segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Acervo do IBGE fotos de Porto Calvo

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História de Porto Calvo no Jornal do Comercio - Recife, 20 de abril de 1998

  • Três montes de perfis variados
    Jornal do Comercio - Recife, 20
    de abril de 1998
    por FREDERICO PERNAMBUCANO DE MELLO
    Queremos evocar um conjunto de três montes de perfis variados, guardando em comum a pobreza do solo, feito de barro e areia, e uma vegetação geralmente baixa e rala, com poucas árvores a pontilhar o manto verde que se estendia por sobre as ondulações, numa alternância de picos e grotas que as enxurradas do inverno só faziam acentuar. O encaixe estreito dos relevos faz que os espaços planos entre estes se mostrem quase nulos, embora ricos, outrora, em árvores de porte avantajado, numa exuberância vegetal que se estendia pelas campinas em volta, interrompidas, aqui e ali, pelo verde mais escuro dos alagados, o verde dos mangues que todos conhecemos tão bem no litoral do Nordeste.
    De muitos século, a voz do povo os batizou a cada um de maneira incerta, a passagem das gerações conspirando por tornar ainda mais precárias as designações coloniais de Barreiras, Oitizeiro e Oiteiro, sem que essa voz movediça contaminasse o conjunto das elevações, este sim, de denominação indígena invariável: Guararapes.
    Montes Guararapes. Sob o nome sonoro da língua dos índios que significa tambor, eles se fizeram sentinela natural do setentrião brasileiro e, dessa varanda sobre o Atlântico, a tudo assistiram desde a origem dos tempos. Viram chegar o português nos primeiros anos que se sucederam à Descoberta de 1500. Com ele, tantos aventureiros de mesma origem européia, ávidos todos pela riqueza do pau-brasil e pela adaptação posterior da cana-de-açúcar ao massapê da nossa faixa verde, de que resultaria não somente o assentamento do primeiro processo econômico de exportação, todo ele erguido por sobre o braço do escravo, senão do sistema patriarcal de relações sociais brotado à sombra do triângulo casa-grande, senzala e capela.
    Viram o progresso da Capitania pela afirmação rápida dos negócios privados, como viram o desespero a que foi lançado o colonizador branco quando a Coroa portuguesa, vacante por sucesso de guerra, vem a ser unificada à do Reino de Espanha em 1580, abrindo-se a nossa terra à cobiça estrangeira pelas seis décadas que se seguiram. É quando franceses e ingleses amiúdam as incursões de rapina às nossas costas, e é quando os holandeses, em guerra contra os espanhóis, premidos, em conseqüência, pela necessidade do açúcar bruto para as muitas refinarias que poussuíam à época, decidem-se pela conquita do Brasil setentrional, a se transformar em palco do que os cronistas contemporâneos chamavam orgulhosamente de Nova Holanda. Os velhos montes viram o projeto dessa Holanda tropical iniciar-se por sobre o Pernambuco florescente de 1630, com o desembarque das forças do almirante Lonck na praia de Pau Amarelo, ao norte de Olinda, não se privando de saber também do incêndio dessa cidade pelo invasor no ano seguinte, com a transferência do empreendimento colonial para as areias do Recife. Souberam da queda do Arraial Velho em 1635; da chegada do conde Maurício de Nassau em 1637; do ânimo desse regente esclarecido em deitar pontes sobre os rios e entre as pessoas, além de erguer o burgo de Maurícia, menina dos seus olhos ainda juvenis; como souberam das façanhas dos nossos capitães-de-emboscada, a aprender com o índio as astúcias da guerrilha; da epopéia de Luís Barbalho, ao retirar seu exército por 400 léguas, desde o Rio Grande até a Bahia; da restauração do trono português em 1640 e da insurreição final dos luso-brasileiros em 1645, coroada essa etapa com as vitórias sucessivas de Tabocas, de Serinhaém, do Cabo, do Pontal, de Nazaré e da Casa Forte, num crescendo que prenunciava um ajuste de contas de dimensões nunca vista na chamada Guerra de Pernambuco, que viria com as duas batalhas dos Guararapes, em 1648 e 1649. Mas antes de que a síntese histórica nos remeta aos dois recontros máximos da guerra, cedamos espaço a considerações analíticas necessárias à compreensão dos fatos com maior profundidade.
    Na passagem do século XVI para o XVII, a Espanha era a grande potência do mundo, com o seu império colonial tocado à base sobretudo da prata do Peru e do México, e a dividir com Lisboa a preocupação comum da manuntenção de colônias espalhadas pelo orbe. No ponto, aliás, não havia descrepância entre uma e outra das sedes imperiais peninsulares, ambas concebendo a defesa de suas posses vastíssimas como uma função exclusivamente naval. Coisa de que deveriam ocupar-se as armadas e apenas estas. Ainda mais do que a Espanha - que andara às voltas com guerras terrestre intermináveis na Europa - Portugual se deixa ficar para trás na doutrina da ação militar em terra, apostando tudo do mar.
    O pacto colonial vigente à época entre portugueses e sua próspera colônia do Brasil - que, na porção setentrional bafejada pelo cultivo da cana, passara rapidamente dos 66 engenhos de açúcar "moentes e correntes" em 1584, para as 144 chaminés com que se deparariam os holandeses em 1630 - não implicava apenas numa partilha da atividade econômica senão também na divisão das responsabilidades militares: à Coroa cabendo a defesa naval e ao Brasil, a resistência local, uma vez que seuas praças podiam-se sustentar à custa da população imigrada e autóctone, segundo estimava a metrópole. Com efeito, à época do inicío da chamada Guerra de Pernambuco, a nossa população se constituía de cerca de 95.000 almas, sendo em números de 40.000 os homens livres, outro tanto de cativos, e 15.000, o de índios aldeados. Considerado o conjunto da região, com o acréscimo, portanto, das capitanias de Itamaracá, Paraíba, Rio Grande e Ceará, esse contingente se elevava para algo em torno dos 120.000 habitantes, dos quais, cerca de 20% poderiam ser mobilizandos para a ação militar. Isto, potencialmente, bem entendido, de vez que se sabe que o nosso exércio oscilaria ao longo de toda a guerra em torno dos 3.000 homens.
    À possibilidade demográfica da organização de uma defesa militar local - como vimos - deve ser acrescida uma outra licença concedida naturalmente pelo meio físico generoso, no qual a população colonial ia buscar tudo o de que necessitava em essência para sobreviver, privando-se apenas do vinho e do azeite, num quadro logístico radicalmente oposto àquele com que se viram às voltas os invasores, dependentes em tudo das carnes curadas - do porco (presunto e toucinho), do peixe-pau (bacalhau), do arenque - do queijo, da manteiga, do trigo, dos biscoitos, dos vinhos, da cerveja, do tabaco e das aguardentes que o seu controle sobre nossas costas de mar e bocas de rio lhes permitia importar das fontes norte-européias tradicionais.
    No plano de saúde, ao lado da disenteria, da hemeralopia e dos vermes, um exemplo de doença ilustra bem o que se passou então. Inscientes da lição indígena da necessidade da ingestão de cajus, fruta rica em vitamina C, os holandeses foram vítimas do escorbuto, em muitos casos suas gengivas crescendo como trombas e levando o paciente a tê-las cortadas a navalha sob pena de morrer de fome. E o remédio estava muitas vezes ao alcance da mão, conhecida a abundância dessa fruta em nosso meio, da qual, aliás, é nativa. Para grande parte dos males, a farmácia era o mato. O índio, o farmacêutico. Registre-se aqui que a adaptação holandesa ao nosso trópico úmido foi penosíssima. A ênfase da política de quadros militares foi sempre a de reter aqui o soldado veterano, pouco interesse existindo quanto à vinda de adventícios.
    No que tange aos caminhos, à exceção das faixas de praia, eram todos péssimos. Mesmo os rios navegáveis, por correrem do oeste para leste, não acudiam a quem necessitava deslocar-se verticalmente do norte para sul ou vice-versa. E mais: na longa estação das chuvas, ofereceriam obstáculo por vezes intransponível ao viajante. Nisso os holandeses tiveram uma grande vantagem por conta do predomínio quase ininerrupto de suas forças navais em nossas costas, cabendo lembrar que testemunhos de época assinalam a vantagem de 4x1, ao comparar os dias necessários a um mesmo deslocamento por mar ou por terra.
    A essa dificuldade dos caminhos, deve-se acrescentar uma outra ainda mais geral e abrangente: a da própria terra, representada pelos areiais, pelo massapê encharcado, quando não mesmo pela lama, em todos os casos, solos difíceis de afeiçoar à caminhada, atoleiros, quase sempre. E se a isto juntarmos a cobertura vegetal invariavelmente densa da mata, do canavial e do mangue, teremos a explicação para o desprestígio entre nós da Cavalaria, usada vestigialmente de parte a parte e, entre os luso-brasileiros, mais para fornecer patentes consideradas honrosas, o cavalo tendo sido em nosso mundo colonial um símbolo de senhorialismo, como assinalou Gilberto Freyre. Costuma-se lembrar que duas companhias de cavalos intervieram na Segunda Batalha dos Guararapes. É certo. Mas sabem qual era seu efetivo? 40 cavaleiros, apenas.
    Do outro lado, talvez a maior expressão de uso dessa arma seja representada pelos 80 cavaleiros de que se acompanhava o conde de Nassau em suas incursões de conquista. Uma diferença cabe assinalar entre esses dois empregos igualmente restritos dos cavalos, por implicar em mais uma evidência ilustrativa da desatualização lusitana no tocante à guerra terrestre. É que, enquanto a cavalaria de Nassau operava com arcabuzes, clavinas ou pistolas, como era dominante na Europa desde o início do século XVII, a nossa, usava as lanças, evocativas de uma tradição já morta junto a exércitos modernos, sensíveis à revolução das armas de fogo em todos os setores da guerra.
    O meio natural diverso do europeu responde igualmente pelo desprestígio da Artilharia, reduzida à condição de "sério obstáculo à mobilidade das operações militares luso-brasileiras", conforme comenta Evaldo Cabral de Mello, evocando testemunhos de coevos, quer por estorvar a marcha dos campanhistas, quer por não pagar com eficácia o esforço penosíssimo de sua condução ao teatro de luta. Em novembro de 1632, o conde Bagnuolo levou 4 peças de bronze para bater os holandeses no Forte de Orange, em Itamaracá. Decepcionado com o baixo proveito ofensivo obtido, largou as peças naquela ilha. Peso a evitar...
    À exceção de uns poucos, em geral os nossos fortes também denunciavam o atraso que vimos flagrando na força portuguesa de terra, no caso específico, o desenvolvimento insuficiente de nossa Engenharia militar, ademais do que, voltada esta muito mais para cobrir o risco da escalada por índios ágeis que para fazer face às peças de artilharia. As muralhas eram, assim, altas e delgadas, ao contrário da tendência moderna - e já então corrente - de expandi-las no sentido horizontal. Na dificuldade da pedra de cantaria, que tinha que vir do Reino, e do arrecife, de retirada muito penosa, o material generalizado era o que a terra ofertava em abundância: a madeira e o massapê, de cuja combinação resultava a chamada taipa. Os fortes do Brasil setentrional se erguiam quase todos em "taipa de pilão" - que é a taipa socada - sólida como pedra no estio mas a se delir perigosamente sob a chuva intensa do trópico. Raríssimo aqui os mestres de Engenharia militar, não estranha que os nossos fortes padecessem, além de tudo, da escassez de espaço nas esplanadas, quando não ausentes estas de todo, de fossos rasos e da freqüente má colocação de baluartes, de estacadas e de parapeitos. Entre nós, o forte de pedra é realidade de disseminação posterior à guerra contra os holandeses.
    No tocante às armas leves, a guerra representa para os nossos a travessia precipitada do arcabuz de mecha para a espingarda de pederneira, tecnologia, esta última, que o inimigo já chega aqui empregando maciçamente. O resultado pouco risonho da substituição da mecha reinol, feita de linho, pela filbra de coco local, a umidade e as chuvas excessivas da região, de par com a denúncia com que a mecha iluminante - e de odor característico - fez abortar a surpresa de tantas emboscadas, tudo foram fatores de prestígio para a pederneira junto às duas facções combatentes. Dentro desse balizamento, não será demais registrar que chegamos a usar armas de muito boa qualidade, superiores em alcance e segurança às holandesas, conforme registro de alguns de seus cronistas, a revelar a boa fase por que passava Portugal no particular.
    Albert Eckhout, pintor e documentalista da corte do conde de Nassau, um regente sabidamente ilustrado apesar dos apenas 32 anos de idade que contava ao chegar ao Brasil, teve o cuidado de captar numa tela a óleo de 1641, hoje no Museu de História Natural de Copenhague, um mulato combatente tendo ao ombro um moderníssimo fuzil de cargas sobrepostas - uma arma de repetição, portanto - cabendo a suposição de se tratar de homem e petrecho nossos, à vista da preocupação do pintor em apreender meticulosamente a provável novidade que lhe chegava aos olhos. De toda maneira, um bom testemunhoo da qualidade do armamento leve empregado na Guerra de Pernambuco, nas espécies da pistola, da clavina, do arcabuz, do mosquete ou da espingarda, e nos sistemas de mecha, de roda com pirita fagulhante ou de ou de pederneira, com as declarações mais entusiásticas reservando-se para os mosquetes biscainhos, reforçados, de calibre e alcance superiores aos similares holandeses.

