sexta-feira, 26 de setembro de 2014

II – ELEIÇÕES. A UTOPIA ALAGOAS 2ª Parte

II – ELEIÇÕES UTOPIA
“A minha geração chegou ao poder! Muito esperava dela, porém, resta-me uma grande e profunda frustração. Muitos foram sacrificados em nome de um ideal e de sonhos não concretizados. Os que chegaram ao poder frustraram-nos as esperanças. Os nossos mártires, se vivos fossem, estariam morrendo de vergonha. Afinal serviram apenas como “boi de piranha”!.” Sebastião Palmeira.
Assiste-se consciente e inconscientemente as mudanças inexoráveis do mundo do capital na era pós-moderna. Mudanças frenéticas que alteram mercados, vidas e cotidianos no mundo cada vez mais global. O que Sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama de “Tempos Líquidos”. Ou, Eric J. Hobsbawm, de a “Era do Capital”. Concordando com Bauman, "vivemos tempos líquidos. Nada é para durar". Essa nova verdade de nossa era. Enquanto existe uma corrida mundial em brusca pelo conhecimento / tecnocientífico/ moeda, palavras como: energia renovável, reciclagem, matéria escura (energia escura), multiversos, conquista e colonização do espaço, nanotecnologia, carros movidos a ar comprimido, energia elétrica sem fio, implantes que aumentariam os sentidos e as capacidades humanas, vivenciamos aqui uma realidade arcaica, conservadora, excludente e desleal. Os políticos pensam no momento. A população deve pensar no futuro!
Mesmo sendo conscientes da “barbárie eleitoral” cíclica, e do “mercado livre de votos”, que encontra na miséria humana, no analfabetismo, e na ausência do aparelho estatal, fomentos de sua existência. Certa vez, ainda quando estudante de história na UFAL, o Professor Douglas Apratto, me dizia que a venda de votos em Alagoas está tão “naturalizada” no imaginário popular, que quando o eleitor vende seu voto, quer receber pontualmente. Caso não receba, imagina se dirigir a uma instancia da justiça como em uma relação de consumo protegida pela lei. Não sejamos tolos, o “comércio de votos”, que está ocorrendo escancaradamente, desvirtuando a “democracia liberal” capitalista. Estão vencendo os projetos que visam como prioridade manter, preservar e ampliar os interesses de poucos. Não seria nada estranho, nem absurdo de se ouvir e se presenciar, comentários a respeito do valor da “voto por cabeça”.
A corrupção Eleitoral é uma das nossas maiores piores chagas? Seria petulância, ousadia, coragem, ingenuidade, ou tolice de “cogitar” a existência de um submundo, que coexiste “harmonicamente” com o Estado Democrático de Direito? Existiria uma realidade “secreta” onde prevalece uma logica própria de “mercado do voto”? Existiria um sistema “metódico”, articulado e organizado no “mercado livre do voto”? Que se utilizaria da logica, de uma estatística, e sistemas administrativos / contábeis notáveis. Repleto de controle, precisão e organização do “capital eleitoral”?  Existira um “fluxograma” da “mais-valia do voto”? As velhas máximas da troca de favores, do tome-lá-dá-cá, do quero ocupar um cargo no poder, acarreta como efeito a submissão e passividade social? O caro leitor, que ainda está lendo, o presente esboço, imagina que é normal em qualquer Processo Eleitoral, que ocorram tentativas de compra de votos. Ou fenômenos como a improbidades, uso do dinheiro público para comprar o voto, infrações e ilegalidades. Cabe ao T.R.E. e as instancias estatais e da sociedade civil vencerem essa batalha.
A economista e Professora Luciana Caetano, certa vez, escreveu, sobre a corrupção em Alagoas. Fez uma comparação com uma doença degenerativa. Avançando ferozmente e destruindo vidas, esperanças, possibilidades e gerando prejuízos sociais incalculáveis. Ironiza, sugerindo que seria mais rentável, para quem dispõe de capital, “investir” na atividade política, do que montar uma empresa. Para tal argumento, convida os leitores a examinar a evolução patrimonial, de algumas figuras públicas, do antes e do depois da carreira política. Friamente, percebe que é mais “rentável” a atividade “representativa política” do que a empresarial em Alagoas.
O pensador italiano Norberto Bobbio afirma logo no inicio do “Dicionário de Política” que “a linguagem política é notoriamente ambígua. A maior parte dos termos usados no discurso político tem significados diversos”.
A cultura da dádiva seria o avesso da cidadania? A esse respeito Teresa Salles comenta sobre sua tese da cidadania concedida comentando: “A cultura política da dádiva sobreviveu ao domínio privado das fazendas e engenhos coloniais, sobreviveu à abolição da escravatura, expressou-se de uma forma peculiar no compromisso coronelista e chegou até nossos dias”. A realidade social é dura! Usando as velhas letras do clássico que marcaram minha adolescência, a Legião Urbana: “Quem me dera, ao menos uma vez, explicar o que ninguém consegue entender: Que o que aconteceu ainda está por vir. E o futuro não é mais como era antigamente”.
Defendo que todo postulante a um cargo eletivo, faça uma visita aos nossos serviços públicos, como o H.G.E. Para que possa sentir o cheiro da urina, das fezes dos doentes, ver as feridas abertas. Observar os amontoados de macas, acompanhar o cansaço dos profissionais da saúde. E, perceber nos olhos dos servidores a falta de perspectiva e de esperança. Observar nas filas, os idosos doentes esperando.  Assistir os ataques epiléticos, ou de quaisquer patologias, nos corredores dos atendimentos. Observar, muitas vezes, os profissionais “escolherem” quem vai ser salvar primeiro.  No tocante a educação. Salvaguardando poucas e raras ilhas de excelências, eu a percebo como um “exército batendo, em ordem de retirada”. De quando a sorte lhe é adversa. Uma classe que inconscientemente reconhece que perdeu a guerra, salarial, profissional, ideológica e sua esperança de redenção da sociedade. Uma das maiores categorias do trabalho, desunida, desarticulada e individualista. A politica existe ou para manter as desigualdades ou para mudar as coisas. Ter um projeto e tentar mudar.
Deixo aqui mais alguns questionamentos com a intenção de refletirmos sobre nosso destino.  Quem despertará os sonhos fundamentais utópicos do povo? O aparelho estatal deve estar a serviço do mercado ou do povo? Onde reside o clamor utópico do povo alagoano? Deixar de ser utópico é ser ajuizado? Deixar de sonhador é ser racional? Como sobreviver em meio a tanta insensibilidade e descaso? Quais os verdadeiros limites fiscais, contábeis, administrativos, políticos, organizacionais e gerenciais? Temos sim que ter os pés nós chão. Mas deve-se idealizar o futuro para as novas gerações. Alagoas tem de ser, o Estado potencia regional no futuro! Vamos esperar.



[1] Mestre em Administração na Universidad de la Empresa na República Oriental del Uruguay. Pós-graduado em História Contemporânea pelo CESMAC. Graduado em História pela Universidade Federal de Alagoas. Presidente e Fundador da Academia Portocalvense de História Letras e Artes Internacional – APHLA. Membro Honorário da Academia Maceioense de Letras. Funcionário Público. E-mail: jeffersonpalmeira@ymail.com

ALAGOAS UTÓPICO!

ALAGOAS UTÓPICO!
Jefferson Murilo Palmeira Chaves[1]


