar a escravidão ou o assassínio de cem outras criaturas".
O governo de Sua Majestade, com interesses tanto na escravidão quanto no açúcar, falava grandiosamente sobre o Império. A Inglaterra era o centro da indústria açucareira mundial. "O prazer, a glória e o esplendor da Inglaterra foram impulsionados mais pelo açúcar do que por qualquer outro artigo, inclusive a lã", diria Sir Dalby Thomas. "A impossibilidade de ir-se avante sem escravos nas Índias Ocidentais estará sempre a evitar que o tráfico venha a diminuir. A necessidade, a absoluta necessidade de prosseguir, será, já que não existe outra, a sua desculpa", afirmaria uma outra eminente figura política da época.
Não demorou muito para que o Império Britânico se tornasse totalmente dependente do açúcar. A vontade tornara-se necessidade, voracidade, dependência. Açúcar e escravidão eram inseparáveis sendo, portanto, defendidos juntos.
Quando as Índias Ocidentais Britânicas foram assoladas por revoltas de escravos, os colonos, em menor número e vivendo em constante terror, solicitaram proteção à Coroa. “Não podemos permitir que as colônias detenham ou desencorajem, em qualquer grau, um tráfico tão benéfico a esta Nação”, foi dito no Parlamento. “O tráfico escravo e a conseqüência natural (dele) resultante pode ser, com justiça, estimada como uma inesgotável fonte de riqueza e poderio naval para esta Nação”, diria um outro bastião do Império Britânico.
Os franceses foram os primeiros a abolir por lei o tráfico de escravos, no ano de 1807. Passara um outro quarto de século de agitação até que a emancipação fosse proclamada nas colônias britânicas em 1833.
Comentários Conceição Trucom: e a estória macabra continua até os anos de hoje, quando TODA A HUMANIDADE É ESCRAVA doentia do açúcar.
Um exemplo triste é observar quantas livrarias, sebos, cinemas, teatros ou lojas de instrumentos musicais existem em sua cidade x farmácias, padarias e supermercados?

Texto extraído do livro Sugar Blues – William Dufty – Editora Ground (Capítulo "O Mercado Branco - páginas 15 a 30). Livro esgotado só encontrado em sebos.
Sugar Blues é uma expressão idiomática que significa um estado de depressão ou melancolia revestido de medo, ansiedade e desconforto físico. Múltiplas penúrias físicas e mentais causadas pelo consumo de sacarose refinada.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Quando Alagoas emancipará o povo? ANA CLÁUDIA LAURINDO

Quando Alagoas emancipará o povo?