  • A Batalha em seu contexto histórico

  • Jornal do Comercio - Recife, 20 de abril de 1998 por MANUEL CORREIA DE ANDRADE
    A Reforma Protestante e as lutas na Alemanha, com rompimento de vários estados que compunham o Império Romano-Germânico, atingiram profundamente, no século XVI, a Espanha e Portugal. Unindo, inicialmente, a Coroa Espanhola e a do Império, Carlos V absorveu as divergências existentes entre os seus súditos e, ao morrer, transferiu-as ao seu sucessor, Felipe II.
    Havia, no século XVI, uma grande diferença econômica entre o mundo germânico e flamengo e o mundo ibérico, uma vez que, no primeiro, o feudalismo já entrara em decadência, e a burguesia urbana, tendo aumentado sua riqueza e poder, não queria mais permanecer sob o controle de soberanos absolutistas; comerciando no além-mar, com os países colonizados pela Espanha e Portugal, os burgueses passaram a ambicionar o controle dos territórios coloniais, produtores de matérias-primas.
    Com a morte do rei de Portugal, Cardeal D. Henrique, em 1580, sem deixar descendentes, a Espanha conseguiu que a coroa portuguesa passasse para Felipe II. Como a Holanda iniciasse uma guerra de independência com a Espanha e como Portugal estivesse na dependência desta, naturalmente ele passou a ser também visado pelas ambições flamengas.
    Dispondo de capital, os holandeses passaram também a financiar a instalação de engenhos de açúcar no Brasil, permitindo que o número de fábricas tivesse um grande crescimento, ao mesmo tempo em que estimulavam a ampliação de outras culturas, como o algodão e o fumo. Esse crescimento agrícola acarretou o crescimento do tráfico de escravos que era um dos negócios mais rendosos da época. Com o crescimento dos negócios, os holandeses, autorizados pelo governo português, passaram a fazer um comércio triangular: as suas embarcações viajavam até Lisboa carregadas de produtos industrializados, descarregavam e viajavam para as colônias portuguesas do Golfo de Guiné onde adquiriam escravos já aprisionados pelos régulos africanos e que eram trazidos para o Recife e vendidos aos senhores de engenho; daí retornavam à Holanda carregados de açúcar e de outros produtos da terra.
    Com a união de Portugal à Espanha, como a Holanda se encontrasse em guerra com esta, teve o seu comércio interrompido pelo governo espanhol causando-lhe grande prejuízo. Os holandeses, porém, estavam preparados para enfrentar as lutas que se seguiram e trataram de arregimentar mercenários na França e nos países da Europa Central e Setentrional, montando uma grande esquadra. Sendo comerciantes, os holandeses organizaram a Companhia das Índias Orientais para atuar no Oriente. Em 1621, os flamengos organizaram a Companhia das Índias Ocidentais para atuar na África e na América.
    A invasão holandesa foi feita com uma preparação segura; os flamengos mantinham contatos com habitantes de Pernambuco, sobretudo judeus e brabanteses que passavam informações detalhadas sobre as várias áreas, ou seja, a capacidade de produção, o estado das fortificações e dos efetivos militares. Um dos mais importantes informantes foi Verdonk (1949 - veja artigo neste carderno).
    Não se pode analisar a invasão holandesa em Pernambuco sem fazer referência à invasão da Bahia, ocorrida em 1624. Lá, os holandeses foram derrotados. Apesar disso, tiveram um grande lucro com a captura que fizeram de um carregamento de pau-brasil, açúcar, tabaco, algodão e outros produtos.
    A INVASÃO DE PERNAMBUCO - A invasão de Pernambuco ocorreria a 14 de fevereiro de 1630, quando a esquadra holandesa comandada pelo almirante Lonk, aportou em Pau Amarelo, ao Norte de Olinda, quase sem encontrar resistência, dirigindo-se para o sul, atacando Olinda e Recife, onde encontrou uma resistência heróica, mas pouco expressiva. Começava uma guerra, que duraria cerca de 24 anos e teve efeitos memoráveis de heroísmo, de covardia, de traições, de corrupções e crueldade. Ela pode ser dividida em três fases, a da conquista (1630/37), a da administração (1637/42) e a da insurreição (1642/54).
    No primeiro período os holandeses enfrentaram sérios problemas, apesar de sua superioridade bélica, pois encontraram pela frente um valoroso capitão, irmão do donatário de Pernambuco, Matias de Albuquerque. Weerdenburch, o comandante holandês, consolidou a ocupação do Recife e de Olinda e, em seguida, incendiou esta última para reduzir o território em que se concentrava e garantir o controle do porto, de onde recebia alimentos e reforços.
    Em 1631, realizou o seu primeiro ataque a Itamaracá. Entre os oficiais que acompanharam Pater, estavam duas figuras de generais, von Schkoppe e Artichofsky. Entre os que cerraram fileiras no Arraial estavam Martim Soares Moreno, Luiz Barbalho, o índio Antônio Felipe Camarão e o negro Henrique Dias.
    Em 1632, a situação mudou com a chegada de novos reforços holandeses e a deserção de Domingos Fernandes Calabar, um dos mais capazes capitães de Matias de Albuquerque. Calabar colaborou para os grandes sucessos que os flamengos passaram a ter na luta contra os luso-brasileiros. Os historiadores de então afirmam que Calabar teria traído os seus compatriotas mediante o recebimento de suborno, ou de que o teria feito por ter dado um desfalque no erário e temer a punição. Daí, então, o nome de Calabar passou a ser considerado como sinônimo de traição (veja matérias neste caderno). Há, porém, uma série de estudiosos que procura tirar esta mancha do desertor alagoano, dizendo que ele não traiu o Brasil e que, se vendo diante de uma dupla ação, continuar o seu país a ser colônia portuguesa ou tornar-se colônia holandesa, preferiu a segunda opção.
    "A partir de 1632, a situação holandesa melhorou consideravelmente, tendo vindo para o Recife dois altos conselheiros, von Ceuloen e Gysserlingh, para implantar uma administração que maximizasse a exploração da colônia e organizasse o território ocupado, que ia se expandindo com a conquista de novas áreas, como Igarassu, Rio Formoso e, em seguida, Itamaracá. A estas áreas seriam agregados o Rio Grande, a Paraíba, e o Cabo de Santo Agostinho.
    A resistência pernambucana começava a desmoronar e logo cairiam o Arraial do Bom Jesus e o Cabo de Santo Agostinho onde se situava o porto (Suape) por onde os luso-brasileiros se abasteciam desde a queda do Recife. Começaria, então, a grande retirada de Matias de Albuquerque, com seus soldados, parentes, amigos e liderados, para o sul, em direção ao São Francisco, fugindo ao jugo holandês. A desordem era geral, quem não acompanhava o exército luso-brasileiro se embrenhava nas matas à procura de segurança, os indígenas fugiam para o interior à procura de suas tribos e nações, enquanto os negros organizavam-se em quilombos, onde voltavam a viver à maneira africana. O mais famoso quilombo, o de Palmares, no norte de Alagoas, subsistiu à dominação holandesa e resistiu por mais de seis décadas às investidas que lhe foram feitas.
    Em Alagoas ocorreram as últimas grandes batalhas, de vez que as tropas trazidas por D. Luiz de Rojas y Borja, que substituía ao valoroso Matias de Albuquerque, não foram felizes, sendo derrotados na batalha de Mata Redonda, em 1636. Concluída a conquista, em 1636, iniciava-se, no ano seguinte, o período de administração holandesa, conduzida pelo príncipe João Maurício, conde de Nassau-Siegen, que perduraria por oito anos e daria um certo esplendor ao Recife e um pouco de paz à colônia.
    MAURÍCIO DE NASSAU - A chegada de Nassau ocorreu a 23 de janeiro de 1637, quando os holandeses já haviam conquistado uma expressiva parte do Nordeste brasileiro. Nassau se apresentava como uma figura que incutia grande ânimo aos holandeses e esperanças aos portugueses, que desejavam mudanças na conduta dos invasores. Ele vinha ao Brasil como um príncipe da Renascença, afeito ao uso da espada e à luta em campo aberto, mas vinha também como homem interessado nas ciências e nas artes. Em sua escolta não viajavam apenas soldados e funcionários, mas cientistas naturais, como Piso, astrônomos como Marcgraff, pintores, como Franz Prost, poetas e literatos. Com trinta e dois anos de idade, o príncipe alemão vinha curioso de conhecer o mundo tropical com suas surpresas, e sequioso de conquistar vitórias, riquezas, fama e fortuna. Trazia também grandes preocupações administrativas, pensando em organizar a colônia que os holandeses esperavam construir nos trópicos; para isto tinham um mandato de cinco anos que poderia ser prolongado.
    Inicialmente, procurou fazer-se respeitar pelos inimigos e pelos seus próprios comandados que viviam indisciplinados, fazendo tropelias e extorsões no território conquistado. Organizando-se militarmente, expulsou os luso-espano-brasileiros para o além São Francisco. Nassau considerou que o São Francisco, linha divisória entre Pernambuco, a Nova Lusitânia de Duarte Coelho e a Bahia, seria, por algum tempo, uma fronteira natural para a separação do Brasil holandês do hispânico. Nassau conseguiria estender o domínio holandês pelo Ceará e o Maranhão - ainda muito pouco povoado.
    A Companhia das Índias Ocidentais, com os seus monopólios e numerosos comerciantes, sobretudo judeus, desenvolveu as suas atividades mais no setor comercial, importando produtos da Europa e negros da África para serem vendidos aos senhores de engenho ou habitantes das cidades e exportando o açúcar e outros produtos da terra - fumo, algodão, couro, etc. Como a maioria dos senhores de engenho não dispusesse de capitais à mão, os comerciantes fizeram grande abertura de crédito aos mesmos, levando-os muitas vezes à falência por não conseguirem pagar as dívidas, em vista dos juros elevados que eram cobrados. Esta relação entre credores e devedores, acentuaria o desejo de independência e fortaleceria a Restauração Pernambucana depois da saída do conde de Nassau.
    O abastecimento alimentar era difícil, sobretudo para a população pobre, o que levou Nassau a determinar que os proprietários não cultivassem apenas os produtos de exportação mas também produtos alimentícios. Compreendendo que a convivência entre portugueses e holandeses era indispensável à sobrevivência da colônia, Nassau permitiu uma relativa liberdade religiosa; ao lado dos calvinistas, que tiveram grande pregadores no Recife, como Soler, conviveram, em sua capital, as sinagogas dos judeus - havia até uma na rua dos Judeus - onde pregou, entre outros, o rabino Aboab da Fonseca. Aos sacerdotes católicos foi permitido que dessem assistência religiosa, havendo até um sacerdote católico, frei Manoel Calado, autor de um livro muito rico em informações sobre o Brasil holandês, que conviveu com o próprio príncipe.
    A obra que traria maior fama a Nassau, porém, foi a construção da Cidade Maurícia, para ser a capital do Brasil holandês. Ao chegar ao Brasil, ele encontrou o governo holandês localizado no Recife, numa estreita península entre o oceano e o leito do Capibaribe, sem área contínua para a sua expansão. Achou que a colônia deveria ter uma capital melhor localizada. Nassau preferiu construir a sua cidade, a Maurícia, na ilha de Antônio Vaz, ligando-a ao Recife e à Boa Vista. Para isto mandou fazer um projeto de cidade semelhante à Amsterdam (veja matéria neste caderno), cortada por canais. Além deste palácio, dos canais, dos muros, do forte Ernesto e do casario, ele fez construir um outro palácio, o da Boa Vista, utilizado para descanso. No seu governo, o Recife cresceu a ponto de ficar bem mais importante do que Olinda; os seus planos de expansão abrangeram toda a ilha de Antônio Vaz - atuais bairros de Santo Antonio e São José - e, ao sul da mesma, construíram a fortaleza de Cinco Pontas.
    Graves problemas surgiram, a partir de 1640, quando os portugueses conseguiram restaurar a dinastia portuguesa, desvinculando o reino da União Pessoal com a Espanha e fazendo rei a D. João IV, duque de Bragança. Na guerra entre Espanha e Portugal os portugueses trataram de se aliar, na Europa, aos holandeses para enfrentar os espanhóis e, no Brasil, espanhóis e portugueses, que eram até então aliados, tornaram-se inimigos. Portugal, por sua vez, através de solicitações diplomáticas, procurou reaver terras conquistadas pela Holanda, mas Nassau, antes que o tratado entre os dois países fosse ratificado, tratou de expandir e consolidar suas conquistas.
    A Companhia das Índias Ocidentais, que era uma empresa comercial cujos acionistas estavam cada vez mais carentes de dividendos, preocupava-se com a queda de sua receita e pressionava a Nassau para que cobrasse as dívidas existentes em Pernambuco. Nassau, homem vivido e político experimentado, retardou o quanto pôde a cobrança, procurando agir de forma amena e a médio e longo prazo, sem executar os grandes devedores. Estes fatos e os incidentes ocorridos, levaram Nassau a solicitar a sua demissão, esperando, certamente, que ela não fosse aceita. Puro engano, a Companhia aceitou e passou o governo da colônia para um triunvirato formado por um comerciante, Hamel, um ourives, Bas, e um carpinteiro Bullestraten.
    A INSURREIÇÃO - Alguns historiadores afirmam que a revolta contra os holandeses iniciou-se com a retirada de Nassau; na realidade, porém, ela foi iniciada antes em 1642, no Maranhão, quando proprietários da Baixada se organizaram, tomaram os postos militares aí existentes e fizeram cerco a São Luís. Em Pernambuco, a insurreição iniciou-se quando os holandeses, abandonando a linha política de Nassau, iniciaram a cobrança das dívidas que muitas vezes eram superiores ao valor dos bens dos devedores. João Fernandes Vieira era um dos grandes devedores.
    Às primeiras suspeitas e denúncias chegadas aos holandeses sobre o andamento de uma conspiração, João Fernandes Vieira afastou-se do Recife e escondeu-se nas matas à espera do momento em que poderia se definir, e o momento não demorou a chegar, quando o governo da Bahia começou a autorizar as tropas que estavam acantonadas lá a se dirigirem para o território holandês. Assim, vieram as tropas de Henrique Dias, seguidas das de Felipe Camarão e ainda as de Martim Soares Moreno, apesar de bastante idoso, e de André Vidal de Negreiros, paraibano, filho de senhor de engenho.
    O governo holandês, surpreso, fez reclamações ao governador da Bahia, Antônio Teles da Silva, e este respondeu que não tinha autorizado o avanço de suas tropas e que Henrique Dias tinha se deslocado sem sua autorização para a margem esquerda do São Francisco e que ele havia mandado Felipe Camarão intimá-lo a retornar. É claro que os holandeses não aceitaram a explicação e já em 1644, estava deflagrada a "guerra da liberdade divina".
    A primeira batalha, a mais expressiva, travou-se no Monte das Tabocas, próximo à Vitória de Santo Antão, onde os luso-brasileiros, a 3 de agosto de 1645, venceram o exército holandês, apesar da superioridade numérica. Esta vitória trouxe grande ânimo aos pernambucanos que já a 17 do mesmo mês venceriam novamente os holandeses no engenho Casa Forte, de propriedade de D. Ana Paes, cuja casa os holandeses haviam transformado em fortaleza. A guerra continuou favorável aos portugueses no interior e aos holandeses no litoral, onde uma esquadra comandada pelo Al. Lichtharsdt, destruiu uma flotilha portuguesa em Tamandaré. Em 1646, chegaram reforços da Holanda e o governo do Recife resolveu atacar a ilha de Itaparica, na Bahia, visando fazer com que o governo geral determinasse a volta de seus soldados a Salvador.
    Com o passar dos anos, a situação foi se definindo em favor dos luso-brasileiros que começaram a conquistar vilas, como Penedo e Porto Calvo. No ano seguinte, Itamaracá foi conquistada em quase toda a sua extensão, ficando os holandeses apenas com o controle do forte de Orange. Em 1647, finalmente, o rei de Portugal se definiu e enviou para Pernambuco Francisco Barreto de Menezes que assumiu o comando de todas as tropas insurretas. Com um comando único e a condução da guerra nas mãos de um militar profissional e competente, a situação holandesa piorou. Segismundo von Schkoppe, comandante do Recife e profissional experimentado, compreendeu que teria que tomar atitudes mais agressivas, de vez que a capital estava atravessando uma situação muito difícil quanto à segurança e abastecimento.
    Em abril de 1648, von Schkoppe resolveu romper o cerco, fazendo um avanço para o sul em direção a Muribeca, em plena área açucareira. Informado do deslocamento das tropas holandesas, Barreto de Menezes se dirigiu aos Montes Guararapes onde, após renhida luta, fez os flamengos retrocederem derrotados para o Recife, impondo-lhes a derrota na primeira batalha dos Guararapes, a mais importante, certamente, da guerra holandesa. Estavam a 19 de abril de abril de 1648.
    Manuel Correia de Andrade é historiador. Texto adaptado do livro "Pernambuco Imortal", publicado em fascículos pelo Jornal do Commercio em 1995
  • As batalhas pelas terras do açúcar -
    -
    Jornal do Commercio - Recife, 20 de abril de 1998
    por CÍCERO BELMAR
    A maior autoridade sobre a história da invasão holandesa no Brasil, o professor José Antônio Gonsalves de Mello interpreta as batalhas dos montes Guararapes como sendo uma luta de interesse pelas terras dos canaviais em Pernambuco. Não chegou a ser uma defesa da Pátria, porque esse sentimento ainda era incipiente, no seu entender. O professor, de 82 anos, forjou sua opinião em anos e anos de pesquisas baseadas em documentos trazidos da Holanda para Pernambuco pelo professor José Higino, no século XIX. Os estudos o levaram a escrever um dos clássicos da História do Brasil, "Tempo dos Flamengos". Autor de 30 livros e de outras 182 publicações, entre artigos e prefácios, José Antônio Gonsalves de Mello foi condecorado pela rainha Juliana, da Holanda, em 1972, como Oficial da Ordem Orange-Nassau, pelos estudos da dominação holandesa no Brasil. O Instituto Histórico Brasileiro considera-o como o maior historiador vivo do Brasil.
    - As duas batalhas dos Guararapes representam o primeiro momento da consciência do povo como Nação?
    R - Não foi o primeiro momento. Antes houve outras batalhas importantes. O que aconteceu, na minha opinião, foi uma luta dos luso-brasileiros por sua terra. Foi o momento culminante dessa consciência de luta pelo que era deles. Mas, o Exército Brasileiro diz que ali, nas batalhas, nasceu de fato a sua organização militar. Elas foram o início da formação militar. Os brasileiros compreenderam, naquele momento, que tinham o poder físico para vencer um exército estabelecido, organizado, armado, com boas armas e comando experiente.
    - Pode-se resumir as duas batalhas como sendo a luta pelo domínio das terras dos canaviais?
    R - Sim. O açúcar foi quem trouxe os holandeses para cá. A Capitania era muito importante para a Holanda, que tinha grandes refinarias em Amsterdan. O produto para refino era o açúcar, que eles exportavam, pois estavam na entrada da Alemanha. Era um mercado de açúcar muito grande. Aqui, poucos deles foram donos de engenho. Mas, eles tinham grande interesse pelo produto.
    - Na sua opinião foi uma luta patriótica?
    R - Não, tanto que a iniciativa das duas batalhas foi dos holandeses.
    - Para ambas as partes a pátria valia menos do que as terras dos canaviais?
    R - Ainda não havia um sentimento de pátria, embora muitos dos que lutaram já tivessem nascido aqui. Os índios comandados por Felipe Camarão e o negros por Henrique Dias foram colaboradores importantes, mas eram colonos de uma propriedade portuguesa.
    - As duas batalhas foram uma vitória da raça brasileira?
    R - No século XVII já havia uma raça brasileira? Hoje pode-se falar em raça brasileira, mas naquele tempo não havia essa consciência de nacionalidade, na minha opinião.
    - Então, a principal conseqüência das duas batalhas foi apenas a organização militar dos brasileiros?
    R - Não foi só militar, mas foi principalmente militar. Não vejo conseqüências políticas. Os brasileiros perceberam que tinham condições de defender o seu território, mesmo com uma ajuda pouco numerosa do poder colonial.
    - O brasileiro estava praticamente sozinho na luta, sem o apoio de Portugal?
    R - Realmente estava, pois teve pouca ajuda nesse sentido. O destino do Brasil, na época, estava dependendo de uma negociação entre Portugal e Holanda.
    - No período, negociava-se uma saída diplomática para desocupação da Capitania?
    R - Houve uma ou duas tentativas de compra e venda da Capitania. Padre Antônio Vieira queria indenizar a Holanda para a retirada das suas tropas. Nesse caso, Pernambuco ficaria com Portugal.
    - A que o senhor atribui as vitórias dos luso-brasileiros nas duas batalhas, já que eles enfrentavam uma tropa muito mais forte?
    R - Os holandeses eram mais bem armados, mas os brasileiros tinham armas que os holandeses temiam muito. Eram armas pontiagudas, como facas e espadas. A arma de fogo, para ser carregada, exigia quatro ou cinco minutos, o que é muito tempo no momento da batalha. Além disso, a estratégia de batalha levou em conta a largura da passagem entre os pés dos montes e o mangue. O local das duas batalhas era a passagem obrigatória para o sul da capitania. Era muito estreito e os holandeses não tinham como desdobrar o seu exército. Não havia condições de usar toda a sua força na frente da batalha. A superioridade militar holandesa foi dificultada pelo local, como já tinha ocorrido nas Tabocas.
    - Foi o oportunismo contra a técnica militar?
    R - A maioria dos soldados holandeses era de mercenários de várias nacionalidades que viviam disso, empregando sua força. Os luso-brasileiros não eram militares, mas civis que se associavam a tropas regulares existentes no Brasil. Diante disso, podiam cometer alguns excessos, alguns exageros.
    - Que exemplo as gerações atuais podem depreender desse período da História do Brasil?
    R - Acho que o principal é a consciência de que o Brasil merece ser defendido tanto do ponto de vista militar quanto civil.
    - O senhor acha que as gerações atuais têm pouco interesse por esse período da história brasileira?
    R - Em geral, as novas gerações não têm muito interesse por essa história militar. Os locais de batalha são pouco visitados e também foram ocupados. Acho que, de um modo geral, falta interesse pela História, infelizmente. Mas, seria um motivo honroso a todos brasileiros e pernambucanos terem alcançado duas vitórias contra um poder militar.
    - Quando o senhor escreveu "Tempo dos Flamengos", qual foi o seu sentimento em relação ao período holandês no Brasil?
    R - Confesso que me envaideceu muito o período holandês, em especial os anos do governo do Conde Maurício de Nassau. Foi um homem excepcional, que trouxe consigo pintores, artistas, cientistas para registrar o que havia de novo nos trópicos para a Holanda, para a Europa. Ele teve a iniciativa de construir a Cidade Maurícia, seus palácios, suas pontes, seu parque botânico e a sua atitude de contemporização com os naturais da terra e aqueles que não professavam a religião reformada holandesa.
    - Como o senhor escreveu o "Tempo dos Flamengos"?
    R - Eu fazia pesquisas desde 1933. Ajudei nas pesquisas iniciais para Gilberto (Freyre) escrever "Casa Grande e Senzala". Desde aí comecei a me interessar pela história dos holandeses no Brasil. Visitava o arquivo do Diário de Pernambuco e também o Instituto ( Arqueológico Pernambucano, fundado em 1862). Eu já era sócio do Instituto e ficava além do horário normal de abertura da sede. Foi um longo trabalho de pesquisa, que exigiu, inclusive que eu estudasse a língua holandesa. Já sabia falar alemão e isso me facilitou aprender holandês, pois são línguas germânicas. Meus professores foram o padre Henrique, da Várzea e o padre carmelita Bonifácio Harnk. Esse estudo me permitiu manusear cópias de documentos que foram feitos na Holanda, sob a direção do professor José Higino (professor da Faculdade de Direito do Recife, que morreu em 1901, no México). A coleção de documentos do Instituto é muito grande. Tem correspondências, atas do governo holandês do Brasil, entre outras coisas. E eles contam o dia-a-dia na capitania, os problemas, as soluções. Concluí o livro em 1943. Gilberto (Freyre) escreveu o prefácio em 44. Mas, a editora (José Olympio) estava publicando livros com muito cuidado. Era tempo de guerra. O livro só foi publicado em 1947.
  • Surgem os defensores de Calabar
    Jornal do Comercio - Recife, 20 de abril de 1998 Em cada canto de Porto Calvo vão aos poucos surgindo vozes a favor de Domingos Fernandes Calabar. Elas nascem geradas por outras um tanto antigas e que há muito encamparam a batalha de revisar a história. Vozes como a do professor Audemário Lins, do padre Expedito Macedo e do empresário Carlos Roberto Barbosa.
    Não é uma luta nada fácil. Mas tem reconhecimento. Basta chegar em Porto Calvo e perguntar sobre alguém que fale sobre Calabar. O nome de um dos três será indicado, senão todos. E também tem sua recompensa. Ela vem na forma, por exemplo, dos estudantes Aldo Bosco da Silva e Paulo José, ambos nascidos e criados em Porto Calvo. Mesmo filhos da cidade, até há pouco tempo os dois rapazes acreditavam que Calabar era um traidor da pátria. "Aprendemos isso na escola. Está nos livros", comenta Aldo. A mensagem impressa nas lições do primeiro grau durou até quando eles foram trabalhar na Farmácia Calabar, de propriedade de Audemário Lins.
    Gota a gota, o ex-professor foi mudando a mentalidade de seus funcionários. E conseguiu convencê-los. "A gente foi ouvindo o que ele falava e passamos a acreditar", explica Paulo José. Vez por outra passavam o olho nas folhas do livro Calabar, O Herói Desconhecido, escrito por Lins e o convencimento aumentava.
    De posse das informações, os rapazes tentam passá-las para seus colegas de turma. Nem sempre ganham credibilidade. "O pessoal, muitas vezes, não acredita", diz Aldo. E não é mesmo fácil crer em algo quando se passou anos ouvindo o contrário. É o caso de Alviane Patrícia da Silva, administradora de empresas. Ela é simplesmente bisneta de Pedro Valeriano Cavalcanti, um antigo poeta de Porto Calvo. Um homem que escreveu versos e versos defendendo e exaltando a figura de Calabar. Versos que se perderam no tempo. "Ninguém na minha família, a não ser minha avó, lembra disso. A gente aqui não dá importância a Calabar", comenta Alviane.
    Parece ser verdade. Que o diga o padre Expedito, um verdadeiro entusiasta da causa Calabar Herói. "As coisas antigas sempre são muito nebulosas. Mas com o tempo estamos tornando-as mais claras", analisa o padre. Ele diz isso com a experiência de quem faz palestras sobre o assunto quase todos os dias. Padre Expedito contabiliza um número considerável de pessoas que o procuram na casa paroquial de Porto Calvo para ouvir suas explanações.
    "O povo tem sido receptivo às novas idéias", constata. Pelo menos ele garante que em sua frente ninguém duvida dele. "Em palavra de padre todo mundo acredita. Numa cidade de interior, padre é como doutor. Tem autoridade máxima".
    Para os turistas, que procuram a cidade só como balneário ou como ponto de passagem, a conscientização fica por conta de Carlos Roberto Barbosa. Ele abriu o Cala Bar, um espaço cultural na BR 101, a três quilômetros do Centro de Porto Calvo. "Temos de recuperar a identidade de um dos nossos grandes mitos", pensa Barbosa. No Cala Bar, as garçonetes são treinadas para responder qualquer pergunta sobre o controverso personagem, dando a ele a nova versão heróica.
    O interesse de Carlos Roberto por Calabar não é de hoje. Vem de mais de 20 anos atrás, quando ele integrava o Grupo Experimental Portocalvense de Arte (Gepa). Era os anos 70 e imperava a ditadura militar. "Falar de Calabar naqueles tempos significava ser convidado a bater um papo com a repressão", lembra Carlos Roberto. O Gepa não só falava, como recitava poemas e representava peças teatrais sobre o personagem. Com Calabar no papel de herói e não traidor.
    Carlos Roberto recorda as vezes em que se viu frente a frente com senhores vestidos de verde-oliva. "Coloquei este nome no meu bar numa referência à peça Cala Bar de Chico Buarque de Holanda e Ruy Castro, proibida nos áureos tempos da censura por questionar o conceito do que na verdade seria traição à pátria".
    Pouco a pouco, a disseminação das novas idéias vai tomando corpo em Porto Calvo. Além da farmácia e do bar, já surgiram uma hospedaria e um fórum com o nome Calabar estampado na fachada. Mesmo assim, nas 44 escolas municipais, mais de seis mil crianças e adolescentes de Porto Calvo ainda aprendem e fazem suas provas através dos livros que colocam Calabar na escória dos traidores.
    Se não houver um professor disposto a pelo menos plantar-lhes uma desconfiança na mente, eles passam um bom tempo achando que nasceram na terra de um personagem execrável, até encontrarem alguém alheio ao sistema escolar tradicional que os faça pensar diferente.
    Que esperanças tem Porto Calvo que sua luta dará certo? Poucas. Mas bem fundamentadas. O som das vozes da terra ultrapassou as fronteiras da cidade. Pelo Brasil já existem várias publicações resultadas de gente desconfiada que a história não é bem aquela. "Muitos historiadores acreditam na inocência de Calabar. Mas seus livros apenas criam a dúvida na cabeça dos leitores", conta Audemário Lins. Mas o dele será diferente. "Quero afirmar, provar e não deixar as coisas no ar."
  • Duas cidades com muito em comum

