terça-feira, 30 de dezembro de 2014

FORMAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DE ALAGOAS: O PERÍODO HOLANDÊS (1630-1654), UMA MUDANÇA DE RUMO- Prof. Dr. JOSÉ FERREIRA AZEVEDO







EXTRATOS DA TESE DE DOUTORADO DEFENDIDA NA USP EM 30/07/2002
FORMAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DE ALAGOAS: O PERÍODO HOLANDÊS (1630-1654), UMA MUDANÇA DE RUMO.
Prof. Dr. JOSÉ FERREIRA AZEVEDO
(O texto integral encontra-se na Biblioteca Central da Universidade Federal de Alagoas e, em breve, na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade de São Paulo – www.teses.usp.br).
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. Emanoel Soares Veiga Garcia (Orientador)
Prof. Dr. Douglas Apratto Tenório
Profª Drª. Lúcia Maria Machado Bógus
Prof. Drª. Vera Lúcia Amaral Ferlini
Prof. Dr. Wilson do Nascimento Barbosa

APRESENTAÇÃO
            Um dos temas mais recorrentes de nossa historiografia, no sentido de exaltar o valor e o heroísmo de nossa gente, é o período holandês e os seus grandes eventos militares – destacando-se, aqui, a figura de Domingos Calabar, considerado o grande herói e figura representativa de sua cidade, Porto Calvo. Entretanto, a presença holandesa em Alagoas é tratada, quase sempre, pela historiografia, como uma mera seqüência de fatos (quando não, um amontoado de fatos) sem significados na formação da sociedade alagoana.
        Tem sido uma das nossas maiores preocupações, desde a época do curso de graduação, tanto do ponto de vista acadêmico como pelo desejo de contribuir para a compreensão da intricada realidade alagoana, procurar explicações mais consistentes para aquele período de nossa história. Durante os anos de 1989 a 1992, tivemos a oportunidade de participar ativamente de um projeto de Arqueologia idealizado por Aloísio Vilela de Vasconcelos, arqueólogo da Universidade Federal de Alagoas e estudioso do período holandês e dos quilombos em Alagoas. O projeto visava a delimitação dos espaços ocupados durante as lutas e a recuperação de artefatos que pudessem subsidiar a reconstrução histórica e o ambiente cultural da época, a partir de escavações arqueológicas em Costa Brava, região do atual município de Paripueira, cerca de trinta quilômetros de Maceió, onde os invasores instalaram uma fortificação em 1635 (o local até hoje é conhecido como o Morro do Forte). Na fase de estudos para a elaboração do projeto, e principalmente durante sua execução, constatamos a natureza puramente descritiva dos trabalhos relacionados ao período, sem grandes preocupações de análise econômica e social. Imbuídos também de grande curiosidade intelectual, pusemo-nos a questionar alguns aspectos daquela história, ao nosso ver, ainda mal contada. Quando surgiu a oportunidade do curso de doutoramento, já tínhamos em mente qual o projeto que tentaríamos realizar...
        Costuma-se lembrar sobre o período holandês que "parece já nada haver de original para dizer", em vista da extensa bibliografia produzida sobre o assunto. De fato, o período foi (é) bastante estudado, mas ainda há muitas coisas nebulosas esperando pelos pesquisadores. Basta dizer que no arquivo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco (IAHGP) encontram-se muitos documentos da época ainda não traduzidos, sem falar dos arquivos da Holanda. O desconhecimento do idioma holandês, como é o nosso caso, é um grande obstáculo para os estudiosos brasileiros, sem contar que, nas próprias entidades onde estão guardados os documentos não existem tradutores ou paleógrafos para a exaustiva tarefa. Resta-nos recorrer aos inúmeros trabalhos e traduções publicados desde o século XVII e aos documentos já identificados e catalogados.
        Como não se pode pesquisar obviedades – o pesquisador deve descobrir coisas ou indicar novos caminhos numa determinada área de conhecimento – nem ficar "olhando para nosso próprio umbigo", como diz Luiz Felipe de Alencastro, procuramos oferecer uma nova visão, ou interpretação, daquele período histórico, sem a provincianização que nos leva ao isolamento, à não-percepção do mundo, por conseqüência, à não-compreensão de nossa realidade. Nossa hipótese de trabalho é qualitativa, assim explicitada: numa determinada formação econômico-social, um fator externo, sob determinadas condições objetivas, pode favorecer a moldagem de rígidas estruturas de dominação e redirecionar atividades econômicas. Particularizando o caso de Alagoas, o processo de formação de uma economia diversificada foi interrompido pela ocupação holandesa do seu território, na primeira metade do século XVII. A invasão provocou uma brusca mudança de rumo no desenvolvimento das forças produtivas locais. Implica, portanto, num esforço de interpretação pessoal. Não queremos ir na contra-mão da história, afirmando, ou especulando, algo inexistente. Consideramos, porém, que ao historiador não cabe apenas reconstruir (ou afirmar) os fatos; deve também oferecer linhas alternativas de interpretação ainda não consideradas ou vistas como fantasiosas.
        Gostaríamos de esclarecer que a denominação ALAGOAS é usada, neste trabalho, para designar ora a região das lagoas, ora o território do hoje Estado de Alagoas. No litoral centro da parte meridional da Capitania de Pernambuco, que vai do rio Una ao rio São Francisco, localizavam-se as duas ALAGOA  (no singular): a DO NORTE e a DO SUL. Nos documentos da época considerada em nosso estudo, a expressão "as Alagoas" refere-se àquela região. Em alguns pontos, porém, a expressão designa todo o território, de acordo com o contexto onde é utilizada.
        Não pretendemos superar os outros ou corrigi-los, ou mesmo preencher as grandes lacunas da historiografia alagoana, mas esperamos, modestamente, contribuir para uma Teoria Geral da História de Alagoas. Se conseguirmos, também, contribuir para que outros despertem para estudos mais analíticos, mais completos e profundos, principalmente os jovens que estão na Universidade, já nos daremos por satisfeitos.
RESUMO
        Ao definir nosso objeto de pesquisa tomamos como referenciais os conceitos fundamentais do materialismo histórico, que são os de modo de produção e de formação econômico-social. Adotando essa opção teórico-metodológica, objetivamos analisar a ocupação holandesa de 1630-1654 e os processos econômico-sociais por ela desencadeados, procurando contribuir para uma teoria da formação social alagoana demonstrando, se possível, a mudança de rumo no desenvolvimento de nossas forças produtivas naquele período.
        É ponto recorrente na nossa historiografia considerar a formação e o desenvolvimento de estruturas a partir de uma premissa que julgamos falsa: a vocação de Alagoas para o açúcar. Nossos pesquisadores, talvez sem exceção, não atentaram devidamente para o fato de que Alagoas, até a ocupação holandesa, era a fonte abastecedora da colônia de produtos variados (feijão, milho, mandioca, batatas, carne, couro, fumo, algodão...), possuindo poucos engenhos (15, a maioria, 9, na região de Porto Calvo). Já em fins do século XVII, o território contava com 72 engenhos. A explicação para esta inversão está na própria lógica do sistema de colonização português, voltado para o mercado externo do açúcar, mas também devido à interferência de um fator estranho ao processo histórico local de formação das estruturas sociais e econômicas.
        Talvez, por sua localização geográfica mais distante da sede da Capitania, Recife, Alagoas teria sido condenada ao isolamento, o que favoreceu a formação de estruturas sociais mais rígidas e, também, o desenvolvimento de atividades econômicas mais diversificadas, cujas tendências estavam delineadas antes da invasão.
        Podemos considerar a invasão holandesa um fato histórico de primeira ordem, pois (no caso de Alagoas, pelo menos) provocou uma mudança de rumo radical, cujas consequências repercutem até hoje, como procuraremos demonstrar em nossa tese.

