terça-feira, 27 de maio de 2014

"A SINHAZINHA E O HOLANDÊS"- Jair Pimentel- Jornalista e escritor

 "A SINHAZINHA E O HOLANDÊS"


                                       
                                                                 ROMANCE HISTÓRICO  
     
                                                                        JAIR PIMENTEL
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                                   Prólogo
Quando fiz uma  pesquisa para meu primeiro livro: A História de Alagoas – dos Caetés aos Marajás, na última década do século XX, constatei em várias publicações, o nome de Rodrigo de Barros Pimentel, senhor de engenho e capitão-mor de Porto Calvo, o primeiro Pimentel genuinamente brasileiro e herói da Guerra da Restauração contra os holandeses. Fui aprofundando a pesquisa e lancei o segundo livro: Família Pimentel – de Portugal ao Bananal, com a minha genealogia paterna, além de memórias da infância que vivi entre o campo e a cidade. Não parei com as pesquisas e  agora o primeiro romance histórico, tendo como pano de fundo a região Norte de Alagoas, onde ocorreu a Invasão Holandesa no século XVII.
No romance histórico, o romancista nunca faz mais que interpretar, com a ajuda dos processos do seu tempo, de um certo número de fatos passados, de lembranças conscientes ou não, tecidos do mesmo material que a história. E assim fiz. Pesquisei muito sobre a primeira metade do século XVII em Alagoas, que nem mesmo Comarca ainda era da Capitania de Pernambuco. Por aqui encontrei poucas informações, já que no período holandês, muitos documentos foram destruídos. Mas os próprios relatórios escritos pelos invasores, além do livro do Frei Manuel Calado e de autores portugueses e brasileiros, principalmente alagoanos, com ênfase na genealogia da família Pimentel, garantiram concluir esse trabalho, transformando-o em livro para ser lido  por todos aqueles que se interessam pela História de Alagoas.
Aos poucos fui compreendendo que estava escrevendo a história de um grande homem: Rodrigo de Barros Pimentel, que viveu as humilhações de seus algozes, inocentemente, só pelo fato de não querer ficar ao lado deles e continuar defendendo sua Pátria que era Portugal e seu próprio patrimônio, conquistado com muito esforço. Assim, incorporei-me a esse meu oitavo avô. Em quadros pintados na época, ele aparece como um homem já passando dos 40 anos, alto, forte, loiro, legítimo representante de europeus da Península Ibérica e dos Países Baixos sempre impecável com o vestuário da época e de sua importante função de capitão-mor de Porto Calvo, a principal autoridade da vila. 
Encontros eram realizados em sua casa, com lideranças da comunidade, para tomada de decisões importantes em prol do desenvolvimento da vila criada em 1636. O então governador Matias de Albuquerque, seu amigo pessoal,  conseguia reunir cada vez mais um bom número de lideranças  para lutar contra os holandeses. Mas Rodrigo sempre procurava apaziguar a situação, convencendo todos a não partir para a violência, que somente gerava mais violência. Lembrava que o exército holandês era mais bem fortemente armado que o luso-brasileiro.
Era também em sua casa da vila de Porto Calvo - no largo da Igreja que ele ajudou a construir - onde se reuniam as lideranças holandesas, logo que invadiram a região, tentando convencê-lo a passar para o lado deles, mostrando os benefícios que traria para todos os senhores de engenho e ainda a população em geral, dando o exemplo do Recife, que modernizou e dava total incentivo a cultura, a economia e as questões sociais. Ele sempre pedia que aguardassem para quando a oportunidade surgisse. Fidalgo ao extremo, conquistou a simpatia dos invasores, que durou pouco. Na destruição dos engenhos, um era o dele, exatamente o que mais investiu e foi construído por seus esforços: o Santo Antonio, considerado o maior de Alagoas. 
Toda a história se passa na prisão do Forte do Brum  em Recife, onde o capitão foi levado pelos holandeses, por ter dado guarida aos portugueses que comandavam a Capitania. Ele permaneceu preso por mais de duas semanas, chegando a ser torturado, conforme relato de cronistas da época. A noite que antecede a sua morte, que as autoridades anunciaram, é todo o desenrolar desse romance. O local abriga hoje o Museu Militar, sob a administração do Exército Brasileiro, se constituindo num dos pontos turísticos mais visitados da capital pernambucana. Fica ao lado esquerdo do rio Beberibe e do lado direito do Oceano Atlântico, a poucos metros do porto. A Prefeitura do Recife, ao seu lado. Foi construído em 1630, com canhões apontando para o mar, num trabalho de engenheiros holandeses, já experientes nesse tipo de construção na Europa, aproveitando a estrutura de um forte que estava sendo construído pelos portugueses desde 1626. 
 A cada ano que se passava sob o domínio dos holandeses, o forte era ampliado com modernas instalações, além da construção de outros. Todos continuam preservados, fazendo parte do Patrimônio Histórico de Pernambuco. Foi reconquistado pelos portugueses em 1654. Nele estão expostas armas, munições e fardamentos da época dos holandeses até a atualidade. 
Para que chegasse ao final, tive que reler  os clássicos da literatura estrangeira, principalmente a portuguesa e espanhola; livros de História de Alagoas e do Brasil e  ainda  recorrer a Biblioteca da Torre do Tombo (Lisboa), Biblioteca Nacional, Instituto Histórico e ao Real Gabinete Português de Leitura (Rio de Janeiro), Biblioteca Pública de São Paulo e  os Institutos Históricos de Pernambuco e Alagoas, o Instituto Ricardo Brennand, a Fundação Joaquim Nabuco e o  cenário de todo o romance: o Forte do Brum, no Recife e a cidade de Porto Calvo. E claro, a Internet, através de contatos com internautas interessados em genealogia, que me passaram informações importantes, manuscritos citando a familia Pimentel e livros. 
  Tudo isso é a pura História de Alagoas nos anos tumultuados que passou sob o domínio dos holandeses, com a destruição de engenhos, canaviais, roças, gado e a vila de Santa Maria Madalena. Obviamente que tem a parte fictícia, exatamente a que se refere ao rapto da sinhazinha, embora realmente tenha ocorrido um rapto de uma das filhas do capitão Rodrigo, conforme relatórios dos holandeses. Mas criei fatos, momentos românticos e personagens, que  são necessários num romance.
Maceió, verão de 2013.
 JAIR PIMENTEL
Jornalista, Professor e Escritor.

Um inocente na prisão
Na escuridão da cela de sua prisão no Forte do Brum, Recife, em janeiro de 1646, um inocente espera a hora de ser enforcado. Lá fora, do pátio, ele ouve as marteladas dos homens que estão construindo a forca. Dentro de algumas horas, eles virão, amarrarão suas mãos às costas e então embaixo da forca, passarão a corda em seu pescoço, cobrirão sua cabeça com um saco branco e, será seu fim.
Já beirando os 60 anos, grisalho, mas ainda com bom porte físico, branco, olhos azuis (filho de um português com uma brasileira, filha de holandês e portuguesa), Rodrigo de Barros Pimentel, suportava os interrogatórios sempre alegando inocência e portando-se como um autêntico fidalgo, fiel ao Rei de Portugal. Enfrentava o chão frio da cela, enrolando-se em seu capote. Lembrava do conforto de sua cama. Não aceitava os motivos de sua prisão, pois sabia que estava fazendo o correto: a defesa de seu patrimônio.
O capitão Rodrigo, esperava a hora da morte, fazendo um balanço de sua vida. Da luta que teve para chegar aonde havia chegado com quatro engenhos que detinham elevada produção, até a entrada dos holandeses com a sanha destruidora e a ganância para usurpar tudo que os senhores de engenho tinham conquistado ao longo dos últimos anos.
Lembrou da tristeza que o acometeu ao acompanhar a destruição de um de seus engenhos construído com muito sacrifício. Escrevia cartas para sua mulher, dona Jerônima de Almeida Lins Pimentel, que nunca eram entregues. Quanta saudade de Porto Calvo! De seus engenhos; do verde do canavial; da senzala; da bagaceira e do gado pastando na campineira. Tudo passava por sua cabeça nitidamente, como se estivesse nesses locais e, ainda na casa grande dos engenhos ou no casarão da vila, em meio aos familiares e amigos.
Na véspera da sua morte - que ele preferia não pensar -  fazia uma retrospectiva da família Pimentel. Da infância e adolescência vivida no engenho de seu pai. Do casamento com dona Jerônima e de suas nove filhas e o único filho varão. Dos netos que já eram aos montes. Dos seus primos, amigos, escravos dos engenhos, que tanto ele tratava bem e era correspondido com muito trabalho e dedicação.
O capitão não merecia tanta humilhação! Foi sempre solícito com os próprios invasores, que chegavam até mesmo a elogiar sua fidalguia, calma e inteligência. Mas fora traído por alguns dos seus conterrâneos, que imaginava ser amigo e lutador pela causa dos brasileiros, tentando restaurar tudo que estava destruído. Não importava se o Brasil  estava sendo administrado pelo rei da Espanha, quando os holandeses o invadiram. 
Lembrava dos encontros realizados com o próprio governador Matias de Albuquerque e seus companheiros senhores de engenho, comerciantes e autoridades diversas da vila. Essas reuniões eram sempre realizadas em sua casa. Em nenhum momento deixou-se corromper pelas propostas apresentadas pelos holandeses, para que passasse para o lado deles e transformasse Pernambuco numa colônia da Holanda.
Como capitão-mor da vila, cargo que ocupava com muito orgulho e dedicação, Rodrigo Pimentel não aceitava essa invasão a terra que o bisavô de seus filhos fundou com tanto sacrifício. Uma terra portuguesa, com certeza, jamais holandesa. Além do mais, existia o sentimento religioso. Católico fervoroso, sentia pavor pelo protestantismo, diante de todos os ensinamentos passados por seus pais. Afinal era primo de uma santa e sobrinho  de um papa.

A traição que deu certo
O velho Antônio Pimentel contava ao seu filho Rodrigo, que toda a história da família surgiu na Galícia (Espanha) no século XIII, através da traição de Sancha Martins de Riba de Vizela, casada com Gonçalo Rodrigues de Nomães e que conheceu Martim Fernandes de Novaes, engravidando e nascendo Vasco Martins. Depois de sete meses de viúva, Sancha casa com o pai de seu filho bastardo, legitima-o, passando a assinar-se Vasco Martins de Novaes. 
Educado sob os rígidos padrões das famílias tradicionais da Europa medieval, estudando em colégios católicos e freqüentando as missas dominicais, o menino Vasco, crescia rapidamente e ao chegar a adolescência, tornou-se um jovem fidalgo, sempre cortejado pelas belas moças da cidade de La Corunha, capital da Galícia.
Sancha, tinha sangue mouro correndo em suas veias. Sua família surgiu durante a época da presença dos mouros (muçulmanos) na Península Ibérica. Os pioneiros da linhagem eram parentes diretos de Maomé. Seus descendentes foram se espalhando pela Espanha e Portugal, mas os ancestrais diretos de Sancha Martins viviam na Galícia (Espanha). 
Antônio Pimentel fazia esse relato ao filho Rodrigo e sempre dava uma conotação aristocrática, alegando que vários de seus ancestrais foram condes, viscondes, duques e um dos seus avoengos casou com uma nobre da família Aragão, dos reis da Espanha. 
Na Galícia, Vasco casa com Maria Eanes de Fornello, sua prima, com quem teve três filhos: Martim, Afonso e Veruca. Com a morte da esposa, parte para Castela, casando com Maria Gonçalves de Portocarrero. Dessa união, nascem os filhos: Martim, Fernão, Rui, Estevão, Afonso, Aldaia, Sancha e Aldonça. A linhagem Pimentel brasileira parte de Rui Vasques Pimentel, casado com Tereza Rodrigues Pimentel.