  • Jornal do Comercio - Recife, 20 de abril de 1998por ANDRÉ GALVÃO

  • Editor de Cidades
    O recifense que chega de trem, de avião ou mesmo de carro a Amsterdã, a capital holandesa, logo tem a impressão de que aquela peculiar paisagem lhe é familiar. E não poderia ser diferente. As duas cidades, que já têm uma história em comum, a partir da chegada do conde Maurício de Nassau ao país, em 1637, apresentam algumas semelhanças. E a principal delas está na ímpar e rebuscada geografia, formada por rios, estuários e um amontoado de pequenas ilhas interligadas por dezenas de pontes.
    A única diferença nesse panorama é que em Amsterdã, a exemplo do glorioso passado marcado pela descoberta dos sete mares, a população ainda utiliza barcos como moradia e meio de transporte e de lazer, enquanto que no Recife os rios e canais servem, principalmente, para escoar os dejetos vindos da precária rede de esgotos. Prova disso é que, hoje, são poucos os recifenses que já tiveram a oportunidade de navegar no Rio Capibaribe, o mesmo que inspirou tantos poetas e que figura como um dos mais belos cartões-postais do Brasil.
    TRAÇADO - Também é possível estabelecer uma ligação no traçado urbanístico das duas cidades. O historiador Leonardo Dantas, da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas (Fundaj), cita como exemplo o bairro de São José, onde alguns quarteirões datam da época em que o conde Maurício de Nassau construiu a Cidade Maurícia. As transversais da Avenida Nossa Senhora do Carmo, por exemplo, seguem paralelas até o Forte das Cinco Pontas, num percurso bem próximo do que se vê em algumas quadras do centro histórico da capital holandesa.
    As coincidências não param por aí. Amsterdã, tal como Recife, é uma cidade festiva, tem forte potencial turístico e guarda algumas das relíquias da presença holandesa na capital pernambucana. Para conferir este acervo, o visitante deve fazer uma visita ao Rijksmuseum, o mais importante do país. Lá, há uma grande variedade de peças, utensílios, vestimentas e telas a óleo (com imagens do Recife e Olinda) que retratam com fidelidade o período em que os holandeses se lançaram ao mar em busca de novas terras.
    Por essas e outras, o Recife deveria ser intitulada a Amsterdã Brasileira e não a Veneza Brasileira. Com certeza, as semelhanças com a famosa cidade dos Países Baixos são bem maiores que com às do mais famoso cartão postal da Itália.
  • O nosso espião

  • Jornal do Commercio - Recife, 20 de abril de 1998

  • por JODEVAL DUARTE

  • Tivessem as forças dos Países Baixos consolidado a ocupação de Pernambuco no século XVII, haveria vitórias para festejar, como a Batalha dos Guararapes, falariam nos heróis - entre eles Calabar - e provavelmente teriam, como contraponto, um traidor de nome Verdunc. Mas a História é contada por nós, Calabar é o traidor e de Verdunc são raríssimos os registros. Talvez pela dimensão da presença de um e outro nos capítulos dessa longa guerra, que consumiu preciosos momentos de nossa formação. Mesmo assim, uma omissão.