PALAVRAS-CHAVE: Alagoas; Colonização; Período Holandês; Forças Produtivas; Diversificação Econômica.

INTRODUÇÃO

        A questão da identidade, a luta contra a miséria e a dependência, a busca premente (e, até mesmo, desesperada) da superação da ignorância e dos mecanismos de dominação que impõem um estado de profunda alienação, têm sido uma constante na vida dos povos colonizados, mormente agora quando o mundo caminha a passos largos para uma integração plena em todos os sentidos, surgindo associações que inevitavelmente conduzirão à aldeia global...
        Verifica-se, atualmente, uma universalização acelerada dos processos sócio-políticos e econômicos. Cada vez mais somos globalizados. Corremos o risco de perder nossa identidade nacional, mesmo que isto seja algo de difícil definição. As economias (e culturas) cada vez mais internacionalizadas justificam e reforçam a necessidade da abordagem, especialmente econômica, de uma determinada região num contexto amplo, mundial, realizando estudos comparativos das experiências regionalizadas. Só assim, conhecendo melhor os movimentos e os processos específicos da nossa própria formação histórica (e também as suas relações com o mundo nos períodos estudados), poderemos interagir de forma equilibrada com as demais sociedades, superando os eventuais sentimentos de inferioridade ou mesmo de superioridade.
        Essa questão vem sendo objeto de estudo de especialistas de diversas áreas que se dedicam à análise da realidade, procurando não apenas explicá-la mas também de alguma forma contribuir para sua transformação. Cada autor (mesmo os acadêmicos, que produzem obras de caráter científico) tem seu estilo e mostra sua própria visão e concepção a respeito do tema por ele abordado. Na verdade, mesmo considerando que toda pesquisa tem um comprometimento (político, ideológico, religioso, cultural...), pois procura sempre demonstrar com evidências uma hipótese resultante das motivações do pesquisador (não existe neutralidade), devemos ser vacinados contra estereótipos ideológicos e procurar, na pesquisa bibliográfica e documental, os elementos que nos permitam ter uma visão crítica, comparando concepções e interpretações e daí tirando conclusões. Historiadores não são profetas, mas às vezes são tentados a especular como a história poderia ter sido...
        No campo da História encontramos análises fundamentais em autores como Frédéric Mauro, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda e outros de igual porte (aos quais recorreremos no decorrer deste trabalho), demonstrando que, para se compreender o presente, é preciso voltar no tempo e buscar, no passado, as informações que ajudem a explicar a realidade e o caráter de um povo.
        O imaginário popular nordestino é muito vasto e rico. Nas regiões onde a presença dos holandeses foi mais forte (do Rio Grande do Norte até Alagoas), desde ruínas encontradas nas cidades ou encobertas pelo mato até a existência de túneis nunca explorados ou sequer localizados, e também a busca de fabulosos tesouros enterrados (as ricas botijas) – até Igrejas católicas do século XVIII teriam sido construídas pelos holandeses... – tudo nos transmite a sensação de que o povo não esqueceu os galegos e deles se lembra até com carinho¹. Os judeus também estão presentes nessa memória, sempre vinculados às espertezas do comércio e ao trato com o dinheiro (para o povo, todo judeu é ladrão... ou muito sabido). Este fenômeno torna-se ainda mais intrigante quando se verifica que os holandeses não fizeram uma obra colonizadora, pois seus objetivos eram bem outros.
            O povo tem a capacidade de preservar em sua memória determinados fatos, acontecimentos ou características específicos de uma época ou mesmo de certas pessoas. Isto aparece nas crenças, lendas e tradições. Essas marcas moldam o pensamento e o comportamento popular e, quase sempre, são usadas pelas elites para manter sua dominação. Sabemos que a memória é um fator dinâmico na interação entre passado e presente, mas o desconhecimento das verdadeiras razões de um fato e a manipulação das várias interpretações desse fato, criam mitos que mascaram a realidade e ajudam a manter o status quo.
            O caso de Alagoas apresenta particularidades que a tornam digna de uma observação mais acurada. Parece que vivemos, aqui, uma crise permanente... Desde o início, por sua localização geográfica (área mais distante da sede da Capitania, Recife), Alagoas teria sido condenada ao isolamento. Isto favoreceu a formação de estruturas sociais mais rígidas e, também, o surgimento de atividades econômicas mais diversificadas que, infelizmente, como tentaremos demonstrar, não prosperaram.
        Claro está que não podemos ver a singularidade alagoana desvinculada das determinações gerais do complexo período histórico considerado (objeto de estudo de inúmeros pesquisadores que produziram obras estimulantes e que servem de apoio para aqueles que procuram compreender sua realidade local). Procuramos apenas, de forma simples e objetiva, baseados em textos e documentos, em sua maioria, já conhecidos, chamar a atenção para alguns aspectos negligenciados ou despercebidos pelos estudos feitos até agora sobre o nosso processo histórico, tomando como referência principalmente as categorias formação econômico-social e divisão regional do trabalho, sem entrar em grandes e exaustivas considerações metodológicas.