Origem Galega
Vasco Martins Pimentel, fundador da família, nasceu na Galícia, província do Norte da Espanha, que graças a sua configuração geográfica bem delimitada – ao Norte e Oeste, o Oceano Atlântico, ao Sul, Portugal e a Leste as províncias espanholas de Zamora, Leon e Oviedo – mantiveram-se quase intactos entre seus habitantes, o idioma galego que tem estreitos vínculos com o português (através do ramo comum galego-português), e os costumes ancestrais. 
Mas apesar das peculiaridades étnicas e culturais e das diferenças geográficas em face de outras regiões do país, raramente despontou a Galícia de independência política: seu período de apogeu, dentro dos reinos de Astúrias, Leon e Castela, coincidiu com o afluxo de peregrinos que durante os séculos X e XI acorreram de toda à Europa ao santuário de Santiago de Compustela, onde segundo a tradição, foi sepultado o apóstolo São Tiago. 
No tempo de Vasco Pimentel (século XIII) a Galícia mantinha-se independente economicamente dos demais reinos e constituía-se um grande pólo de desenvolvimento, principalmente em se tratando de exportação e turismo, através de seu porto e do santuário de Santiago. Mas ele decidiu-se pela Corte de Castela, onde fica amigo do rei Afonso X, o sábio, que o apelidou de Pimentel, por ser nervoso, colérico, sempre ativo e guerreiro, “ardendo como pimenta”. A partir daí passa a assinar-se Vasco Martins Pimentel, sobrenome que permanece entre seus descendentes em Espanha, Portugal,Itália,  Holanda e Brasil. Ganhou o título de Conde de Benavente (Espanha) e participou do Cerco à Sevilha, quando a cidade foi reconquistada dos mouros (muçulmanos), servindo de residência dos reis castelanos. 
O espírito guerreiro do conde Vasco Pimentel, foi passando para seus descendentes. O neto João Rodrigues Pimentel, participou da Batalha do Salado, travada às margens do rio Salado, na província espanhola de Cádiz, entre cristãos e muçulmanos, vencendo os castelanos. Anos depois, recebe uma honraria importante: mestre da Ordem de Aviz.
Rodrigo Pimentel, descendente direto desses guerreiros espanhóis, não esmorecia em sua prisão do Recife, lembrava de toda a história contada pelo pai e sabia que seria libertado. O toque-toque dos martelos dos homens que preparavam sua forca, não mais o incomodava. Sonhava mais e mais com a vida livre em sua terra e continuar lutando para expulsar os holandeses do Brasil. 
A madrugada era longa. E ele não conseguia dormir. Cada vez mais, lembrava das aventuras, bravuras, coragem, determinação e puro civismo de seus antepassados que ficaram memorizados para sempre. Sentia muito orgulho de ser um autêntico Pimentel de Espanha e Portugal. 


Porção muçulmana
A familia Pimentel, segundo tese recente do genealogista Bernardo Pimentel de  Vasconcellos, descende através de linhas femininas, da antiga família dos senhores de Morel. Mas se seguirmos outra linha feminina ascendente, descedem  estes dos emires omíadas de Córdova, e aos idríssiadas, estes descendentes de Maomé. Vejamos então essa linhagem, partindo de:
- Zahadon iben Halaf al-Umavi, descedente da varonia do califa al-Walid, através da chamada linha amíada dos al-Habibi; casado com Aragunte Fromariques, atestado em Coimbra (século VIII). Pais de:
- Oviega, casada com Leodesindo ibn Firhi na região de Coimbra, mas que se mudam para o Porto. Pais de:
- Nazar ibn Leodessindo ibn Firbi, o "Dom Alboazar Ramires), da lenda, fundador do mosteiro de Santo Triso em 978. Casou com Unisco Godinhos, pais de:
- Ermígio Abanazar, que casa com Vivili Trutessendes, em 1015, pais de:
- Toda Ermiges, que casa com Egas Monis, pais de:
- Ermígio Viegas, casado com Unisco. Pais de:
- Moniz Ermiges, casado com Ouroana, pais de:
- Men Moniz de Ribadouro, casado com Oroana Mendes de Sousa. Pais de:
- Gontinha Mendes de Ribadouro, casada com Godinho Faves de Lanhoso. Pais de:
- Unisco Godins de Lanhoso, casada com Fernão Perez de Guimarães. Pais de:
- Martins Fernandes de Riba de Vizela, casado com Estevainha Soares, já no século XIII, que são os pais de:
- Sancha Martins de Riba de Vizela, casada com Martins Fernandes de Novaes. Pais de:
- Vasco Martins Pimentel, nascido na Galícia, casado com Maria Gonçalves de Portocarrero. Portanto ele era décimo segundo neto do muçulmano Zahadon, descendente direto do profeta Maomé e sua única filha Fátima. A partir daí, começa a história da família Pimentel aqui relatada.

O lado alemão e italiano
A família Pimentel ligou-se ao lado alemão do colonizador Cristovão Lins (Christoph Linz), através do casamento da neta deste com o já brasileiro Rodrigo de Barros Pimentel, que por sua vez era sobrinho da mulher do alemão, dona Adriana de Vasconcelos Holanda Lins. 
Cristovão Lins (aportuguesado) era de uma família de burgueses da região de Ulm (Alemanha), onde nasceu na primeira metade do século XVI, chegando a Capitania de Pernambuco com seu primo Cibaldo Lins, outro importante tronco de familia brasileira. Vejamos agora a ascendência desses dois colonizadores:
- Henrich Linz, que aparece registrado como cidadão de Ulm em 1296, tendo negócios nessa região e mais em Veneza e Gênova (Itália). Esse é o tronco dos Linz. O segundo Henrique Linz já aparece em 1350, portanto seu neto, fixado em Frankfurt. Pai de:
- Albrecht Linz, pai de:
- Johan Linz, que recebe carta de brasão da família (vermelho com uma faixa azul cosida do campo, arregada de três estrelas de seis pontos. Pai de:
- Konrad Linz, cidadão de Ulm, onde foi juiz em 1488. Pai de:
- Zimprecht Lins von Doundorf, que casou com Barbara Glenger. Pais de:
- Sebald Linz von Doundorf, que teve um filho bastardo exatamente o nosso Cristovão Lins, com uma camponesa de Ulm. Morreu em 1597, já com esse filho sendo o colonizador de Alagoas, fundador de engenhos e da vila de Porto Calvo. 
O lado italiano deveu-se ao casamento na Ilha da Madeira (Portugal) de Simone Acciaioli com Maria Pimentel, em 1530, filha de Pedro Rodrigues Pimentel, fidalgo d'El Rei de Portugal e de Izabel Drummond, descendente de família da Escócia, da Rainha Annabella Drummond, mulher do Rei Roberto III.
O italiano aportuguesou seu nome para Simão Acciaioli e fixou-se em Funchal, instituindo um morgadio com uma capela dedicada à Natividade de Nossa Senhora. Foi também fundador dos Conventos de São Francisco e de Nossa Senhora da Piedade, onde foi enterrado. E lá jaz numa campa defronte ao altar-mor, junto com sua mulher. Pais de:
- Zenóbio Acciaioli, que sucedeu o pai no morgadio. Casou com Maria de Vasconcellos, filha de Duarte Mendes de Vasconcellos e Joana Rodrigues Morgadão. Pais de:
- Gaspar Acciaioli de Vasconcelos, que veio para o Brasil e casou em Pernambuco com Ana Cavalcanti de Albuquerque, filha de João Gomes de Mello e Margarida de Albuquerque. Pais de:
- João Baptista Acciioli, nascido na freguesia de Santo Antonio do Cabo (Pernambuco) em 1623. Foi um dos heróis da Guerra da Restauração contra os holandeses, preso no Forte do Brum na mesma época de seu parente Rodrigo de Barros Pimentel. Casou com Maria de Mello, filha de Manuel Gomes de Mello e Adriana de Almeida Lins. Pais de:
- Maria Acciaioli, que aos 13 anos casa com seu parente, capitão-mor de Porto Calvo, José de Barros Pimentel, de 25 anos, sendo esse o primeiro casamento das duas linhagens Pimentel no Brasil. A dele vindo de Viana do Castelo e a dela da Ilha da Madeira, mas ambas descendentes do tronco principal da Galícia (Espanha) Vasco Martins Pimentel. 
A familia aportuguesou o nome para Accioli depois Accioly, Acioli, já no século XVIII, em suas ramificações em Porto Calvo, Passo de Camaragibe, Marechal Deodoro, Pilar, Palmeira dos Indios, Viçosa e Maceió. 

Uma tia santa 
Uma das histórias mais fantásticas e emocionantes que o velho português Antonio de Barros Pimentel contou ao seu filho, foi à existência no século XIV, de uma tia santa: Santa Isabel de Portugal, a rainha casada com o Rei Dinis. Era irmã de D. Pedro de Aragão, avô de Constança de Aragão Pimentel, casada com Gonçalo Anes Pimentel, bisneto de Vasco Pimentel, encartado no Morgado em 1368. Era portanto, sobrinha-neta da santa venerada pelos espanhóis e portugueses.  Aí começa a história da incorporação dessa santa à família Pimentel. Quando foi canonizada no século XVII, passou a se constituir na padroeira da família e de Coimbra, cidade onde construiu mosteiros e viveu até a morte. Todos passaram a reverenciá-la como “minha tia santa”. E perpetuou-se até hoje nos lares da família Pimentel, obviamente daqueles que conhecem sua história. 
Foi exatamente aos 12 anos,  que Isabel casou com o rei Dinis, de Portugal, mudando-se para a corte de Lisboa, iniciando uma vida conturbada, mas com muita humildade, religiosidade e dedicação às causas sociais. De seu casamento com o rei Dinis teve dois filhos: Afonso (depois rei de Portugal) e Constança (rainha de Castela), que foram criados com todo carinho e seguindo os ensinamentos cristãos, não deixando, claro de ter a sua formação escolar, estudando nos melhores colégios de Portugal e ainda o príncipe, ingressado na Universidade de Coimbra, que seu pai fundou). Mas ela própria criou vários filhos bastardos de seu marido. Sempre disposta a perdoar, em meio a adultérios, ciúmes, rivalidades amorosas e intrigas, respondendo a todos com generoso perdão e resignado silêncio às reintegradas manifestações de infidelidade conjugal .
A rainha Isabel começou a tornar-se popular, não só em Portugal como em toda a Europa. Colaborou financeiramente com a construção do Convento da Trindade e o Mosteiro das freiras de São Bernardo, em Almoester. Fundou hospitais em Coimbra, Santarém e Lisboa. Teve ainda papel político importante, apaziguando a rivalidade entre o marido e o filho, além do irmão dela que era rei de Castela e não aceitava o tratamento que a irmã recebia do marido. 
Dedicou-se a ajudar os pobres de Lisboa. E isso irritou o marido, que proibiu que continuasse realizando esse ato humanitário. Um dia, ela acompanhada de suas amas, distribuía moedas de prata a uma grande quantidade de pessoas, quando ele aparece e ela consegue esconder o produto. Ele insiste que mostre. Ela recebe o espírito santo na hora e abre seu manto, quando surgem rosas perfumadas, muitas, que transformam o ambiente num verdadeiro jardim. O rei fica pasmado e ajoelha-se diante da mulher traída, sofrida, mas que ele, a partir daquele momento considera como uma santa. Esse ato da rainha passou a ser conhecido como “o milagre das rosas”. 
Quando o rei Dinis adoeceu, Isabel permaneceu em seu leito, sempre procurando ampara-lo, conforta-lo e recebeu a graça de sua conversão. Muitas orações foram feitas no leito do doente, que acompanhava tudo resignado, convertido, com muita fé.  Mais uma vez o perdoou e ficou com ele até a morte. 
Viúva, não podendo vestir o hábito das clarissas e processar os votos no Mosteiro que ela mesma fundou, fez-se terciária franciscana, após ter deposto a coroa real e ter dado seus bens aos pobres. Viveu o resto de sua vida em pobreza voluntária, dedicada ao exercício da piedade. 
Quase dois séculos depois de sua morte, que ocorreu em 1336, Isabel foi beatificada pelo Papa Leão X (1516) e canonizada (considerada santa), em 1626, pelo Papa Urbano VIII. É reverenciada tanto em Portugal como nos demais países católicos da Europa, África e na América Latina. É a padroeira oficial de Coimbra (Portugal), onde no Mosteiro de Santa Clara fundado por ela, se encontram seus restos mortais, num caixão exposto e vez por outra é aberto para que todos reverenciem essa santa e mais um milagre: o corpo é intacto, assim como é o de Santa Clara, em Assis (Itália). 
  No Brasil, existem paróquias em sua devoção em Campinas e Santa Isabel (SP), além de outras cidades do Sudeste, Sul e Centro-Oeste. É festejada em 4 de julho. Em minha casa-museu, separei um espaço para o chamado "Quarto dos Santos" ou Oratório, que batizei em homenagem a essa tia-santa, minha protetora,com sua foto belíssima, orações e o santuário do século XVIII com imagens sacras antigas, uma mesa da mesma época e o genunflexório (cadeira de missa), várias peças sacras centenárias, a Via Sacra (com as 14 estações), missal romano (em latim). Meu lugar sagrado para as orações diárias. Na extensão de meu Gabinete de Leitura e Pesquisa que instalei em Viçosa, também tem esse espaço sagrado dedicado a Santa Isabel de Portugal, como padroeira da familia Pimentel. Existe um santuário com genunflexório e sua imagem belíssima. 