 “Sonhar é ilusão, o mundo inteiro diz. Porém, de ilusão vive a humanidade. Se existe a ilusão felicidade, eu quero me iludir para ser feliz! Uns dizem que a felicidade mil sonhos prediz. Outros a tem como futilidade. Eu, porém, na realidade, jamais vi desfeito os sonhos que já fiz!”.  SONHAR. Maria do Carmo Palmeira Chaves.
Não seria inteligente, nem muito menos sensato, em plena época de pleito eleitoral, (2014) redigir qualquer esboço teórico, a respeito de uma utopia para Alagoas. Nem muito menos tocar em temática como: Identidade, autoestima coletiva e as chagas sociais, que são seculares.  Mexer com parte das representações que simbolizam a síntese de um povo e seus pactos de poder, não é uma tarefa fácil. É bem verdade que escrever essas linhas, ainda que seja um comentário superficial, sem o rigor metodológico acadêmico, pode não ser bem vista e bem recebida tanto pela critica, quanto pelos envolvidos. Seja por omissão e receio de revanche, evitei durante anos tal tarefa. Talvez, foi minha lucidez e a maturidade acadêmica, que me fizeram romper o silêncio.  O ato de “pensar” em Alagoas, não é dos mais “salutares”. Digno dos mais audaciosos, corajosos e sonhadores. Assim, correndo o risco de “pensar” esbocei esse artigo. Pois, apreendi, com meu avo materno de saudosa memória, (Manuel Cícero Palmeira) que omissão é crime grave! E o medo é uma doença!
Deixamos claro aqui, que tal explanação estar posta, sem palanques políticos, ideológicos ou quaisquer interesses econômicos e pessoais. Não se visa aqui, destacar, atacar ou denegrir quaisquer que sejam. Muito menos exaltar, mistificar, qualquer vulto político, recente ou antigo. O leitor amigo, não verá nenhuma “tese”, questionamento, posicionamento nem propostas inéditas. Portanto, não encontrará quaisquer novidades, que não tenham sido vistas, comentada, apresentada ou explanada por outro questionador. Todavia, não temos a intenção de sermos uma “metralhadora giratória” dos prováveis “erros” seculares de nossa sociedade. Trata-se da opinião de um cidadão/historiador/ ser pensante/docente que é um formador de opinião. Diante dos problemas cotidianos, visíveis, invisíveis e gritantes, resolvi aderir o desafio de escrever essas poucas linhas. Mesmo que você caro leitor, não concorde inteiramente com os rumos deste texto, uma coisa é certa. Existe uma onda crescente de insatisfação, descredito, insegurança, e desestimulo com relação ao poder, e o gerenciamento da maquina pública. Tanto no tocante as necessidades, anseios e sonhos da coletividade, quanto no modelo representativo da democracia liberal. Faz tempo que o estado não é sensível aos apelos populares. Cá entre nós. Será que algum dia o foi?
Assim, os convido a acompanhar meu singelo raciocínio. Salvaguardando algumas mentes brilhantes em Alagoas. Falta-nos lucidez para compreender o que somos? De onde viemos e para onde vamos? Existe um “projeto de povo” construído e mantido durante séculos? Que projeto de povo somos nós alagoanos?
Parafraseando as palavras de Darcy Ribeiro, somos um resultado residual da nossa História. Desde inicio da ocupação e invasão do território alagoano, pelos europeus, sempre existiram “projetos para o futuro”. Projetos que na verdade mascaravam as intenções de dominação.  Escravizar o povo e conseguir capital, essa era a intenção. Viver do trabalho de outro, é o ideal máximo aristocrático alagoano, cuja reprodução é secular. Não se pode negar a influencia de uma cultura secular de mando/subserviência/dependência/submissão (cultura da dádiva) que convivem parte significativa da população nos 102 cidades do estado. Os que chamamos de “pobres” são na verdade os decentes dos excluídos pelos projetos individuais durante séculos. Seria exagero afirmar que o nosso “conservadorismo” politico ideológico prega que “não existe salvação fora do sistema de mando e subserviência”?
Vale salientar que não toquemos aqui, no fenômeno da concentração de riquezas atualíssimo, nem muito menos nas vinte poucas famílias que dominam a localidade.  O imperativo por essas bandas do mundo, sempre foi gastar e usufruir, desde as potencialidades humanas aos recursos naturais. Eis, que na verdade sempre fomos uma “feitoria lucrativa”. Enquanto a cada ano o numero de favelas, e sub moradias crescem assustadoramente, a violência urbana aumenta. O avanço do “narconegócio” evolui. A juventude é recrutada tanto para a dependência, quanto para o mercado de trabalho no submundo das drogas. Em Alagoas não existe nenhuma cabeça de boi abandona. Mas existem muitas crianças largadas à sorte! Desemprego, subemprego, pobreza, prostituição, alcoolismo e maltrato corroem a célula mate que é a família (parentesco, mito e rito). Reconfigurada, mudada e moldada sobre reflexo das injustiças da “modernidade liquida”. Não toquemos aqui em outras chagas como, por exemplo: Questão social, educacional, econômica, racial, indígena, agrária, habitacional das chamadas “minorias”.
No decorrer do tempo a maquina pública de Alagoas esteve a serviço e em prol e realização dos projetos privados. Sonhos individuais de riqueza e sucesso sempre prosperaram. Tais projetos de classe jamais foram os únicos. Muitos movimentos cujos sonhos coletivos que abalaram a vida provincial de Alagoas. A Confederação do Equador, a Cabanada, a revolução praieira. Seja das brigas dos antigos dos coronéis (Lisos e Cabeludos, por exemplo), á pistolagem atual de cada dia, Alagoas sempre foi um lugar violento. Guerras civis locais, tão bem estudadas e relatadas por intelectuais de peso como Dirceu Lindoso, e Sávio de Almeida entre outros.
Então seriamos uma das sociedades mais violentas do mundo? Seria a violência alagoana, também resultado das velhas lutas sociais? Seria a violência uma forma de legitimar as ações das elites? O alagoano é pacifico e passivo? Ate aonde vai à passividade? A história de cordialidade, mansidão, subserviência estaria escrita com o sangue dos oprimidos, dos vencidos e mortos de cinco séculos? Não se pode negar que o uso da violência estrema sempre esteve presente na vida social alagoana. Aos desavisados. Temos sim, muitas lutas, guerras e preitos historicamente marcados pela violência institucionalizada. Infelizmente, adquirimos o estereotipo no cenário nacional associado à violência e a corrupção. Alagoas sempre foi palco de conflitos e sua fama de terra violenta correu o país. No meu ponto de vista, as lutas pela posse dos meios de vida, deixaram cicatrizes no tecido social.  Sendo a violência uma delas. Nem iremos aqui traçar uma “cronologia da violência” no estado. Para tal, faço uma recomendação. Observem os trabalhos de Ruth Vasconcelos. Acredito que se faz necessário rescrever os livros didáticos, fazer novas leituras do passado, e mostrar o grito dos esquecidos. Nossa memoria coletiva existe muitos mitos errôneos.
A FORÇA DA UTOPIA
De onde reside a força e a motriz de uma utopia? O tempo da utopia acabou? Acabou a imaginação utópica? Onde estão as cabeças utópicas alagoanas? Seria utopia sonhar, em uma terra mais justa? Será que faltam na política nacional e local a criação de um sonho coletivo? De um projeto de povo, que rompa com as ilhas dos interesses pessoais e dos grupos fechados? Temos motivação para que nos orgulhemos de ser alagoanos? Somos motivo de chacota nacional? Temos lideranças políticas comprometidas com a população? Qual poder da utopia na transformação do mundo? 
Se o conceito de utopia já definiu muitos projetos de sociedades humanas perfeitas, hoje, precisamos nos contentar, com conteúdos bem mais modestos: “Um projeto politico concreto” para resolver questões atuais da sociedade alagoana.  Sabe-se que a força da utopia vem da imaginação dos insatisfeitos, dos marginalizados, da vontade de uma vida menos desigual, de um aparato total que ampare cuide dos seus filhos.
Quais as origens da utopia no pensamento e praticas humana? Suas origens repousam nos mitos da criação próprios do homem religioso. O utópico estava associado com as eras dos mitos e das religiões, em que os deuses e as forças da natureza mantinham o controle sobre a humanidade. Com o renascimento aparece a Utopia de Thomas Morus. Obra na época em que o pensamento racional e cientifico oferece autonomia e controle a espécie humana de seus destinos.
Vale salientar que a Utopia foi um país imaginário, criação de Thomas Morus, escritor inglês (1480-1535), onde um governo, organizado da melhor maneira, proporciona ótimas condições de vida a um povo equilibrado e feliz. Para Thomas More, utopia era uma sociedade organizada de forma racional, as casas e bens seriam de todas as pessoas, que passariam seu tempo livre envolvidos com leitura e arte, assim esta sociedade viveria em paz e em plena harmonia de interesses. Utopia é o nome da ilha inventada pelo inglês Thomas More, em 1516. Darcy Ribeiro afirmava que a obra teria sido inspirada nos relatos dos viajantes regressados do Brasil. Assim, caro leitor o paraíso era aqui!
Acompanhando o sentido de utopia na história podemos destacar as forças: Da ideia do direito divino dos reis, pondo fim ao período medieval.
A democracia liberal inventada pelos franceses e disseminada pelos americanos nasceu a partir de utopia Constitucional ou Institucional que atinge seu limiar nas revoluções burguesas – Industrial, Francesa, Religiosa e Americana. Encontrando no liberalismo uma antiutopia. Podem-se citar aqui os sonhos de Augusto Comte - com seu positivismo.  Ou as três matrizes do pensamento científico da sociologia clássica – Durkheim, Karl Marx e Max Weber – de se idealizar um modelo de sociedade.
Com a utopia de liberdade contra a escravidão e opressão que se construiu o Quilombo dos Palmares, aqui em nosso estado. Sonho destruído pelo paulista Domingos Jorge Velho em 1694. Do sonho abolicionista inglês, de criar um mercado consumidor na América, aconteceu a Abolição da escravidão no Brasil. Do sonho de jovens nacionalistas ocorre a “revolução” de 1964. Mas recentemente, em julho de 2013, o Brasil pode sentir o poder e a força de mobilização e comunicação das redes sociais – Facebook, WhatsApp, Google+, Tumblr entre outras. Convocados milhões foram às ruas em busca de um sonho em comum. Não vamos procurar mais exemplos na história para convencer o estimado leitor do poder transformador da utopia. Da necessidade faz nascer à utopia.  A força motriz de uma utopia reside na esperança de um lugar melhor. Na força mudança, em moldar, criar, idealizar um projeto de futuro.  Já dizia Santo Agostinho em a “Cidade de Deus” que povo consiste em um conjunto de pessoas racionais unidas por um sonho em comum. Assim, é preciso que as pessoas em Alagoas tenham um sonho em comum.
No sentido geral, o termo Utopia é usado para denominar construções imaginárias de sociedades perfeitas, de acordo com os princípios filosóficos de seus idealizadores. No sentido mais limitado, significa toda doutrina social que aspira a uma transformação da ordem social existente, de acordo com os interesses de determinados grupos ou classes sociais. Para que isso ocorra, se faz necessários que abandonemos nossos projetos mesquinhos, individuais, e fiquemos encantados pelo sonho absoluto de rescrever e redigir nossos destinos como povo.   Vale aqui ressaltar que a Lei da Ficha Limpa nasceu do sonho (“utopia”) e anseios populares. O leitor amigo via se indagar: Será que essa lei vai pegar?
UM PROJETO DE POVO?
Sem quaisquer provocações, ou desconstruções, faço as seguintes indagações: Será que a maior utopia alagoana é pensar que somos um “povo”? Temos autoestima? Sem querer provocar todos os intelectuais conterrâneos, temos orgulho bandeiras de Alagoas? Nossa bandeira tem história de lutas, pela liberdade, por ideais coletivos? Somos verdadeiramente um povo do ponto de vista de sonho coletivo? Antes de tudo, vou explicar meu posicionamento. Utopia é inventar, sonhar e projetar um estado, um país que se quer. Que se sonha! Que se precisa! Muitas vezes, tenho a sensação que ainda não somos um povo. Do ponto de vista de sonharmos coletivamente. É bem verdade que sou extremamente utópico. Parafraseando Rubens Alves, o maior defeito da política brasileira é que ainda “não somos um povo”! No sentido de possuirmos ideias coletivas. Tais quais levaram multidões as ruas em julho de 2013.
Qual seria a “saída” para alagoas? Os mais sarcásticos e gozadores falariam que a “saída” seria a rodoviária e o aeroporto zumbi dos palmares, ou as estradas estaduais e federais. Uma coisa é certa. Temos muitos talentos, capacidades e nomes de respeito em todas as áreas. Existem heróis anônimos trabalhando cotidianamente, transformando a realidade. Ainda acredito nas lições dos meus pais, dos meus avós, do meu tio de que vale a pena ser honesto. Ser bem sucedido não é ostentar um alto padrão de consumo e aparente sucesso. Ensinaram-me que o ser, a essência, vale mais do que o ter, capital, posses. Presamos ter orgulho, ter autoestima. Faz-se necessário melhorar nossa autoimagem. Deixemos o “complexo de coitadinho”, cuja ambiguidade crônica escode armadilhas. 
As classes privilegiadas sempre escrevem e rescrevem projetos para nós. Desde colonizador – enganando os índios mentindo que levariam estas aos céus e na verdade iriam ser vendidos, aos dias atuais. Se bem que existem aqueles que vendem um céu na terra. Ou a “teologia da prosperidade e da riqueza imediatista”.  O homem pós-moderno consumista, apaixonado pela novidade, não pode se dar o luxo de esperar um céu, no pós-morte. Hoje estar posto no mercado a venda até a esperança, o consolo, o apoio e a compaixão!
Nenhum povo sabe adivinhar o que será do seu futuro. Mas se pode esboçar e inventar um projeto para o futuro. Alagoas representa um povo novo mestiço, cuja matriz humana é repleta de potencialidades.  Nosso povo precisa sonhar! Temos de ter a coragem de nos questionar constantemente, abertos a observação minuciosa de nossas realidades, a luz de uma consciência coletivamente alagoana. Coisa que nossos sociólogos, antropólogos sempre fazem. Mas, todavia, poucos ouvem! Precisamos de novo passo para o futuro. Nossa bandeira maior deve ser o combate das nossas chagas socioambientais.  Combate à corrupção, ao analfabetismo, a subnutrição, ao saneamento básico, a um sistema de saúde público e gratuito de qualidade. Devemos levantar essa bandeira com dignidade, com honestidade a vida inteira. Eis uma grande bandeira de luta, abolir a corrupção! Não sejamos tolos de esquecer que existe uma odiosidade feroz, terrível, das velhas classes dominantes. Das dezenas que foram mortos e torturados.
De todos os traços culturais brasileiros, que são mais acentuados em nossa terra. Podemos citar: A concentração de poder; o personalismo; a postura de espectador o medo; O silêncio e a omissão. O “jeitinho” brasileiro se confunde com corrupção e é transgressão, porque ela desiguala o que deveria ser obrigatoriamente trado com igualdade.
Sou filho da contra revolução preventiva (cujo conceito repousa nas obras de José Paulo Netto) patrocinada pelos irmãos norte-americanos durante a histeria da guerra fria. Onde se temia que a fome no Nordeste, a fome no Brasil, levasse o País a toma-se um caminho socialista. Um golpe estrangeiro, financiado que souberam subordinar nossos generais, políticos e empresários em prol de um projeto de submissão da nossa nação aos interesses do grande capital mundial. 
Será que podemos falar em utopia diante da realidade brutal do mercado e do sistema desigual secular? Como satisfazer necessidades elementares do povo? Emprego, saúde, segurança, educação, cultura, lazer decentes e eficientes seria impossível? Como explicar Alagoas pós-moderna? Onde reside o clamor utópico do povo alagoano? Será que o povo alagoano deu certo? Quem deve ser administrador dos sonhos do povo alagoano? Como encontrar formula de organização social que privilegiem o coletivo?
Descrever nossa história marcada por absurdos gloriosos seria perceber a situação trágica do povo alagoano. Observa-se a ausência de sonho coletivo, um projeto unido o povo. Sempre existiram projetos para gastar o povo alagoano. Alagoas é um subproduto do mercado global, somando-se com as peculiaridades cruéis.  Não podemos negar nossas raízes e matrizes ameríndia e africana. Assim, em nossa memoria coletiva existem muitos mitos errôneos, que necessitam ser corrigidos.
Hipotecam nosso futuro, nossas possibilidades. Roubaram nossos sonhos! Sempre produzimos açúcar para adoçar a boca do mundo! Enquanto as nossas estão amargas. A meu ver, a questão da identidade associada a uma utopia coletiva é um dos maiores desafios.
Faço uso das palavras de Gregory Claeys “para prover maior continuidade a nossas breves vidas, imaginamos passados e futuros que se ajustam na narrativa do presente que consideramos mais confortante. Quando nossas vidas neste mundo se deterioram ou são ameaçadas, reagimos cultivando um sentido reforçado de harmonia familiar e identidade étnica, nacional e/ou religiosa”.
Graças ao Professor Luiz Sávio de Almeida, eu conheci às três leituras fundamentais para o entendimento da nossa formação histórica, política, social e econômica. As obras de Caroatá, Dias Cabral, Pedro Nolasco Maciel. Além de Wenceslau de Almeida, João Ferro, Francisco de Paula Leite e Oiticica e Théo Brandão, e tantos outros.
Tive o privilegio de ler ao longo da minha formação acadêmica, os teóricos clássicos que buscaram o entendimento das nossas raízes. Dos quais posso citar: Gilberto Freyre, Manuel Diégues Júnior, Florestan Fernandes, Celso Furtado, Sergio Buarque de Holanda, Victor Nunes Leal, Luiz da Câmara Cascudo, Roberto DaMatta, José Murilo de Carvalho entre tantos outros. Vejo quase sempre os estudiosos da realidade alagoana. Nomes dos quais gostaria de aqui citar: Manuel Correia de Andrade, Moacir Medeiros de Sant'ana, Douglas Apratto Tenório, Dirceu Lindoso, Luiz Sávio de Almeida, Élcio Verçosa, Sebastião Palmeira, Fernando José de Lira, Cícero Péricles, Luiz Antônio Palmeira Cabral, Alberto Saldanha, Araken Alves de Lima, Cícero Ferreira de Albuquerque, Amaro Hélio Leite da Silva, Jair Barbosa Pimentel, Ruth Vasconcelos, Elaine Pimentel, Leda Almeida, José Roberto dos Santos Lima, Lana Palmeira, José Ferreira Azevedo, Ana Cláudia Laurindo, Ivo Tonet, Sérgio Lessa,                Belmira Magalhães, Arrisete Costa, entre tantos outros estudiosos, que por esquecimento e omissão deixo de citar aqui. Não poderia de deixar aqui de agradecer aos meus pais. Agradeço pela formação baseada na retidão, honestidade e humanidade. Do meu pai (Murilo) herdei o senso critico a generosidade e a curiosidade inteligível. Da minha mãe a doçura da empatia, sensibilidade, caridade e amor ao próximo. Do meu Tio Dr. Sebastião Palmeira a abertura para a intelectualidade. A coragem de se impor, vencer desafios, e sempre trilhar no caminho da retidão. Vale apena ser honesto!
No mestrado em Administração apreendi a sonhar com os pés no chão. Devemos estimular nos jovens o senso de liberdade, de democracia e de criatividade cultural. Se não tivemos um sonho comum, jamais teremos condições de se criar a Alagoas potencia regional. Se não tivermos um sonho, não teremos um estado grandioso. Certa vez, um grande amigo, professor Wiliton Alcântara me disse: “Jamais se deve criticar apenas por criticar. Desconstruir apenas por descontruir. O dever de quem aponta erros é apontar caminhos e modelos a ser seguido”. Mas, deixemos as lamentações e partamos para a realidade. O que deve ser feito, mudado, aperfeiçoado, melhorado, construído.
A pobreza alagoana dos não privilegiados nasceu na idade medial, ibérica luso-espanhola, e atravessou a atlântico, resistindo ao tempo e chegando a atualidade. A sociedade alagoana nasce e se conservam recheada de conflitos, contradições. Em todos os tempos (na Alagoas Colonial, Imperial, Republicana ou na Pós-moderna) manter o poder sempre foi um dogma. Hoje não seria diferente. Quanto ao “resto” da população, salve-se quem puder!  As terras de Alagoas sempre representou a utopia de uma lugar do enriquecimento fácil. Desde século XVI até hoje com os salteadores do poder.
 Por fim, para encerrar as essas linhas, uso as com as palavras do historiador, poeta, escritor Dirceu Lindoso, uma lenda viva. “Houve uma riqueza de poucos e uma pobreza de muitos. Esse foi o jeito que encontramos de criar Alagoas. Pois é bom que se diga: Alagoas nasceu de uma grande paixão. A paixão pela vida, a paixão pela morte. A paixão pela riqueza, a resignação pela pobreza. E, desculpe-me o orgulho do nosso antigo Pernambuco, pelas escolhas que fizemos na História. Alagoas é terra mater”.











segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Contra-revolução permanente e manutenção da condição dependente no Brasil - Gustavo Pinto de Araújo

Contra-revolução permanente e manutenção da condição dependente no Brasil

Permanent Counter-revolution

and maintenance of dependent condition in Brazil


Gustavo Pinto de Araújo Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Catarina

Resumo:

Este artigo objetiva descrever algumas das estratégias contra-revolucionárias utilizadas pelas elites
dominantes em momentos históricos decisivos, isto é, aqueles momentos em que a ordem estabelecida é posta em xeque. A contra-revolução atua com a finalidade de conservar o status, mesmo admitindo alguma mudança superficial. Posteriormente, relaciona-se essa aversão à mudança com a manutenção da ordem. Caracterizamos a ordem em questão como a ordem da dependência que tem raízes no desencadeamento de processos civilizatórios e nas vias contemporâneas de atuação do imperialismo. Conclui-se que o impedimento contra-revolucionário da mudança estrutural e a conseqüente manutenção da condição dependente resultam em uma democracia restrita e frágil.

Palavras-chave: Contra-revolução. Dependência. Processos civilizatórios. Imperialismo. Democracia.


Abstract:

This article aims to describe some of the counter-revolutionary strategies used by dominant elites in
decisive historical periods, that is, those moments when the established order is put into question. The counter-revolutionary operates in order to preserve the status, even admitting some superficial change. Later, this aversion to change is related to the maintenance of order. We characterize the order in question as the order of dependency that has roots in the development of civilizing processes and ways of contemporary imperialist action. We conclude that the impediment of counter-revolutionary structural change and consequent maintenance of dependent status result in a limited and fragile democracy.

Keywords: Counterrevolution. Dependence. Civilizing processes. Imperialism. Democracy.


Originais recebidos em: 17/05/11 Aceito para publicação em: 16/08/11

image
Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso Não- Comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported License.