        A hipótese explicitada na nossa apresentação indica claramente o objeto de pesquisa: a mudança de rumo no desenvolvimento das forças produtivas na região das Alagoas, ocorrida com a invasão holandesa no período de 1630/1654. Após estas considerações, cremos que algumas questões podem ser colocadas, entre outras que surgirão no desenvolvimento do texto, em variados níveis de complexidade e sem nenhuma ordem hierárquica, agrupadas de acordo com a aproximação das idéias nelas contidas. São questões que nortearão a linha de raciocínio. Nem todas terão resposta ou serão consideradas em profundidade neste trabalho.Algumas, esperamos esclarecer na apresentação final dos resultados da pesquisa:
Entre outras que surgirão no desenvolvimento do texto, evidenciamos:
1) O patriarcalismo e o patrimonialisno (a não-distinção entre o público e o privado), típicos da sociedade e do Estado portugueses, eram também a marca registrada da sociedade colonial. Esta sociedade, montada em foros de fidalguia e favorecimentos, viu-se de repente convivendo com pessoas e regras diferentes, subordinadas a uma legislação baseada em princípios liberais e republicanos. O choque era inevitável.
Considerando que tínhamos (na realidade, ainda temos) uma sociedade iletrada, onde não havia a palavra impressa, que permitiria a circulação de idéias, de que forma as novas concepções teriam influenciado o comportamento das elites coloniais? Sua condição colonial poderia mudar com os invasores? Houve, de alguma maneira, a exposição do senhor colonial à influência direta do mercado mundial capitalista? Será que, com a presença dos holandeses, os produtores locais não passaram a ter uma nova visão de relações comerciais, percebendo as vantagens da negociação direta (mesmo através da West-Indische Compagnie - WIC) com o mercado mundial? A Coroa portuguesa não teria percebido o risco de evolução desse germe deixado pelos holandeses e, por isso, procurou consolidar, com mais rigor, as estruturas de dominação e exploração após a reconquista?
2) No inóspito território não havia o sentimento da conquista, apenas a determinação de fazer a vida explorando a terra de acordo com a vontade da coroa, ou seja, produzir açúcar em grande quantidade para o mercado europeu. Entretanto, na região sul da Capitania delineavam-se outras atividades econômicas que poderiam defini-la como fonte de abastecimento de produtos diversificados e necessários ao consumo interno da colônia. Veremos que os holandeses perceberam a importância de se estimular o desenvolvimento dessas atividades, transformando de fato a região em fonte abastecedora. Infelizmente, os interesses da cúpula da WIC também estavam voltados para o produto de exportação, o açúcar, e foi dada pouca atenção aos reclamos dos seus representantes coloniais.
Em vista da ausência de dados estatísticos confiáveis – "o grande espantalho dos que se dedicam ao estudo de nossa evolução econômica", como diz Mafalda P. Zemella (1990, p. 31) – tentaremos fazer cálculos aproximativos a partir de algumas informações contidas principalmente em relatórios holandeses, para responder a questões do seguinte teor: qual o nível da produção para dentro – tipo e quantidade dos produtos? Qual a população dos engenhos e vilas? Em quais áreas do território concentrava-se essa produção? Com estas informações, é possível intuir formas de relações sociais diferenciadas daquelas das áreas mais intensamente açucareiras?
3) Podemos falar em alagoanidade? Será que as lutas em território alagoano (e o comportamento de seu povo, simbolizado na figura de Calabar), não contribuíram para o isolamento da região, após a restauração? As lutas não teriam despertado um sentimento local de independência? (Devemos lembrar que na época não havia Alagoas, e sim uma região inóspita no sul da Capitania que, por sinal, sempre recebeu poucas atenções do governo, o que favoreceu a formação de elites autoritárias e violentas.). Nesse quadro de isolamento, quais os fatores internos que contribuíram para sustar o desenvolvimento das forças produtivas locais no sentido de uma diversificação da economia?


TÓPICOS:

1 - O atraso endêmico do Nordeste e de Alagoas, em particular, tem raízes profundas no período colonial. Cabe ao historiador, atento às prioridades sociais, escolher temas de pesquisa que lhe permitam identificar e analisar as estruturas sócio-econômicas que se foram formando num determinado momento histórico e que mostraram características de longa duração.

2 - Infelizmente, desde cedo sentimos, na historiografia alagoana, a ausência de estudos mais objetivos sobre a formação econômico-social de Alagoas, notadamente no que se refere aos dois primeiros séculos de nossa história.