Um tio Papa
Outra história relatada pelo português Antônio ao filho Rodrigo, foi à existência do Papa Adriano VI, tio-avô de sua mulher Maria de Vasconcellos Hollanda Pimentel. Ele era irmão de Margarida Floriszoon Buoeyens, mãe de seu pai Arnault Florszoon Buoeyens, depois aportuguesado para Arnau de Holanda, quando chegou ao Brasil e radicou-se em Olinda, casado com Brites Mendes de Vasconcellos, portuguesa. Esse casal é o tronco da família Hollanda no Brasil, que integrou-se aos Barros Pimentel, Lins, Almeida, Albuquerque, Gomes de Mello, Cavalcanti, Accioli e tantas outras. 
O Papa e sua irmã Margarida, além de outros irmãos nasceram em Ultrecht (Holanda), onde ele iniciou seu sacerdócio num país eminentemente protestante. Mas que a minoria católica, acorria a sua igreja, e com seu trabalho de evangelização foi tornando-se conhecido em toda a Europa, até chegar ao Vaticano e ser eleito o primeiro e único papa holandês, o que provocou ciumeira entre os tradicionais candidatos italianos. 
Adriano VI pontificou apenas dois anos (1522/23), morrendo misteriosamente, havendo quem acreditasse que foi envenenado, assim como foram vários de seus antecessores. Ele queria realizar reformas na Igreja, o que era contestado pelos radicais opositores. A sua causa-mortis, foi ataque cardíaco. Mas ele esbanjava saúde, estava sempre disposto a encontrar-se em meio ao povo e dispensava o luxo do Vaticano. 
Maria de Hollanda, mãe do capitão Rodrigo orgulhava-se desse tio, que obviamente não conheceu, mas falava muito em sua generosidade e a prática constante do evangelho. Formou-se então uma familia eminantemente católica. Ela sobrinha de sua santa e ele de uma santa.
O prisioneiro lembrava esses fatos e achava uma ironia encontrar-se naquela situação exclusivamente por culpa dos holandeses invasores de sua terra, conterrâneos de seu avô. Afinal tinha sangue holandês correndo em suas veias. Não se orgulhava disso. Queria ser mesmo Pimentel de Portugal e Espanha, embora tivesse verdadeira adoração por sua mãe, portuguesa, filha de uma portuguesa com um holandês, que por sua vez era católico, sobrinho do papa. 

A beira-mar
O velho português Antonio Pimentel, empolgava-se com a história de sua família. Lembrava da infância e adolescência vividas na bela cidade portuária de Viana do Castelo, no Norte de Portugal, para onde foram seus ancestrais galegos, que também se fixaram em Braga e Bragança, depois descendo para o Alentejo   criando raízes em Évora.
Sua mãe Joana Pimentel, era uma das mais belas jovens  de Viana do Castelo, culta, prendada, sabia bem o português, castelhano, francês e latim, além de tocar piano e frequentar o teatro. Casou com um dos nobres da cidade: João de Barros. Dessa união nasce Antônio em 1555, criado com todo carinho e dedicação.  A cidade era o principal porto do Norte de Portugal, além de sua proximidade com outras cidades importantes como Braga e Bragança, que também serviram de morada para muitos dos integrantes da família Pimentel da Galícia. Uma cidade festeira na época da adolescência de Antonio de Barros Pimentel. Foi lá que ele aprendeu a gostar do folclore típico da região, principalmente As Descarradas, grupo que distribuía alegria nas festas populares da cidade, com suas cantigas ovacionando o desafio, o que gerou depois o próprio cordel, trazido para o Brasil por Antonio e outros portugueses. A música cantada era em ritmo de fado. 
Adolescente, Antonio Pimentel gostava de juntar-se aos amigos e passear a beira-mar, freqüentar suas boticas e apreciar ainda as belas vianenses que encantavam a todos. Namorou algumas delas, mas não pensava em casamento. Queria mesmo estudar e trabalhar. A cidade já esbanjava progresso se constituindo numa das mais importantes de Portugal, por sua localização privilegiada e ainda sendo um importante centro cultural. O adolescente queria mais. Sempre pensou em morar em Lisboa. 

A vida na capital
Depois de concluir seus estudos em Viana e seguir para Coimbra, Antonio não chegou a receber o diploma de doutor. Conseguiu convencer seus pais a  morar em Lisboa,trabalhar e vencer na vida. Inteligente, culto, um legítimo aristocrata, descendente de galegos (Galícia), foi aos poucos fazendo amizades na capital e aproximando-se da nobreza. Conquistou uma honraria: A Medalha do Mérito de Cavaleiro da Ordem de São Bento de Assis. Trabalhador, extremamente ético, o vianense foi se projetando cada vez mais e fazendo seu “pé-de-meia”, já pensando num futuro casamento. Mas precisava ter uma mulher culta, bonita, educada, com bons conhecimentos domésticos e que garantisse belos filhos. 
Passou a conviver com jovens da alta sociedade lisboeta, namorava belas moças de famílias tradicionais e, ainda aproximou-se do Palácio Real, onde começou a trabalhar e ganhar a confiança da familia real. Em seu quarto do pensionato, um estante guardava seus livros preferidos, que lia e relia constantemente, se tornando assim um auto-didata, aprendendo facilmente outras linguas como espanhol, francês e latim. 
Com a morte de Dom Sebastião, Rei de Portugal, sem deixar descendentes, assume um seu irmão Cardeal da Igreja Católica, já bastante debilitado e que morre logo em seguida. O trono fica portanto para o Rei Felipe II (Espanha) sobrinho dos dois, tornando o Reino Unido (Espanha-Portugal) e o mandatário, o rei Dom Felipe, que adota medidas severas para quem apoiava o governo anterior. Antonio Pimentel como amigo da família real, passa a ser perseguido e decide abandonar Lisboa. 
A familia Pimentel, vem ostentando títulos nobilárquicos desde o século XIII, com o Conde de Benavente (Vasco Martins Pimentel), que foi passando para seus descendentes até o décimo no século XVII, Juan Affonso Pimentel, que construiu o Palácio dos Pimenteis, em Puebla de la Salibria (Espanha), ainda hoje existente e transformado em museu e hotel. Um retrato seu, em óleo sob tela existe no Museu do Prado em Paris, enquanto o do seu ancestral Dom Vasco, tem no próprio palácio. 
Da Espanha, quando muitos foram para Portugal, adquiriram títulos de conde, visconde, marques e barão. Em Alagoas, já no século XIX, surge o primeiro visconde (João de Barros Pimentel Lins Cansanção de Sinimbu). Dois dos seus irmãos ganharam o título de Barão de São Miguel e Jequiá, enquanto a irmã, Ana Luiza foi baronesa de Atalaia, casada com o barão. Cazuza de Barros Pimentel Mendonça, do Engenho Várzea dos Souza, em Passo de Camaragibe foi Baronesa de Murici. Era irmã de Esperidião Eloy e Hermelindo Accioly de Barros Pimentel, que foram presidentes (governadores) da Província de Alagoas.

Aventura além-mar
Antonio Pimentel não tinha escapatória: Fugir de Portugal. Mas para onde? Não titubeou, aventurou-se além-mar numa longa viagem até o Brasil, escolhendo a Capitania de Pernambuco como seu "porto-seguro". Desembarcou no início da década de 1580 no porto do Recife e daí partiu para Barra Grande (atual Maragogi) em busca de terras para trabalhar. Vestido com a roupa que usava na Corte: calção de veludo, chapéu e chapins, impressionou os nativos com sua elegância e fidalguia, conquistando de imediato a amizade do colonizador de Alagoas, Cristovão Lins e ganhando uma sesmaria (grande propriedade), fundando o Engenho Morro.
Na casa grande do Engenho Buenos Ayres de seu benfeitor Cristovão Lins, conhece, namora, noiva e casa com Maria de Vasconcelos Holanda, cunhada do senhor de engenho. Dedicou-se inteiramente ao trabalho em seu engenho, utilizando-se apenas de sua inteligência e força de vontade, já que nunca havia trabalhado com agricultura. Do casamento, nasceram dois filhos: o primogênito Antonio (que morreu ainda criança) e Rodrigo, seu sucessor.
Terra fértil, não ficou apenas plantando cana para a produção de seu engenho, criava gado e ainda mantinha roças com as mais diversas lavouras, enquanto dona Maria cuidava das plantas e dos afazeres da casa grande. Construiu uma capela  e frequentava nos fins de semana o Buenos Ayres e ainda a povoação de Porto Calvo, onde o alcaide-mor (atual prefeito) era o fundador Cristovão Lins. 
A escolha do português para instalar seu engenho não poderia ter sido melhor: as margens do rio Camaragibe, onde depois seu neto José de Barros Pimentel fundou o povoado de Matriz de Camaragibe, hoje uma das mais desenvolvidas cidades do Norte de Alagoas. O engenho mudou de nome passando a ser Engenho Novo, depois Bom Jesus (homenagem ao padroeiro) e no século XX, Usina Camaragibe d familia Loureiro,  atualmente pertencente ao grupo Correia Maranhão, que também detém a Usina Santo Antonio, em São Luiz do Quitunde, surgida a partir do engenho do mesmo nome fundado em 1610 por Rodrigo de Barros Pimentel.