Introdução 1


Historicamente as revoluções são responsáveis por inaugurar novas eras, transgredir os limiares que separam o passado e o futuro, romper a fronteira entre aquilo que se decompõe e o que floresce. Mais cedo ou mais tarde o que é sólido se desmancha, é assim no campo das artes, das ciências e das formações sócio-culturais. Num constante embate contra o que está posto os agentes revolucionários e os movimentos revolucionários constroem novas formas de interpretar o mundo e seus fenômenos e estabelecem novas maneiras de agir e se relacionar com a realidade. A revolução é, portanto, a regra e não a exceção. A revolução é o impulso que transforma o mundo num momento em que a realidade é colocada em xeque. Nesses períodos críticos, a disputa de forças entre grupos favoráveis e contrários a mudança tem sua intensidade elevada e decidirá a formação do futuro. Não raramente as forças reacionárias vencem o confronto e então podemos dizer que toma forma a contra- revolução. E se analisarmos a história brasileira veremos que uma contra-revolução tomou e toma forma permanentemente.
A contra-revolução no Brasil é o resultado prático da formação histórica brasileira, fundada na extrema desigualdade e sujeição e, do ponto de vista elitista, no coerente rechaço às manifestações libertárias das classes dominadas. De certa forma a contra-revolução é uma necessidade aos detentores do poder e, assim, uma ferramenta de exceção que se transforma em regra, podendo ser utilizada de diversas maneiras de acordo com a conveniência ou o nível de exigência do momento histórico.
A contra-revolução permanente é, portanto, o movimento composto por uma série de estratégias criadas e utilizadas pelas elites em cada período crítico que resulta na manutenção da ordem. Apegadas a ordem que lhes privilegia e da qual sobrevivem, as elites têm uma compreensível repugnância à mudança, afinal, está em jogo a derrocada de todo o seu mundo. Qualquer possibilidade ou tentativa de revisão mesmo que conjuntural da ordem é encarada como um escândalo, um absurdo a ser
prontamente descaracterizado e interrompido2. No mesmo sentido, Karl Marx,

analisando como o partido da ordem se uniu contra a classe proletária durante as

image
  1. Este artigo é a adaptação de um capítulo do Trabalho de Conclusão de Curso defendido no Curso de Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina.
  2. “Bertold Brecht notou que vivemos numa época em que parece crime discutir sobre uma árvore. Desde então, as coisas pioraram muito. Hoje, parece crime falar meramente sobre mudança, enquanto a sociedade em que vivemos é transformada numa instituição de violência” (MARCUSE, 1981, p. 128).
    “jornadas de junho” na França em 18483, conclui que mesmo as reformas circunscritas aos limites da ordem burguesa são vistas como um terrível atentado. “Qualquer reivindicação da mais simples reforma financeira burguesa, do liberalismo mais vulgar, do republicanismo mais formal, da democracia mais trivial, é ao mesmo tempo castigada como „atentado contra a sociedade‟ e estigmatizada como „socialismo‟” (MARX, 2008, p. 219).
    A contra-revolução permanente é como uma barragem que se ergue para conter ou alterar o avanço de um rio. Sob o risco de ruir, nenhuma gota d‟água poderá passar a não ser quando autorizada por aqueles que gerenciam sua vazão. Os “de cima” manobram constantemente para prevenir a eventualidade de um abalo na “tradição” de concentração do poder (FERNANDES, 2007, p. 89). As classes dominantes, para além de suas divergências superficiais, concordam num ponto essencial: “impedir que as massas populares se organizem, reivindiquem, façam política e criem uma verdadeira democracia (KONDER apud IANNI, 1989, p. 126). Porém, como diria Florestan, “quanto mais água agarram, mais água escapa-lhes pelos dedos” (FERNANDES, 2007,
    p. 86). Uma contra-revolução, não obstante, sua permanente tentativa de barrar a mudança, não pode vencer todas as batalhas e nem durar para sempre. A vitória revolucionária também ocorre e significa a emergência de uma ruptura histórica.
    Uma contra-revolução em curso lança mão de diversas estratégias que resultam na manutenção da ordem não obstante a mudança superficial. Neste artigo trataremos de descrevê-las, traçando a seguir um panorama da ordem que se mantém apesar das mudanças. Trata-se de compreender que, em face de um potencial transformador da ordem surgido pelo que genericamente podemos chamar de “situações revolucionárias”, as elites manobram permanentemente para manter as estruturas que as sustentam. O resultado dessa contra-revolução, aliado aos estruturais processos civilizatórios e a atuação imperialista moderna, é a formação de uma condição dependente, isto é, a formação e reprodução de uma sociedade capitalista sui generis.

    image
  3. Insurreição dos operários de Paris em junho de 1848, esmagada pela burguesia francesa. Marx analisa esse período de insurreições e contragolpes na França em textos como: As lutas de classes na França – de 1848 a 1850A Guerra Civil na FrançaO 18 Brumário de Luís Bonaparte.

    A contra-revolução permanente: conciliação e autoritarismo desmobilizador


    A contra-revolução permanente engloba um conjunto de estratégias elitistas de manutenção da ordem que se formam e são postas a prova nos momentos em que a insurreição dos grupos dominados ou a revolta das elites dissidentes adquirem força suficiente para contestar estruturalmente o status quo. Cada situação reformista ou revolucionária possui a sua correspondente resposta contra-revolucionária. Michel Debrun (1983) agrupa essas respostas em dois grandes arquétipos que se revezam ou se unem no papel de contenção da ordem: a “conciliação” e o autoritarismo desmobilizador. A “conciliação” é a capacidade de aliciar sem esmagar (DEBRUN, 1983, p. 44). É a estratégia preferível em todas as situações, pois alcança o objetivo sem derramar sangue e ainda conta com a capacidade de dissimular a real intenção dos conciliadores. A conciliação é sempre colocada por Debrun entre aspas porque, de fato, não se trata de uma conciliação. Esta supõe equilíbrio e simetria entre os envolvidos, o que não reflete a realidade de um país atravessado pelo hiato entre dominantes e dominados. A “conciliação” é, ao menos aparentemente, a imposição suave do interesse elitista. A tendência a conciliação no Brasil não existe em função da “boa índole do brasileiro” ou da “cordialidade de nossa gente”. Existe justamente em função do “grande hiato econômico, social, cultural e político que, desde os primórdios, separou os grupos dominantes e as camadas subalternas” (DEBRUN, 1983, p. 51). De acordo com Florestan Fernandes,

    a conciliação é, em si e por si mesma, contra-reforma, o expediente para banir e excluir a reforma social da história viva [...] A conciliação pressupõe a resistência à mudança e algo ainda mais complexo, que é a esterilização da mudança. Ela só endossa a mudança „neutral‟, a mudança destituída de conteúdo reformista e revolucionário. (FERNANDES, 1986, p. 70-71).

    A “conciliação” pode ser vista como uma estratégia de cooptação de certos grupos ou indivíduos dominados pelos dominantes. “Um mecanismo que, mediante certas vantagens ao pólo mais fraco, consolida a posição do pólo forte” (DEBRUN, 1983, p. 124). Segundo Debrun, a cooptação cumpre a função de alargar a base social do poder político quando esta não pode mais ficar reduzida à própria elite. Os cooptados, por sua vez, são os sócios caudatários do poder (Idem, p. 137). Disfarçados sobre insígnias populares que mascaram a cooptação, muitos governos e movimentos passam a representar os interesses dos poderosos e das classes dominantes.

    A contra-revolução pode acontecer através da formulação de um interesse universal. Isso ocorre quando numa disputa intra-classes dominantes, uma das classes consegue cooptar as classes dominadas e colocar seu interesse particular como interesse universal. Isso foi o que ocorreu na Revolução Francesa. O interesse exclusivamente burguês de derrubar o rei e conquistar o poder foi estendido às massas pobres. Após a revolução o interesse temporariamente universal volta a ser um interesse de classe e o proletariado volta a se confrontar com a burguesia. A burguesia passa a barrar os avanços que representam os anseios do povo, mas que inexoravelmente se chocam com os seus. O “interesse universal” que se cria em torno de um momento decisivo, unindo frações de classes dominantes com as classes dominadas, é ruído logo após a resolução do impasse. Dissimulando seus reais interesses e forjando uma união de classes em torno de “objetivos comuns”, as elites dominantes conseguem convenientemente
    promover as mudanças até o ponto em que lhes são necessárias4.

    A contra-revolução também se manifesta pela solução gradual de conflitos. O gradualismo é a maneira mais eficaz para estancar a espontaneidade, a força subversiva e o alcance transformador que possuem determinados movimentos históricos. Consiste na tarefa de incorporar à ordem, aos poucos e com zelo, as pautas postuladas pelos movimentos rebeldes ou reformistas. O potencial transformador é então cozido lentamente em banho-maria e o processo reformista ou revolucionário resulta em mudancismo. Ao adotar a lógica do “conservar-mudando” o Brasil é um país que desconhece a revolução, pois nas transições o moderno não perde o compromisso com o passado (VIANNA, 1996). De acordo com Florestan “a solução gradual não leva a nada. Ela só é efetiva para os que comandam, que podem usar o gradualismo para aperfeiçoar as suas técnicas de dominação e para intensificar a eficácia dos meios de que dispõem para atingir os seus fins egoístas” (FERNANDES, 1989, p. 53). Ganha-se tempo e absorve-se o que há de mais radical num movimento através da cedência e da concessão. Por fim, faz-se a mudança apenas quando a ordem é capaz de absorvê-la sem prejuízos a sua estabilidade, afinal a arte da contra-revolução se resume em ceder no âmbito, na amplitude e no tempo preciso. Caio Prado Junior resumiu muito bem essa
    image
  4. Marx e Engels expõem esse tema em A Ideologia Alemã: “Toda nova classe que toma o lugar de outra que dominava anteriormente é obrigada, para atingir seus fins, a apresentar seu interesse como o interesse comum de todos os membros da sociedade, quer dizer, expresso de forma ideal: é obrigada a dar às suas idéias a forma da universalidade, a apresentá-las como as únicas racionais, universalmente válidas [...] Ela pode fazer isso porque no início seu interesse realmente ainda coincide com o interesse coletivo de todas as demais classes não-dominantes e porque, sob a pressão das condições até então existentes, seu interesse ainda não pode se desenvolver como interesse particular de uma classe particular”. (grifo do autor) (2007, p. 48-49).