3 - Temos uma história virgem, à espera de quem se disponha ao sacrifício de percorrer arquivos empoeirados que, quase na sua totalidade, estão fora de Alagoas, mormente no que se refere à documentação do período colonial. Quase todos eliminam os homens reais da história, aqueles que lutam cotidianamente pela sobrevivência, e dedicam-se aos grandes homens e a seus grandes feitos. Não se analisa em profundidade a realidade social e o envolvimento do homem do povo – o verdadeiro sujeito da história. Há mesmo, como afirma Dirceu Lindoso (1981, p.14-15), em grande parte dos textos historiográficos alagoanos, implícita uma ideologia antimultitudinária e de imputação criminal aos movimentos populares

4 - É interessante observar que os invasores, notadamente no período nassoviano, perceberam que a região sul da Capitania de Pernambuco prestava-se ao papel de celeiro, e apresentaram, em seus relatórios ao comando da WIC (Companhia das Índias Ocidentais), propostas de repovoamento desse território devastado pela guerra, com incentivos à produção diversificada. Porém, os capitalistas da Companhia estavam (também...) interessados no açúcar e não aprovaram os planos de colonização, preferindo manter a região isolada, ou apenas como sentinela avançada contra as incursões das forças luso-brasileiras. Até mesmo a retomada da produção local de açúcar não recebeu a mesma atenção dada a outras áreas da Capitania.

5 - Os estudos sobre a formação da sociedade alagoana, principalmente a partir de O Bangüê nas Alagoas, de Manuel Diégues Júnior, procuram mostrar que há uma vocação para o açúcar em nossa terra. De fato, a teia de nossas relações sociais, políticas, culturais e econômicas foi tecida a partir do núcleo central do engenho de açúcar. Embora esta tenha sido uma característica de grande parte do Nordeste, parece que em Alagoas foi mais forte e dominante. No entanto, constatamos que nos primeiros tempos (pelo menos até a terceira década do século XVII), delineava-se uma situação diferente: o sul da Capitania de Pernambuco mostrava uma tendência para se tornar uma fonte permanente de abastecimento, com o desenvolvimento de uma economia diversificada. Este processo, em tese, foi violentamente interrompido com a invasão e não retomado após a restauração colonial portuguesa.

6 - Na visão geral sobre a historiografia alagoana paira a idéia de negatividade, não apenas no que diz respeito a quantidade, como é ouvido geralmente, mas principalmente quanto à qualidade. Os livros em geral seguem o factualismo (rigor cronológico, pouca ênfase ao significado real dos fatos etc.) e não o estudo analítico. Como afirmamos anteriormente, o povo não é visto como sujeito e a realidade social não é devidamente analisada. Não queremos ser verborrágicos, mas cremos que seja um fenômeno nacional, ou seja, na História do Brasil o povo não participa dos grandes processos como a descolonização, a Independência, a Proclamação da Republica, o desenvolvimento econômico. No entanto, é sempre presente, e chamado, quando se exige sacrifícios – a exploração de sua força de trabalho (escravo ou livre), guerras (ocupação holandesa, Paraguai, conflitos mundiais), ajustes econômicos etc. Isto não quer dizer que não devamos fixar e conhecer bem os personagens – até nisso, porém, somos falhos. Nossa historiografia positivista não é bem sedimentada, pois apresenta-se carente de nomes que se dispusessem a vasculhar arquivos. Não podemos descurar dos fatos, pois isto nos leva a uma ignorância generalizada do passado e não nos dá os elementos para a reflexão.

7 - Consideramos nossa tese como uma modesta tentativa de explicação do processo histórico regional, atendendo, mesmo limitadamente, a essa carência historiográfica. Nossa motivação é contribuir para a compreensão da intricada realidade atual alagoana. Quanto à sua viabilidade, constatamos a existência de documentação ainda não estudada. No Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco (IAHGP) há muitos documentos relativos ao período e a Alagoas que ainda não foram devidamente manuseados por nossos historiadores. Mesmo no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL) encontramos documentos do período colonial (em fase de catalogação), não considerados por aqueles que se dispuseram a estudar a história local. Com relação ao critério da originalidade, mesmo sendo repetitivos, pois a isto já nos referimos anteriormente, consideramos que a presença holandesa é vista geralmente nos aspectos bélicos, militares, heróicos; requer uma análise da sua influência (marcas) social e econômica.



CONTEXTUALIZAÇÃO:

8 - Aquele momento (primeira metade do século XVII) insere-se num contexto fervilhante de idéias e conflitos entre as principais nações européias, recém-saídas da medievalidade e em pleno processo de expansão capitalista. Contexto no qual também nos inserimos – embora anonimamente – pois sofremos suas fortes influências na formação de nossas estruturas.

9 - Num mundo composto por Estados absolutistas e marcado pela expansão comercial marítima européia, a Holanda rapidamente impunha-se como potência mercantil liberal. Paralelamente ao fenômeno holandês, ocorria a formação dos grandes impérios coloniais ibéricos, fundados em princípios contrários ao livre comércio e que, aos poucos, foram criando uma perigosa dependência das metrópoles aos produtos coloniais.

10 - A ocupação holandesa do nordeste brasileiro se insere, portanto, num contexto mais amplo do que simplesmente como fruto de divergências políticas da Holanda com a Espanha, no período da União Ibérica. A potência flamenga não iria conter sua expansão capitalista apenas porque teve bloqueado seu acesso aos portos portugueses... Veio buscar na fonte o produto que lhe permitia manter-se ativa no mercado europeu.

11 - Sua presença aqui, pelo menos em uma parte da Capitania de Pernambuco, foi como um choque: provocou a interrupção de um processo diferenciado de formação sócio-econômica, e possibilitou o surgimento de sentimentos de independência que, a princípio, levou ao seu isolamento mas redundou, depois, na formação de outra Capitania, a das Alagoas (criada por Decreto de D. João VI, em 16 de setembro de 1817).