A Inquisição
Rodrigo pensava em tudo isso, sentia saudades do pai. Lembrava dele quando retornou de Olinda em 1595, aos 40 anos de idade numa viagem cansativa e, sempre alegando que já estava velho. Havia ido à sede da Capitania para ser interrogado pelo Tribunal da Inquisição imposto pelo Rei de Portugal em busca de hereges, principalmente os chamados cristãos novos (judeus convertidos ao catolicismo). Mas Antônio era católico por índole e casado com uma sobrinha bisneta de um Papa (Adriano VI).
Comprovou diante do tribunal, que sua família jamais teve alguma origem judaica. Que tudo começou na Península Ibérica (Galícia), sempre com o catolicismo predominando em meio aos seus integrantes. Sua mãe era católica devota de Nossa Senhora. Lembrou também Santa Isabel de Portugal, casada com o rei Dinis e tia de um dos seus avoengos. Portanto sua tia também. A partir da sua beatificação, essa parenta, passou a se constituir na padroeira da família Pimentel devotada por todos os seus integrantes.
Depois de muita conversa, o português conseguiu convencer os inquisidores de que realmente não tinha absolutamente nada a ver com o judaísmo. Mostrou toda sua documentação. Eles ainda questionavam se ele havia se convertido ao catolicismo e mudou de nome de família. Mas no final de dois dias de intensa tortura psicológica, conseguiu ser liberado e retornar ao seu engenho em Porto Calvo, numa longa viagem.
A Inquisição chegou ao Brasil a mando do Rei Felipe, que continuava a procura de judeus fugitivos que haviam chegado ao Brasil. Antônio não tinha conhecimento disso. Só depois, já em seu engenho é que teve a comprovação da existência de judeus no Recife, estabelecidos como comerciantes, mas sendo convertidos ao catolicismo. Foi só canseira e humilhação à idéia infeliz dos inquisidores, chamá-lo para viajar tantas léguas, inutilmente. 
O manuscrito lavrado no Cartório de Olinda em 28 de dezembro de 1595, relata todo o depoimento do senhor de engenho. Está exposto em quadro em meu Gabinete de Leitura e Pesquisa.

Menino de engenho
Rodrigo de Barros Pimentel, crescia feliz em meio ao canavial. A casa grande do Engenho Morro, fundado por seu pai, era avarandada, com uma ampla sala, decorada com móveis coloniais. Mesa farta, onde não faltavam carnes de boi, de carneiro, de porco, abóbora, feijão, couves, farinha de mandioca, banana, laranja, mamão. Também a carne de charque figurava nas refeições. O bacalhau era importado de Portugal, em fardos e levado para os engenhos, ficando armazenado na despensa. Aos domingos aparecia a galinha e às vezes o peru, este, porém, sempre guardado para os dias de festa: Natal, Ano Novo e aniversários. 
Sua mãe se esmerava nos quitutes, sempre a disposição do menino loiro, alegre e que crescia saudável. Seu temor era que pegasse alguma maleita. Para isso orientava o marido e os empregados para que nunca deixassem ele “traquinar”, subir em árvores ou banhar-se sozinho no rio. Brincava com primos que sempre visitava o engenho ou mesmo acompanhava o pai no seu dia-a-dia. Em tempo de safra era só alegria do menino de engenho misturado a bagaceira, bebendo caldo de cana e comendo rapadura.
Quando a família visitava os engenhos do alcaide-mor Cristóvão Lins, cunhado de sua mãe, era uma alegria para o menino, porque brincava com os primos. Melhor ainda suas idas à Porto Calvo, visitando amigos e a própria casa de Cristóvão, além de casas de outros parentes, assistir as missas e as brincadeiras de crianças. Vez por outra dava uma escapulida para brincar com os meninos da vizinhança, mas sempre sob os cuidados atentos das mucamas e das tias e primas mais velhas.
O menino de engenho crescia livre, e recebia os ensinamentos através de leituras de livros e orientações dos pais. Na hora da refeição, os três de pé, rezavam o bendito: “Bendito e louvado seja o Senhor Santíssimo Sacramento e a puríssima Virgem Maria, concebida em graça e sem mácula do pecado original, desde o primeiro instante do seu amem Jesus”. Somente depois da oração, é que todos se  sentavam e começavam a refeição.
O que não faltava na mesa da casa grande do Engenho Morro eram frutas, cultivadas no próprio pomar: mamão, caju, manga, goiaba, laranja, maracujá, mangaba e goiaba. Comia-se não só nas sobremesas, mas também nos lanches. Dona Maria de Holanda Pimentel e suas cozinheiras se revezavam na feitura de bolos e doces. Os bolos eram enfeitados com papel de seda, sequilhos, broas de goma, etc. Com o açúcar do próprio engenho, fazia-se de tudo, aproveitando-se para fazer os doces e outras guloseimas feitas a base de mandioca e milho.
Nos dias de festas, a casa grande do Morro, enchia-se de convidados e parentes, já que o casal Antônio e Maria era ligado diretamente à família do colonizador Cristóvão Lins. Muita conversa, hora de arte, com declamação de poesias e cantos. Na mesa, o senhor de engenho Antônio Pimentel sentava-se na cabeceira. No lado direito, a senhora de engenho e na seqüência, os convidados: senhores de engenho de um lado e as senhoras do outros, mesma distribuição para moças e rapazes.
O menino Rodrigo, era o herdeiro de tudo que o português Antônio construísse naquele primeiro século da colonização de Alagoas. Professores foram contratados para ensinar-lhes aritimética, gramática, ciências e o latim, língua indispensável para que pudesse acompanhar as cerimônias religiosas. 
Já crescido, foi estudar na vila de Porto Calvo, onde morava sua tia Adriana de Holanda, casada com o senhor de engenho e alcaide-mor Cristóvão Lins. Passando dos 20 anos, trabalhando arduamente no engenho do pai, casa com uma prima em segundo grau: Jerônima de Almeida Lins de apenas 14 anos e neta de sua tia Adriana, menina-moça bonita, cheia de saúde e já formada culturalmente, através dos ensinamentos dos próprios pais e avós, além de prendada na culinária, bordados e outras atribuições domésticas
Cristóvão Lins sempre foi citado pelo pai de Rodrigo, como seu grande benfeitor e amigo. Era alemão e havia chegado ao Brasil na segunda metade do século do descobrimento, conseguindo através do donatário da Capitania de Pernambuco, Duarte Coelho uma imensa sesmaria que compreendia as terras entre o Cabo de Santo Agostinho e a foz do rio Manguaba, onde construiu sete engenhos de açúcar e fundou a povoação de Porto Calvo. Depois adquiriu mais terras até a foz do rio Santo Antonio.
Todo esse mundaréu de terras teria que continuar em poder dos descendentes de Cristóvão Lins. Na primeira década de século XVII, o alemão já passava dos 60 anos de idade e sentia que deveria encontrar um substituto. E assim fez do seu sobrinho por afinidade (Rodrigo era sobrinho legítimo de dona Adriana de Holanda) e casado com sua neta, um dos principais herdeiros, responsável pela colonização e desenvolvimento da parte Sul de sua sesmaria, chegando até a foz do rio Santo Antonio.
Morando na vila, como alcaide-mor (espécie de prefeito), Cristóvão e dona Adriana comandavam todos os acontecimentos sociais e políticos. Com os netos chegando, a casa grande enchia-se de alegria e, o alemão sempre feliz e cumpridor de sua missão de colonizador e fundador de Porto Calvo. Precisava iniciar seu testamento. Afinal já era sexagenário e, para aquela época um velho “a beira da morte”. Mas continuava trabalhando com afinco e aumentando cada vez mais o seu patrimônio. Acompanhava o trabalho de seu sobrinho por afinidade, Rodrigo Pimentel. 

Uma nova casa
Rodrigo e Jerônima, logo que casaram na capela do Engenho Buenos Aires,  numa cerimônia prestigiada pela alta sociedade da vila e convidados de outros engenhos e fazendas, foram residir num outro engenho de grande porte da família: Escurial. A casa grande foi reformada, dando mais espaço para o novo casal, com muito conforto. Rodrigo desdobrava-se no trabalho do engenho e ainda administrava o que herdou de seu pai: o Morro. A casa engalanava-se e tornou-se alegre com a chegada dos filhos. E foram 10 ao todo, criados com muita dedicação e carinho dos pais e avós. 
As horas de arte promovidas pela família encantavam os convidados: Eram declamadas poesias e alguns entoavam cantos tipicamente portugueses. Não faltavam os quitutes e licores preparados na ampla cozinha pelas empregadas. Nos etegères (guarda-louça) e consoles, eram exibidos o que melhor existia de rendas e labirintos. Jarros com flores cultivadas nos jardins da casa grande.
 As mulheres com seus vestidos enfeitados de renda e bicos, belos chapéus e perfumadas, enquanto os homens se esmeravam nas mais elegantes roupas e botinas, não dispensando a bengala e o capote em dias frios. Viviam na pequena vila como se estivessem em Coimbra, dada a semelhança geográfica, com as casas, a Igreja matriz e o vale embaixo coberto de cana , o rio Manguaba navegável e responsável pelo transporte do açúcar para Portugal.
Os amplos quartos da casa do Escurial, assim como do Buenos Aires, Morro, do Meio, Santo Antônio e o casarão da vila de Porto Calvo, tinham o que de melhor existia em mobiliário, no estilo barroco. As camas forradas com colchas de damasco ou mesmo de renda, as cadeiras, os guarda-roupas e cômodas, enfeitavam o ambiente acolhedor para o deleite dos seus ocupantes.
No alpendre: bancos de descanso e redes, além de plantas típicas da região, proporcionavam um belo visual, impressionando os visitantes. O casal também priorizava a capela do engenho, sempre ornamentada com imagens trazidas de Portugal, o altar-mor ricamente decorado e espaço suficiente para os fiéis. A cada solenidade religiosa (missas, casamentos, batizados), a família reunia-se e sempre surgiam convidados.

A doação
Em 1608, aos 20 e poucos anos, Rodrigo de Barros Pimentel, recebe a doação de uma grande área de terra agricultável, partindo do rio Camaragibe até o Santo Antônio, um brinde especial do avô de Jerônima, Cristóvão Lins, que o considerava como sobrinho (era sobrinho de sua mulher) e um cidadão de bem, honesto e trabalhador. O documento lavrado no cartório de Olinda, é um dos mais importantes da História de Alagoas. 
Essas imagens passavam pela cabeça de Rodrigo na solidão de sua prisão. Sabia “de cor e salteado”. Era realmente um mundaréu de terras. O velho fez isso, acreditando que seu sobrinho Rodrigo faria tudo que ele gostaria de fazer, mas já não tinha idade para isso. A outra parte do imenso patrimônio do colonizador de Alagoas, ficou para o  neto Cristovão Lins de Vasconcelos, que ao  lado do primo Rodrigo desenolveram mais ainda a parte Sul da Capitania de Penambuco.
O vigor e a inteligência  do marido de sua neta Jerônima e sobrinho de sua mulher Adriana, garantiam esse projeto. E tudo deu certo. Na verdade, o que o velho alemão quis, e deixou em documento lavrado em cartório. Conseguiu povoar toda a região, com brancos, mestiços e negros, dando-lhes trabalho e garantia de alimentação. 
Esse é o teor do documento de doação: “Cristóvão Lins, alcaide-mor e repartidor das terras do distrito da povoação de Santo Antonio dos Quatro Rios do Porto Calvo... dou e faço doação deste dia para todo e sempre em nome do dito senhor (Duarte de Albququerque Coelho, governador de Pernambuco) a Rodrigo de Barros Pimentel, meu sobrinho, de uma sorte de terras que está vaga em Tatuamunha, que parte pelo Norte no riacho das Lages, no sítio Goitizeiro e no sítio Olho D’Água, com uma légua de terra que vendi a Antonio Machado de Vasconcelos, donde o entereis. Dou ao dito Rodrigo de Barros Pimentel, livre e isenta, sem foro e nem pensão alguma, somente dízimos a Deus, com todos os seus matos, pastos, águas, lenhas, mangues e pesqueiras, assim do rio como da costa do mar, em sua confrontação, tudo a ele pertencente, a qual terra ali confrontada lhe dói por respeito de ser um dos primeiros que no povoar deste Porto Calvo me acompanhou sempre, e ter metido nas ditas terras gado e criações, e feito casas e assistir com a sua pessoa e escravos na dita terra...”.
A confiança que o alemão e avô de sua mulher teve nele, foi retribuída com muito trabalho e progresso, que, mesmo sabendo ter sido destruído boa parte de suas benfeitorias pelos holandeses, tudo seria recuperado dentro de pouco tempo, logo que saísse da prisão e voltasse às suas terras.
A partir daí, com a herança que recebeu do pai, o quinhão trazido pela mulher e mais outras propriedades adquiridas com recursos próprios, essa doação de ampla área de terras, fez de Rodrigo de Barros Pimentel o mais poderoso senhor de engenho de Alagoas do século XVII. 

