quarta-feira, 26 de março de 2014

De corpo e alma (Joaquim Barbosa) - Merval Pereira

De corpo e alma

Merval Pereira
A primeira entrevista mais longa para a televisão do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, dada ao jornalista Roberto D’Ávila no seu programa de estreia na Globonews, é um depoimento revelador de como pensa e age um dos principais atores da atual cena pública brasileira.
Ele não apenas anuncia formalmente que não será candidato a nada nas eleições deste ano, como faz questão de separar sua atuação da vida política, da qual diz preferir se manter alheio. Ocupando um dos principais gabinetes na Praça dos Três Poderes, ele se diz distante de “tudo o que se passa aqui (nessa Praça dos Três Poderes) que tenha caráter político”.
Retira também do processo do mensalão, do qual foi o relator, tornando-se alvo das críticas dos petistas, qualquer caráter político na sua atuação, mas reconhece que ele trouxe “um desgaste muito grande, com uma carga política exagerada, um pouco turbinada pela mídia também”. Ressalta que, por estratégia, tomou sempre as principais medidas ouvindo o plenário.
Certas penas não foram muito pesadas?, pergunta o entrevistador, e Barbosa rebate imediatamente: “Ao contrário. Eu examino as penas aplicadas nesse processo e as comparo com as penas aplicadas aqui no STF pelas turmas, só que em casos de pessoas comuns, e (quem fizer a comparação) vai verificar que o Supremo chancela em habeas-corpus coisas muito mais pesadas”.
Ele não atribui à transmissão pela televisão das sessões um papel importante nas atuações dos ministros do Supremo, e fala de sua própria experiência: “A televisão me incomodava muito nos primeiro meses, depois me acostumei e nem noto que há televisão”. Durante toda a entrevista o ministro Joaquim Barbosa procurou colocar-se como uma pessoa diferente do que o pintam, tanto em relação à sua carreira quanto ao seu comportamento na vida pública.
“No Brasil a vida pública é quase um apedrejamento. Acompanho a vida institucional de alguns países e noto uma diferença fundamental. O que eu noto no Brasil é um processo paulatino de erosão das instituições e esse apedrejamento parece fazer parte disso. Exercer a função pública no Brasil, na visão de muitos, tornou-se um anátema. As críticas são muito acerbas e às vezes infundadas, fruto de incompreensão de como funciona o Estado”, comentou a certa altura da entrevista, denotando algum ressentimento.
A certa altura, comentando a descrição que fazem dele como uma criança pobre que teve que superar obstáculos para chegar onde chegou, Barbosa deixou clara sua posição: “Ao contrário do que dizem de mim por aí, penso que raras pessoas no Brasil, incluindo pobres e as vindas da elite, tiveram e souberam aproveitar as oportunidades que eu tive. Não sinto isso como superação, as coisas foram acontecendo”.
Mesmo assim, lamenta que “pouca gente olha o meu currículo, só vê a cor da pele”. Ele diz que o racismo, que, confessa, já o fez chorar quando criança, “você sente sempre, em criança e mesmo quando ministro do STF”. Citando Joaquim Nabuco, que disse que o Brasil levará séculos para se livrar da carga da escravidão, ele diz que seus traços “estão presentes nas coisas mais comezinhas, na repartição dos papéis na sociedade, aos negros posições mais baixas e salários menores”.
Ele se diz uma exceção, mas ressalta que jamais deixa que sua presença no Supremo seja uma desculpa para o racismo brasileiro. Joaquim Barbosa não acha que seja uma missão sua combater o racismo, mas espera que sua presença possa tirar a carga racial das escolhas para o Supremo Tribunal Federal. “Espero que os presidentes (daqui para frente) saibam escolher bem pessoas para cá, que escolham um negro com naturalidade”.
Joaquim Barbosa diz que sempre entendeu que o Direito não se basta em si mesmo, tem que ser complementado com muita História, Sociologia, estudo de ciências políticas. Ele explica por esse caminho “certas reações que tenho quando vejo propostas que não se conciliam de forma alguma com o sistema que nós adotamos”.
O senhor não é às vezes muito rude?, perguntou Roberto D’Ávila a certa altura, e Barbosa foi incisivo: “Tem que ser, o Brasil é o país dos conchavos, do tapinha nas costas, o país onde tudo se resolve na base da amizade. Eu não suporto nada disso”.
Ele rejeita a acusação de que fica brabo quando é vencido, mas admite que “às vezes” se arrepende de palavras mais duras, mas justifica: “Sou um companheiro inseparável da verdade. Não suporto essa coisa do sujeito ficar escolhendo palavrinhas para fazer algo inaceitável. E isso é da nossa cultura. Faz-se algo ilegal, mas com belas palavras, com gentilezas. Isso é responsável por boa parte das minhas irritações”.