  • Se outros méritos não tiver, meu primeiro romance - premiado pelo Conselho de Cultura do Recife - está servindo para resgatar essa figura interessantíssima dos primeiros momentos de ocupação holandesa do Recife. Verdunc é o nome-título do livro e, porque romance, não foi construído com a ansiedade de dissecar a presença do personagens sob a rigorosa lente da metodologia histórica, até porque não saberia como. O Verdunc imaginado em meu romance é uma figura muito distinta do guerreiro Calabar. Faz da dissimulação sua arma, da cultura a tática de combate.

  • Brabantino, ligado, pois, aos Países Baixos, Verdunc já estava em Pernambuco quando chegaram os invasores. Pela identificação de origem, partilhou da mesa farta do comando das tropas e fez-se interlocutor de assuntos que deveriam estar sob rigorosa censura. De posse das informações privilegiadas, municiava Matias de Albuquerque, comandante das tropas nativas, e pode-se presumir que muitas das bem-sucedidas emboscadas dos primeiros momentos de ocupação se deveram ao trabalho de Verdunc. Ou Verdonck, como é grafado na extraordinária obra de José Antonio Gonsalves.

  • Minha descoberta desse personagem foi acidental, parte da deliciosa leitura do diário de um dos soldados que vieram com as tropas invasoras. Ele registra, em meia dúzia de linhas espalhadas, a revelação, prisão e execução do traidor Verdunc. Pareceu-me, desde a primeira leitura, tipo ideal para um romance de espionagem, enriquecido pelas circunstâncias da guerra de ocupação em um período marcado por revoluções nas ciências e na cultura. De molho, o cenário mágico de bruxarias que povoavam o imaginário coletivo desde a Idade Média.

  • Assim nasceu o romance, que se fez com espionagem, mistério, circunstâncias e muita, muita imaginação. Sem comprometer a raiz histórica de personagens que escreveram capítulos ainda em aberto de nossa formação. Ainda em aberto porque a ocupação holandesa não se integrou à nossa tradição, como costuma ser nas terras onde a cultura absorve até os piores e mais trágicos episódios da História para torná-los produto de consumo e, sobretudo, memória.

  • Aqui padecemos do fascínio pela memória porque a luta pela sobrevivência é mais forte. O que talvez explique uma obra magnífica como a de José Antonio Gonsalves não inspirar nem enriquecer o patrimônio nacional. Não poderia pretender nunca, com Verdunc, suprir essa deformação cultural, mas a obra, pela sua simplicidade, presta-se a ocupar um espaço ao lado de outras mais densas e reveladoras de um imenso filão, como nos mostra a grande escritora Luzilá.

  • A Batalha vista pelo Exército
    Jornal do Comercio - Recife, 20 de abril de 1998O Brasil foi alvo de tentativas estrangeiras de conquista durante o período colonial. A de maior duração é amplitude territorial foi conduzida por holandeses, que se iniciou em 1630 e teve fim em 1654, dominando nesse período boa parte do Nordeste.
    A reação que levou à expulsão definitiva do invasor tomou impulso em 1645. Naquele ano, portugueses e brasileiros de todos os matizes e estratos sociais deram vida à Insurreição Pernambucana. Na proclamação dirigida aos estrangeiros, pela primeira vez na nossa história, a palavra pátria foi usada para referir-se ao torrão a ser liberado.
    O passo inicial do movimento rebelde foi organizar o seu braço militar, o Exército Patriota, integrado por índios, negros, brancos e mestiços de todas as classes.
    O momento culminante vivido por aquele povo em armas foi a 1ª Batalha dos Guararapes, ocorrida em 19 de abril de 1648, quando os patriotas, carentes de meios, mas plenos de determinação, derrotaram as tropas holandesas de ocupação, dotadas com os mais modernos instrumentos de guerra que havia na época.
    Prodígio de criatividade, ousadia e bravura, a vitória de 350 anos atrás é muito mais que um inconteste feito militar, um fato histórico, de nossos antepassados. Sem nenhum auxílio da Côrte Portuguesa, mas impelidos por arraigado sentimento de amor à terra e unidos num rijo amálgama de raças, eles combateram movidos por estrangeiro, foram plantadas as sementes da nacionalidade brasileira.
    Assim está registrado o primeiro empreendimento genuinamente nacional no alvorecer de nossa história e por isso, um fato repleto de simbolismo.
    O Exército permanece fiel ao legado de heróis de Guararapes, entre eles Barreto de Menezes, Vidal de Negreiros, Fernandes Vieira, Antonio Dias Cardoso, Felipe Camarão e Henrique Dias que, ao vencerem uma batalha, também lançaram as bases de uma realidade histórica e geográfica que desabrocharia soberana, 174 anos depois, às margens do Ypiranga: a grande Nação brasileira.
    A voz que vem dos Montes Guararapes, fala-nos de fé, de trabalho árduo, de imaginação criadora; fala-nos de união e persistência diante das dificuldades; diz-nos que é possível construir em nosso País-continente uma civilização moderna, justa e bem-sucedida.
    Que essa voz encontre eco nos corações e nas mentes de todos nós.
 

Hino do município de Porto Calvo

Hino do município de Porto Calvo

 Hino do município de Porto Calvo
Letra por Pe. Expedito Barbosa de Macedo
Melodia por Pe. Expedito Barbosa de Macedo


Porto Calvo altaneiro
Canta e vibra varonil
Tua voz eleva forte
Pela honra e glória do Brasil.

Nas colinas ondulantes
Nas Campinas verdejantes
Vive um povo, bravo e forte
Que nas lutas foi sempre vencedor
Viva, viva Porto Calvo.
Sempre terás meu amor.

Entre os filhos mais ilustres
Temos Guedes de Miranda
Grão Tribuno, sábia mestre
E o bravo e famoso Calabar
Que lutou até a morte
Para o Brasil libertar.

Enfrentando mares, ventos,
Numa frágil caravela
Tu chegaste – decidido
A dar vida a uma grande sesmaria
Salve, salve, oh! Cristóvão Lins
És nosso herói – fundador!

Branco, negros, índios e cristãos
Se uniram na defesa
Deste solo-bem amado
Combatendo o grande invasor
Porto Calvo, Hoje e sempre
Vencerás, és vencedor!

Entre os verdes arrozais
E no meio dos canaviais
Corre um rio, o Manguaba
Serpeando tranqüilo para o mar
Alimentador dos pobres
Queremos nós, te saudar.



 

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Vila colonial de Porto Calvo, AL: remanescentes (Porto Calvo, AL)

Vila colonial de Porto Calvo, AL: remanescentes (Porto Calvo, AL)



Descrição:A fundação do povoado se deve a Christovam Lins que, conquistando os índios pitaguarés, fundou sete engenhos. Com a chegada do Donatário Duarte Coelho passa a categoria de vila, em 1636, com o nome de Bom Sucesso, em lembrança da vitória então alcançada pelos portugueses contra os holandeses. Depois, passou a ser chamada de Santo Antônio dos Quatros Rios por estar rodeada pelos rios Manguaba, Moicatá, Comandatuba, Tapamundé. Cria, ao lado de Magdalena e Penedo, a trilogia básica da formação do território alagoano. Desenvolveu importante papel, em consequência de sua localização, no extermínio do Quilombo dos Palmares, na Guerra dos Cabanos de 1831 e 1834 e na Revolução Praieira em 1848 e 1849. Em 10 de abril de 1890, recebe o título de Cidade de Porto Calvo. A primeira paróquia criada em Alagoas foi a Igreja da Apresentação, construída no início do século XVII e que, ao longo do tempo, foi sendo descaracterizada. Construída no século XVII, teve a fachada alterada com a construção de uma torre, duas portas ladeando a principal, três janelas rasgadas no lugar de duas simples e alterações no seu interior. O altar-mor foi substituído por um de estilo rococó, em 1930 ( uma reportagem de 1940 diz ainda se conservar junto com dois Cristos flagelados do século XVI), que pode preservar o dourado original sob a tinta. Existe também, afastada da igreja, uma casa do século XIX, com varanda, telhado quatro águas e lambrequim que ainda resiste ao tempo.


Endereço: - Porto Calvo - AL

Livro Histórico
Inscrição:307 Data:17-1-1955
     
 

Nº Processo:0515-T

Observações:Porto Calvo foi erigido em Monumento Nacional pela Lei nº 1.618-A, de 06/06/1952. O tombamento inclui todo o acervo da Igreja Matriz, de acordo com a Resolução do Conselho Consultivo da SPHAN, de 13/08/85, referente ao Processo Administrativo nº 13/85/SPHAN.
 