Trabalho árduo
Com muito trabalho nos engenhos, Rodrigo ainda tinha seus afazeres na vila, já que era capitão-mor. Logo que abria suas portas, a população acorria, pedindo-lhe favores. Sempre solícito, educado, calmo e pronto para ajudar a todos, tornou-se a maior liderança política, econômica e social de Porto Calvo na primeira metade do século XVII. Agora estava numa prisão, sendo humilhado e sofrendo maus tratos. 
A sua responsabilidade aumentou muito com a imensa propriedade doada pelo tio. Tinha que administrar tudo.  Contava  com a ajuda insubstituível de dona Jerônima e, claro da escravaria, que ele tratava com muito respeito e dedicação. Foi aos poucos arando a terra, plantando cana e capim, até construir o seu grande sonho: o Engenho Santo Antônio, que depois de alguns anos, transformou-se no maior das Alagoas. Muitos dos móveis e decoração da casa grande do  Escurial, foram transferidos para o Santo Antônio, que, apesar de bem mais distante da vila de Porto Calvo, era “a menina dos olhos” do capitão Rodrigo que investiu muito nesse seu projeto.  De lá, a cavalo sempre percorria a imensidão de terras e chegava à vila, onde possuía casa e por alguns meses, a criançada estudava.
Apesar de manter-se mais ativamente no Santo Antonio Grande, o Morro ainda conservava a casa grande e uma razoável produção. A família revezava-se, passando dias em um e outro, além do próprio casarão na vila. O filho José Pimentel, foi crescendo e passando a ajudar mais ainda o pai nos afazeres do engenho, enquanto as sinhazinhas cuidavam das casas, bordavam, costuravam, liam muito e ainda recebiam os ensinamentos de professores na vila.

A ceia de Natal
Uma lembrança bem recente de Rodrigo, na véspera de ir para a forca,  foi a sua última Ceia de Natal. Todos reunidos em torno da grande mesa, o tradicional peru, o vinho trazido de Portugal, o bacalhau, o arroz-de-coco, os legumes, verduras, frutas e a alegria de toda a família reunida. As orações conduzidas por ele e sua mulher, acompanhadas dos filhos,  genros e netos. A casa toda enfeitada com motivos natalinos e o presépio em lugar de destaque na sala de visitas. A missa celebrada na matriz que ele ajudou a construir e foi inaugurada em 1610. A casa grande da vila, sempre aberta para visitas de familiares e amigos, era ricamente decorada com peças européias e já algumas produzidas no Recife. Mas nada que lembrasse a Holanda. Eram objetos trazidos de Portugal, Espanha e França. 
O Natal sempre foi comemorado entre os membros da família Pimentel, desde os tempos mais remotos. Rodrigo lembrava das histórias contadas por seu pai e dos encontros feitos na sua própria casa quando criança e adolescente. As orações lembrando o nascimento de Jesus Cristo, a hora de arte com a demonstração artística dos membros da família, encenando o "Auto de Natal", uma tradição portuguesa.  
 Era exatamente em frente a Igreja que encenava-se peças teatrais com os moradores conhecendo toda a cultura portuguesa. Dois folguedos eram mais populares e atraiam a atenção de mais gente: o Reisado e o Pastoril. O Reisado é um auto popular e profano religioso, formado por grupos de músicos, contadores e dançarinos. De origem portuguesa, sua principal característica é a farsa do boi, que constitui um dos entremeios, onde ele dança, brinca, é morto e depois vem a ressurreição, tudo sempre com muita música e alegria contagiante. Apresentava-se sempre na noite de Natal em Porto Calvo. 
O Pastoril era o mais esperado, já que tratava mais do motivo principal da festa: o nascimento do menino Jesus. É um fragmento do presépio, sem os textos declamados e sim diálogos, constituídos apenas de jornadas soltas, canções religiosas profanas de época e estilos variados, sempre com as cores azul e encarnado. É também de origem portuguesa, embora lembrem os Reis de França. 
 A ceia só era servida após a missa-do-galo (à meia-noite), quando toda a família se dirigia para a sala principal, aguardando o início da comilança, sempre com o que existia de melhor no cardápio português e brasileiro. O vinho trazido em barricas de Portugal era especial para aquela noite.
Enquanto os adultos conversavam na sala do casarão, as crianças brincavam nos alpendres, mas sempre sob os cuidados das empregadas, para que não se dirigissem para à rua. Vestiam-se a moda européia, já que seus pais eram descendentes diretos dos Barros Pimentel, Almeida, Lins, Almeida, Holanda, Vasconcelos e outras famílias tradicionais pioneiras da colonização alagoana. 
As sinhazinhas Pimentel, se esmeravam na decoração da casa, orientadas por dona Jerônima. Na hora de arte, algumas declamavam poesias, enquanto outras cantavam, mas sempre lembrando a importância da data: o nascimento de Jesus Cristo na manjedoura em Belém.  
Essa tradição que chegou ao Brasil com Antonio de Barros Pimentel e foi seguida por seus filho Rodrigo, continuou entre seus descendentes. Em Viçosa, os irmãos Nuno e Maria Moreira Pimentel, seus pentanetos, faziam a mesma encenação, com presépio, Auto de Natal, poesias e ainda música, já que Nuno era exímio pianista, além de violinista. Nada de árvore de Natal. Naquele tempo não existia essa invenção tipicamente americana, comercial. 

A doce vida do Barroco
Palavra portuguesa que dá nome a pedras preciosas ou pérolas de formas irregulares e até extravagantes, é também a designação que se dá ao estilo dominante na arquitetura, pintura e música na Europa do século XVII e que chegou ao Brasil através dos próprios portugueses colonizadores. Por extensão, toda a cultura desse período - incluindo costumes, valores e relações sociais - é chamada barroca. 
Essa época surge logo após a Renancença e manifeta-se através de uma exagerada - e muitas vezes ridícula - ostentação entre os grupos diretamente beneficiados pela colheita dos primeiros frutos da colonização extra-europeia, como a que se fazia no Brasil. E os colonizadores e seus herdeiros seguiam o mesmo aqui nas Alagoas nas vilas de Penedo, Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul, Santa Luzia do Norte e Porto Calvo, essa última a mais desenvolvida por deter a maior parte dos engenhos de açúcar,  riqueza da Capitania de Pernambuco. 
Durante esse século, a etiqueta era lei: moldava interinamente a vida dos ricos, principalmente aqueles que viviam nas vilas (cidades) e nos engenhos. O mínimo gesto tinha que ser passado, medido e muito bem executado. E quem cometese um deslize era posto à margem da sociedade. Era proibido ao visitante bater na porta da casa dos visitados. Ao invés disso, arranhava-se a porta com a unha do dedo mínimo. E essa discreta forma de se fazer notado era infalível. Após uma pausa conveniente, a dona da casa vinha a porta ver de quem se tratava, e estava concluída a primeira fase do processo. 
A segunda se iniciava ainda na soleira, quando o visitante, reverente, beijava a mão da anfritioa. Esta, aliás, era façanha particularmente difícil, visto que as saias rodadas, então em moda, dificultavam qualquer aproximação. Mas como o homem barroco era mestre em toda sorte de curvaturas e contorções sociais, via de regra o problema se resolvia a contento sem maioires dificuldades. E mais: o convite para entrar, que o visitante tinha o dever de retribuir com uma mesura e com a discreta demonstração de interesse pelas "moscas", que eram pintas artificiais ou seda reta, artisticamente dispostas sobre o rosto da dona da casa. Isso estabelecia o clima necessário para o início da conversação que, basicamente, consistia em dizer amenidades espirituosas e acompanhá-las com uma gesticulação refinada. Assim, a dama verdadeiramente elegante precisava não apenas dominar com perfeição a arte da tagaralice faceira, mas também a técnica do trejeito e da mímica de salão. 
O mais absurdo de tudo isso que se passava naquela época era o costume de não se tomar banho diário. Tanto homens como mulheres usavam trajes ricamente ornamentados e, para compô-los, vestiam de uma só vez todas as peças de seu guarda roupa. Mas o cuidado se limitava às aparências, pois as pessoas ficavam, sem nenhum constrangimento, com a mesma roupa de baixo pelo maior tempo possível. Dependendo dos perfumes que usavam, houve quem se gabasse por chegar até a um mês de uso ineterrupto da mesma roupa. A água era portanto altamente impopular. Dizia-se até que era nociva à pele, aos dentes e aos cabelos. Em consequência, somente uns poucos e bem ousados tomavam banho nas banheiras feitas de madeira. Assim mesmo fazia-se bem raramente. 
Além de muita, a roupa nos tempos do barroco era pesada e incômoda. O traje masculino completo, incluía chapéu de plumas, colarinhos rendados, gibão guarnecido com adornos, cilões e botas altas, sem contar a roupa de baixo e os punhos de renda. Para completar o garbo da figura, um imenso par de bigodes. Já a elegância feminina ainda era mais rigorosa, exigindo a roupa de baixo cheia de armações, para sustentar a aparência externa. Vestidos com tanta cerimônia e instalados em recintos luxuosos. Nas casas grandes dos engenhos, fazendas e  nas vilas, tudo era feito pelos pagens ou camareiras, até mesmo tarefas simples como acender as velas. Existiam guardas-roupas exclusivos para os vestidos das senhoras de engenho, o mesmo ocorrendo com o exclusivo do senhor.Viviam num ócio tranquilo e bem alimentados, enriquecido pelos saraus literários e pelo som da repousante música da época.

A sinhazinha e o holandês
Uma das lembranças mais marcantes do preso do Brum, era o rapto de uma de suas filhas. Foi uma época tumultuada para a família Pimentel. Além da destruição de dois de seus mais importantes engenhos, teve de enfrentar esse problema. A sinhazinha conheceu o rapaz numa de suas idas à vila e, apaixonou-se. Mas sabia que o capitão e dona Jerônima não aceitariam, já que não era da família e, principalmente por ser holandês, integrante da tropa que invadiu Porto Calvo. 
Aos 18 anos, linda, loira, sempre vestida impecavelmente, romântica ao extremo, lendo e produzindo poesias, a sinhazinha sonhava com seu príncipe encantado, que finalmente chegou, mas não convenceu seus pais. Tristeza para ela e toda a família. Conseguia, vez por outra chegar próximo ao seu amor, mas às escondidas. 
Suas cartas apaixonadas eram sempre enviadas por algum escravo de confiança, que retornava com outra demonstrando todo o amor que ele tinha por ela. Nos encontros sociais da casa grande, a sinhazinha, ao contrário das suas irmãs, sempre alegres, ficava pelos cantos, lendo e sonhando com ele.
A cada dia do holandês na vila, ela ficava na varanda do casarão para vê-lo passar em seu cavalo branco e ele impecavelmente vestido com a farda do exército de seu país, que invadiu a sua terra. Só os poucos momentos da passagem dele, os olhares se encontravam e era um deleite para ambos. O loiro holandês estava apaixonado pela "princesa" de Porto Calvo, a caçula do capitão-mor e senhor de engenho. 
Finalmente toma coragem e foge com seu namorado. Um baque para o capitão e sua mulher. Para onde teria ido a “princesa” que ele criou com tanto carinho e dava-lhe tamanho desgosto. Reuniu os escravos de sua extrema confiança e embrenhou-se pelas matas a procura dos fugitivos. Na vila (Porto Calvo) eles não se encontravam. Teriam ido ao Recife? Pensava, mas acreditava que os alcançariam no caminho. E continuaram procurando, até que conseguiram encontrá-los e trazer seu “tesouro” para casa, enquanto o raptor seguia viagem. O retorno da sinhazinha a casa grande da vila e depois a do engenho, foi comemorado e, ela continuou solteira. Um problema resolvido pelo capitão que só pensava no melhor para suas filhas. Ele decidiu fixar-se mesmo com toda a família no Engenho Santo Antonio, deixando o Morro e os demais só exclusivamente para o trabalho na produção de açúcar. 