O Globo, 23/3/2014

A ilha está com todos e não abre - João Ubaldo RibeiroJoão Ubaldo Ribeiro

A ilha está com todos e não abre

João Ubaldo Ribeiro
 
Hoje em dia, tem gente que, não sei qual a razão, não gosta de lembrar-se muito disto, mas quem está por dentro de nossa História sabe que, sem o empenho decisivo dos itaparicanos, o Brasil não teria conquistado sua independência política, não me canso de repetir aqui. Os tempos são muito outros e lá se foi a época em que imperadores e nobres nos visitavam. É fugaz a glória deste mundo e quem hoje cavalga, amanhã pode ser cavalgado, já advertiam os antigos. Não é sem certo amargor que essa situação é vista e receio que a posição majoritária tem sido de descrença e repúdio quanto aos governantes, pelo menos na voz de alguns itaparicanos de destaque.
— A merdiocridade continua a dominar este país! — exclama, indignado, Jacob Branco, em discurso no Bar de Espanha. — A gente procura, procura e só acha merdíocre! Eu, que já fui fanático pela nossa participação na guerra da Independência, hoje tenho minhas dúvidas. É bem possível que os portugueses já previssem que esta esculhambação nunca ia dar certo e, aí, para a gente não desconfiar, fingiram que estavam querendo continuar a encarar este abacaxi. Eles devem ter ficado muito aliviados, quando a jogada deu certo e conseguiram se livrar do pepino que eles mesmos criaram. Nossa posição só pode ser contra os merdíocres! Portanto, contra todos os políticos, sem exceção! Vocês viram agora a reforma do Ministério. Antigamente ministério era para governar, hoje é para ficar trocando um merdíocre por outro, conforme a necessidade do momento. Já temos 39 ministérios, mas sempre se pode botar água no feijão. Há muitas áreas ainda sem ministério, pode haver o Ministério da Mandioca, o Ministério do Ambulante e do Camelô, o Ministério das Festas Populares, e muito mais, basta precisar, a fim de comprar algum apoio.
O radicalismo de Jacob de fato parecia ter contaminado toda a coletividade. Pode ser que uma pesquisa feita antes de fatos que se desenrolaram recentemente revelasse que o grau de rejeição aos políticos era talvez o mais alto do país. Mas quem, entre seus cidadãos, conta com Zecamunista deve estar sempre preparado para uma surpresa. Durante vários dias, ele ficou trancado em casa e até se acreditava que estava viajando, na disputa de algum carteado.
— Eu não estava viajando — esclareceu ele. — Estava calculando um esquema de bolões para a Copa, pela internet. Vai movimentar um belo volume de dinheiro.
— E pode fazer aposta e bolão na internet?
— Claro que pode. Aqui tudo pode, onde é que você nasceu e foi criado?
— É verdade. E o pessoal parece meio desanimado, ninguém quer votar em ninguém, ninguém acredita em ninguém.
— Ah, isso não. Quer dizer, não acreditar em ninguém está certo, mas não apoiar ninguém está muito errado. Precisamos é justamente do contrário. No começo, eu pensei em fazer um seminário especial, mas teve quem achasse que era seminário com padre, batina e latim, ficou muito complicado. Aí eu estou criando a Agência Socialista de Distribuição de Renda Eleitoral. É um esquema simples, com base numa premissa indiscutível. É uma coisa de grande alcance socioeconômico.
— Qual é essa premissa?
— O candidato se elege e passa mais pelo menos quatro anos no bem-bom, quando não a vida toda. Já o eleitor só ganha desgosto. Não é justo, agora vamos de realpolitik, andei lendo sobre o assunto e cheguei a excelentes conclusões. Quer dizer, vamos ser realistas, não vamos querer desentortar a realidade, é dar murro em ponta de faca. Não, senhor, a Agência de Distribuição de Renda Eleitoral terá como obter proveito direto com o voto, beneficiar o eleitor. Já vimos que o voto em si não costuma mudar nada, porque o eleito nunca mais vai nem falar com o eleitor até a eleição seguinte, como de costume. O negócio é aproveitar e malhar na hora certa, que é a hora em que o candidato dá importância ao eleitor. Hoje isso só é praticado de forma muito desorganizada, a agência vai corrigir tudo, pelo menos aqui na ilha. Mas quem quiser adotar o modelo da agência pode ir em frente, eu considero uma ideia muito interessante para o eleitor.
— E como é que funciona a agência?
— É muito simples, como eu já disse. O candidato registra a candidatura na agência. Aí, quando ele pedir o voto a alguém, este alguém diz a ele que espera algum retorno, de forma que ele deve procurar a agência. Na agência, o pedido é analisado, cadastrado e cobrado na hora, para repasse ao eleitor. Sem cadastramento e pagamento, o eleitor não vota. A agência vai procurar a melhor oferta e conduzir todas as negociações com o candidato.
— Mas que oferta é essa?
— Imagino que, basicamente, vai ser dinheiro, acho que a maior parte vai querer dinheiro mesmo, mas isto não exclui outras vantagens mais tradicionais, como uma dentadura, por exemplo. Estaremos prontos para qualquer proposta, o eleitor é soberano. Uma coisa é certa: o voto vai ser valorizado. E, depois da eleição, não importa o resultado, outro passo essencial é declarar apoio integral aos eleitos. Quem quer que ganhe, a gente apoia, estamos com os vencedores, damos festa, puxamos o saco e aplaudimos em praça pública. Nunca mais a ilha estará afastada do poder. E, como sempre, será por um Brasil melhor. Através do voto comprado e pago decentemente, aliado ao adesismo construtivo, vamos aperfeiçoar a nossa democracia. Comigo agora é na realpolitik, estou em sintonia com a realidade e sigo os profissionais.

O Globo, 23/3/2014

“Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e pelo bom senso”. Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano)

  Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano) “Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e p...