“POR QUE, CALABAR?” O MOTIVO DA TRAIÇÃO Frans Leonard Schalkwijk*






“POR QUE, CALABAR?”
O MOTIVO DA TRAIÇÃO
Frans Leonard Schalkwijk* 

A figura de Calabar insere-se na história pátria colonial durante a época da invasão dos holandeses no Nordeste (1630-1654). Morador de Porto Calvo, Alagoas, passou para o lado holandês em 1632. Conseqüentemente, é desprezado pela maioria das pessoas como traidor; outros, porém, acreditam que Calabar amava a sua terra natal e fez uma escolha sábia. Mas, afinal, por que ele teria passado para o outro lado? Qual a razão da traição?
I. Contexto
Para entendermos o drama de Calabar, temos de lembrar do contexto histórico.Portugal e suas colônias estavam debaixo do domínio espanhol desde que Filipe II conquistara a coroa portuguesa em 1580. Com isso, ele pode afirmar com razão que no seu império o sol nunca se punha. Somente sessenta anos depois, em 1640, Portugal se livraria de Castela e constituiria de novo um reino independente sob o governo de D. João IV. Mas a história de Calabar se desenvolveu inteiramente no contexto do Brasil ibérico, quando, por algum tempo, não havia previsão de mudanças políticas.
Domingos Fernandes Calabardeve ter nascido durante a primeira década do século XVII, no atual Estado de Alagoas, na região de Porto Calvo, sendo filho de pai português e de mãe indígena, de nome Ângela Álvares.3 Era, assim, um mameluco,e foi batizado numa igreja da paróquia de Porto Calvo.O menino foi educado numa escola dos padres jesuitas e, homem feito, ainda antes da invasão batava, possuía três engenhos de açúcar naquela região.Então, em 1630, a segunda onda de invasores holandeses alcançou a costa do Nordeste. Portugal e a Holanda geralmente gozavam de um bom relacionamento, inclusive por causa do seu inimigo comum, a Espanha. Na época do reino unido ibérico (1580-1640), a invasão flamenga fazia parte da guerra dos oitenta anos que a Holanda travava contra o domínio espanhol sobre os sofridos Países Baixos (1568-1648).A Ibéria continuou tentando recapturar suas províncias perdidas e esmagar a reforma religiosa naqueles rincões. A Europa sempre se admirava de como os Filipes conseguiam colocar exércitos bem equipados tão longe das suas terras, e sabia que o segredo era a riqueza oriunda principalmente das colônias americanas, inclusive do Brasil. De lá não vinha ouro nessa época, e sim grandes caixas do apreciado açúcar, branco e mascavo. Eram umas 35.000 caixas de 300 quilos cada uma por ano.O paladar europeu estava se adaptando ao novo produto e o preço do açúcar estava em alta. A Holanda procurava “estancar as veias do rei da Espanha,” pelas quais fluía tanta riqueza, e muitos holandeses apoiaram de coração os esforços da Companhia das Índias Ocidentais no sentido de causar “prejuízo ao inimigo comum.”
O domínio holandês do Nordeste durou quase um quarto de um século (1630-1654) e teve três períodos distintos. A primeira etapa abrange os anos da resistência ibérica e do crescimento do poderio neerlandês (1630-1636). O segundo período compreende a resignação lusa e o florescimento da colônia holandesa (1637-1644). Os últimos anos compõem a insurreição dos moradores portugueses e o fenecimento do domínio flamengo até a expulsão final (1645-1654). São períodos de aproximadamente sete, oito e nove anos, respectivamente. O florescimento da colônia holandesa coincidiu com a presença do Conde João Maurício de Nassau-Siegen como governador do Brasil holandês, e deveu-se em grande parte à sua pessoa. Especialmente na época nassoviana, mas de fato durante todo o período holandês, o Nordeste era como que um enclave renascentista10 no Brasil colonial, com uma forte influência cristã reformada. A história de Calabar é parte integrante do primeiro período da ocupação holandesa, a da resistência ibérica contra os conquistadores recém-chegados.
Olinda, a capital da capitania de Pernambuco, caiu nas mãos dos holandeses em fevereiro de 1630. Sua conquista fez parte da “primeira guerra mundial... contra o rei do planeta.”11 A composição das tropas invasoras refletia esse aspecto global, à semelhança dos atuais Gideões Internacionais, incorporando holandeses, frísios, valões, franceses, poloneses, alemães, ingleses e outros. Envolvidos na guerra contra Madri, todos se alegraram quando os “espanhóis” bateram em retirada.12 Essa luta contra a Espanha tinha implicações profundamente religiosas. Embora a instrução do almirante Lonck estipulasse que todos os padres jesuítas e outros religiosos teriam de abandonar o país, ela reafirmava a “liberdade de consciência, tanto para os cristãos como para os judeus, desde que prestassem juramento de lealdade..., assegurando-lhes que (a Holanda) não molestaria ou investigaria as suas consciências, mas que a religião reformada seria publicamente pregada nos templos...”13 Foi instituído um governo civil; um dos membros desse Alto Conselho era o médico Servaes Carpentier.14 O exército ficou sob o comando do coronel Diederick van Waerdenburch, o governador, presbítero da Igreja Reformada, homem estimado pelas tropas.
Em 1631, foi conquistada a Ilha de Itamaracá e construído o Forte de Orange sob a supervisão do capitão protestante Chrestofle Arciszewski, um nobre polonês.15 Todavia, a expansão foi lenta, e outras tentativas de ampliar a conquista vieram a fracassar por causa da resistência dos luso-brasileiros, que eram grandes conhecedores da região e haviam adotado a tática de guerrilhas (“capitanias de emboscada”), o que deixou os holandeses praticamente encurralados. O próprio almirante Lonck quase caiu numa emboscada no istmo entre o Recife e Olinda, e o pastor Jacobus Martini foi morto no mesmo trecho.16 O centro da resistência portuguesa estava localizado a uns seis quilômetros do litoral, em um terreno alagadiço no lugar denominado Arraial do Bom Jesus.17 A Ibéria enviou uma armada de mais de 50 navios para recapturar Pernambuco, sendo que a maior parte da contribuição dada por Lisboa veio de empréstimos compulsórios de “cristãos novos” (judeus convertidos compulsoriamente ao catolicismo romano).18 
Em setembro de 1631, a batalha naval de Abrolhos, no litoral pernambucano, ficou sem vencedor. Em seguida, as tropas espanholas, sob o comando do não muito benquisto conde napolitano Bagnuolo, desembarcaram em Barra Grande, no sul de Pernambuco, a cerca de cinco léguas do maior povoado da região, Porto Calvo, às margens do Rio das Pedras. Entre eles estava Duarte de Albuquerque Coelho, o novo donatário de Pernambuco, autor das famosas Memórias Diárias19 sobre os primeiros oito anos dessa guerra colonial. Por ora a situação era de empate, os holandeses dominando o mar, os portugueses as praias.
II. História
Essa situação de virtual equilíbrio no Nordeste continuou até 22 de abril de 1632, quando um soldado de nome Calabar, homem muito forte e audaz, deixou o campo português e passou para o lado dos holandeses. Foi apenas por um breve período, pouco mais de três anos, mas teve conseqüências para toda a época flamenga. Calabar não foi o único a passar para o outro lado, mas sem dúvida foi o mais importante entre eles. Era um homem inteligente e grande conhecedor da região, que já tinha se distinguido e ficado ferido na defesa do Arraial sob a liderança do nobre general Matias de Albuquerque.20
Inicialmente, os holandeses não confiaram muito nele.21 No entanto, dez dias depois Calabar provou pela primeira vez o que podia fazer, levando as tropas do coronel Van Waerdenburch a saquear Igaraçu, a segunda cidade de Pernambuco, para onde uma parte das riquezas de Olinda tinha sido transportadas. Durante os meses seguintes, muitas campanhas foram feitas pelas colunas volantes batavas sob a orientação de Calabar, que tornou-se amigo do coronel alemão Sigismund von Schoppe. Por outro lado, o general Matias tentou “por todos os meios possíveis (reduzir Calabar), assegurando-lhe não só o perdão, mas ainda mercês, se voltasse ao serviço de el-rei; e esta diligência repetiu por muitas vezes, no que se gastou algum tempo; mas vendo que nada bastava para convencê-lo, tratou de outros meios.”22 
Em 1633, com a ajuda de Calabar, foi conquistado o litoral norte, desde Itamaracá até a fortaleza dos Reis Magos, e com isso o Rio Grande do Norte, o que levou a contatos amigos com os tapuias, indígenas antropófagos daquela região. Na parte sul, foi tomado o valioso ancoradouro do Cabo Santo Agostinho, o que privou os portugueses do porto mais próximo do Arraial, dificultando o recebimento de reforços de Lisboa e o envio de açúcar para Portugal. Nessa altura, o coronel Sigismund, como o mais velho dos oficiais, assumiu o comando das tropas terrestres. No mar, o almirante Jan Cornelis Lichthart, que falava português, tornou-se amigo de Calabar, que lhe ensinava as entradas dos rios.
Do outro lado, os portugueses prosseguiam com suas tentativas de destruir Calabar. Assim, em março de 1634, o general Matias prometeu a Antônio Fernandes, um primo irmão com quem Calabar fora criado, “que lhe faria mercê que o contentasse se pudesse matá-lo em algum ataque.” Antônio aceitou a comissão mas foi morto na tentativa.23 
Enquanto isso, Calabar se adaptava mais e mais à sociedade dos invasores e tornou-se um indivíduo estimado e respeitado, inclusive na “igreja católica reformada.”24 Prova disto é que, quando nasceu um filhinho do casal, foi batizado na Igreja Reformada do Recife. O livro de batismo dessa igreja registra que no dia 20 de setembro de 1634, Calabar esteve ao lado da pia batismal com o seu filho nos braços. O menino foi, então, batizado “Domingo Fernandus, pais Domingo Fernandus Calabara e Barbara Cardoza.”25 Como testemunhas, ali estavam o alto conselheiro Servatius Carpentier, o coronel Sigismund von Schoppe, o coronel polonês Chrestofle Arciszewski, o almirante Jan Cornelisz Lichthart e uma senhora da alta sociedade.26 O pastor oficiante foi provavelmente o Rev. Daniel Schagen.27
No final de 1634, a Paraíba também havia se rendido aos invasores. Alguns sacerdotes (exceto os jesuítas) inclusive tiveram a permissão de assistir aos ofícios religiosos. Houve até um padre, Manuel de Morais, S.J., que passou para o lado invasor. Dessa forma, os holandeses ocuparam a faixa litorânea desde o Cabo Santo Agostinho até o Rio Grande do Norte. A Espanha não podia fazer muito devido aos grandes problemas que enfrentava na Alemanha (com o avanço do exército sueco para ajudar a Reforma contra as tropas do imperador), a perda de uma frota carregada de prata do México (devido a um furacão), problemas no Ceilão, vários anos de seca em Portugal, etc.
Novamente orientados por Calabar, os holandeses continuaram a expansão para o sul e, em março de 1635, atacaram Porto Calvo, a terra natal do próprio Calabar. Os defensores, liderados por Bagnuolo, fugiram para o sul, e com a ajuda de frei Manuel Calado do Salvador28 os moradores da região submeteram-se aos holandeses. Dessa forma, o Arraial ficou isolado e, depois de três meses, em junho, Arciszewski conquistou aquela fortificação lusa, os religiosos recebendo permissão para levarem as suas imagens. Matias de Albuquerque havia fugido para o sul com aproximadamente 7000 moradores que preferiram acompanhá-lo a ficar sob o domínio flamengo. A única estrada da região pantanosa de Alagoas que podia ser usada por carros de boi passava por Porto Calvo, e nessa altura estava em poder do major Picard e de Calabar, acompanhados de uns 500 homens. Matias viu-se forçado a atacar a praça, que teve de pedir condições de entrega. Picard tentou salvar a vida de Calabar e finalmente foi combinado que ele ficaria “à mercê d’el-rei.”29 Porém, como disse o historiador De Laet, a proteção concedida foi “à espanhola” e um tribunal militar o condenou a ser enforcado e esquartejado como traidor.30 O frei Manuel o assistiu nas últimas horas31 e ao anoitecer do dia 22 de julho de 1635 a sentença foi executada. Foi também enforcado um judeu, Manuel de Castro, “homem de nação,” que estava ali a serviço dos holandeses.32 Poucas horas depois, os portugueses continuavam a sua retirada em direção à Bahia, levando consigo cerca de 300 prisioneiros holandeses. Nenhum dos moradores cuidou de enterrar o soldado executado. Dois dias depois, chegaram a Porto Calvo as forças combinadas dos coronéis Sigismund e Arciszweski, que ficaram enfurecidos ao achar os restos mortais do seu amigo e compadre Calabar. Foram colocados num caixão e sepultados com honras militares. Querendo vingar-se da população lusa, foram dissuadidos por Calado, “o frei dos óculos,” especialmente pelo fato de que os holandeses precisavam dos “moradores da terra” para a plantação da cana-de-açúcar e a criação do gado.
III. Motivos
Por que Calabar teria passado para o lado do invasor? Capistrano de Abreu pergunta: “Talvez a ambição ou esperança de fazer mais rápida carreira, ou desânimo, a convicção da vitória certa e fácil do invasor”?33 Reconheçamos que, com esta inquirição, entramos no campo da especulação histórica, pois não há indícios concretos nos documentos, somente alusões vagas.34 Deve ter havido motivos claros e outros ocultos, motivos diurnos e noturnos.35 Além disto devem ter existido forças que o empurravam para fora do círculo português e outras que o atraíam para dentro do campo holandês, forças centrífugas e centrípetas. Lembremos ainda que uma decisão dessas geralmente não se toma de um dia para o outro. Havia motivos que se cristalizaram com o tempo, até que algo levou o barril de pólvora a explodir.
A. Fugitivo?
A primeira pergunta deve ser: será que Calabar era um fugitivo? O confessor de Calabar, antes da sua execução, foi o frei Manuel Calado do Salvador, vigário da paróquia de Porto Calvo. Treze anos depois, em 1648, no auge da revolta contra os holandeses, ao escrever O Valeroso Lucideno, seu livro panegírico em louvor do líder João Fernandes Vieira, Calado afirmou que Calabar era um contrabandista, que inclusive teria cometido grandes furtos e vários crimes atrozes na paróquia de Porto Calvo e, temendo a justiça, fugiu com Bárbara para o campo do inimigo.36 As Memórias de Duarte Coelho, escritas em 1654, acompanham Calado nessa opinião.37 Vários historiadores, como Varnhagen e outros, mantêm esse veredito.38 Mas o cônego Pinheiro lembra que “os mais graves cronistas como Brito Freyre (1675), e frei José da Santa Teresa (1698), não falam nesses crimes atrozes atribuídos pelo Valeroso Lucideno e seu Castrioto Lusitano compilador.”39 Quanto às Memórias do donatário Duarte de Albuquerque Coelho, temos de observar que o autor (cujo irmão Matias, cognominado o “terríbil,”40 era o general da resistência portuguesa), escrevendo sobre a traição de 1632, não mencionou motivo algum, somente se admirou de que um homem tão corajoso, que ficou ferido duas vezes na defesa da sua terra, não sentisse ódio dos invasores.41 Mas, depois, quando tratou da morte de Calabar, disse que foi um “castigo reclamado por sua infidelidade,” acrescentando que tinha “cometido grandes crimes, e para evitar a punição fugiu passando-se para o inimigo.”42 Será que Coelho refletia boatos do campo português depois da traição, além de referir-se aos crimes de guerra ocorridos nas incursões dos holandeses com Calabar entre 1632 e 1635, inclusive em Barra Grande e Camaragibe, ambos distritos no litoral da paróquia de Porto Calvo?43 Quanto às informações de Calado, temos de reconhecer que elas nem sempre são muito precisas,44 e são às vezes romanceadas;45 além disso, conforme C. R. Boxer, elas freqüentemente eram um tanto caluniadoras e não necessariamente fidedignas.46 
Talvez Flávio Guerra seja o autor mais sistemático na rejeição da idéia de fuga por roubo e outras razões dessa natureza. Ele argumenta: a) Calabar era um homem de posses que não aceitou dinheiro dos holandeses; b) ele não poderia ter defraudado bens do estado no Arraial; c) não há documento nenhum que fale em fraude; d) essa alegação surgiu somente alguns anos depois da morte de Calabar.47 Reconhecemos, porém, que esse jovem inteligente e proprietário de engenhos de açúcar talvez não tenha herdado essas propriedades; talvez fosse mesmo um contrabandista e como tal pudesse ter cometido algum furto ou crime antes da traição. Entretanto, seja como for, naqueles dias de guerra dificilmente esse corajoso e astuto defensor do Arraial seria entregue nas mãos da justiça enquanto o general Matias e o donatário Duarte estavam a seu favor. Por outro lado, depois da traição, depois de tantas tentativas de reconduzi-lo gentilmente, depois de tantos prejuízos e mortes causados na conquista de Igaraçu, Itamaracá, Rio Grande, Paraíba e boa parte do sul de Pernambuco, depois de tantas tramas abortadas para liquidá-lo, não havia chance nenhuma de escapar das garras dos seus justiceiros comandados pelo general Matias, com ou sem crimes cometidos antes da traição.48 