    estratégia de conservação do poder ao dizer que “uma reforma qualquer, quando não é compreendida como simples etapa, mero passo preliminar para ulteriores reformas mais amplas e completas, torna-se em força da reação” (1994, p. 178). Isto é, embora necessária, a reforma que não anda acompanhada da revolução acaba por atenuar as pressões contrárias à ordem. Para Honório Rodrigues as reformas foram sempre a via inerte da caminhada brasileira. As elites políticas não têm como base programas políticos, mas sim fins imediatos e no fundo visam sempre a “abrandar os conflitos, realizar reformas formais, evitar as estruturais e ganhar tempo para as elites e perdê-lo para o povo e a nação” (RODRIGUES, 1965, p. 65). Na verdade, muitas vezes é preferível para a elite fazer a reforma no parlamento antes que o povo a faça nas ruas. Essa questão é resumida na clássica frase de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1870- 1946), então presidente do Estado de Minas Gerais, “Façamos a Revolução, antes que o povo a faça” (citado em RODRIGUES, 1965, p. 91).
    A contra-revolução permanente pode ser preventiva ou não. Grosso modo, ela é preventiva quando segue a linha prescrita acima por Antônio Carlos de Andrada. Significa prevenir uma ameaça maior através da antecipação ao recrudescimento de um movimento contestatório. A metáfora, “vão-se os anéis, ficam-se os dedos”, cabe perfeitamente aqui. Em troca de algum ponto cedido a ordem é mantida, atualizada sem deixar de manter seu vínculo com o passado. Porém quando a “conciliação” não surte efeito e as classes dominantes não conseguem antecipar o movimento reformista ou revolucionário resta ainda uma última saída. A repressão direta e violenta é a solução mais dramática, e não menos utilizada, que ocorre eventualmente em face de uma
    “emergência5”. Debrun (1983) chama essa forma contra-revolucionária de

    autoritarismo desmobilizador. Ocorre quando, do ponto de vista dos “de cima”, o grau de organização das massas, lideradas ou não por uma vanguarda partidária, atinge um nível considerado ameaçador, chegando mesmo a ameaçar o governo e a presidência de um país. Para Ianni (1985) quando há um ascenso geral do povo no processo político; quando ocorre a metamorfose da massa em classe; quando a massa, o povaréu, começa a sentir-se, compreender-se e atuar como classe, é a hora em que a contra-revolução atua (1985, p. 90-91). Chega o momento em que o avanço democrático, mesmo que seja

    image
  5. “O autoritarismo deve permanecer latente, constituir um horizonte, uma ameaça em última instância. Ele é respirado no ar, mas só de quando em vez se cristaliza em pressões explícitas ou ações fulminantes” (DEBRUN, 1983, p. 75).
    o mais burguês dos avanços democráticos, “precisa” ser detido6. Em face desses avanços, grande parte da sociedade se torna suspeita aos donos do poder. Nestes casos o golpe de Estado é a prática preferida pela contra-revolução e o totalitarismo começa a atuar para trazer tudo de volta à “normalidade”. O Chile de Salvador Allende e da Unidade Popular talvez seja o exemplo mais claro e ao mesmo tempo mais cruel do autoritarismo desmobilizador. O autoritarismo pode ainda ser utilizado sob a absurda e preconceituosa alegação de que existe uma incapacidade do povo em se autogovernar ou para “proteger” a sociedade dela mesma. Entre outras, essa alegação foi largamente utilizada como “justificativa” ao golpe civil-militar de 1964 no Brasil.
    No plano internacional ocorre o mesmo processo contra-revolucionário. A atuação das potências mundiais é direcionada com o fito de deslegitimar e violentar direta ou indiretamente qualquer ensaio de organização contrária aos seus ditames. Ianni (2004) fala na existência de uma diplomacia total que pressiona, exige, bloqueia, desestabiliza, intervém e destrói governos e regimes políticos alternativos a ordem mundial estabelecida. Ianni cita e analisa diversos casos em que a contra-revolução, liderada sempre pelos EUA, suas instituições e seus aliados, agiu com sucesso e impediu a formação de regimes alternativos. O Irã em 1953 para depor o governo nacionalista; a Guatemala em 1954 para depor o presidente Arbenz; no Congo em 1961 para assassinar o presidente eleito democraticamente; no Brasil em 1964; no Chile em 1973 para assassinar o presidente Allende; na Nicarágua em 1989; além do longo bloqueio à Cuba com a intenção de desestabilizar e mutilar o governo socialista. As razões apresentadas para as intervenções são as mais variadas, mas repetidamente se escoram na “defesa da democracia e da liberdade”. Na verdade, o que está em jogo é a reprodução ampliada do capital que se expande através de territórios e fronteiras, povos e nações, culturas e civilizações (IANNI, 2004, p. 260). Do mesmo modo, segundo Marcuse (1981) “a defesa do sistema capitalista exige a organização da contra- revolução interna e externa”, sendo esta desencadeada “contra tudo o que seja rotulado de „comunista‟ ou que se revolte contra governos subservientes dos países imperialistas” (1981, p. 11). Marcuse descreve como o governo Nixon (1969-1974) fortaleceu a organização contra-revolucionária da sociedade em todas as direções, transformando as forças da lei e da ordem em uma força acima da lei (Idem, p. 32). A

    image
  6. “Diante dos freqüentes movimentos de ascenso popular, na cidade e no campo, as classes dominantes respondem com a violência. Nem as conquistas democráticas básicas da própria burguesia são preservadas. Nesse sentido, há uma contra-revolução burguesa que atravessa essa história” (IANNI, 1985, p. 20-21).

    contra-revolução, no âmbito internacional, é a estratégia do império para manter a ordem que lhe é conveniente. A atuação da diplomacia total é o próprio imperialismo, tema que abordaremos adiante.
    No Brasil, muitos foram os momentos históricos decisivos em que a ordem foi posta em xeque. Todavia, um xeque, por melhor que seja montado, não é o mesmo que um xeque-mate. Lançando mão do gradualismo, da reforma inoperante, da “conciliação”, da cooptação, da prevenção e antecipação, da repressão diretamente violenta, etc., as elites promoveram permanentemente a contra-revolução e como resultado obtiveram a manutenção da ordem. O discurso conciliador de propor mudanças graduais e “seguras” é recorrente. Se analisarmos o discurso de um parlamentar conservador na década de 1880 (em pleno processo de Abolição da Escravidão) e de outro na década de 1980 (processos de Redemocratização), veremos que não há diferenças substanciais. Num e noutro veremos o temor, o escândalo, o medo da “ruína do país” em face do intumescimento dos avanços das massas populares que adquirem consciência de si enquanto classe explorada. É assim que libertar o ventre escravo ou legitimar o direito de greve são vistos como ameaças a ordem. E de fato são. Forma-se no Brasil a tradição de interromper os processos revolucionários antes que eles resultem em ganhos para as massas oprimidas e mais humildes. Uma rigorosa repugnância a mudança, um medo da destruição da sociedade do privilégio e da construção da sociedade igualitária. O costume de tratar o povo como estorvo e como caso de polícia, mantendo-o distante da participação e do exercício do poder.
    Apesar do exposto acima, não negamos a existência de mudanças na sociedade brasileira e a passagem de um a outro regime político-social. Porém, graças a utilização de estratégias de conservação da ordem as mudanças foram sempre reprogramadas em função dos interesses elitistas. Para Debrun (1983, p. 145) as mudanças ocorridas nunca abalaram profundamente a estrutura de autoridade em si, isto é, o hiato entre dominantes e dominados. A mudança se limitou a redefinir periodicamente os donos do poder. Apesar das mudanças existentes, “nenhum grande movimento brasileiro foi levado às suas consequências práticas, com reformas estruturais” (RODRIGUES, 1965,
    p. 67). É essa permanência que procuramos evidenciar7. Uma permanência perversa que

    image
  7. São diversos os exemplos históricos concretos que ajudam a compreender e aplicar o arcabouço conceitual ora utilizado. Em trabalho anterior (ARAUJO, 2010), mostramos como a contra-revolução e a posterior manutenção da ordem agiram em momentos decisivos da história brasileira como nos processos de Abolição da Escravatura e de Redemocratização pós-golpe de 1964.

    mantém a ordem apesar de uma possível mudança; mantém o Brasil enfim em sua condição dependente.

    A condição dependente: processos civilizatórios e imperialismo


    No item anterior descrevemos algumas das motivações e estratégias utilizadas pela contra-revolução para criar os mais diversos obstáculos à concretização de mudanças estruturais no quadro sócio-econômico brasileiro. Vimos também que o resultado imediato da contra-revolução é a manutenção da ordem à qual estamos submetidos enquanto nação. Mesmo acreditando ter deixado subentendido que a ordem mantida é a ordem capitalista dependente e privilegiadora das classes dominantes em cada momento histórico é preciso detalhar suas características. Tratar adequadamente o tema exige a exposição da articulação desta ordem com a questão do imperialismo e, por sua vez, as consequências de sua manutenção.
    Falar na condição dependente brasileira implica localizar o Brasil numa divisão internacional do trabalho. Montada há séculos, essa divisão hierarquiza a forma como cada país participa da acumulação capitalista em escala mundial. Resultado da acumulação primitiva, essa hierarquização estabelece que alguns países se desenvolvam de maneira autônoma e outros de maneira dependente. Os mecanismos que permitem essa ordenação entre países centrais e periféricos se reproduzem de maneira contínua desde o século XVI e têm sua base no domínio de tecnologias avançadas capazes de dotar o país que as possui de vantagens extraordinárias em termos de acumulação capitalista e poderio militar. Assim, a condição dependente não é uma questão de indicadores sócio-econômicos. Não é pelo nível maior ou menor de violência, educação, corrupção, saúde, emprego, renda e mesmo de miséria e ausência de direitos existente entre os países, que se configura a dependência. Essa é a aparência do fenômeno, seu resultado imediato e os problemas sociais não são exclusivos das regiões periféricas. A dependência é configurada por questões mais estruturais que dizem respeito às revoluções tecnológicas e às possibilidades que determinadas formações sócio-culturais adquirem de impor processos civilizatórios.

    Os processos civilizatórios


    Foi Darcy Ribeiro (1998) quem montou tipologias e um quadro conceitual para explicar a história da humanidade como uma sucessão de revoluções tecnológicas. O domínio sobre essas revoluções resulta na capacidade de algumas nações despertarem processos de aceleração evolutiva e, a partir daí, subjugarem ou incorporarem outras nações ao seu processo civilizatório. Darcy classifica as civilizações de acordo com o grau de eficácia que alcançaram no domínio da natureza. Esse grau de domínio não significa a “barbárie” de alguns povos e o “progresso” de outros. Diz respeito apenas à capacidade de dominação que uma formação sociocultural terá sobre outra, visto que o domínio sobre a natureza implica no desenvolvimento de uma base tecnológica que corresponde ou influencia padrões de organização social e moldes de configuração ideológica (RIBEIRO, 1998, p. 40). A evolução sociocultural, isto é, as mudanças nos sistemas adaptativos, associativos e ideológicos das formações socioculturais, é desencadeada pelo impacto de sucessivas revoluções tecnológicas sobre as sociedades concretas (Idem, p. 51 a 53). Não nos cabe explicar porque as revoluções tecnológicas ocorrem, basta compreender que as inovações introduzidas alteram as potencialidades produtivas e militares das sociedades humanas e algumas dessas sociedades as experimentam de maneira direta, enquanto outras, de maneira reflexo-mimética. A cada revolução tecnológica podem corresponder um ou mais processos civilizatórios que alteram as condições materiais e socioculturais das sociedades que as vivenciam (Idem,
    p. 59-60). Os processos civilizatórios se propagam e se cristalizam em civilizações que organizam suas áreas de influência e de dominação territorial a partir de centros metropolitanos. A propagação de uma civilização se choca com a existência de outras formações socioculturais. Raramente resolvidos de maneira diplomática, esses choques tendem a se resolver por guerras e incorporações dos perdedores como áreas dependentes da sociedade “civilizadora”. O despertar de uma revolução tecnológica se traduz em uma aceleração evolutiva, conceito que designa “os processos de desenvolvimento de sociedades que renovam autonomamente seu sistema produtivo e reformam suas instituições sociais no sentido de transição de um a outro modelo de formação sociocultural, como povos que existem para si mesmos” (grifo meu) (Idem, p. 69). Essa aceleração autônoma tem como contrapartida processos de incorporação histórica, que “conduzem fatalmente ao estabelecimento de relações de dependência entre a sociedade reitora e a sociedade periférica, sujeita à ação reflexa” (Idem, p. 70).