Fonte: http://reporteralagoas.com.br


Lembro da infância em Matriz de Camaragibe, e do cantar da criançada neste dia, quando sem entender ainda o significado da palavra, chamávamos Alagoas de estrela radiosa!
Todas as esperanças vestiam nossos corpos. Éramos seres cívicos e felizes.
A adolescência foi derrubando alguns véus, e no espanto da percepção que brotava imatura, tornei-me crítica; embora limitasse minhas revoltas ao modo de viver local, ao qual atribuía todas as culpas pelas exclusões e anti-cidadanias.
Passei a sonhar com a mudança para a capital, Maceió, como a resolução dos problemas. Ao menos dos meus, que tinha sonho de gente crescida e queria ser escritora e jornalista.
Foi por esse tempo que um amigo de São Luis do Quitunde faleceu em um acidente automobilístico, e reflexionando sobre o perigo do uso do álcool ao volante enviei meu primeiro artigo de opinião para a Gazeta de Alagoas, que o publicou, rendendo-me diversos elogios naquelas plagas.
Em Maceió encontrei o sol! Todas as manhãs podiam ser de mar e as tardes de estudar. Aos 15 anos, comecei a entender que exclusões e anti-cidadania estavam também pelos lados de cá…
Mas Alagoas ainda era radiosa e futurosa. Ao repetir salve a terra de Alagoas fazia coro com a juventude que sonhava tempos melhores, estudos promissores e muitos amores.
Talvez o ingresso no serviço público, com a vinda da idade adulta, tenha feito a cisão definitiva do cordão umbilical, que ligava individualidade e civismo. A necessidade maior tornou-se a de civilidade!
As escolas públicas me trouxeram a dimensão da vala social operante. Cada vez menos luz caía sobre o cotidiano dos nossos alunos e seus familiares, que não eram tão diferentes de nós mesmos e dos nossos familiares também.
Para fugir do desencanto fui me tornando amante da Educação. Contudo, necessitava elementos novos para assegurar a sobrevivência psicológica em contexto que despontava adverso. Encontrei-os no curso de Ciências Sociais da UFAL.
Apesar da jornada educativa, ainda não tinha aprendido o suficiente sobre Alagoas.
Foi quando tentei utilizar as senhas de cidadania que acreditava possuir, para fazer justiça a meu filho Alexystaine, vítima de tortura por agentes de segurança pública em 2007, que descobri serem todas inválidas.
A corrupção, omissão, espírito de corpo, conivência…despencavam às vistas desta mulher e mãe alagoana em dor e estupefação…
Não estava mais em uma terra radiosa, mas vivia a treva da anti-cidadania imposta!
Luta em pausa no dia 22 de novembro de 2010, quando meu filho entrou para as estatísticas dos crimes barateados…sem investigação, sem justiça…Apenas mais um corpo jovem sobre o próprio sangue.
Desde esse momento compreendo que Alagoas ainda não emancipou seu povo, e que apenas uma parcela mínima da população usufrui de sua luz radiosa em amplos espaços institucionais, tornados covis para tramar todas as vilanias.
Nós sociedade, mães e pais, jovens e crianças, ainda não sentimos o gosto da civilidade que acreditamos ter. Nossa realidade é montada sobre esquemas imaginários de cidadania, que, na prática, resultam em mais exclusões.
Mas cantemos, celebremos as lutas justas, e acumulemos força para resistir ao dia do despertamento.

Rios de histórias: memória das águas de Alagoas

Rios de histórias: memória das águas de Alagoas


MACEIÓ - Sol e mar é sempre uma combinação indispensável quando o assunto é Nordeste, mas nem sempre é a única opção de passeio. Alagoas vai muito além de suas praias. O estado tem mais de 60 lagoas, rios e lagunas, que levam a destinos que lembram marcos da História do Brasil, como União de Palmares, onde ficava o famoso quilombo que tanto assombrou os antigos donos de engenhos e que chegou a ser reconhecido como uma sociedade organizada pela coroa portuguesa, e Pontal de Coruripe, palco de um famoso episódio do Brasil Colônia: o naufrágio e morte do português Dom Pero Fernandes Sardinha - que para o dramaturgo José Celso Martinez foi o primeiro grande ato teatral brasileiro.