B. Teria Segurança?
Mas, sendo fugitivo do lado português, teria realmente segurança se passasse para o outro lado? Inteligente como era, Calabar deve ter calculado o perigo que estava correndo. Será que ele teria tido medo de, no fim, ser abandonado pelos holandeses? Creio que não. Intimamente ele deve ter tido a certeza de que não seria como Frei Calado sugeriu, que os holandeses “se servem (dos seus ajudantes) enquanto os hão mister, (mas) no tempo da necessidade e tribulação, os deixam desamparados e entregues à morte.”49 A proteção dada posteriormente aos seus aliados judeus e índios e a resistência em render-se finalmente aos portugueses por causa dos mesmos (atestada pelo próprio Calado),50 mostra que não é provável que isto tenha acontecido. Mas, pela última vez em Porto Calvo, com soldados relutantes, restando pouca água e munições, com lenha amontoada pelos sitiantes debaixo da casa forte para queimá-los,51 e depois de “mais de meio-dia no ajuste dos artigos de rendição, porque o inimigo insistia em levar consigo Domingos Fernandes Calabar,” o próprio soldado Calabar sabia que era impossível escapar e, querendo poupar as vidas dos seus amigos e subordinados, “disse com grande ânimo estas palavras ao governador Picard: ‘Não deixeis, senhor, de concordar no que se vos exige pelo que me diz respeito, pois não quero perder a hora que Deus quis dar-me para salvar-me, como espero de sua imensa bondade e infinita misericórdia’.”52 Deve ter pedido, ainda, que cuidassem bem da sua mulher, com quem fugira para o campo holandês,53 e de seus filhos, pois ia entregar-se sozinho. De fato, o governo cuidou bem da família do seu nobre capitão, pois a sua viúva passou a receber para cada um dos seus três filhos menores o salário de um soldado, num total de 24 florins mensais, equivalente ao salário de um mestre-escola, o que não acontecia com a família de pastor e capelão do exército tombado no serviço da Companhia.54 Por outro lado, o próprio major Alexandre Picard deve ter ficado arrasado com o triste fim do colega, e nós o encontramos depois na Holanda recuperando-se na casa do seu irmão pastor em Coevorden.55 
C. Exemplos de “Traidores”
Fugindo em busca de refúgio ou não, também temos de lembrar que a época conhecia muitos exemplos de “traidores,” de ambos os lados. Embora Calabar fosse considerado em abril de 1632 como o primeiro a desertar do Arraial,56 os documentos testificam que já havia passagens dos dois lados. Alguns soldados franceses a serviço da Companhia das Índias Ocidentais passaram para o campo português devido à religião, e houve judeus que fizeram a viagem em direção oposta pelo mesmo motivo. Sabemos de escravos que fugiram dos seus donos para obter mais liberdade entre os holandeses,57 de grupos de índios tupis que deles se aproximaram,58 e também de soldados napolitanos que debandaram para o lado invasor. O “vira-casaca” holandês mais conhecido foi o capitão Dirk van Hooghstraten que, em 1645, entregou a fortaleza do Cabo Santo Agostinho aos portugueses por um bom dinheiro (que ainda não havia recebido quatro anos depois).59 Houve pessoas que trocaram de campo até duas vezes, e entraram para a história com honras, como o padre jesuíta Manuel de Morais e o próprio João Fernandes Vieira. O primeiro tinha liderado os índios na resistência contra o invasor, mas passou para o campo do inimigo depois da queda da Paraíba. Foi enviado à Holanda, onde casou-se com uma holandesa e, para ressarcir-se das despesas que teve, cobrou à Companhia das Índias Ocidentais pela ajuda prestada no Brasil. Depois de alguns anos, Morais deixou mulher e filhos, voltando para o Nordeste como negociante. Quando, no início da revolta, foi capturado pelos portugueses, salvou sua pele passando de novo para o campo católico romano. Quando foi preso pela Inquisição, defendeu-se habilmente diante dos seus inquisidores, insistindo que nunca tinha quebrado seus votos sacerdotais, mas, não reconhecendo o matrimônio herético, somente tinha se amancebado com mulheres reformadas.60 Por sua vez, João Fernandes Vieira ajudou um conselheiro holandês a achar o tesouro enterrado do seu antigo patrão português e conseguiu créditos e mais créditos da Companhia até, em 1645, proclamar a “guerra da liberdade divina” para livrar o Brasil dos “heréticos,” aos quais ficou devendo 300.000 florins, importância altíssima para a época.61 De fato, em tempo de guerra, a traição está “no ar.”
D. Interpretação Econômica
Revendo esses poucos exemplos, poderíamos então postular que a interpretação mais simples para o caso de Calabar seria econômica. Talvez Calabar, como grande conhecedor da região e dos acessos pelos rios, já fosse contrabandista antes e depois da invasão,62 e teria passado para os invasores em busca de dinheiro. Embora tudo indique que ele não precisava disto, pois já tinha adquirido propriedades e gado em Alagoas, um bom dinheiro sempre teria sido bem-vindo. Mas, se foi contrabandista, de certo havia cúmplices, como deixou transparecer o seu próprio confessor. É que Calado relatou alguns detalhes da confissão de Calabar (com permissão do mesmo) ao general Matias; entretanto, este ordenou ao padre “que não se falasse mais nesta matéria, por não se levantar alguma poeira, da qual se originassem muitos desgostos e trabalhos” (sem dúvida para alguns portugueses importantes).63 Mas, afinal, será que este moço abastado teria passado para o inimigo por dinheiro, pensando em aumentar a sua fortuna? Southey o acha mais provável.64  Calado não o diz, nem Coelho, que somente menciona que Calabar passou a receber o soldo de um sargento-mor.65 Também, através dos anos, não apareceu nenhum indício disto nos documentos, nem a mais ligeira referência como nos outros casos de peso. Ao contrário, há indicações de que ele recusou o suborno.66 Por outro lado, não parece muito provável que Waerdenburch teria oferecido a Calabar o título de capitão caso mudasse de lado, pois desconfiava dele. Se prometeu algo nesse sentido, teria sido mais por uma questão de honra do que por uma razão financeira.67 
E. Questão de Honra
Uma interpretação bem mais provável é essa questão de honra; talvez de glória, mas muito mais de reconhecimento, respeito, bom nome, dignidade. Vivendo no século XVII, por ser mestiço e não português “de sangue puro,” Calabar, apesar das suas qualidades, de certa forma era um inferior por causa da cor da sua pele, ainda que atualmente algumas pessoas tenham dificuldade em admitir esse fato histórico. Ainda quase um século e meio depois, o vice-rei do Brasil mandou degradar um cacique indígena que antes tinha recebido honras reais, pois “havia desprezado as mesmas… se baixando tanto que se casou com uma negra, manchando seu sangue.”68 Mestiçagem aviltada num Brasil mestiço. Na época de Calabar a situação não era muito melhor e parece que até os holandeses sabiam da discriminação racial contra Calabar.69 Talvez baseando-se na história de Southey, o romancista Leal faz Calabar pensar em “vingança de tantos desprezos e tantas humilhações com que me têm amargurado os da vossa raça.”70 E outro romancista, Felício dos Santos, bem pode ter razão quando faz o napolitano conde Bagnuolo insultar Calabar chamando-o de negro. Seria mesmo o estopim que o fez sair do acampamento do Arraial do Bom Jesus e passar para os holandeses.71 Anos depois, o próprio governador de Pernambuco (1661-1664) escreveu que Calabar buscara entre os inimigos “a esperança que lhe impedia entre os nossos a vileza do nascimento.” E falando sobre Henrique Dias, o herói africano da restauração portuguesa, acrescenta: “Um negro, indigno deste nome, pelo que emendou ao defeito da natureza.”72 Por outro lado, Calabar, o mameluco, deve ter observado como os holandeses tratavam melhor os seus escravos,73 e os índios até mesmo com respeito, chamando-os de “brasilianos” por serem os primeiros moradores do vasto Brasil.74 E quem sabe Calabar também fosse um tanto ambicioso e pensasse que poderia fazer carreira do outro lado,75 o que num certo sentido aconteceu, como Coelho lembra ao afirmar que “logo o fizeram capitão.”76 Não foi tão logo, mas de fato aconteceu.
F. Motivação Religiosa
Resta ainda uma dupla de motivos que deve ser considerada, a político-religiosa. Estas são duas alavancas importantes da história e naquele tempo estavam entrelaçadas quase que inseparavelmente. Será que houve algum motivo religioso na traição de Calabar? Representantes do pensamento cristão reformado como o presbítero holandês coronel Waerdenburch, reconhecidamente um homem de Deus,77 ou o alemão Von Schoppe, ou o polonês Arciszewski, devem ter tido uma influência nesse sentido. Será que Calabar leu o livro de Carrascon, ou “O Católico Reformado” de Perkins,78 livros que já estavam circulando no Nordeste e sobre os quais frei Calado advertia constantemente os seus fiéis em Porto Calvo, berço de Calabar? Anos depois Calado se lembrava de que se não tivesse ficado em Porto Calvo, “os pusilânimes haviam de ter titubeado na fé, e haviam de estar envoltos em muitos erros e heresias. Porquanto os predicantes dos holandeses haviam derramado por toda a terra uns livrinhos que se intitulavam O Católico Reformado em língua espanhola, composto por Fulano Carrascon, cheios de todos os erros de Calvino e Lutero, e persuadiam os ignorantes (e ainda aos que não eram) de que a verdadeira religião era a que naqueles livros se ensinava.”79
De fato, houve uma escolha religiosa voluntária por parte de Calabar, o que não era possível na direção oposta.80 Ele podia ter passado para o lado holandês sem filiação à “igreja do estado” e Bárbara podia ter procurado um padre católico romano para o batismo do seu filho. Calabar teria sido considerado um aliado valioso da mesma forma que os tapuias com o seu pajé, os judeus com o seu rabino e os soldados franceses e napolitanos com o seu vigário católico romano. A entrada da família Calabar na igreja reformada foi voluntária e o batismo do seu filho na igreja reformada do Recife em 1634 aponta para isto.81 Finalmente, dez meses depois, no dia da sua execução, Calabar reconheceu mais claramente os seus pecados e se mostrou tão arrependido que os religiosos que o assistiram acharam que “Deus por meio de tal pena o quis salvar, dando-lha no próprio lugar de seu nascimento e onde tanto o havia ofendido.”82 Quem sabe Calabar lembrou-se, como posteriormente o índio Pedro Poti durante o seu suplício, das primeiras frases do Catecismo de Heidelberg, escrito em tempos de perseguição pela Inquisição e memorizado pelos fiéis: “Qual o teu único consolo na vida e morte? Que, na vida e na morte, não pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo.”83 
G. Patriotismo
Finalmente, quanto ao aspecto político convém abordar o motivo do amor à terra natal, o patriotismo. José Honório Rodrigues observa que talvez tenha sido Francisco de Brito Freyre (almirante da armada que reconquistou o Nordeste e posteriormente governador de Pernambuco), “dos primeiros a manifestar, ao se referir a Calabar, sentimentos patrióticos em relação ao Brasil,” quando diz que Calabar foi enforcado em Porto Calvo, “pátria sua.”84 Recentemente, o historiador Flávio Guerra defendeu esse sentimento de patriotismo e, ao mesmo tempo, o ódio luso-brasileiro contra a opressão da Espanha. El-rei teria praticamente abandonado o Brasil e quando chegou o reforço sob o comando de Bagnuolo, os estrangeiros receberam, por ordem régia, tratamento melhor do que os “moradores da terra,” dos quais alguns foram indo para suas casas, conforme Calado. Por outro lado, os holandeses prometiam menos impostos do que os espanhóis e tentaram trazer Calabar para si. “A catequização do mameluco estivera sendo trabalhada por um tal de Joer,” agente dos invasores, católico romano, que falava muito bem o idioma do Brasil. Finalmente Calabar teria escrito ao governador Waerdenburch, dizendo: “Passei para essa causa sem querer recompensa, e vim para melhorar minha terra, que não tem liberdade de espécie alguma.” Waerdenburch teria confirmado à Holanda que “Calabar só se colocou ao nosso lado por convicção, pois recusou as recompensas que vossas senhorias lhe haviam mandado. Diz estar certo de que a sua pátria irá melhor do que com os espanhóis e os portugueses.” Guerra conclui que “convicções talvez erradas mas honestas… decorreram do seu idealismo… (para) melhor servir à pátria.” E quando, depois, o general Matias acenou com anistia total na tentativa de trazê-lo de volta, Calabar teria respondido: “Tomo Deus por testemunha de que meu procedimento é o indicado pela minha consciência de verdadeiro patriota, não como traidor, mas como patriota.” E no fim, em Porto Calvo, antes de entregar-se, teria escrito ao governo holandês no Recife: “Serei um brasileiro que morre pela liberdade da pátria.” Infelizmente, não conseguimos localizar os documentos em que a informação de Guerra se baseia. Mesmo assim, a base histórica parece muito sólida.85 
Conclusão
Pessoalmente, tenho a impressão de que o motivo que impulsionou Calabar foi um pouco mais “caleidoscópico.” O fator centrífugo ou negativo mais forte talvez tenha sido a ira, ira contra o desprezo racial, inclusive, quem sabe, ódio contra o seu pai português (desconhecido?), uma ira impotente contra a primeira onda de invasores na terra dos “brasilianos.” Se fosse fugitivo, a segurança lhe acenaria. Todavia, o fator positivo mais forte certamente teria sido o seu patriotismo, enfatizado por Flávio Guerra.
A descrição intuitiva de João Felício dos Santos talvez possa estar perto da resposta que se esconde na névoa da história. Para Felício, esse amor à terra natal era patente em todas as fases da vida do soldado, quem sabe um desejo de realmente ver “ordem e progresso” no Brasil (talvez o sonho de servir, não a si mesmo, mas à comunidade, com justiça e paz). Como menino, o romancista faz Calabar estudar em um colégio de jesuítas onde se ensinava uma obediência incondicional à coroa católica romana de Castela, mas faz o menino responder que somente devia obediência à sua mãe e à terra brasileira. Como jovem, ele teria percebido que os holandeses amavam o Brasil pela construção e limpeza do Recife (e podia ter acrescentado: por planos de melhorias como o ensino primário generalizado, limpeza dos limpos, proibição do corte do pau-brasil e do cajueiro, etc.). Finalmente, Felício faz Calabar adulto dizer ao frei Calado, seu confessor, defendendo-se do epíteto de traidor: “São partidários dos flamengos todos os que querem esta terra farta e acarinhada, sejam eles de que nação forem.”86 Provavelmente foi isto em essência que Chico Buarque também quis enfatizar, em 1973, com seu musical “Major Calabar.”87
Na verdade, à pergunta “Por que Calabar passou para o outro lado?” temos de responder por enquanto com um “non liquet,” pois, mesmo do lado holandês, nem o meticuloso cronista De Laet (1644) e nem o panegirista Barlaeus (1647) mencionam motivo algum. De Laet registra somente que “para os nossos passou um mulato, de nome Domingo Fernandes Calabar” e Barlaeus observa que esse “português abandonou o partido do rei (da Espanha) pelo nosso,” mencionando a sua terrível morte por causa da sua infidelidade.88 Talvez seja pessimista demais a conclusão de Capistrano de Abreu: “nunca se saberá.”89 Se for localizada uma das cartas mencionadas por Flávio Guerra, teremos uma resposta clara e autêntica. Mas, de fato, atualmente não sabemos com certeza. Na velha Roma, os juízes podiam usar seu “NL” com discrição, porém sem constrangimento. Era uma placa cujas letras queriam dizer “non liquet,” isto é, o assunto não está claro (líquido). Se, depois de ouvir as testemunhas, o caso ainda não estava claro, eles erguiam as suas plaquinhas “NL” na hora da votação. Não era um atestado de ignorância, nem prova de indecisão, mas de juízo. Era um sinal humilde de que estavam no limite da interpretação honesta dos dados conhecidos. Precisamos ter sabedoria e coragem para erguer o “NL,” porque no caso do capitão Calabar por enquanto não sabemos mesmo. Provavelmente, ele foi movido por um misto de motivos, tendo o amor à sua terra natal como Leitmotiv. Porém, foi sempre uma motivação mesclada, pois “o coração tem razões que a própria razão desconhece” (Blaise Pascal).