    A modernização reflexa acarreta em perda de autonomia e mesmo risco de desintegração étnica e aculturação, pois as sociedades incorporadas são engajadas compulsoriamente em sistemas tecnológicos e culturais estranhos aos seus.
    Um processo civilizatório, portanto, hierarquiza as formações socioculturais em pólos distintos de um mesmo processo. A autonomia e a dependência são formas coetâneas de existência sociocultural, não implicando em etapismos8 ou fases do desenvolvimento. Não existe uma relação dualista entre nações, mas sim uma composição dialética em que a aceleração evolutiva desencadeada pelo domínio de uma revolução tecnológica permite a dominação e subjugação de povos que ocupam a
    posição periférica do sistema e sofrem as consequências dela decorrentes. Em síntese, por um lado, “os processos civilizatórios são movidos por revoluções tecnológicas que privilegiam os povos que primeiro as experimentam, ensejando-lhes condições de expansão como núcleos de dominação”; por outro lado, perdendo o comando do seu destino e condenados à subjugação e à dependência, os povos atingidos pelos mesmos processos civilizatórios, através de movimentos de incorporação histórica, vêem estritamente condicionado todo seu desenvolvimento ulterior (RIBEIRO, 1998, p. 77). Os conceitos de processo civilizatório, aceleração evolutiva, incorporação histórica e modernização reflexa formam, dessa maneira, as condições de existência e de interpretação do imperialismo e da dependência. Ambos são processos coetâneos e esta aparece como resultado periférico daquele.
    Mas se o imperialismo é iniciado graças ao domínio de uma revolução tecnológica e ao espraiamento de um processo civilizatório correspondente (processo esse que, a partir do século XVI, tornou-se conhecido como acumulação mundial capitalista), como é possível explicar a sua reprodução, isto é, caracterizar a sua permanência no mundo contemporâneo? São ao menos quatro as vias de ação do imperialismo. As vias produtiva, militar, midiática e institucional.

    image
  8. “Os povos desenvolvidos e subdesenvolvidos do mundo moderno não se explicam como representações de etapas distintas e defasadas da evolução humana. Explicam-se [...] como componentes interativos e mutuamente complementares de amplos sistemas de dominação tendentes a perpetuar suas posições relativas e suas relações simbióticas como pólos do atraso e do progresso de uma mesma civilização” (RIBEIRO, 1998, p. 71).

    As vias contemporâneas de atuação do imperialismo


    Como já mencionado, a produção capitalista se divide de forma desigual entre as regiões do globo. Nos países centrais é onde ocorre o impulso inovador, o design e marketing dos produtos, o planejamento estratégico das empresas, as etapas produtivas com melhor remuneração da força de trabalho e onde estão localizadas as sedes empresariais e conseqüentemente o estabelecimento das regras de conduta dos grandes conglomerados empresariais contemporâneos. Dos países centrais partem, portanto, as últimas revoluções tecnológicas e seus processos civilizatórios complementares. Nos países periféricos encontram-se as fases produtivas com piores níveis de remuneração da força de trabalho e onde ocorre geralmente o processo de montagem dos produtos, sem domínio tecnológico e sem participação nas decisões de design e venda dos produtos. Sem dúvida existem grandes empresas nos países periféricos, porém, não aquelas que operam na fronteira tecnológica. A tabela 1 abaixo exibe a lista das vinte maiores empresas da América Latina. Pelo setor de atuação podemos observar que a periferia do capitalismo não domina a revolução tecnológica contemporânea, mas sofre suas consequências de modo dependente. Os países periféricos ainda são líderes nas produções que remontam às revoluções tecnológicas agrícolas e industriais de séculos passados.

    Tabela 1. As 20 maiores empresas da América Latina:


    RANKING
    EMPRESA
    PAÍS DE ORIGEM
    SETOR
    1
    Petrobras
    Brasil
    Petróleo/Gás
    2
    Pemex
    México
    Petróleo/Gás
    3
    PDVSA
    Venezuela
    Petróleo/Gás
    4
    Pemex Refinación
    México
    Petróleo/Gás
    5
    Petrobras Distribuidora
    Brasil
    Petróleo/Gás
    6
    América Móvil
    México
    Telecomunicação
    7
    Vale
    Brasil
    Mineração
    8
    Ultrapar
    Brasil
    Petróleo/Gás
    9
    Walmart de México
    México
    Comércio
    10
    Odebrecht
    Brasil
    Multissetor
    11
    JBS-Friboi
    Brasil
    Agroindústria
    12
    Ecopetrol
    Colômbia
    Petróleo/Gás
    13
    Techint
    Argentina
    Siderurgia/Metalurgia
    14
    Telemar
    Brasil
    Telecomunicação
    15
    Comisión Federal de Eletricidad
    México
    Energia Elétrica
    16
    Grupo Votorantim
    Brasil
    Multissetor
    17
    Eletrobras
    Brasil
    Energia Elétrica
    18
    Gerdau
    Brasil
    Siderurgia/Metalurgia
    19
    Cemex
    México
    Cimento
    20
    Femsa
    México
    Bebidas

    Fonte: Revista América Economia Brasil – 500 maiores empresas da América Latina. Nº 389 – Julho/2010.

    Evidentemente, essa divisão internacional do trabalho é fruto de processos históricos que remontam à acumulação primitiva e ao domínio das sucessivas revoluções tecnológicas e processos civilizatórios por parte dos países centrais. Essa formação desigual não é fortuita e não pode ser alterada por uma “aceleração do crescimento” nos países periféricos. O fato de os países centrais dominarem as tecnologias de ponta em cada período histórico tem como resultado a reprodução de sua posição privilegiada na economia mundial e suas possibilidades de impor interesses aos demais países. Esse domínio tecnológico por parte dos países centrais é facilmente verificável, entre outros meios, através do acompanhamento constante de jornais e revistas. Em nossa pesquisa podemos observar que as empresas líderes nos setores de fronteira tecnológica são sediadas nos países centrais (tabela 2). Nos setores de fármacos, biotecnologia, eletrônica, química fina, entre outros, o domínio é completo. Do mesmo modo, o ranking das empresas que mais investem em pesquisa e desenvolvimento é liderado por empresas de países centrais pertencentes em sua maioria aos ramos localizados na fronteira tecnológica (tabela 3).

    Tabela 2. Empresas líderes em ramos de tecnologia avançada:


    EMPRESA
    PAÍS DE ORIGEM
    OBSERVAÇÕES
    FONTE

    Nokia

    Finlândia
    Lidera o mercado mundial de celulares com
    40% das vendas totais
    Valor Econômico
    – 17/06/2010

    Nokia Siemens
    Joint Venture da
    finlandesa Nokia com a alemã Siemens

    2ª maior fabricante mundial de sistemas telefônicos sem fio

    Valor Econômico
    – 20/07/2010

    Ericsson

    Suécia

    Líder mundial de sistemas telefônicos sem fio
    Valor Econômico
    – 20/07/2010

    Harman

    EUA

    Líder mundial em produtos de áudio
    Valor Econômico
    – 21/09/2010

    ARM

    Inglaterra
    Controla a propriedade intelectual do desenho
    dos processadores para diversos mercados, ganhando com a venda de royalties. É responsável pelos processadores do iPhone e do iPad, da Apple

    Valor Econômico
    – 15/09/2010

    Philips e Electrolux

    Holanda e Suécia

    Líderes no ramo de eletrônicos
    Valor Econômico
    – 20/07/2010

    Tyco Electronics

    Suíça
    Maior fabricante mundial de conectores
    eletrônicos
    Valor Econômico
    – 14/07/2010

    Symantec
    EUA (Vale do
    Silício)
    Maior fabricante mundial de programas de
    segurança de computação
    Valor Econômico
    – 15/06/2010

    Apple e RIM

    EUA (Vale do Silício) e Canadá

    Estão entre as maiores fabricantes de celulares do mundo
    Valor Econômico
    – 09/08/2010 e 01/11/2010


    Intel

    EUA (Vale do Silício)
    Maior fabricante mundial de chips, fornecendo-
    os para 80% dos computadores pessoais vendidos no mundo
    Valor Econômico
    – 27/08/2010 e 31/08/2010

    Novartis

    Suíça

    Terceira maior farmacêutica global em receita
    Valor Econômico
    – 30/08/2010

    Sanofi-Aventis

    França
    Farmacêutica líder em medicamentos de
    prescrição médica e em vacinas
    Valor Econômico
    – 21/06/2010

    Genzyme

    EUA
    Quarta maior do mundo no segmento de
    biotecnologia
    Valor Econômico
    – 30/08/2010

    AstraZeneca, Bristol- Myers Squibb e Roche

    Anglo-sueca, EUA e Suíça

    Estão entre as maiores farmacêuticas do mundo
    Valor Econômico
    – 23/07/2010 e 30/07/2010

    Pfizer

    EUA

    Maior farmacêutica do mundo
    Valor Econômico
    – 03/11/2010

    Bayer CropScience

    Alemanha
    Uma das maiores empresas do ramo de
    biotecnologia
    Valor Econômico
    – 24/06/2010

    Monsanto

    EUA
    A maior empresa de sementes, defensivos e
    biotecnologia do mundo
    Valor Econômico
    – 02/09/2010

    L‟Oréal

    França
    A maior empresa de cosméticos do mundo em
    faturamento
    Valor Econômico
    – 25/08/2010

    LyondellBasell

    Holanda
    Uma das maiores fabricantes de plásticos e
    químicos do mundo
    Valor Econômico
    – 25/08/2010

    Basf

    Alemanha
    Gigante química alemã tem o maior
    faturamento do mundo no setor
    Valor Econômico
    – 30/07/2010
    Louis Dreyfus
    Commodities, Archer Daniels Midland, Bunge e Cargill

    França, EUA, EUA e EUA

    Dominam os fluxos globais de matérias-primas agrícolas

    Valor Econômico
    – 24/09/2010

    Whirlpool

    EUA
    A maior fabricante de eletrodomésticos do
    mundo em receita, dona das marcas Brastemp e da Cônsul

    Valor Econômico
    – 01/09/2010

    Caterpillar Inc.