Amor proibido
Depois da fugida com o seu grande amor, recaptura e a volta para casa, a sinhazinha passou a recolher-se ao seu quarto do casarão da vila e do engenho, dedicando-se a leitura e as missas e novenas na matriz. Sempre que o pai indagava o que estava acontecendo com ela, desconversava, mas claro, procurando não contrariá-lo.
O capitão Rodrigo notava essa diferença. Definhava a cada dia, mas permanecia bela, com seus cabelos loiros encaracolados, embora tivesse passado a vestir-se com roupas exclusivamente pretas. Conversava com dona Jerônima, mas sempre chegavam a conclusão de que tudo aquilo era passageiro e, que ela encontraria logo um bom rapaz para casar-se, podendo ser algum primo legítimo ou mesmo com parentesco mais distante e ainda algum filho de um dos senhores de engenho de Porto Calvo ou Pernambuco. 
No esplendor de seus 18 anos, a sinhazinha já aparentava ter mais idade, diante do desgosto de ter perdido seu grande amor. Escrevia suas poesias, guardava no baú, relia e sonhava com ele. Mas não deixava de ir às missas dominicais e as novenas, quando estava na vila. No engenho, a capela era seu refúgio, além do próprio quarto, que na verdade era uma alcova (quarto sem janelas) proprio para as moças. 
Rodrigo lembrava dessa sua filha e o episódio de seu rapto passava nitidamente por sua memória na triste madrugada da prisão do Recife. Sabia que ela encontrava-se sob os cuidados de sua mãe, do irmão e das irmãs. Não queria nem imaginar um outro rapto. Que o rapaz reaparecesse e levasse-a para bem longe. Não era esse o futuro que queria para sua filha querida, que criou com o mesmo amor e dedicação como as demais. A maioria, já casadas e que estavam presenteando-o com lindos netos. Mais ainda: casadas com quem ele autorizou, rapazes filhos de senhores de engenho ou mesmo primos. Assim que queria para a sua “princesa”
Um belo dia, a sinhazinha recebe das mãos de um escravo do engenho de seu tio, uma carta do seu amor, com declarações apaixonadas. Ela relia várias vezes e procurava uma maneira de esconder a missiva para que nunca a descobrissem. Não tinha como responder na hora, mas sabia onde ele se encontrava. Dias depois tomou coragem, encontrou o escravo na vila e enviou a resposta da carta, também apaixonada, mas com o lamento de ser um amor proibido. Jamais seu pai aceitaria esse casamento.
Depois de alguns dias desse tormento, chega o momento pior: uma das empregadas da casa encontra a carta do rapaz, que a sinhazinha escondia tanto,  e entrega a dona Jerônima que chamou o marido e os dois leram e passaram a proibir a sinhazinha de sair de casa. 

Menina e moça 
Em suas conversas com o vigário, a sinhazinha aprendeu muito, principalmente o latim, para acompanhar com mais atenção às cerimônias religiosas. Mas lia os livros do velho sacerdote e ainda dos que existiam em casa, alguns trazidos de Portugal por seu avô paterno, Antonio de Barros Pimentel. Gostava mais dos livros de poesia. 
Um despertava mais sua atenção: Menina e Moça, do poeta português Bernadim Ribeiro. Num dos poemas, que deu título ao livro ele declara seu amor a Beatriz, filha de D. Manuel, Rei de Portugal. Era um amor proibido. A moça depois casou com D. Carlos II, Duque de Sabóia. Ao ler esse poema, a sinhazinha colocava-se no lugar de Beatriz e sonhava. A protagonista filha do Rei de Portugal, que tinha um apaixonado plebeu e, ela filha do “Rei de Porto Calvo”, também com um apaixonado de classe social inferior.
Mas o romantismo da sinhazinha e o seu gosto pela leitura, levava-a a devorar outros livros. Lia e relia Os Lusíadas, de Luis de Camões, em sua primeira edição publicada em Lisboa, no ano de 1572, uma obra rara, que só existia em Porto Calvo no casarão do capitão Rodrigo, uma lembrança do seu pai, o português Antonio de Barros Pimentel. O grande poeta também tinha seu amor proibido. Um dos seus versos “Natércia” era a demonstração desse amor, que nunca se soube quem realmente era a moça. Mas sabia-se que tratava-se de uma dama da alta sociedade de Lisboa. 
Romântica por natureza, a sinhazinha também fazia suas próprias poesias, sempre enfocando o seu amor não aceito pela família. Mas antes mesmo dessa situação desastrosa que estava ocorrendo, ela era a grande atração como declamadora nas horas de arte promovidas tanto no casarão da vila como no engenho. Tinha “na ponta da língua”, um dos mais bonitos sonetos de Camões:

              Alma minha que te partiste
               Tão cedo desta vida descontente,
                Repousa lá no céu eternamente, 
                E viva eu cá sempre triste. 


                          
Sonho impossível 
Alto, loiro, olhos azuis, vestido sempre com elegância, seja no fardamento do exército ou quando comparecia as missas na matriz de Porto Calvo, Frans, o grande amor holandês da sinhazinha era tudo que ela sonhava. Não gostava dos rapazes da vila e dos engenhos, que a cortejavam e que seu pai queria que um deles fosse seu marido. 
Recolhia-se ao seu quarto, conversando com sua mucama Francisca, a quem desabafava e recebia conselhos. Era ela a encarregada de entregar as cartas ao seu grande amor, quando ele encontrava-se na vila e, era também quem a orientava sobre os encontros sigilosos nos arredores. 
Francisca era negra, mas educada na casa grande, tendo aprendido a ler e escrever graças ao empenho da sinhazinha. A mãe era a cozinheira da casa grande, responsável pela mesa farta, tão apreciada pelos moradores e os visitantes. A filha, era odiada pelas demais empregadas que não aceitavam essa amizade. Até mesmo as roupas já usadas pela sinhazinha, terminava com ela.
 Frans, já falava corretamente o português e, tinha verdadeira paixão pela sinhazinha, declamando poesias lusas para ela. Os encontros eram rápidos, mas extremamente românticos. Passavam momentos de puro prazer, com beijos ardentes, abraços e carinhos mil. Quando se despediam, era só lágrimas e a incerteza se ainda poderiam se ver. Não tinha escapatória. Ou fugiam definitivamente para além-mar num dos navios holandeses, ou terminariam o romance. Nunca o capitão Rodrigo aceitaria esse relacionamento, já que ele pertencia aos quadros do Exército holandês, tão odiado pelos senhores de engenho. 
Mas Frans não fez parte da esquadra holandesa que invadiu e destruiu dois dos engenhos de Rodrigo Pimentel. Já namorava a sua filha e convenceu os seus superiores de que não deveria ir. Antes disso, chegou a participar de várias reuniões na casa do capitão na vila, onde não conseguiram que o anfitrião abandonasse seus conterrâneos e passasse para o lado dos holandeses. E desde então, se encantou com a bela filha do capitão. 
Pensava em abandonar tudo, converter-se ao catolicismo, mudar de nome e ficar ao lado dos senhores de engenho e portugueses, contra os holandeses. Lembrava de seu companheiro Gaspar Wan der Ley, que aportuguesou-se para Gaspar Wanderley, ao converter-se e casar com a brasileira Maria Gomes de Mello. Mas sabia que, diante da personalidade do capitão Rodrigo Pimentel ele jamais aceitaria tê-lo como genro. 
Nada era fácil para ele vivendo num lugar distante de sua família e sem nenhuma perspectiva de firmar-se junto aos nativos, já que era um invasor é odiado por todos. Menos, é claro pela bela princesinha do capitão Rodrigo Pimentel. Queria ficar com ela para sempre, ter filhos e viver livre de intrigas políticas. 


Amor à primeira vista
A sinhazinha confessava a sua mucama de confiança que logo ao avistar Frans, sentiu algo diferente. Eles se olharam e o amor foi à primeira vista. Mesmo sendo holandês e, portanto “herege” para os portugueses e brasileiros, assistia às missas dominicais na matriz de Porto Calvo, exatamente para ver a sua amada. E no primeiro encontro à porta da Igreja, ela sentiu-se trêmula. Que voz doce e melodiosa, com seu som compassivo e o sotaque holandês. O corpo atlético, os cabelos lisos e loiros, os olhos azuis brilhantes e uma boca carnuda, e seu  sorriso lindo. Tudo isso encantou a “princesa” dos Barros Pimentel, a mais bela sinhazinha de Porto Calvo. 
Por sua vez, Frans ficou fascinado por ela, que mais parecia uma “boneca de cabelos dourados”. Naquela manhã de domingo, enquanto os pais estavam conversando com o padre na sacristia, a sinhazinha se deliciava com a presença do estrangeiro. Estava linda, com seu vestido bordado, o decote discreto, mas que o rapaz imaginava como seriam lindos seus peitos. Pediu que ela tirasse o véu branco, para que ele pudesse apreciá-la melhor. Pegou em suas mãos macias, sentiu seu perfume e beijo-a levemente. 
Os poucos minutos desse primeiro encontro, serviram para marcar o início de um grande amor, que, ela já imaginava ser proibido, mas que lutaria para conseguir realizar o sonho de tê-lo para sempre. Tinha absoluta certeza de que ele era o príncipe encantado que tanto sonhava, como Romeu foi para Julieta, o romance que ela lia e relia na casa do padre. 
Ao ver aproximar-se a mãe, chamando-a para casa, a sinhazinha despediu-se rapidamente do holandês, mas deixou claro que iria escrever marcando um novo encontro. Ele se foi, mas ficou marcada a paixão que durou toda a sua vida. 