E nem é preciso se afastar muito da capital do estado para conhecer esses lugares, que além da paisagem e do contexto histórico, oferecem boas opções de gastronomia e lazer. Garimpamos programas em cidades que ficam até a duas horas de distância de Maceió, ideal para um passeio durante o dia, sem perder a viagem na estrada. Não que isso seja um grande problema, já que até as rodovias do estado guardam belezas que merecem ser descobertas como a vila de Massagueira. Depois do passeio é só colocar os pés para o alto e relaxar. Afinal, estamos em Alagoas, onde o tempo corre no mesmo ritmo lento das águas de seus rios.
Foi em Pontal do Coruripe, onde o rio se encontra com o mar, há cerca de 90 quilômetros de Maceió, que foi encenado o primeiro grande ato teatral brasileiro. É o que acredita o dramaturgo José Celso Martinez, que se prepara para filmar uma cena de seu documentário autoral. Caracterizado como o bispo português Dom Pero Fernandes Sardinha, num traje todo branco, Zé Celso incorpora o primeiro bispo do Brasil, que em 1556, depois de um naufrágio, teria servido de banquete aos índios caetés, que habitavam a região. Para o documentário, o diretor teatral pretende reviver a cena, que foi chamada pelo modernista Oswald de Andrade, em seu manifesto antropofágico, de verdadeiro início da História do Brasil. Mas com algumas alterações, claro.
- A gente vai mostrar que a Igreja massacrou os (índios) caetés, e tomou conta desse lugar. Se dizia que a História brasileira começou com Anchieta catequizando os índios, e Oswald de Andrade inverteu isso, colocando que a História brasileira começou quando os índios comeram os portugueses. Esse é um ponto histórico do Brasil fundamental, foi o que determinou a antropofagia, a Tropicália, e hoje ela é uma filosofia que o mundo todo segue - explica (ou confunde) Zé Celso, antes de reiniciar as filmagens do "DocZé", como está sendo chamado o filme produzido pelo videomaker Tadeu Jungle e Elaine César, que já passou pela Grécia - berço do teatro - e pretende encerrar em Canudos, no Sertão da Bahia, uma alusão à montagem do romance-relato de Euclides da Cunha feita pelo Teatro Oficina.
Início da História do Brasil ou não, o episódio do naufrágio, que não chega a ser unanimidade entre os historiadores, é sustentado com orgulho pelos moradores como verdade absoluta, atraindo turistas para ver onde teria morrido o primeiro bispo do Brasil. Disso não existe nenhuma prova. Mas num passeio turístico famoso pelo local, nos Baixios de Dom Rodrigo, em meio às barreiras de recifes, os visitantes podem ver os destroços de alguns naufrágios, provocados pela grande quantidade de corais naquele pedaço do litoral. É o que basta para aguçar a imaginação.
Quem não quiser se aventurar num barco para ver os destroços de outras embarcações - a ironia aqui é inevitável - pode fazer o passeio de uma forma mais segura, pelo Farol de Coruripe. Na maré baixa, é possível avistar os Baixios da Praça do Farol, onde fica o famoso cartão-postal da cidade construído em 1948 para orientar os navios que passam pela região. Da praça, também é possível observar a grande faixa de areia da praia que aos poucos está sendo descoberta pelos turistas, mas por enquanto conserva um certo ar de praia deserta.
Outro ponto de interesse da vila é a Igreja Bom Jesus dos Navegantes, onde fica a imagem do protetor dos pescadores, e é realizada a única procissão marítima de Alagoas. A tradicional festa, em janeiro, teria tido suas primeiras celebrações ainda no século XIX, depois que a Igreja de Nossa Senhora da Penha foi destruída pelo mar. Em seu lugar, foi erguida a Igreja de Bom Jesus dos Navegantes, como uma forma de evitar novos desastres da natureza. E desde a construção, a festa é realizada. Para quem não puder conhecer a cidade durante a comemoração, vale visitar pelo menos o interior da igreja, que nos fins de semana, à noite, fica aberta para os turistas.
Coruripe oferece ainda outras opções de passeio para quem não se interessa por História, ou que pelo menos prefere curtir o local pelo seu presente. Além da bela praia, um rápido passeio pelas pequenas ruas que formam a vila de pescadores do pontal tem um pequeno tesouro: os artesanatos feitos da palha de ouricuri, que vem das folhas de uma espécie de palmeira pequena que cresce no local, uma tradição que começou com os caetés. Apenas com aquele material as mulheres - e até os homens da região - tecem bolsas, carteiras, bandejas e cestas. Muitos expõem seus produtos na janela de casa, transformando aqueles pequenos quadrados em uma verdadeira loja.