    EUA
    A maior fabricante de equipamentos de
    construção do mundo
    Valor Econômico
    – 01/09/2010

    Nestlé

    Suíça

    O maior grupo mundial de alimentos
    Valor Econômico
    – 10/08/2010

    Du Pont

    EUA

    Gigante do setor químico
    Valor Econômico
    – 22/06/2010
    Fonte: pesquisa e elaboração próprias com informações do jornal Valor Econômico.

    Tabela 3. As 20 empresas com maior gasto em pesquisa e desenvolvimento em 20099:


    RANKING
    EMPRESA
    REGIÃO DE ORIGEM
    SETOR
    1
    Roche Holding
    Europa
    Saúde
    2
    Microsoft
    América do Norte
    Software e Internet
    3
    Nokia
    Europa
    Computação e Eletrônicos
    4
    Toyota
    Japão
    Automóveis
    5
    Pfizer
    América do Norte
    Saúde
    6
    Novartis
    Europa
    Saúde
    7
    Johnson & Johnson
    América do Norte
    Saúde
    8
    Sanofi-Aventis
    Europa
    Saúde
    9
    GlaxoSmithKline
    Europa
    Saúde
    10
    Samsung
    Coréia do Sul
    Computação e Eletrônicos
    11
    General Motors
    América do Norte
    Automóveis

    image
  9. A empresa brasileira melhor colocada no ranking de gastos com pesquisa e desenvolvimento é a Vale, que aparece na 103ª posição.

    12
    IBM
    América do Norte
    Computação e Eletrônicos
    13
    Intel
    América do Norte
    Computação e Eletrônicos
    14
    Merck
    América do Norte
    Saúde
    15
    Volkswagen
    Europa
    Automóveis
    16
    Siemens
    Europa
    Eletrônicos
    17
    Cisco Systems
    América do Norte
    Computação e Eletrônicos
    18
    Panasonic
    Japão
    Computação e Eletrônicos
    19
    Honda
    Japão
    Automóveis
    20
    Ford
    América do Norte
    Automóveis
    Fonte: The Global Innovation 1000. How the top innovators keep winning. By Barry
    Jaruzelski and Kevin Dehoff. Booz&co.

    A divisão espacial da produção respeita uma configuração global que estabelece um “ciclo de vida” para o produto. Há uma espécie de regra não revelada determinando que um produto somente poderá ser produzido em países periféricos quando for suficientemente padronizado e sua exploração não mais representar lucros extraordinários. Em termos práticos, se analisarmos o século XX veremos que a produção de veículos e mais tarde de computadores iniciaram nos países centrais, sobretudo EUA, e depois sua produção foi “permitida” e transladada aos países periféricos. Apesar de não explorar suas conseqüências políticas, Raymond Vernon (1979) é um expoente da teoria do ciclo do produto onde analisa as características das etapas de lançamento, maturação e padronização de um produto. Observa por exemplo o caso de indústrias fabricantes de produtos padronizados que partiram do norte (“avançado”) para o sul (“atrasado”) dos EUA; ou ainda a atração de indústrias também fabricantes de produtos padronizados para o sul da Itália ou para o norte da Grã- Bretanha e Irlanda (VERNON, 1979, p. 104). Vimos na tabela 3 que a produção situada na fronteira tecnológica é restrita aos países centrais. A explicação para essa divisão desigual e geradora de dependência não pode ser outra senão o domínio sucessivo de revoluções tecnológicas desde o século XV por parte dos países centrais. Esse domínio, explicado pela brutalidade, permitiu a subjugação e a exploração de povos (a incorporação desses povos como “proletariados externos”, como dizia Darcy), isto é, a imposição de um processo civilizatório que os coloca numa posição privilegiada. Por fim, os momentos decisivos por que passam os países periféricos, quando não são levados às últimas conseqüências, não contribuem para a ruptura desse quadro nefasto. Ao absorver o potencial transformador contido nesses momentos críticos e raros nas histórias dos países dependentes, as estratégias contra-revolucionárias impedem a mudança e conservam a ordem do imperialismo.
    A brutalidade do imperialismo só é possível por uma incessante estratégia militar que arma os países centrais e neutraliza os focos de subversão ou de

    “incômodos” nos países periféricos. O fim da Segunda Guerra Mundial consolidou os EUA como a potência hegemônica mundial e, não por acaso, como uma potência militar global. Samuel Pinheiro Guimarães (2002) é muito feliz na descrição da estratégia militar daquele país. O objetivo central desta estratégia é assegurar a expansão econômica pacífica dos interesses americanos [sic.], o bem-estar e a segurança da sociedade americana [sic.]. Para tanto, busca, entre outros, (i) impedir a reemergência do Japão e da Alemanha como potências militares; (ii) impedir o surgimento de potencias militares capazes de contestar a hegemonia americana [sic.], ainda que regionalmente; (iii) manter a inviolabilidade do território americano [sic.] (Guimarães escreveu o livro em questão antes dos ataques de 11 de setembro de 2001); (iv) proteger os interesses americanos [sic.] em terceiros países, se necessário pela força, e, em especial, assegurar o acesso a insumos básicos, como o petróleo; (v) manter uma capacidade de intervenção militar direta e rápida em qualquer região do mundo (GUIMARÃES, 2002, p. 79 a 83). São abundantes os exemplos da intervenção militar ianque em territórios que ameaçavam ou ameaçam contestar sua hegemonia. Na América Latina, por exemplo, não se pode dizer que a Guerra Fria tenha sido assim tão fria. Os EUA colocaram toda sua inteligência e forças militares a serviço das estratégias contra-revolucionárias das elites locais. O resultado, como vimos demonstrando, é a manutenção da ordem dependente.
    A via da intervenção midiática é outro importante fator de reprodução do imperialismo, afinal, o papel da (des)informação é fundamental para controlar sublevações ou para barrar a reforma radical em momentos críticos de potencial transformador. A “grande mídia” localmente oligopolista e mundialmente articulada cumpre a função de embrutecer a população e evitar a percepção das conexões ocultas
    que cobrem a sociedade contemporânea10. Guy Debord (1997), além de um

    revolucionário, foi grande intérprete das funções e papéis da mídia. “Atualizando” Marx, afirma que as sociedades modernas se apresentam como uma imensa acumulação de espetáculos. O espetáculo é a realidade fetichizada que aparece como a própria realidade concreta. A fonte do poder da mídia é o “monopólio da aparência”, isto é, o aparecer sem réplica (DEBORD, 1997, p. 16-17). Não se pode discutir o que aparece, pois, “o que aparece é bom, o que é bom aparece” (Idem, Ibidem). O espetáculo é totalitário e exige a aceitação passivade suas imagens. Na gestão incessante da

    image
  10. “O espectador é suposto ignorante de tudo, não merecedor de nada. Quem fica sempre olhando, para saber o que vem depois, nunca age: assim deve ser o bom espectador” (DEBORD, 1997, p. 183).

    (des)informação “o espetáculo organiza com habilidade a ignorância do que acontece e, logo a seguir, o esquecimento do que, apesar de tudo, conseguiu ser conhecido” [...] “aquilo de que o espetáculo deixa de falar durante três dias é como se não existisse” (Idem, p. 177 e 182). Não é segredo que a “cobertura” feita pela mídia brasileira sobre os momentos de revolta da população – quando esta exibe algum grau de organização e potencial reivindicador e contestador da ordem, principalmente em greves e manifestações de trabalhadores ou de movimentos sociais – é propositadamente curta, parcial e, por vezes, falsa. A mídia, portanto, cumpre o papel contra-revolucionário reproduzindo o imperialismo e a manutenção da ordem dependente. Contribui para
    manter as ideias da classe dominante como as ideias dominantes11. No plano

    internacional a cobertura político-econômica da mídia é um massacre diário liderado pelos comentários de “experts”. Há uma norma tácita: nunca se deve transmitir qualquer notícia minimamente boa sobre países não alinhados à diplomacia total hegemonizada pelos EUA. O boicote atual a países como Bolívia, Equador, Venezuela e Cuba, só é rompido para noticiar os assuntos “polêmicos” que eventualmente ocorrem e tudo deve ser esquecido logo após. Por trás da imagem de uma imprensa “livre” e dedicada aos “fatos”, o que ocorre é a propagação da ignorância, da intolerância e do preconceito.
    Por fim, resta-nos abordar a via institucional de ação do imperialismo. O quadro institucional criado após a Segunda Guerra Mundial favoreceu explicitamente o surgimento de uma economia internacional que tem base na livre circulação de bens, serviços e capital (mas não de trabalho) (GUIMARÃES, 2002, p. 89). A criação de organismos como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial (BIRD) e posteriormente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial do Comércio (OMC) tem como função garantir uma forma de desenvolvimento que paradoxalmente mantenha tutelados os países “em desenvolvimento”. Essas instituições “multilaterais” não têm outra função senão a utilização dos mais diversos subterfúgios para impedir a eclosão de rupturas nos países periféricos. A OMC, por exemplo, “estabelece normas internacionais para promover e garantir a livre circulação internacional de bens, serviços e capitais e, ademais, para impedir a adoção de políticas nacionais que afetem a liberdade de ação do capital estrangeiro ou que privilegiem o capital nacional” (Idem, p. 91). Impede, portanto, as

    image
  11. “As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante [...] As idéias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes” (MARX e ENGELS, 2007, p. 47).

    políticas nacionais praticadas no passado e no presente pelos próprios países centrais, os mesmos países que subiram ao topo e chutaram a escada. O Banco Mundial, por outro lado, patrocinou na década de 1990 durante o governo FHC um programa de Reforma Agrária no Brasil. Invertendo o problema, instituiu a questão da terra no Brasil como um problema microeconômico e não político, capaz de resolver-se no mercado. Esse programa de Reforma Agrária tratou de atenuar a disputa política no campo, que
    historicamente mobiliza os setores na luta pela revolução social12. O quadro

    institucional atual age de maneira preventiva e contra-revolucionária para congelar o mundo, impedindo qualquer movimento que venha a quebrar a ordem. As instituições “multilaterais”, responsáveis por manter a ordem econômica mundial, tratam como igual aquilo que é desigual, ou seja, exigem de países desiguais comportamentos econômicos que reproduzem o poder dos países centrais. As medidas preferidas são o ajuste fiscal ortodoxo, o cumprimento das metas de inflação, a autonomia dos bancos centrais, o respeito aos contratos e à propriedade intelectual. Porém, as articulações “sul-sul” e a criação de blocos com participação restrita aos países periféricos (evidentemente mal vistas pela mídia e pelas classes dominantes), tais como a ALBA ou a Unasul, são passos importantes e iniciais para a desconstrução da dominação imperialista.