12 - A conquista do Nordeste foi uma empresa de uma empresa privada monopolística – a Companhia das Índias Ocidentais.

13 - A WIC não tinha preocupações escolásticas, que ainda marcavam as políticas dos outros Estados europeus – idéia do justo preço e condenação da usura ("dinheiro não pode produzir dinheiro").

14 - A Companhia também não tinha nenhuma preocupação colonizadora, embora, após a conquista, especialmente no período nassoviano, tenha realizado uma notável obra de urbanização ("Recife foi a primeira cidade brasileira com características de uma grande cidade", afirma José Antônio Gonsalves de Mello, em Tempo dos Flamengos). Até mesmo isto, porém, foi devido ao fato de que os colonos holandeses não se adaptavam ao trabalho no campo e acabavam concentrando-se na cidade, forçando o governo a criar condições para alojá-los.




SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE TERRAS

15 - A distribuição de terras, numa empresa de colonização controlada pelo Rei e seu estado-maior (o estamento, lembrando Raymundo Faoro), teve como modelo a lei das sesmarias de 1375, criada para superar a crise agrária de produção e de desocupação, ou vadiagem, do homem do campo. Também no século XVI a mesma lei serviu para atenuar uma crise social e econômica, pois era grande a massa de excluídos na sociedade portuguesa, desejosa de oportunidades de enriquecimento e ascensão social. Os colonos (aqui incluídos os Capitães Governadores) não tinham a posse da terra, mas o seu uso. A terra pertencia ao Rei e o colono deveria alimentar o mercado metropolitano com sua produção, por intermédio dos mercadores autorizados. A política de transportes e os negócios no porto de Lisboa garantiam a renda real, além dos dízimos e obrigações cobrados aos produtores coloniais. Devemos lembrar que estes, por força do pacto colonial, submetiam-se aos preços e vontades da Corte e, por extensão, também dos negociantes.
As doações vinculavam-se ao aproveitamento da terra. No Brasil houve adaptações, pois não havia terras desaproveitadas, mas terras virgens. A imensidão territorial estimulava a generosidade dos concedentes (o Rei ou os Governadores) na doação de grandes extensões - "No Nordeste, foram freqüentes as concessões de terras, mais largas do que Estados de nossos dias, como as da Casa da Torre, dos Guedes de Brito, de Certão, etc." (FAORO, 1991, p.124). Muitas vezes as sesmarias eram subdivididas entre parentes (um filho, um genro...) ou amigos. Nem sempre, porém, era feita com precisão a demarcação dos limites, o que provocou, com o tempo, graves conflitos com derramamento de sangue (e muitas petições à Corte para "nomeação de ministro para fazer a demarcação de terras", como nos revelam os documentos do Arquivo Ultramarino/Catálogo Brasil-Alagoas). Até o fim do século XVII, não havia restrições quanto à concessão de mais de uma data a um mesmo colono. Daí a existência de imensos latifúndios que se refletem na realidade atual nordestina.
Servia também a concessão de terras como título de afidalgamento, formando, com o tempo, uma nobreza rural que passou a exigir, e exercitar, o poder de mando pessoal (político e social), na sociedade que se constituía.1 O mandonismo do senhor colonial se transformará depois, no Império e na República, no coronelismo ainda hoje presente no sertão nordestino. O Estado, somente agora, no alvorecer do século XXI, vai assumindo suas reais funções, embora ainda timidamente. No caso de Alagoas, esse fenômeno ocorreu com intensidade desde o inicio, pois, como já notara Adriaen van der Dussen em seu Relatório de 1638, também assinado por M. de Nassau e M. van Ceulen, ao descrever as jurisdições da Capitania de Pernambuco: "A Quarta, que nunca teve Câmara, sendo dirigida pro libitu do mais poderoso do lugar (grifo nosso), começa ao sul de Serinhaém e se estende até o rio de São Francisco". É neste documento que encontramos, pela primeira vez, uma referência à natureza das relações sociais e à organização política da região sul da Capitania. O caráter violento e autoritário das elites locais, que perdura até hoje, já está assinalado num dos primeiros e mais importantes documentos da nossa história. Parece que o Regimento de Tomé de Souza (1548), instituindo o Governo-Geral, com novas regras visando conter a crescente ânsia de autonomia da nobreza local, não vingou por estas plagas. (O Regimento mandado por D. João III a T. de Souza ordenava a "redistribuição de terras [improdutivas] a quem quisesse e pudesse produzir" e que os senhores de engenho moessem a cana produzida em áreas independentes. A reforma nunca foi feita, e o MST, hoje, ainda luta por ela...).


LIBERDADE RELIGIOSA

16 - A famosa tolerância religiosa dos holandeses existia na medida dos seus interesses econômicos. O calvinismo era republicano, mas afirmava que cabia ao Estado apoiar a verdadeira religião (a própria). Porém, organizando-se como República e desejosa de atrair capitais para seus empreendimentos (a WIC foi uma das primeiras S.A. da história do capitalismo), a Holanda não poderia reprimir a liberdade de consciência, algo que, na Península Ibérica, significava liberdade católica, ou seja, todos eram livres, desde que aderissem à obediência ativa imposta pela Igreja. Aqui, no Brasil, a liberdade religiosa foi, na verdade, uma estratégia para manter os portugueses como fiéis colaboradores e para atrair os judeus para a colônia. Pelo Regimento elaborado para o governo das terras conquistadas, caberia a um Conselho Político a autoridade sobre a administração, as finanças, a polícia e a justiça, além de zelar pela religião reformada, assegurando porém a liberdade de consciência a católicos e judeus. Cabe ressaltar que os jesuítas, recusando a soberania dos Estados Gerais das Províncias Unidas Neerlandesas, seriam banidos e seus bens confiscados. A tolerância dos batavos não foi tão grande como faz parecer alguns autores...