Maldição
O primeiro e único amor da sinhazinha mais linda de Porto Calvo, era para ela uma fonte de melancolia. Depois de contatos com ele às escondidas, a fugida frustrada e o desaparecimento definitivo dele, amaldiçoado pelo pai, ficou a certeza de que jamais casaria com quem quer que fosse indicado pela família. Preferia morrer solteira, ir para um convento ou mesmo recolher-se definitivamente em seu quarto.
E era na solidão de seu quarto, lendo poemas e romances, que a sinhazinha sentia-se ainda amada. Lembrava dos beijos ardentes, dos carinhos e da sua iniciação sexual, em meio a extensa floresta e em noite de lua, a caminho do Recife.  
Durante os dois dias de sua fugida, a sinhazinha e seu amor, tiveram vários momentos de puro prazer. Eram beijos longos, carícias por todo o corpo, apesar de não chegarem a se despir. Ambos estavam com o corpo tomado por pesadas roupas, e ela na garupa do cavalo branco do seu amor.
Quando paravam para descansar, eram momentos de êxtase total. Ambos faziam tudo que aprenderam lendo os romances de Shakespeare. Abraços, beijos ardentes, carícias e a tentativa sempre constante de Frans de possuí-la, que terminava frustrada, diante de sua resistência, uma barreira que a impedia, lembrando os conselhos da mãe de somente se entregar a um homem depois de receber os sacramentos do matrimônio. Mas sentia vontade. E como sentia! Fechava os olhos e imaginava-se completamente nua, com seu corpo inteiro acariciado pelas mãos do seu grande amor.
Frans levava em sua pouca bagagem uma garrafa do puro vinho português. Pararam para descansar e os dois beberam.´- Você tem cheiro de camomila e mel - disse ele. Levantou a mão e soltou-lhe os cabelos, fazendo-os cair como uma cascata em volta de seu rosto. Os cabelos da nuca dela se eriçaram com seu toque, com o contato da pele dele na sua,   tão surpreendente e íntimo. Devagar, ele baixou-lhe o vestido dos ombros, depois até a cintura. Ela mudou de posição. O tecido escorregou até o chão, como uma pele de inverno que não tem mais serventia. 
O momento estava chegando. Era irresistível. Frans colocou o lençol sobre o capim  e por um instante ficaram abraçados vendo a tarde cair, se tocando, se beijando ardentemente. Ele se inclinou sobre ela, os lábios dele se moviam e  sua lingua escorregava, chegando aos seus seios. Ela soltou um gemido quando ele pôs seu mamilo na boca, lambendo, atiçando. Não tinha retorno. Era tudo ou nada. Ela estremeceu, mas sentindo-se forte, poderosa, como se naquele momento estivesse nas nuvens como ele. A penetração foi lenta, maravilhosa. Um calor hipnótico, pesado e que  tomou conta de seu membro duro, latejante, preenchendo-a. Ela não tinha noção de tempo nem de espaço. Apenas Frans dentro dela e a lua que já aparecia. Uma verdadeira "lua-de-mel". 
A sinhazinha pôs as mãos nas costas de seu amado, com o dedos abertos, sentindo a força de  seus braços bronzeados e de suas coxas firmes, os pelos macios de seu peito rolando em sua pele e sua lingua entre seus lábios, quente, molhada, faminta. Ele respirava mais depressa, mais fundo, movido pelo desejo e pela necessidade. Ela estremeceu quando ele atingiu o orgasmo no mesmo momento que ela também atingia o seu. Em seguida ficaram imóveis abraçados, sem nada falar, sentindo o completo silêncio da noite. Adormeceram abraçados, felizes, realizados e com a esperança de que tudo daria certo. Que iriam casar na Igreja Católica e ele se converteria ao catolicismo.  
O dia amanheceu e o Recife já estava perto. Cavalgaram mais entre os canaviais e sempre procuravam cortar a passagem por engenhos e povoados. Amparada no corpo de seu amado, sentia o sol quente e o suor escorrendo. Carregava um segredo que levaria para o túmulo. Mas imaginava se esse seu primeiro contato sexual gerasse uma gravidez, que por certo seria um escândalo para toda a família. 

O fim de um sonho
O casal de fugitivos já se aproximava do Recife, bem próximo ao Cabo de Santo Agostinho, quando a caravana comandada pelo capitão Rodrigo, flagrou e acabou com o sonho de dois jovens amantes que queriam formar uma linda familia. A sinhazinha e seu amor ficaram estupefatos e não tiveram reação. Fortemente armados, os capangas do senhor de engenho cercaram o casal e obrigaram a desceram do cavalo e ele seguir em frente para nunca mais se aproximar de Porto Calvo. 
Já tinha um cavalo preparado exclusivamente para a sinhazinha seguir sua viagem de volta. Assim fez, sempre cabisbaixa e chorando muito, mas de vez em quando fechando os olhos e lembrando os momentos de amor que tinha passado com Frans na noite passada. O pai vez por outra, tentava consolá-la, mostrando a realidade do futuro que estava preparado para ela, caso ficasse mesmo com o holandês: abandono total da familia e ainda ter de ir embora para o País dele. 
De nada adiantava esse tipo de conselho. Ela queria mesmo ficar com seu único amor, que a partir daquele momento, jurou nunca esquecer e jamais casar com outro, indicado pelo pai, como fizeram suas irmãs. A primeira noite da volta para casa aconteceu num engenho de um parente nas proximidades de Barra Grande, onde ela passou todo o período trancada no quarto, sem conseguir dormir e lembrando de seu Frans. Também não tomou café da manhã e seguiu a caravana que programava chegar a Porto Calvo ao entardecer. Mais uma parada para almoço em outro engenho, sem ela tocar no prato. Um tormento para o capitão Rodrigo,que já imaginava como seria a vida de sua "princesinha".
Finalmente avista-se a torre da Igreja no alto da colina e a "sinhazinha" não consegue conter a emoção e chora copiosamente. A caravana atravessa a rua principal e chega a casa grande, onde esperam no alpendre: a mãe, as irmãs, cunhados, sobrinhos, o único irmão, o frei Manoel Callado, tios e demais parentes. Uma recepção triste e o prenúncio de um futuro tenebroso, solitária, apenas rezando e ainda mantendo a esperança de ter seu amor de volta.


O fim do mundo
No dia 13 de novembro de 1640, a família Barros Pimentel se encontrava no casarão da vila. Sempre que chegava a primavera, todos deixavam o engenho para participar do dia-a-dia de Porto Calvo e preparando-se para o Natal. Dona Jerônima, as filhas e as mucamas se desdobravam nos afazeres domésticos. O capitão havia acabado de sair para um dos seus engenhos ainda moendo, quando antes das 11 horas da manhã todos notaram algo estranho no céu. Ao invés do sol escaldante, tudo foi escurecendo. Correria no casarão: Umas se dirigiam para o alpendre, enquanto dona Jerônima refugia-se no quarto com a sinhazinha, sempre reclusa, depois de ter perdido seu grande amor. 
De repente, o dia vira noite. Era o primeiro eclipse solar vivido pela população de Porto Calvo, que atingiu todo o Brasil. Os Barros Pimentel se refugiaram no quarto dos santos, enquanto muitos dos moradores da vila seguiam para a matriz e rezavam com o frei Manuel Calado, pensando que o mundo ia se acabar. 
Mesmo diante da escuridão, o capitão retornou para a vila e encontrou a família aflita. Acalmava todos consciente,  de que tudo aquilo era um fenômeno da natureza, lembrando que seu pai já havia contato de algo semelhante que ocorrera em Portugal no século XV. 
Tanto o sacerdote como os demais líderes da comunidade, ligavam o fato a um castigo de Deus diante da presença dos hereges (os holandeses) na vila. Somente às 12 horas e 45 minutos a luz do sol resplandeceu em toda a sua plenitude. Foram momentos de pura euforia. As pessoas corriam pela rua,  saudando o sol e agradecendo a Deus por estarem vivas. 
Mas foram momentos de terror. Durante 1 hora e 45 minutos de duração do eclipse, todos pensavam que era o fim do mundo. Na matriz, nas casas e na rua, tochas foram acesas. Os holandeses comemoravam. Já sabiam que aquilo era um fenômeno da natureza. Afinal tinham seus astrônomos, que  haviam previsto tal fenômeno. 
O capitão Rodrigo Pimentel, lembrava em sua cela na prisão do Brum de mais um episódio que assustou a todos na vila de Porto Calvo. Desta vez atingindo em cheio os holandeses que dominavam Porto Calvo. Eles habituados ao clima frio da Europa, não se adaptaram ao calor dos trópicos. Os mais robustos arrastavam os membros lânguidos, enquanto outros se esforçavam contra os muros e trincheiras, jaziam imberbes e inválidos. 
E os moradores da vila comemoravam essa fraqueza dos estrangeiros, assistindo a dor dos agonizantes e vendo os  mortos. Os líderes da resistência  vibravam e contavam os dias para a vitória final e a saída definitiva dos invasores. Aqueles que se achavam os grandes vencedores, responsáveis pela morte de muitos na Batalha da Mata Redonda, além da destruição de engenhos, eram conduzidos em fileiras ou para a sepultura ou para o hospital que eles improvisaram na vila. Rodrigo em sua solidão na cela da prisão  lembrava dos cabos de guerra: Masmacher, La Calete, Dammert, Clovs, Tackt, Teer e o próprio almirante Jol. Todos mortos pela epidemia que atacou os holandeses e deixou  imunes os nativos. Um sinal que a Providência Divina dava mais uma vez aos brasileiros e portugueses que já não suportavam mais tanto sofrimento. 

A caminho do esquecimento? Antepassados de Ibarê Dantas - Professor Dr. SAMUEL ALBUQUERQUE -UFS


A caminho do esquecimento? Antepassados de Ibarê Dantas
03/02/2014, 14:40
SAMUEL ALBUQUERQUE

Professor da UFS e presidente do IHGSE. E-mail: samuel@ihgse.org.br
A caminho do esquecimento? Antepassados de Ibarê Dantas
Na tarde do último dia 6 de janeiro, o historiador Ibarê Dantas passou rapidamente pela Casa de Sergipe. De suas mãos, recebi o recém-publicado “Memórias de família”, livro que reconstitui a história de três gerações de sua família, estudadas a partir das experiências de quatro personagens: David Martins de Góes Fontes (1820-1904), seu bisavô paterno; Francisco Dantas Martins Fontes (1871-1924), seu avô paterno; David Dantas de Brito Fontes (1913-2001), seu pai; e Manoel Costa e Silva (1883-1967), seu avô materno.