Apeldoorn, Holanda, 08-05-2000 A.D.
Dedicado ao meu irmão e colega Rev. Klaas Kuiper (biógrafo de João Ferreira de Almeida [1628-1691], o tradutor da Bíblia para o português e pastor da “Santa Igreja Cristã Católica Apostólica Reformada” em Jakarta, Indonésia).

Post Scriptum
Quanto aos cinco documentos mencionados por Guerra (Aventura, 79-84, 103; Calabar, 42, 69), os mesmos poderiam encontrar-se em Haia, no Rio ou em Recife. Os originais deviam estar no Arquivo Real de Haia, na Holanda (Algemeen RijksArchief), nas respectivas caixas de cartas escritas do Recife para os Estados Gerais dos Países Baixos (ARA-AStG 5753 e 5754; 1631-34 e 1635) ou para os Senhores XIX (ARA-OWIC 49 e 50; 1630-32 e 1633-35). As cópias podem estar no Brasil, pois as transcrições das missivas aos Estados Gerais (1854) constituem hoje a “Coleção Caetano,” no Rio de Janeiro; as transcrições das cartas aos Senhores XIX (1886) formam a famosa “Coleção José Higino,” no Recife. Os documentos procurados (originais, cópias ou traduções; principais ou anexados) devem ser os seguintes:
(a) Carta de 14-11-1631 de “Aldiembert” a Holanda (Estados Gerais ou Senhores XIX). Guerra informa que segundo Assis Cintra “[Aldiembert] ‘teria dito’ que Calabar ‘apesar de ter sofrido injustamente dos seus patrícios por ser mulato, tem recusado aceitar o nosso oferecimento de dinheiro e honrarias’” (Ver notas 66 e 69. Guerra, Aventura, 83).
(b) Carta entre 22 e 30-04-1632 de Calabar (ao Governador Waerdenburch?). Guerra diz: “Conta-se que Calabar escreveu: ‘… vim para melhorar minha terra’” (Nota 85. Guerra, Aventura, 84).
(c) Carta entre 22 e 30-04-1632 de Waerdenburch à Holanda (Estados Gerais ou Senhores XIX). Guerra, fazendo citação: “(Calabar) só se colocou ao nosso lado pela convicção, pois recusou-se a recompensas que vossas senhorias lhe haviam mandado. Diz que está certo que conosco a sua pátria irá melhor do que com os espanhóis e os portugueses. Envio-lhes uma carta [de certo a carta “b”] que nos mandou comunicando a sua adesão … Iremos atacar agora Igaraçu” (Notas 66 e 85. Guerra, Calabar, 42).
(d) Carta (entre 01-05-1632 e 03-1635?) de Calabar a Matias de Albuquerque. Guerra informa que a carta (descoberta no ARA por W. Wallitz) é uma resposta à oferta de anistia total para Calabar, dizendo: “Tomo Deus por testemunha de que meu procedimento é o indicado pela minha consciência de verdadeiro patriota… não como traidor, mas como patriota” (Nota 85. Guerra, Calabar, 44s).
(e) Relatório do Major Picard (depois de 19-07-1635) sobre a capitulação de Porto Calvo. Guerra informa que no relato (traduzido do holandês por Wallitz e divulgado por Assis Cintra), Picard diz que Calabar insistiu que aceitassem as condições da capitulação e afirmou: “Serei um brasileiro que morre pela liberdade da pátria.” Ao Governo no Recife Calabar escreveu: “Vós, os holandeses, oferecestes a liberdade ao Brasil, ao meu amado Pernambuco. Um homem como eu que recusou honras e proventos, não é traidor; se houve traição foi uma traição justificada pela nobreza do motivo …” (Nota 85. Guerra, Calabar, 69).
Infelizmente, ainda não conseguimos localizar nenhum desses documentos em Haia (AStG ou OWIC; somente a tradução de um breve relato de Picard numa missiva portuguesa que não menciona Calabar, em OWIC 50), e eles não constam dos índices das coleções do Recife ou do Rio de Janeiro. As outras cartas de Waerdenburch em 1631 e 1632 foram seis aos Senhores XIX (07-10 e 09-11-1631; 06-01, 09-05, 16-08 e 12-11-1632) e nove aos Estados Gerais (12-02, 24-03, 31-05, 03-08, 07-10 e 09-11-1631; ?-01, 09-05, 16-08-1632). Porém, nelas (mormente na de 09-05-1632, ver nota 21) as informações procuradas não foram encontradas. Temos de reconhecer que isto às vezes acontece com informações históricas sólidas por perda de documentos originais, perda essa acidental (como em F.A. Pereira da Costa, Annais Pernambucanos, III:5) ou intencional (óbvia pela seqüência de documentos referentes ao Brasil atualmente ausentes do Arquivo dos Estados Gerais; ver Schalkwijk, Igreja e Estado, p. 201, n. 112; 465:2.1.5; 466:2.4). Documentos extraviados são a frustração do historiador e apelamos aos que têm alguma pista dos documentos perdidos do Arquivo dos Estados Gerais que se comuniquem com o Algemeen RijksArchief, 2595BE, Den Haag, Holanda.
Guerra menciona como sua fonte Assis Cintra. Cintra publicou sua defesa de Calabar em 1933 (A Reabilitação Histórica de Calabar: Estudo Documentado, Onde Prova que Calabar não Foi Traidor. Depoimento, Acusação, Defesa e Reabilitação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933). A sua tese pode ter sido mal defendida e não muda o fato da traição (Rodrigues, Bibliografia, p. 423, #964), mas o importante era a sua documentação. Mesmo que, em 1933, certos documentos dos Estados Gerais já tivessem desaparecido do arquivo de Haia, Cintra ainda teria à disposição as transcrições da Coleção Caetano, no Rio de Janeiro, a não ser que esses cinco documentos não tenham sido transcritos. Seria uma coincidência, mas tem ocorrido com outros documentos, mormente com anexos interessantes. Infelizmente não há condições no momento de consultar Cintra, Recife ou Rio de Janeiro.