- Minha mãe me ensinou quando eu tinha sete anos, e eu já ensinei a muita gente. Isso passa de pai para filho. O artesanato é uma benção para a gente - diz a sorridente Maria da Luz, de 63 anos.
Massagueira: um refúgio no meio do caminho
No caminho entre Pontal do Coruripe e Maceió se esconde uma pequena vila de pescadores que já virou point dos moradores da região. Na beira da lagoa de Manguaba fica o povoado de Massagueira, um distrito de Marechal Deodoro que vive de seus pescados, das cocadas que são vendidas na entrada do vilarejo e de seu polo gastronômico, com bares que ficam lotados nos fins de semana. A explicação para tanto agito é simples: Massagueira fica a poucos quilômetros da entrada de Maceió, no caminho de volta das praias. Outro atrativo é o preço dos pratos, abaixo do que se costuma encontrar num restaurante da capital alagoana.
Entre as várias opções de bares e restaurantes, o destaque vai para o Bar do Pato, que, como o nome já diz, inclui a iguaria no cardápio, mas tem como carro-chefe outro prato: camarão crocante. Mesmo quem não gosta não consegue deixar de comer, a não ser se houver proibição médica. Fresquinhos, parecem biscoitos na boca. O prato para duas pessoas (mas que pode servir até quatro, dependendo do apetite) custa R$ 26,40. A peixada para duas pessoas sai por R$ 32, e a meia porção de agulhinha frita sai por R$ 9,80. O arabaiana, uma das espécies de peixes locais, é outra boa pedida. Não deixe de pedir de acompanhamento o pirão feito com coco e arroz.
Enquanto espera a comida, aproveite para relaxar e curtir um pouco a lagoa. No próprio restaurante, há um pequeno deque para quem quiser tirar o sal do corpo com um mergulho. Mas atenção, se o seu objetivo é passar um dia sem dor de cabeça, fica aqui o conselho: evite Massagueira nos fins de semana e feriados. Sim, porque o que os turistas ainda estão descobrindo, os locais já estão carecas de conhecer e, como não poderia deixar de ser, usufruir. As pequenas ruas ficam lotadas de carros e o engarrafamento não dá sossego, tornando o paraíso um verdadeiro inferno.
Pilar: Local da última sentença de morte do Brasil
A pequena Pilar, a cerca de 30 quilômetros de Maceió, foi o local da última sentença de morte dada pela Justiça no Brasil, em 28 de abril de 1876. A data até hoje é lembrada pelos seus moradores , que encenam o episódio todos os anos na Casa da Cultura. O executado pela ordem judicial, que teve aval do imperador Dom Pedro II, foi um escravo condenado por assassinato. Na memória, ficou apenas seu primeiro nome: Francisco.
À primeira vista, o município não parece ser um local com um significado histórico tão grande. Mas basta uma olhada na vista da lagoa Manguaba, que banha a região, para entender porque Pilar era conhecida pela sua grande concentração de engenhos. A lagoa era usada para transportar o açúcar produzido em toda a região, e por isso, o município chegou a ser considerado a terceira economia mais importante do estado.
Hoje, no entanto, a maioria dos engenhos foi extinta. É o caso do primeiro da cidade, cuja sede deu lugar a uma escola pública. Apesar disso, ainda é possível visitar algumas construções da época, como a Fazenda São Pedro, que fez parte do antigo Engenho Cachoeira do Imburí. O local, que hoje funciona como reserva particular de Patrimônio Natural, é aberto para visitantes. Os donos, o casal Francisco e Carmelita Quintella, recebem pessoalmente os turistas.
- Foi aqui que começou o povoamento dessa região, com 19 famílías. Depois, isso aqui cresceu e passou a fazer parte da rota do comércio em Pilar - conta seu Chico, que lembra ainda que o sítio era também uma rota de fuga dos escravos - Eles passavam por aqui no caminho para União de Palmares, onde ficava o quilombo de Zumbi.
Além do passeio pela fazenda, que inclui três trilhas, a mulher de Chico oferece aos visitantes uma prova da culinária da época. Para isso, ela foi buscar com uma tia dele, de 94 anos, as receitas que eram feitas quando os engenhos ainda moviam a economia da região. Entre os quitutes, está a mandioca cozida com coco, uma espécie de doce que é servido embrulhado numa folha para conservar o calor. O gosto suave lembra um bolo que derrete na boca a cada garfada. Outra iguaria feita pela cozinheira é o nêgo bom, um doce de banana batido com açúcar branco e mascavo, ideal para tirar qualquer pessoa da dieta. Para completar, todos os produtos são fresquinhos, plantados na própria fazenda. O melhor é chegar cedo para conhecer o local e depois almoçar a deliciosa comida de Carmelita. Se não der tempo para a sobremesa, não precisa ficar triste: todas são vendidas em embalagens para viagem por lá mesmo...