ESCRAVIDÃO

17 - Quanto ao envolvimento dos holandeses com a escravidão, assunto bastante analisado por Pedro Puntoni em A Mísera Sorte, desde o final do século XVI eram, os batavos, ocasionais traficantes de escravos. Com a WIC passaram a ser, de fato, traficantes, devido a possibilidade de lucros. Os flamengos não se misturaram aos negros como em Curaçau e nas Guianas. No Brasil, os negros eram catolicizados, embora praticassem o xangô. Além disso os holandeses tinham outra dificuldade, pois não falavam português. Esta foi uma das razões porquê deixaram os engenhos e a produção sob o controle dos portugueses e também porquê não impuseram sua religião. Durante a ocupação, principalmente no seu início e na guerra pela restauração, os escravos fugiam em grande número para Palmares, aproveitando que muitos senhores portugueses abandonaram seus engenhos e fazendas. Os holandeses chegaram a organizar duas expedições contra Palmares, pois os negros deveriam ser reescravizados para a produção e a sua Meca destruída para não atrair mais fugitivos.

18 - Quanto ao negro, tanto Diégues Júnior como Alfredo Brandão, outro grande estudioso local, seguem a linha proposta por Gilberto Freyre: "Apareceu para oferecer a sua grande e inestimável colaboração na obra colonizadora". Brandão aceita o mito do negro solidário, imbuído do sentimento de confraternização com seu senhor, e cria outro mito, o da bondade do senhor de engenho alagoano, afirmando que "os engenhos de Viçosa jamais presenciaram as cenas vandálicas da escravidão"(apud DIÉGUES Júnior, 1980, p. 169). No mínimo, podemos questionar: se lhe tivesse sido solicitada, será que o negro teria dado esse tipo de colaboração? Devemos considerar as circunstâncias históricas da época (grandes e profundas transformações sociais, políticas e econômicas), mas ao negro não foi dada a opção de escolha.


PRODUÇÃO

19 - Do início da colonização até a chegada dos holandeses, o quadro regional revela-nos uma região inóspita, na periferia da Capitania, quase desconsiderada pelo Governo colonial. Os determinismos do sistema de colonização português eram pouco eficazes por aqui, a julgar pelas informações levantadas pelos estrategistas batavos.
20 - Na relação de José Israel da Costa (um judeu de origem portuguesa que viveu na Bahia antes da invasão holandesa e que provavelmente residia nos Países Baixos por volta de 1636), dos 117 engenhos enumerados e listados com os nomes dos proprietários e a produção de açúcar e retame (mel ou melaço) em arrobas, cerca de 10 situam-se na região sul. Destes, apenas um, o engenho de Diogo Soares, na lagoa do sul, tem registrada uma produção acima de 6.000 arrobas de açúcar, que o coloca entre os sumamente bons. Dois estão entre os de menos porte e os demais, com menos de 3.000 arrobas, podem ser considerados de terceira categoria.

21 - Procuramos verificar a classificação dos nossos engenhos pela média geral de produção da Capitania. Pelas informações desse documento, constatamos que os engenhos da região sul produziam, em 1623, uma média de 2.438 arrobas por unidade, bem abaixo da registrada no total da Capitania, que era de 4.099 arrobas. Do total geral da produção (479.642 arrobas), a produção alagoana correspondia apenas a 5% (24.381 arrobas).

22 - Nas décadas de 30 e 40, conforme relatórios de Dussen e de Walbeeck e Moucheron, quase todos os engenhos estavam arruinados, devido a guerra, e o governo holandês não atendeu aos reclamos para reativar a produção de outros gêneros. Após a restauração, reiniciou-se a produção de açúcar.

23 - A região sanfranciscana, considerada a partir do rio São Miguel, desde cedo mostrou sua vocação pastoril. Nela, a economia açucareira não prosperou, "dando lugar às fazendas de gado, já em grande número nos começos do século XVII e particularmente durante o domínio holandês", como assinala Diégues Júnior (cit., p.74). A economia agropastoril ali desenvolvida era grande fornecedora de produtos diversos para toda a Capitania: gado, bastante farinha, muito peixe, pau-brasil, âmbar. No relatório de Verdonck não encontramos engenhos na região penedense mas, um pouco mais tarde, uma área tomou-se açucareira: a dos vales dos rios Coruripe e Poxim, onde hoje se instala uma das maiores indústrias de açúcar e álcool do Nordeste.

24 - No século XVII (antes e no início da ocupação holandesa), Alagoas era um celeiro de vários produtos. A destruição durante a ocupação e a posterior expansão da economia açucareira, impediram o desenvolvimento diversificado da produção de alimentos, ao ponto de, no final do século XIX e início do XX, o Estado tornar-se um importador até mesmo de farinha de mandioca e outros produtos agrícolas básicos, como reclamava, escandalizado, um relatório do Dr. Messias de Gusmão, em 1904, referido por Diégues Júnior em sua obra clássica O Bangüê nas Alagoas.

25 - Aqui enfatizamos a questão fundamental: as tendências para a diversificação econômica, ao nosso ver, estão presentes desde o início da colonização. Embora nas demais regiões da capitania houvesse a lavoura de mantimentos, tida por Brandônio como uma (a quinta) das seis coisas "com as quais seus povoadores se fazem ricos", o território entre os rios Una e São Francisco apresentava-se pródigo na produção de gêneros que abasteciam a Capitania, como nos mostra o relatório de Verdonck (e nos demais relatórios holandeses).