    A condição dependente


    A dependência, portanto, não é decorrente de um arranjo de indicadores sociais e macroeconômicos. Trata-se de um processo de longa duração. Ela é justamente a consequência do domínio de sucessivas revoluções tecnológicas por parte de certos países que, graças a tal domínio, conseguem desencadear processos civilizatórios e incorporar historicamente áreas de influência de maneira subalternizada chegando a promover processos de aculturação. A reprodução desse domínio, por sua vez, é mantido pelas estratégias de congelamento da ordem expressas na contra-revolução permanente e nas vias pelas quais o imperialismo penetra nos países periféricos. Somente nesse contexto estrutural se pode falar em dependência e é aqui que a definição clássica de Marini (2000) ganha seu mais amplo sentido. A dependência passa a ser entendida como

    image
  12. Sobre o tema consultar: MARTINS, Mônica. (Org.). O Banco Mundial e a terra: ofensiva e resistência na América Latina, África e Ásia. São Paulo: Viramundo, 2004.

    uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo âmbito as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência. O fruto da dependência só pode assim significar mais dependência e sua liquidação supõe necessariamente a supressão das relações de produção que ela supõe” (MARINI, 2000, p. 109).

    A supressão das relações de produção que geram a dependência só acontecerá quando um movimento reformista ou revolucionário conseguir alcançar uma força tal que seja capaz de desafiar concomitantemente as quatro vias do imperialismo e a elite interna promotora da contra-revolução13.
    As relações de produção no capitalismo dependente possuem especificidades que precisam ser detalhadas. A primeira delas diz respeito à própria influência imperialista sobre a acumulação. Ou seja, em face da divisão internacional do trabalho, as elites e principalmente as classes burguesas dos países dependentes sofrem com a espoliação promovida pelas elites e as classes burguesas dos países centrais. Isso porque a economia dependente aparece como uma entidade especializada, não-autônoma e subsidiária, uma “fonte de incrementação ou de multiplicação do excedente econômico das economias capitalistas hegemônicas” (FERNANDES apud CARDOSO, 2005, p.
    16)14. Em virtude de seu funcionamento como sócias menores do capitalismo central, ou

    como frações burguesas dependentes, “as burguesias locais exacerbam a expropriação e a exploração do trabalho que são típicas do funcionamento do capitalismo. Ou seja, criam a expropriação e exploração excedentes” (Idem, p. 19)15. À essa exploração excedente e à maneira autocrática de dominação por parte das elites internas Florestan dá o nome de capitalismo difícil ou capitalismo selvagem. Cabe frisar que, por serem sócias menores e subordinadas, as elites locais não são débeis. Elas desempenham o importante papel de produzir e reproduzir o excedente que partilham com as burguesias hegemônicas e não poderiam ser débeis, pois as nações capitalistas centrais e
    hegemônicas necessitam de “parceiros sólidos” na periferia dependente. Necessitam “não só de uma burguesia articulada internamente em bases nacionais, mas de uma

    image
  13. Apesar de todas as dificuldades de articulação dos movimentos sociais e da classe trabalhadora, hoje, no Brasil, o movimento que se encontra mais próximo dessa possibilidade é, sem dúvida, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
  14. Na tipologia de Darcy Ribeiro (1978), as elites dos países periféricos são classes dominantes- subordinadas.
  15. A citação segue da seguinte maneira: “Ao capitalismo dependente, portanto, não basta reproduzir a
apropriação e a expropriação que são inerentes ao capitalismo „clássico‟. Para ser capaz de suprir a burguesia (a sua parcela local e as suas frações hegemônicas), essa forma específica de capitalismo (capitalismo dependente) produz sobre-apropriação e sobre-exploração capitalistas, apropriação e expropriação excedentes que são impostas pela burguesia local aos trabalhadores e ao conjunto da população” (CARDOSO, 2005, p. 20).

burguesia bastante forte para saturar todas as funções políticas autodefensivas e repressivas da dominação burguesa” (FERNANDES, 2006, p. 342).
A condição de sócia menor da burguesia dependente implica na perda de sua autonomia e da base material necessária (devido à drenagem do excedente) para “conduzir e completar a revolução nacional, gravitando historicamente, portanto, de um beco sem saída para outro” (Idem, p. 347). A revolução democrático-burguesa de tipo “clássico” é, dessa forma, uma impossibilidade no capitalismo dependente o que transforma a dominação das classes dominantes num tipo de dominação autocrática. Isto é, um tipo de dominação que pode suspender a qualquer momento o jogo democrático. Quando, por exemplo, os avanços democráticos se tornam demasiado arriscados para a dominação elitista, os verdadeiros atores continuam o baile sem as máscaras (Idem, p. 394-395). Sem máscaras, o regime revela sua face totalitária, mostrando nunca ter havido uma democracia burguesa fraca, mas aquilo que Florestan denomina como umaautocracia burguesa dissimulada.

Conclusão


A articulação entre contra-revolução permanente, imperialismo e a manutenção da condição dependente resulta, por fim, que a democracia entre nós ainda é algo a construir-se. Desde a Abolição da Escravidão até a atualidade a sociedade democrática brasileira é um mito. A condição dependente impossibilita mesmo a democracia burguesa, pois, como visto, a burguesia é incapaz de conduzir e completar a revolução nacional, quanto mais uma democracia enquanto soberania do povo numa sociedade igualitária. As origens desse infortúnio remontam à criação de nosso Estado-Nação. Este foi erigido “sobre uma sociedade desarticulada e fragmentada. Clânica e de parentela, como dizia um Oliveira Vianna” (VIANNA, 1986, p. 272). Podemos caracterizar a democracia brasileira através da interpretação complementar de quatro intelectuais. Segundo Ianni (1989) a democracia é uma planta que pouco se cultiva. De acordo com Safatle (2010) temos uma democracia com caráter deformado e bloqueado, com profunda tendência totalitária. Para Fernandes (2006) a tradição democrática brasileira é a da democracia restrita, “a democracia entre iguais, isto é, entre os poderosos, que dominam e representam a sociedade civil” (2006, p. 403). Entretanto, a

melhor definição da democracia brasileira é a de Sérgio Buarque de Holanda em seu clássico Raízes do Brasil.

A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas” (2002, p. 1062).

As coisas precisam ser chamadas pelo que realmente são. Liquidar ideologizações, mistificações e falsas consciências sobre o mundo real é o papel da ciência social. Com ousadia, uma carga de paixões e rigor teórico, essa liquidação se completa com o entendimento do real para além de suas aparências e com a possibilidade de sua transformação. Este artigo buscou desmistificar a democracia brasileira para colocá-la, na melhor das hipóteses, como um processo em gestação. Para isso, foi necessário articular a descrição das estratégias contra-revolucionárias com o desencadeamento de processos civilizatórios, o imperialismo e a dependência. A contra- revolução exercida internamente por uma classe dominante-subordinada; o imperialismo sentido mediante as quatro vias de influência. Ambos, concatenados na missão de vetar os movimentos com potencial transformador e manter, por conseguinte, a ordem. O resultado é uma condição dependente que se arrasta pela história sem alterações substanciais. A democracia como mal-entendido é o fruto perverso do entrelaçamento desses fatores.

Referências Bibliográficas


ARAUJO, Gustavo Pinto. Contra-revolução permanente e manutenção da Condição Dependente no Brasil. Trabalho de conclusão de curso em Ciências Econômicas, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2010. Disponível em:

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DEBRUN, Michel. A “Conciliação” e outras estratégias. São Paulo: Brasiliense, 1983. FERNANDES, Florestan. Nova República? 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.

Significado do protesto negro. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1989.

. O modelo autocrático-burguês de transformação capitalista. In: . A revolução burguesa no Brasil. 5. ed. São Paulo: Globo, 2006. p. 337-424.

_. Que tipo de república? 2. ed. São Paulo: Globo, 2007.

GUIMARÃES, Samuel. Quinhentos anos de periferia. 4. ed. Porto Alegre/Rio de Janeiro: Ed. da UFRGS/Contraponto, 2002.

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. In: Intérpretes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. v. 3. p. 899-1102.

RODRIGUES, José Honório. Conciliação e reforma no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

IANNI, Octavio. O Ciclo da Revolução Burguesa. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1985.

. A Nova República do Brazil. In: CUEVA, A. (Org.) Tempos Conservadores. São Paulo: Hucitec, 1989. p. 109-130.

. Contra-revolução mundial. In: . Capitalismo, violência e terrorismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 249-267.

CARDOSO, Miriam Limoeiro. Sobre a teorização do capitalismo dependente em Florestan Fernandes. In: Fávero, Osmar (Org.), Democracia e educação em Florestan Fernandes. Campinas: Autores Associados; Niterói: Ed. UFF, 2005. p. 7-40.

MARCUSE, Herbert. Contra-Revolução e Revolta. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. MARINI, Ruy Mauro. Dialética da Dependência. In: . Dialética da
Dependência: uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis: Vozes; Buenos
Aires: CLACSO, 2000. p. 105-165.

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. In: . A revolução antes da revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2008. p. 199-336.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

JUNIOR, Caio Prado. História econômica do Brasil. 41. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

RIBEIRO, Darcy. O Dilema da América Latina: Estruturas de poder e forças insurgentes. Petrópolis: Vozes, 1978.

O processo civilizatório: etapas da evolução sociocultural. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

SAFATLE, Vladimir. Do uso da violência contra o Estado ilegal. In: TELES, Edson e SAFATLE, Vladimir. O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 237-252.

VERNON, Raymond. Investimento externo e comércio internacional no ciclo do produto. In: SAVASINI, José et allii. (Orgs.), Economia Internacional. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 89-107.

VIANNA, Luiz Werneck. Travessia: da abertura à constituinte. Rio de Janeiro: Tauros, 1986.

52581996000300004&script=sci_arttext>. Acesso em 26, jul. 2010.

“Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e pelo bom senso”. Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano)

  Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano) “Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e p...