União dos Palmares: Um parque temático para lembrar Zumbi
Ao contrário da crença popular, a terra da liberdade não fica nos Estados Unidos, mas em Alagoas. Pelo menos é o que sustentam os moradores de União dos Palmares, a cerca de 80 quilômetros de Maceió. É ali que está a Serra da Barriga, onde ficava o Quilombo de Palmares. O ícone da resistência negra contra a escravidão, que foi destruído a tiros de canhão em 1694 por um exército comandado pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, mais de cem anos depois de sua fundação, hoje abriga o Parque Memorial Quilombo de Palmares, criado em 1997 em comemoração ao título de Herói Nacional concedido a Zumbi, que reinava no quilombo quando ele foi destruído.
O parque reconstitui as construções do quilombo, entre elas a casa do chefe, onde Ganga Zumba - considerado o primeiro chefe do quilombo - e Zumbi teriam morado. O passeio inclui a visita a Lagoa Encantada dos Negros, onde está a Gameleira Sagrada, uma árvore cuja semente teria sido trazida da África pelos escravos na época da fundação do quilombo. As rochas na beira da lagoa também têm algumas marcas atribuídas aos quilombolas.
O acesso ao parque, no entanto, pode ser um problema, uma vez que a estrada é muito íngreme e grande parte não foi asfaltada. Por isso, a prefeitura não aconselha a visita nos meses de inverno, quando chove mais na região. As operadores que fazem o passeio estão usando um transporte da prefeitura que leva os turistas do pé da serra até o parque. Mas apesar das dificuldades, de acordo com a secretária de Turismo da cidade, Isabel Gomes, só entre os dois primeiros meses desse ano, o parque teve mais de 1.500 visitantes.
- A gente recebe muitos professores e estrangeiros atraídos pela história de Zumbi de Palmares - conta, afirmando que a estrada deve ser asfalta ainda este ano.
No pé da serra, a visita continua no povoado de Muquém, onde vivem os remanescentes do quilombo, até hoje quase que isolados do resto da cidade, pois seus moradores dificilmente se casam com pessoas que não sejam de lá - um resquício do isolamento que durante muito tempo foi imposto a eles. São cerca de 500 pessoas, que vivem, principalmente, da pesca no Rio Mundaú, que banha a cidade, e de seu artesanato de barro. É assim que descendentes de Palmares como Marinalva Bezerra, de 68 anos, ganham a vida.
- Já ganhei duas medalhas pelo meu trabalho, viu? Não é só jogador que ganha prêmio. Hoje eu tenho 25 filhos e sete bisnetos, mas ninguém quer aprender a fazer o artesanato - lamenta Marinalva, lembrando que a tradição do artesanato em sua família começou com sua tataravó.
Outra artesã famosa da cidade é Irinéia Rosa dos Santos. Ao invés de panelas e bandejas, Irinéia é famosa pelas suas cabeças e bonecos de barro. Ela enfeita a parede de seu ateliê com diplomas de curso de artesanato, prêmios, fotos com personalidades famosas e seu título de mestre artesã pelo Sebrae. Em 2004, seu trabalho foi selecionado entre os mais representativos do Brasil pelo Prêmio Unesco de Artesanato. Hoje é até difícil encontrar a artesã no povoado, já que ela está sempre sendo convidada para expor sua arte em feiras.
Serviço:
Pela TAM, o bilhete ida e volta Rio-Maceió, com parada em Salvador, fica a partir de R$ 532. Pela Gol, o bilhete ida e volta direto Rio-Maceió sai a partir de R$ 607. Tarifas com taxas pesquisadas para a segunda quinzena de abril.
ONDE FICAR
Maceió
Hotel Jatiúca: A diária do quarto duplo custa a partir de R$ 375. Rua Dr. Mário Nunes de Oliveira 220, Mangabeiras. Tel. (82) 2122-2000. www.hoteljatiuca.com.br
Radisson Maceió: Quarto para até três pessoas a partir de R$ 250. Avenida Dr. Antonio Gouveia 925, Pajussara. Tel. (82) 3202-4900. www.atlanticahotels.com.br
Pontal do Coruripe
Pousada Paradise: A diária do chalé duplo, com café da manhã e jantar incluídos, sai a partir de R$ 220. Rua Projetada 433. Tel. (82) 3273-7303. www.pousadaparadiseal.com.br
PASSEIOS
Fazenda São Pedro: A entrada para os passeios pelas trilhas da fazenda custa R$ 8. BR-101 Sul, Km 100. Tel. (82) 9981-2217. www.rppnfazendasaopedro.com
Memorial Quilombo de Palmares: Pacotes com a Aeroturismo:(82) 2126-6060. www.aeroturismo.com.br. Outras informações: www.quilombodospalmares.org.br
Na internet: www.turismo.al.gov.br
Luisa Valle e Ana Branco viajaram a convite da Turismo & Negócios com apoio da secretaria de turismo de Alagoas


 

“Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e pelo bom senso”. Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano)

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