26 - Na economia colonial pré-capitalista, o sistema concentra-se na produção do açúcar, seguindo os ditames metropolitanos e os interesses do comércio internacional. A produção para dentro, evidentemente, não poderia ser incentivada ao ponto de ameaçar a hegemonia da cana. Esta exigia a partilha da terra em grandes propriedades nas mãos de senhores poderosos que, sob o controle metropolitano, pudesse abastecer de açúcar os navios, rumo aos mercados europeus. Não poderia haver concorrência de outros produtores, que levaria, inevitavelmente, muitos proprietários à diversificação no uso de suas terras.7
O desenvolvimento das forças produtivas era entravado por uma superestrutura com resquícios medievais – o ideal de nobreza, o afidalgamento, era o objetivo de quem se dispunha a vir para a colônia. Quase todos eram convencidos pela visão edênica do Brasil, ideologia elaborada pelo estamento dirigente, que prometia grandes oportunidades de enriquecimento e de realização pessoal. Na realidade, todos viam-se presos às amarras do pacto colonial, obrigados a dedicar-se à produção ou ao comércio do açúcar, nas condições estabelecidas pela Corte (e também pela WIC, durante a ocupação). A produção para dentro não recebia nenhum estímulo, restringindo-se àquela para consumo imediato e não para a mercancia. Após a Restauração, o rigoroso fiscalismo passou a visar também esta produção, à medida que se estabelecia a troca de produtos (couro, carnes, aguardente, algodão, tabaco etc.) entre as várias regiões.



RESTAURAÇÃO

27 - Foi a economia açucareira "a atração dos holandeses para o nordeste", nas palavras de Manuel Diégues Júnior. Mas, embora Nassau tenha proposto o repovoamento do território sul da Capitania para torná-lo fonte de abastecimento da colônia, isto
[...] não foi feito. Alagoas permaneceu na mesma situação [...]. A destruição, de fato, atingiu aos principais, senão a todos os engenhos de açúcar então existentes no território alagoano: e o período holandês, restabelecidas as tréguas que se prolongaram até 1645, não permitiu o ressurgimento da cultura da cana de açúcar. O flamengo se preocupou com a vida urbana, e esqueceu a organização rural. E os senhores de engenho tiveram de preocupar-se menos com a reorganização de seus engenhos que com o preparo da luta contra os invasores. (DIÉGUES Júnior, 1980, p. 101).
28 - Diégues Júnior refere-se à luta pela restauração conduzida pela elite açucareira local contra a WIC, quando esta passou a cobrar rigorosamente seus créditos concedidos e refinanciados durante o governo de Maurício de Nassau.

29 - O desprestígio político e econômico (embora responsáveis pela principal fonte de riqueza da colônia), as pressões dos credores, ameaçando-os constantemente com a execução judicial de suas dívidas, levaram os senhores de engenho a desencadear a revolução restauradora. Se os interesses canavieiros não tivessem sido contrariados, certamente seria bem mais difícil, senão impossível, a retomada colonial portuguesa nesta região.

30 - Da mesma forma, se a WIC tivesse colocado em prática as propostas de Nassau de colonizar efetivamente a região, em especial o território sul, provavelmente seriam plantadas as condições para a germinação de uma sociedade fundada em princípios bem diferentes do modelo ibérico implantado mas ainda não consolidado. Mas, como acentuamos na nossa panorâmica, a WIC não tinha nenhuma preocupação colonizadora ou civilizatória – seus interesses eram puramente comerciais.


31. A inaptidão dos holandeses para a vida colonial produtiva talvez seja possível creditar-se ao caráter mercantil de sua sociedade republicana. Dos chegados ao Brasil, "só um ou outro arriscava-se a abandonar a cidade pelas plantações de cana", como lembra Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil. Quando tentou-se enviar camponeses, estes "deixavam-se ficar [na Holanda], aferrados aos seus lares. Não os seduzia uma aventura que tinham boas razões para supor arriscada e duvidosa" (HOLANDA, 1994, p. 34).
Sobre o malogro dos planos de colonização na Nova Holanda, Charles Boxer contraria, em parte, aqueles que afirmam a incapacidade (natural ou pelas características mercantis da sua sociedade) dos holandeses para o trabalho árduo na terra:
[...] o seu insucesso em manter domínio efetivo sobre o interior deveu-se, pelo menos em parte, ao fato de não terem sido mais de três os anos (julho de 1642 a junho de 1645) em que isso foi possível. Durante dezessete dos vinte e quatro anos de existência do Brasil neerlandês nunca cessou inteiramente a luta na várzea, havendo ocasiões em que ela era muito intensa. Nestas condições, tornou-se demasiado dispendiosa, se não de todo impraticável, a colonização à custa de trabalhadores agrícolas do norte da Europa, como era repetidamente advogado por João Maurício. Se, durante o governo de João Maurício, tivessem os holandeses tido à sua disposição alguns anos mais de paz, é possível que se houvesse conseguido instituir em larga escala a emigração norte-européia. Isso é de admitir-se; mas é igualmente possível que, continuando a dominação holandesa, Pernambuco viesse a ser nada mais do que uma nova Surinam, isto é, uma colônia escravizada, da pior espécie. (BOXER, 1961, p. 203).
Boxer (cit., p. 209-210) também destaca o fato de que o Conde "fez o possível para diminuir os males da monocultura. [...] mas esses esforços produziram [...] poucos frutos, por causa da oposição teimosa dos lavradores e dos roceiros, que preferiam concentrar-se na lavoura de açúcar, por ser a mais rendosa."
Os invasores não conseguiram, ou não acharam conveniente, alterar o sistema de produção açucareiro, lastreado nas relações escravistas, e os colonos holandeses, na maioria soldados que recebiam pequenos lotes, não podiam aproveitá-los a menos que se vinculassem a um senhor de engenho.11 Essa "exigüidade da imigração holandesa para a zona rural da Colônia" (MELLO, 1979, p. 165), foi um dos motivos principais para o sucesso das lutas pela restauração.