Algumas horas após o encontro (e já em casa), iniciei a leitura, surpreendendo-me com a novidade representada pelo décimo livro de Ibarê, autor que, pela importância de sua obra, ocupa lugar de destaque na Historiografia Sergipana.
Serpenteada pelo Rio Piauí, a paisagem da Fazenda Boqueirão (no município de Riachão do Dantas), onde viveu a família de David Dantas de Brito Fontes, destaca-se na capa e convida à leitura de histórias de homens e mulheres que viveram, sobretudo, na zona rural do sudoeste de Sergipe e do nordeste sergipanizado da Bahia.
Sobre os quatro ascendentes biografados, o autor sintetizou: “Nenhum deles nasceu em Riachão do Dantas, mas todos foram fazendeiros no município, aí viveram grande parte de suas vidas, constituíram família e, em seu solo, foram sepultados. De gerações diferentes, foram figuras representativas do patronato rural e tiveram alguma experiência político-administrativa” (Dantas, 2013: 14).
Na introdução do livro, um depoimento do autor explica a trajetória de grande parte da documentação que lhe permitiu construir representações sobre seus antepassados. Vejamos: “Quando meu pai já estava doente, em fins dos anos noventa do século XX, entregou-me algumas pastas de documentos herdados de seu avô e de seu pai. Sabendo de meu interesse por ‘papel velho’, forneceu-me também seus próprios escritos, produzidos ao longo de sua vida” (Dantas, 2013: 14). E quais são esses documentos? Predominam os “escritos íntimos”, como cadernos e cadernetas com anotações variadas, livros de assentos, diários, cartas e telegramas, além de traslados de escrituras e inventários...
Os "papéis velhos de família" foram devidamente analisados, cruzados entre si e com documentos de procedência diversa (depoimentos orais; matérias de jornais; atas de sessões de conselhos de governo, câmaras federais e municipais; mensagens e relatórios de governantes; compilações de leis etc.). O trabalho também foi enriquecido pela interlocução do autor com estudiosos que se debruçaram sobre a história de Sergipe e do Brasil, a exemplo de Josué Modesto dos Passos Subrinho, Maria da Glória Santana de Almeida, João Dantas Martins dos Reis, Arivaldo Silveira Fontes e Evaldo Cabral de Mello, Luiz Felipe de Alencastro, Luiz Antonio Tannuri, dentre outros. No mais, Ibarê se apropria de reflexões de autores como Marc Bloch, Paul Ricoeur, François Dosse e Vavy Pacheco Borges para melhor se posicionar perante o “desafio biográfico”.
O já mencionado depoimento introdutório indicia que a análise da documentação, bem como a escrita da obra, teve início em fins da década de 1990. Seriam, dessa forma, mais de vinte anos de um silencioso e espaçado trabalho que, pacientemente, esperou pelo centenário de nascimento de David Dantas de Brito Fontes para se tornar público.
O leitor atento observará certo desequilíbrio no volume dos capítulos da obra. O primeiro capítulo tem 41 páginas, o segundo 26, o terceiro 87 e o último 23.https://a.gfx.ms/is/invis.gifQuestionei o autor sobre o fato e ele explicou-me que “um dos condicionantes do tamanho dos textos foi a disponibilidade de dados” sobre as figuras biografadas em cada capítulo.
Penso que o excesso de escrúpulo do historiador que toma como objeto de estudo sua própria família (ou a si próprio, como diriam os estudiosos da "escrita de si") reprimiu a imaginação historiográfica demonstrada, por exemplo, na biografia de “Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel (1825/1909)”. Basta comparar as narrativas sobre a infância e mocidade do referido Maciel e de DavidMartins de Góes Fontes, saídas da pena do mesmo autor em períodos relativamente próximos, para chegar a essa conclusão. Contudo, considero compreensível a decisão de se ater aos dados fornecidos pela documentação analisada, evitando que os leitores presumam certos “floreios” biográficos.
As histórias de família reconstituídas por Ibarê são, sobretudo, histórias dos homens da família. É possível que, para além de uma opção do autor, a narrativa tenha sofrido os influxos dos registros perscrutados, nos quais a vozes que se manifestam são vozes masculinas. Ainda assim, penso que, explorando a mesma documentação, um(a) historiador(a) das mulheres daria outros contornos às representações construídas sobre Mariana Dantas Martins Fontes (1867-1947), Thereza Ferreira de Britto Dantas (1893-1924) e Miralda Costa Fontes (1917-2008) – respectivamente, tia avó, avó e mãe do autor. Mas isso é papo de historiador das mulheres. A proposta de Ibarê foi cumprida.
O historiador das memórias familiares dá espaço ao conhecido historiador da política sergipana, sobretudo no terceiro capítulo, ao tratar dos conflitos entre pessedistas e udenistas em Riachão do Dantas, a partir de meados da década de 1940. Interpelei o autor sobre a experiência de tratar de história política quando as figuras envolvidas estão intimamente ligadas a ele. Sua resposta revela muito da concepção de História que cultiva. “Considero que uma das tarefas do historiador é a busca da verdade e, se necessário, desmistificar versões fantasiosas. É certo que na prática, toda obra de história é uma construção e uma representação, mas deve ser baseada em fontes e sem ignorar os fatos nem deturpá-los”, registrou.
A lupa de estudiosos da história de Sergipe poderá flagrar no livro referências que criam conexões com outros tantos mortos quase soterrados pelo esquecimento. Há, por exemplo, na página 21, uma referência a Serafim Álvares d'Almeida Rocha, um desafeto do trisavô paterno do autor. Imediatamente, concluí tratar-se do major Seraphim Álvares d'Almeida Rocha (1794-1870), senhor do Engenho Buraco (depois Usina São Carlos), em Itaporanga d'Ajuda. Lourença de Almeida Dias Mello (1848-1890), segunda consorte do Barão da Estância, Antonio Dias Coelho e Mello (1822-1904), era filha do major Seraphim e de Ana Joaquina de Menezes Sobral. Ele está sepultado na Capela do Senhor do Bomfim da Fazenda Dira (antigo engenho de mesmo nome, localizado no noroeste do município de Itaporanga d'Ajuda), que hoje pertence ao empresário José Augusto Vieira. Também flagramos referências a “lugares de memória” desaparecidos ou em vias de desaparecimento, como as capelas de antigos engenhos que jazem esquecidas na zona rural de municípios de passado açucareiro. Nesse sentido, ao tratar da primeira consorte do seu bisavô paterno, a rica senhora Thereza Maria de Jesus (1819-1855), o autor registra que ela foi sepultada na "capela próxima ao Poxim” (Dantas, 2013: 28). Trata-se, muito provavelmente, da Capela de Nossa Senhora da Conceição do antigo Engenho Poxim, hoje Assentamento Rosa Luxemburgo II, no sudoeste do município de São Cristóvão, às margens do Poxim Açu (principal braço do Rio Poxim).
Estudando a “disposição” dos seus bisavós paternos “em encaminhar os filhos para os estudos”, Ibarê revela dados importantes sobre as práticas educativas próprias da aristocracia brasileira da segunda metade do século XIX e, nesse sentido, descreveinteressantes aspectos da "educação doméstica" voltada, sobretudo, para meninos (Dantas, 2013: 54-55). Os estudiosos da História da Educação sabem quão raros são os registros sobre esse tema.
Interessante é, também, o relato sobre o funcionamento do resistente Engenho Salgado, a partir da página 186. Digo resistente por considerar o fato que, na década de 1940, quando ele ainda estava em pleno funcionamento, muitos dos históricos engenhos da Cotinguiba e do Vaza-Barris estarem de fogo morto.
E, no Salgado, chama a atenção a figura da avó materna do autor, que bem encarna o modelo de sinhá dona difundido do Gilberto Freyre: senhoras ativas e que ocupavam um papel importantíssimo na administração do lar patriarcal. Em Sergipe, esse modelo parece ter sido bastante difuso. Quase não encontramos aquelas sinhás gordas e inúteis, que, quando muito, supervisionavam o trabalho das escravas domésticas.
As experiências dos antepassados de Ibarê demonstram como os proprietários rurais de Sergipe, notadamente os do agreste do Estado, lidaram com transformações de ordem política, econômica e social, como o processo de abolição da escravidão, os conflitos entre partidos políticos, os deslocamentos e a carência de mão de obra, a crise da produção açucareira, o surto algodoeiro e a difusão da pecuária e da citricultura, as secas, as epidemias etc.
O livro de Ibarê Dantas é, enfim, uma novidade no campo da Historiografia Sergipana. O autor colocou a História a serviço da Memória, produzindo narrativas desenvoltas, porém rigorosamente orientadas por referenciais teórico-metodológicos próprios dos historiadores de ofício. Iniciativas aproximadas, porém de natureza distinta, sobrevivem na memorialística sergipana, destacadamente no legado de autores como Gilberto e Genolino Amado, Orlando Vieira Dantas, Aurélia Dias Rollemberg e, recentemente, Ana Maria Fonseca Medina.
Para além do seu indiscutível valor historiográfico, o novo rebento de Ibarê pode ser compreendido como um bem acabado exemplar da “escrita de si”, considerando que o autoconhecimento motivou o estudo dos seus antepassados. Nesse sentido, o autor registrou indagações que o inspiraram: “Quem foram nossos antepassados, como viveram, que lições nos deixaram?” (Dantas, 2013: 13).
Não houve e, ao que tudo indica, não haverá lançamento oficial do livro. O autor explicou-me que “o livro é produto de uma edição particular [...], com uma tiragem de 300 exemplares, [...] para distribuir gratuitamente entre parentes e amigos”. Acrescentou, ainda: “no dia 29.12.2013, quando celebramos os cem anos de nascimento de David Dantas, os filhos, os descendentes e agregados que se incorporaram à família reuniram-se. Nesse ambiente distribuí o livro a todos, como minha contribuição à memória da família. A receptividade foi muito calorosa e emocionante, inclusive para o velho autor”.
O sentido que deu origem ao livro parece ter sido compreendido e encontrado fertilíssimo terreno. Ao menos é o que indica o prefácio escrito por Silvia Góis Dantas, filha de Ibarê e Beatriz Góis Dantas. Segundo a publicitária, o livro lhe revelou a “existência de seres humanos em seus percursos esquecidos e ignorados”, ancestrais que passou a melhor conhecer e neles se reconhecer. Pelas mãos do pai historiador, a memória da família “tornou-se ‘mais palpável’” e “fatos, histórias, acontecimentos da vida de cada um [dos biografados] tornaram-se referências da existência da família” (Dantas, 2013: 10).
Ao final da leitura nos sentimos um pouco riachãoenses, hóspedes de David Dantas e dona Miralda, no Boqueirão, visitas de seu Menezinho e dona Iazita, no Salgado. Aliás, no antigo Engenho Salgado nasceram dois intelectuais que, na atualidade, dão vida a ideia de sergipanidade baseada nos talentos da pequena província. Os irmãos Ibarê (1939...) e Francisco Dantas (1941...), o primeiro no campo da Historiografia e o segundo no campo da Literatura, estimulam-nos a inflar o peito e falar do orgulho de ser sergipano.
Com letra trêmula (destoando da força de sua escrita) o autor registrou na dedicatória que me fez: “Ao prezado Samuel Albuquerque, / lembranças de entes queridos / a caminho do esquecimento / Ibarê / Aracaju, 29-12-2013”. Voltei à primeira página após concluir a leitura do livro e, sem conter o riso, notei certa ironia do velho historiador. A obra pereniza a história de seus antepassados e, ao contrário do que registrou, desvia-os do caminho do esquecimento.
De fato, os homens e, também, mulheres que habitaram as casas-grandes do Salobro, do Boqueirão e do Salgado foram retirados do repouso merecido para reviverem em páginas que, certamente, serão lidas e comentadas não somente por seus descendentes. Nesse caso, diria Paul Ricoeur, a ameaça do esquecimento definitivo, do apagamento dos rastros, foi imobilizada ou, no mínimo, retardada, pelo perscrutador das memórias familiares.
Ao historiador Ibarê Dantas (cujo nome de origem tupi significa madeira dura e resistente), renovamos os nossos votos de vida longa e fôlego para continuar nos surpreendendo com trabalhos que tanto nos ajudam a compreender o passado sergipano e brasileiro.
 
 
 
 
 
 
Bibliografia citada:
DANTAS, Ibarê. “Memórias de família”: o percurso de quatro fazendeiros. Aracaju: Criação, 2013. 269 p.
DANTAS, Ibarê. “Leandro Ribeiro de Siqueira Maciel (1825/1909)”. O patriarca do Serra Negra e a política oitocentista em Sergipe. Aracaju: Criação, 2009.
FREYRE, Gilberto. “Sobrados e mucambos”: decadencia do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil II). 2ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951 (Coleção Documentos Brasileiros, 66).
AMADO, Gilberto. “História da minha infância”. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954.
AMADO, Genolino. “Um menino sergipano”: memórias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1977 (Vera Cruz, 243).
DANTAS, Orlando Vieira Dantas. “Vida patriarcal de Sergipe”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980 (Coleção Estudos Brasileiros, v. 47).
ROLLEMBERG, Aurélia Dias. O documento. In: ALBUQUERQUE, Samuel Barros de Medeiros. “Memórias de Dona Sinhá”. Aracaju: Typografia Editorial, 2005. p. 47-123.
MEDINA, Ana Maria Fonseca. “Trilhando memórias”. Aracaju: Sercore, 2013.
RICOEUR, Paul. “A memória, a história, o esquecimento”. Campinas: Unicamp, 2010.
Para citar esse texto, use a seguinte referência: ALBUQUERQUE, Samuel. A caminho do esquecimento? Antepassados de Ibarê Dantas. Jornal da Cidade, Aracaju, 31 jan. /1º fev. 2014, caderno B, p. 6.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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