English Abstract
The author addresses a controversial issue in Brazilian historiography. During the Dutch occupation of northeastern Brazil (1630-1654), at a time when the colony was under Spanish sovereignty, a mestizo named Calabar changed sides and joined the Calvinist invaders. A few years later, during a siege, he had to be surrendered to the Luso-Brazilians, who executed him. He has been known since as a traitor of his country. Relying on an extensive research in Brazil and in the Netherlands, Schalkwijk discusses the possible motives for Calabar’s change of allegiance. He considers economic, moral, religious, and even patriotic reasons, concluding that the available data do not provide definitive answers. The evidence points to a mix of motives, love for the homeland being the Leitmotif.

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*      O autor é ministro da Igreja Reformada Holandesa, com mestrado no Calvin Theological Seminary, em Grand Rapids, Estados Unidos, e doutorado em história na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
1       Do lado português, a principal fonte de informações deste período é Duarte de Albuquerque Coelho, Memórias Diárias da Guerra do Brasil, 1630-1638 (Madri: 1654; Recife: Secretaria do Interior, 1944), que menciona Calabar em muitas páginas. Do lado holandês, Joannes de Laet, Iaerlijck Verhael, 4 vols. (Leiden: 1644; ‘s-Gravenhage: Linschoten Vereniging, 1931-1937); tradução portuguesa: História ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Índias Occidentais desde o seu começo até o fim do ano de 1636, 2 vols. (Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1916-1925).
2       J. da Silva Mendes Leal, Calabar (Rio de Janeiro: Correio Mercantil, 1863), p. 140, sugere que o seu nome era Domingos Fernandes, apelidado “o Calabar.” Com isto parece concordar a informação do general Matias de Albuquerque, de que o “primo co-irmão” de Calabar era Antônio Fernandes, sendo ambos nascidos, batizados e criados na paróquia de Porto Calvo (Coelho, Memórias, 197; 31-03 e 01-04-1634). De igual modo, alguns dos primeiros documentos holandeses não mencionam o nome Calabar, mas somente “Domingo Fernando,” como na carta do coronel Waerdenburch aos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais, os chamados “Senhores XIX,” em 12-11-1632, sobre a incursão contra Barra Grande: “...porque o mesmo nasceu ali e é grande conhecedor.”
3       Frei Manuel Calado do Salvador, Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade (Lisboa: 1648; Recife: Cultura Intelectual de Pernambuco, 1942; 2 vols.), I:48; Ângela Alures Coelho, Memórias, 120: mãe e alguns parentes. F.A. de Varnhagen, História Geral do Brasil (Rio de Janeiro: 1854-1857; São Paulo: Melhoramentos, 1956, 5ª ed.), I:277: Ângela Álvares.
4       Frei Calado chama Calabar de “mancebo mameluco, mui esforçado e atrevido” (Lucideno, I:32). Por servir como pároco em Porto Calvo por alguns anos, Calado conhecia melhor o parentesco de Calabar. Às vezes Calado chama-o de mulato (com desprezo? Lucideno, I:48). Coelho, Memórias, p. 120 (o “mulato” Calabar; 20-04-1632); p. 68 (o “pardo” ferido, 14-03-1630). Laet, Verhael, III:95, 96: “mulaet.” Também depois, às vezes, chamado de mulato, como por R. Southey, História do Brasil (Londres: 1810-1819; São Paulo: Obelisco, 1965), II:164; mas, nas notas, o cônego J.C. Fernandes Pinheiro afirma que “todos os nossos cronistas qualificam a Calabar de mameluco e não de mulato” (p. 205, n. 13). Pedro Calmon, História do Brasil (Rio de Janeiro: Olympio, 1961), II:597, nota, julga que pelo nome africano, Calabar, de certo era negro ou mulato. No interior de Pernabuco, por volta de 1600, deve ter havido muitos mamelucos (mestiços índio-europeus), mulatos (mestiços africano-europeus) e cafuzos (mestiços índio-africanos; Alagoas: “pelos cafus,” ao anoitecer), de sorte que um mameluco bem podia ter alguns traços africanos e ser chamado mulato. João Felício dos Santos, Major Calabar (São Paulo: Círculo do Livro, s.d. [1ª ed. 1960]; ed. integral): mameluco. Romances usam liberdades históricas (ex: Felício faz Maurício de Nassau filho do “stadhouder” da Holanda, etc.), mas podem ajudar na interpretação dos fatos.
5       Coelho, Memórias, 197: “onde foram batizados” (isto é, Calabar e seu primo Antônio). Flávio Guerra, Uma Aventura Holandesa no Brasil (Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1977), 78s: ainda menino, Calabar foi parar, “não se sabe como, nem conduzido por quem,” em Olinda e batizado no dia 15-03-1610 na ermida do engenho N.S. da Ajuda, de Jerônimo de Albuquerque, sendo padrinhos Afonso Duro, rico colono de Évora, Portugal, e sua filha D. Inês Barbosa, nascida em Pernambuco. Flávio Guerra, Calabar: Traidor, Vilão ou Idealista (Recife: ASA Pernambuco, 1986). Talvez com a fórmula: “Si non baptizatus es, ego te baptizo…”
6       Guerra, Aventura, 78: em 1628 Calabar tinha três engenhos de açúcar em Porto Calvo e participava da procura das lendárias minas de prata de Caramuru. Novo Dicionário de História do Brasil, 2ª ed. (São Paulo: Melhoramentos, 1971), s.v. “Calabar” (o artigo merece reparos). Os batavos foram os primeiros moradores históricos da Holanda.
7       Naquela época, os Países Baixos, pertencentes à coroa da Espanha, englobavam Bélgica e Holanda, com capital em Bruxelas. A palavra “flamengos,” freqüentemente usada para “holandeses,” refere-se propriamente aos moradores do norte da atual Bélgica. Ver a história sociológica do Dr. José Antônio Gonçalves de Mello, Tempo dos Flamengos (Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1978).
8       C.R. Boxer, Os Holandeses no Brasil, 1624-1654 (São Paulo: Editora Nacional, 1961; tradução de The Dutch in Brazil, 1624-1654 [Londres: Oxford University Press, 1957]), p. 45. Em 1630, havia 137 engenhos de açúcar, com uma produção de 700.000 arrobas, ou seja, 10.500.000 quilos por ano. O livro de Boxer dá um ótimo resumo da história geral da época. Evaldo Cabral de Mello, Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654 (Rio de Janeiro/São Paulo: Forense-Universitária/Universidade de São Paulo, 1975).
9       Panfleto De Portogysen goeden Buyrman (O bom vizinho português; Lisbon: Drucksael daer uyt-hangt het Verradich Portugael, 1649. Sic: Lisboa? Sala de impressão com a placa Portugal Traidor? ), p. 13.
10      José Honório Rodrigues, Civilização Holandesa no Brasil (Rio de Janeiro: Nacional, 1940), p. 169: “capa cultural.” Ver E.van den Boogaert, ed., Johan Maurits van Nassau-Siegen, 1604-1679: A Humanist Prince in Europe and Brazil. Essays on the Occasion of the Tercentenary of his Death (‘s-Gravenhage: The Johan Maurits van Nassau Stichting, 1979).
11      C.R. Boxer, The Dutch Seaborne Empire (Londres: Hutchinson, 1965), 108.
12      Panfleto Veroveringh van de Stadt Olinda (Conquista da cidade de Olinda; Amsterdam: J. Luyck, 1630). Rev. J. Revius, Biechte des Conincx van Spanjen (Confissão do rei da Espanha mortalmente doente pela perda de Pernambuco; S.l.: s.e., 1630): “mea gravissima culpa.”
13      Instrução do almirante Lonck de 01-08-1629 sobre “onze rechtvaardige oorlog,” nossa guerra justa contra a Espanha. Sobre a questão da liberdade religiosa durante esta época, ver F.L. Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês, 1630-1654, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova, 1989), 335-458.
14      F.J. Moonen, Holandeses no Brasil (Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1968), 53.
15      E. Fischlowitz, Christoforo Arciszewski (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1959).
16      Laet, Verhael, III:143.
17      Ver F.A. Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, 10 vols. (Recife: Arquivo Público Estadual, 1952-1966), III:12-19.
18      Boxer, Holandeses, 63, nota 27.
19      Ver nota 1. Somente em 1817 Alagoas tornou-se uma capitania independente de Pernambuco.
20      Coelho, Memórias, 120 (20-04-1632). Matias era irmão do donatário Duarte de Albuquerque Coelho.
21      Em 01-05-1632, Waerdenburch fez uma incursão a Igaraçu “sob a fidelidade ou infidelidade de um negro que me serviu de guia” (carta aos Estados Gerais, 09-05-1632; provavelmente a primeira referência a Calabar nos documentos holandeses). F.A. de Varnhagen, História das Lutas com os Hollandezes no Brasil desde 1624 a 1654 (Lisboa: Castro Irmão, 1872), 59. Até novembro de 1632 provavelmente surgiu certa dúvida por causa da confissão do colaborador Leendert van Lom, que alertou o governo a não confiar em nenhum português e que suspeitava de “Domingo Fernando,” que joga (cartas) com capitães (de barcos) portugueses, dando-lhes dinheiro e chamando-os de primos (o que não são).” Porém, na hora da execução Lom hesitou em confirmar os nomes dos portugueses, de sorte que ficou a incerteza (Laet, Verhael, III:107).
22      Coelho, Memórias, 138 (07-02-1633).
23      Ibid., 197 (31-03 e 01-04-1634).
24      Os protestantes, inclusive o pastor João Ferreira de Almeida, insistiram que não pertenciam a uma nova seita, mas à igreja cristã “católica reformada,” não católica romana. Ver Schalkwijk, Igreja e Estado, 234s.
25      No dia 20-09, não em 10-09 como foi sugerido pela edição impressa do Doopboek por ter omitido “Sept. 20” (Livro de Batismos da Igreja Reformada do Recife, 1633-1654, publicado por C.J. Wasch, Nederlandsch Familieblad, 5 e 6, 1888-1889). Frei Calado diz que Calabar travou amizade com Von Schoppe tomando-o “por compadre de um filho que lhe nasceu de uma mameluca, chamada Bárbara, a qual levou consigo e andava com ela amancebado.” Calado não reconheceu o matrimônio protestante (Calado, Lucideno, I:32, seguido por J.B.F. Gama, Memórias Históricas da Província de Pernambuco, 2ª ed., 2 vols. [Recife: Secretaria da Justiça/Arquivo Público Estadual, 1977], I:239). O colaborador Leendert van Lom afirmou (hesitando porém na hora da execução) que “a mulher de Domingo” falou que todos os holandeses deviam ser mortos à bala (“Domingos vrouw,” Laet, Verhael, III:107). Em 1636, as atas do governo no Recife falam sobre “a viúva de Calabar” (Dagelijkse Notulen, 13-04-1636). Mameluca (Calado, Lucideno, I:14). Parece que Bárbara também era natural de Porto Calvo, porque em março de 1635 o cunhado (“swagher”) de Calabar traz notícias de que os grandes da povoação querem discutir (a rendição; Laet, Verhael, IV:151). Leal, no seu romance, desconhece Bárbara (Leal, Calabar, passim).
26      Magtelt Daays. Engana-se o romancista Felício ao fazer Bárbara e o filho morrerem em 1631 (Santos, Calabar, 97 e 102). Coelho, Memórias, 116.
27      Pastores no Recife no ano de 1634: Christianus Wachtelo (1630-1635) e Daniel Schagen (1634-1637), este mais ligado ao exército.
28      Sobre Calado, ver J.A.G. de Mello, “Frei Manuel Calado do Salvador,” Restauradores de Pernambuco (Recife: Imprensa Universitária, 1967). Era um religioso da ordem de São Paulo.
29      Calado, Lucideno, I:46-48. “E como se havia de entender aquela promessa dos concêrtos, que ficaria a mercê d’El-Rei.” Calado justifica o não cumprimento do “à mercê d’el-rei,” considerando o general Matias como representante do rei. Varnhagen, História geral, I:263, “(Calabar) esperançado talvez de ter algum meio de escapar-se, se em tempo de guerra andassem com ele, de uma parte para outra, à espera de ordens da metrópole.”
30      Enforcado, dizem Calado (Lucideno, I:47) e Coelho (Memórias, p. 264); garroteado, diz Guerra (Aventura, 103). João Ribeiro, História do Brasil, 19ª ed., rev. por Joaquim Ribeiro (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1966), 152: “como é próprio da fraqueza humana, vingaram-se.” Mas parece que alta traição exigia este tipo de execução (ver Laet, Verhael, III:107, o traidor Leendert de Lom foi decapitado e esquartejado no Recife). O problema era o não cumprimento total das cláusulas (escritas ou orais) da rendição, pois teriam dado quartel a Calabar, “a mercê d’el-rei” (Calado, Lucideno, I:46-48; Carta do governo no Recife aos Senhores XIX, 23-08-1635, prometido o quartel. Laet, Verhael, IV:169).
31      Calado, Lucideno, I:46-48, com Calabar durante quatro horas pela manhã e mais três horas à tarde; lágrimas e arrependimento. Leal se engana fazendo padre Manuel de Morais confessor de Calabar (Leal, Calabar, IV:135).
32      Calado, Lucideno, I:47. Coelho, Memórias, 264 (22-07-1645), aguazil (funcionário administrativo e judicial) dos holandeses em Porto Calvo. Castro ou Crasto: Laet, Verhael, IV:162, Manuel de Crasto Fortado.
33      J. Capistrano de Abreu, Capítulos de História Colonial, 4ª ed. (Rio de Janeiro: Briguet, 1954), 155.
34      J. Veríssimo qualifica os motivos, sem mencioná-los: “Foram vis e infamantes os móveis que o fizeram bandear-se” (“Os Hollandezes no Brazil,” Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano [RIAP] 54:127).
35      Ver Ruy dos Santos Pereira, Piso e a Medicina Indígena (Recife: Instituto Histórico Pernambucano e Universidade Federal de Pernambuco, 1980), 23.
36      Calado, Lucideno, I:14, 46-48. Rodrigues diz sobre esse “saboroso livro” (no Index, Índice de Livros Proibidos, de 1655 até 1910) que o desejo de Calado “de ver o Brasil livre dos holandeses … conduziram-no muita vez ao erro, à parcialidade, à falsidade.” Mas “foi uma injustiça … quando (Varnhagen julgou a obra) defeituosa e sem dignidade histórica”; José Honório Rodrigues, Historiografia e Bibliografia do Domínio Holandês no Brasil (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1949), 11,12. Boxer, Holandeses, p. 68, n. 34,35. Mello, Calado, 9: “É, não uma história, mas o depoimento de um contemporâneo … a fim de influir sobre o Rei a favor dos insurretos …” (1648).
37      Coelho, Memórias, 264 (22-07-1635). Guerra: Coelho precisava de um bode expiatório (Aventura, 79).
38      Varnhagen, História das Lutas, 58; História Geral, I:277. H. Wätjen, O Domínio Colonial Hollandez no Brasil (São Paulo: Editora Nacional, 1938), 119: “um trânsfuga,” sem mencionar motivos.
39      Southey, História, II:212, 239, n. 1. Francisco de Brito Freyre, Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica (Lisboa: 1675; Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977). Gioseppe di S. Teresa, Istoria delle Guerre del Regno del Brasile (Roma: Corbelletti,1698), “compilação pouco estimável,” conforme Rodrigues (Bibliografia, 147). Raphael de Jesus, Castrioto Lusitano (Lisboa: 1679; Recife: Assembléia Legislativa de Pernambuco, 1979), na sua maior parte cópia de Calado.
40      Guerra, Aventura, 94, 102.
41      Coelho, Memórias, 68, 120.
42      Ibid., 264 (22-07-1635). Nota 131: “Tradução literal do texto espanhol.” A tradução (Melo Morais, 1855) rezava: “por sua infidelidade e crimes.” Rodrigues avalia esta tradução como “indigna de apreço pelos seus erros e omissões” (Bibliografia, 223, ítem 410). Leal sugere que Calabar tentou organizar com uns cúmplices um desastre no Arraial para acabar com a guerra, e teria fugido depois de pôr fogo na barraca do general Matias (Leal, Calabar, II:104,132).
43      Ver Laet, Verhael, III:95 (Barra Grande, 09-1632); III:112 (Camaragibe, 12-1632); II:190 (descrição do litoral de Porto Calvo). Coelho, Memórias, 197 (Barra Grande, 04-1634).
44      Ver Schalkwijk, Igreja e Estado, 234, n. 81.
45      Como sobre a morte do almirante Pater envolvido na bandeira holandesa. Varnhagem, História Geral, I:276 (n.V).
46      Boxer, Holandeses, 71, n. 38.
47      Guerra, Aventura, 79ss. Guerra, Calabar, 36.
48      Coelho, Memórias, 263 (19-07-1635: “o general assegurou [ao inimigo] que arriscaria a sua própria pessoa para não perder das mãos a de Calabar”); p. 264 (22-07-1635: “tão firme em não entregá-lo.” Varnhagen, História Geral, I:263, “(Calabar) traidor por todos os séculos dos séculos.”
49      Calado, Lucideno (1648), I:46. Opinião copiada ao pé da letra por Diogo Lopes Santiago, História da Guerra de Pernambuco (1660?; Recife: Fundarpe, 1984), 92, e Raphael de Jesus, Castrioto Lusitano (p. 115). Assim também Varnhagen, História Geral, I:263. Mas o próprio donatário reconheceu que os holandeses fizeram muitos esforços para salvar a vida de Calabar: (Deus permitiu que) “o nosso general estivesse tão firme em não entregá-lo, a despeito de tamanhas instâncias que fazia o inimigo” (Coelho, Memórias, 264, 22-07-1635).
50      Calado, Lucideno, II:241: “se não foram os judeus ...” Panfleto Portugysen, 13.
51      Coelho, Memórias, 262 (17 e 18-07-1635). Laet, Verhael, IV:168.
52      Coelho, Memórias, 263 (19-07-1635). Brito Freyre, Nova Lusitânia, 349: “persuadindo-os a se renderem, capitularam.” Não há provas do engano sugerido por Freyre. Guerra, Aventura, 102, parafraseando: “O mameluco, ante a recusa de Picard em atender a intimação do ‘terríbil,’ reagiu, e, com rara altivez e coragem, retorquiu para o enviado do inimigo: ‘Ide e dizei ao General Matias de Albuquerque que o Coronel Picard aceita a proposta’.”
53      Calado, Lucideno, I:32.
54      A Companhia reconheceu o valor de Calabar: o diretor De Laet escreveu que esse homem corajoso e forte “fez mui grandes serviços” (Laet, Verhael, IV:162,171). Nótulas Diárias do Governo no Recife, 13 de abril de 1636 (ver 24-01-1636). A viúva do pastor Stetten e seus filhos receberam uma ajuda provisória (Nótulas Diárias, 12-07-1647), suspensa em junho de 1650 (carta da D. Raquel à Stetten ao pastor P. Wittewrongel, de Amsterdam – Recife, 18-05-1652 (GAA-ACA 88, 4, p. 167-169).
55      G. Groenhuis, De Predikanten (Groningen: Wolters-Noordhoff, 1977), 36.
56      Coelho, Memórias, 120 (20-04-1632).
57      Ver J.A.G. de Mello, “A Situação do Negro sob o Domínio Holandês,” em Gilberto Freyre e outros, Novos Estudos Afro-Brasileiros (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1937).
58      Informações geralmente contidas nas “cartas gerais” do governo no Recife aos Senhores XIX, 1630-1632 (ver o índice da coleção “Brieven en Papieren” no Instituto Histórico no Recife; RIAP 30:129-144).
59      Pedidos de Hooghstraten ao Conselho Ultramarino em Lisboa para pagar o soldo prometido (Lisboa, Arquivo Histórico Ultramarino, cod. 14:88 e 278:230v, de 28-09-1647 e 25-02-1649).
60      Boxer, Holandeses, 380-382. Muitas referências nos documentos holandeses.
61      J.A.G. de Mello, João Fernandes Vieira, 2 vols. (Recife: Imprensa Universitária, 1967), I:105-127.
62      Abreu, Capítulos, 155.
63      Calado, Lucideno, I:48.
64      Southey, História, II:164.
65      Coelho, Memórias, 264 (22-07-1635).
66      Guerra, Aventura, 83: segundo Assis Cintra “[Aldiembert] ‘teria dito’ que Calabar, ‘apesar de ter sofrido injustamente dos seus patrícios por ser mulato, tem recusado aceitar o nosso oferecimento de dinheiro e honrarias’.” Guerra, Calabar, 42: Waerdenburch teria escrito à Holanda que “(Calabar) só se colocou ao nosso lado por convicção, pois recusou-se a recompensas que vossas senhorias lhe haviam mandado.” Ver o post scriptum deste artigo.
67      Santos, Major Calabar, 107 (capitão Jouer de Haia, o “língua,” tradutor), 113-115. Calabar era capitão, não major, ver Laet, Verhael, IV:162s, em Porto Calvo, julho de 1635, Major Picard, Capiteyn Langley, Capiteyn van Exel, Capiteyn Domingo Fernandes Calabar, Capiteyn Jan Muller.
68      C.R. Boxer, Race Relations in the Portuguese Colonial Empire, 1415-1825 (Oxford: Clarendon, 1963), 86-130; 1771.
69      Guerra, Aventura, 83: Calabar “(sofreu) injustamente dos seus patrícios por ser mulato.” Ver nota 66 e o post scriptum deste artigo.
70      Southey, História, II:164: “se o tratamento recebido dos comandantes o desgostou.” Leal, Calabar, I:141, em um conclave com conspiradores, faz Calabar dizer: “A minha raça é outra … Tolerais-me quando vos sou útil” (II:100), e faz com que o futuro sogro de João Fernandes Vieira bata com um ferro no rosto de Calabar, marcando-o (I:146; “ansiedade de vingança, III:29; IV:104). Ambos, Vieira e Calabar, seriam apaixonados por Maria César (I:141), sugerindo ainda outro motivo. Isso, porém, não é válido, pois Leal desconheceu Bárbara (nota 25).
71      Santos, Major Calabar, 112s. Leal, no seu romance histórico, não aproveita o desgosto geral contra Bagnuolo por fazê-lo chegar depois da deserção de Calabar (Leal, Calabar, IV:54). Calado, segundo Boxer, é um crítico muito escarninho de Bagnuolo (Boxer, Holandeses, 68, n. 35).
72      Brito Freyre, Nova Lusitânia, 240, 254.
73      Ver nota 57. Observe-se sobre o tratamento dos escravos, as instruções de João Fernandes Vieira e as de Nono Olferdi para os novos colonos no Sergipe. Schalkwijk, Igreja e Estado, 74, n. 81.
74      Também o índio Pedro Poti, membro da igreja cristã reformada, assina a sua carta na língua tupí como “regedor (dos) brasilianos em Paraíba” (31-10-1645). Talvez fosse bom usar de novo este nome arcaico, porém honorífico, como coletivo para todas as nossas tribos indígenas em geral. “Brasilianen,” passim nos documentos holandeses para as tribos tupis (como tupinambás, potiguaras, sergipes, etc.), distinguindo-os dos tapuias (nhanduis, cariris). Os (luso) “brasileiros” eram chamados “portugueses” ou “moradores.” Calado, Lucideno, I:xvi, “brasilianos” no sentido de “moradores.”
75      Abreu, Capítulos, 155.
76      Coelho, Memórias, 264 (22-07-1635).
77      Carta de Dom. (Rev.) Pistorius aos Senhores XIX, Recife, 04-11-1631.
78      Schalkwijk, Igreja e Estado, 231-235.
79      Calado, Lucideno, I:68s.
80      Schalkwijk, Igreja e Estado, caps. 12-15, sobre a liberdade religiosa nessa época, mormente pp. 388-458.
81      Ver notas 25 e 26.
82      Coelho, Memórias, 264 (22-07-1635). Brito Freyre, Nova Lusitânia, 350: “com piedosas mostras de verdadeiro arrependimento e lágrimas constantes, nascidas mais do temor de Deus que do receio do castigo.” Guerra, Aventura, 103: “firme e seguro, sem denotar arrependimento,” ou seja, não se sabe se considerou a “traição” como pecado.
83      O Catecismo de Heidelberg (1563) era estudado dominicalmente nas igrejas reformadas. Havia no Brasil uma edição em espanhol, Catechismo (s.l.: Ioris van Henghel, 1628, 135 p.), 1ª pergunta e resposta. Sobre Poti, Schalkwijk, Igreja e Estado, 309.
84      Rodrigues, Bibliografia, 13. Brito Freyre (Armada: 1654; Governador: 1661-1664), Nova Lusitânia, 350.
85      Guerra, Aventura, 79-84, 103. Guerra, Calabar, 42, 69. Ver o post scriptum no fim deste artigo.
86      Santos, Major Calabar, 99, 101 e 205. Capitão Jouer, ver nota 66.
87      A peça “Calabar” (com subtítulo de “O Elogio da Traição” e músicas como “Bárbara”), de Chico Buarque de Hollanda e Ruy Guerra, foi proibida em 1973 pelo governo militar, mas liberada em 1980. O alvo era debater a figura do “traidor” por ocasião do sesquicentenário da independência (Veja, 14-05-1980, pp. 60ss).
88      Laet, Verhael, III:98. Gaspar Barlaeus, História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil (Amsterdam: 1647; Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1980), 39.

89      Abreu, Capítulos, 155. Muitos têm opinião semelhante, como Rocha Pombo, História do Brasil, 7ª ed. (São Paulo: Melhoramentos, 1956), I:171; Southey, História do Brasil, II:164: “não se sabe”; Hélio Vianna, História do Brasil (São Paulo: Melhoramentos, 1961), etc.






 






Sinopse

Uma história da Igreja Evangélica na época do Conde João Maurício de Nassau, seu membro mais ilustre
- o Brasil holandês (1630 - 1654)
- a organização da Igreja Cristã Reformada
- sua posição como Igreja do Estado
- seus obreiros e seu ministério
- o trabalho missionário entre os indígenas
- liberdade religiosa
Eis que um tema, ainda não tratado em profundidade em relação ao "tempo dos flamengos", encontra na competência do Rev. Dr. Frans Leonard Schalkwijk um historiador à altura.
Dr. José Antônio Gonsalves de Mello (professor da Universidade Federal de Pernambuco)
Desde logo reconheço tratar-se de uma grande contribuição aos estudos sobre os holandeses no Brasil.
Dr. José Honório Rodrigues (da Academia Brasileira de Letras)
Relatos inéditos revelam a importante influência da Holanda e da Igreja Reformada na História do Brasil. Um relato magistral ...
Dr. Russell Shedd (professor, autor e editor)
Um trabalho de nível profissional muito marcante.
Dr. Johannes Verkuyl (Free University of Amsterdam)
Frans Leonard Schalkwijk nasceu em Amsterdam (1928), serviu como ministro da Palavra de Deus na Holanda, depois no Brasil por quase quatro décadas. Primeiramente como pastor da Igreja Evangélica Reformada em São Paulo, em seguida como missionário no Estado do Paraná, e depois como professor e reitor do Seminário Presbiteriano do Norte no Recife. É membro do Instituto Histórico de Pernambuco, publicou uma gramática grega do Novo Testamento, Coinê (agora em sua 9ª edição) e atualmente, residindo na Holanda, continua como professor visitante e conferencista no Brasil e outros países.

Ficha Técnica

  • Título: Igreja e Estado no Brasil Holandês
  • Subtítulo: (1630 a 1654)
  • Autor(es): Frans Leonard Schalkwijk
  • Código: CEP-0405
  • ISBN: 8586886602
  • Páginas: 448
  • Tamanho: 16 x 23 x 2,3 cm
  • Acabamento: Brochura
  • Peso: 640g
  • Categoria: Livros - História e Biografia
  • Ano: 2004
  • Ítens inclusos: 1 Livro









“Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e pelo bom senso”. Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano)

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