32 - Aliás, com relação às lutas pela restauração, cabe aqui uma rápida observação: a libertação, ao contrário do que tenta passar uma certa historiografía, não resultou de uma manifestação espontânea da massa ou do povo brasileiro. Sobre a participação do povo, principalmente dos negros, nas lutas, M. Diégues Jr. (op. cit., p. 168) afirma, corroborado por Gilberto Freyre: "Moradores e cabras de engenho, gente do eito e da bagaceira, pessoal da moenda e da casa-grande, juntaram-se todos no mesmo sentimento de confraternização com os proprietários rurais, reagindo contra os holandeses". Não somos "marxistas dos inflexivelmente ortodoxos", como Freyre refere-se, no prefácio da obra de Diégues Jr., àqueles que não seguem sua linha, mas considero bastante discutível a afirmação acima. O que determinou a reação dos senhores contra os holandeses, como vimos, foi a mudança no relacionamento da WIC com os produtores de açúcar. E o sistema patriarcal e quase feudal de relações sociais e de produção não permitiu outra alternativa aos negros e ao povo em geral, senão ficar ao lado dos senhores. Alguns, como Calabar, que tomaram outra atitude, pagaram com a vida por sua ousadia. A revolta não foi popular, até mesmo porque as camadas ditas populares não tinham nenhuma capacidade (nem consciência) organizativa. O povo, como sempre, estava sob o controle dos poderosos...
Com as Restaurações (da coroa portuguesa, em 1640, e do Nordeste brasileiro, em 1654), a política metropolitana acentuou o centralismo administrativo e a consolidação do domínio colonial, com a criação de novos instrumentos: o Conselho Ultramarino, para "impedir a desordem e os atritos da administração nas colônias de ultramar", e a Companhia Geral do Comércio para o Estado do Brasil. Esta e outras Companhias (do Maranhão, do Grão-Pará, de Pernambuco e Paraíba), criadas posteriormente, não seguiam o padrão das companhias inglesas e holandesas, pois privilegiavam o papel do Estado em detrimento dos capitais particulares. Alias, Portugal foi um dos últimos países europeus a formar Companhias de Comércio. Assim, cresce o fiscalismo, diminui a autonomia das Câmaras e aumenta a dependência dos senhores de engenho aos comerciantes da metrópole e àqueles que se fixam na colônia, intermediando os negócios. Cresce também a corrupção: em 1730, a Câmara das Alagoas reclamava ao Rei sobre o estado miserável do povo, culpando por isso (entre outros motivos), os "interesses econômicos dos comissários vindos da Corte" (AHU-AL.–Doc.65). A mesma Câmara, em 1732, solicitava ao Rei os mesmos privilégios e graças da cidade de Olinda para a Vila das Alagoas (AHU-AL.–Doc.73).



INDÚSTRIA AÇUCAREIRA

33 - Uma rápida visão do quadro geral da indústria açucareira de Alagoas mostra-nos, ... , que a quantidade de engenhos e, conseqüentemente, a produção, cresceu bastante após o período holandês. Dos 16 engenhos (muitos de fogo morto) então existentes, passamos a mais de uma centena no século seguinte e, daí em diante, houve um crescimento acelerado da produção alcançando, na atualidade (agora não mais a partir de rústicos engenhos, mas de sofisticadas usinas), a terceira posição em todo o país, superada apenas pelos Estados de São Paulo e Paraná.
Com relação aos séculos coloniais, principalmente os dois primeiros, a documentação sobre a produção açucareira é escassa. Muito menos quanto a outros produtos. Porém, baseados nos relatos de Gandavo, Brandônio, nos Relatórios holandeses já mencionados e nas obras de Diégues Júnior e Moacir Medeiros de Sant'Ana, também por nós referidos, podemos seguir a linha evolutiva dessa produção:
I.Em 1560, segundo Gandavo, a Capitania de Pernambuco tinha cerca de 23 engenhos. Não há indicações para Alagoas.
II.  Em 1587, ainda de acordo com Gandavo, existiam cerca de 60 engenhos na Capitania, sem referências alagoanas.
III. Para o ano de 1590, Brandônio, nos Diálogos..., informa que existiam 66 engenhos em toda a Capitania. Por volta desse ano, foram fundados por Cristóvão Lins os primeiros engenhos na região de Porto Calvo - o Escurial e o Buenos Aires. Ainda do final do século XVI são os engenhos do Morro, o Baixo e o Maranhão, também fundados por Cristóvão Lins, o desbravador da região norte alagoana.
IV. No início do século XVII surgem dois ou três engenhos na região das lagoas (as Alagoas, no litoral-centro).
V. Em 1623, o relatório de José Israel da Costa indica 123 engenhos nas Capitanias de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba, sendo 8 ou 10 na parte ao sul do rio Una. Foi a produção desses engenhos que despertou a cobiça dos financiadores da Companhia das Índias Ocidentais.
VI.1630 – Segundo Verdonck, 121 engenhos na Capitania, sendo 12 ou 14 no sul do território.
VII.1638 – O Breve Discurso... de Dussen informa sobre a existência de 108 engenhos em Pernambuco, sendo 15 em nossa região.
VIII. 1639 – Outro relatório de Dussen indica 121 engenhos em toda a Capitania, com 16 (apenas 9 moendo) ao sul. A Capitania da Paraíba tinha então 18 engenhos bons e 2 arruinados.
IX. Por volta de 1643 (Relatório de Walbeeck e Moucheron), já existiam no litoral- centro (as Alagoas), 6 engenhos.
X. Em 1655, logo após a Restauração, apenas 109 engenhos funcionavam em Pernambuco. Não temos indicação precisa desses dados, mas Uma Relação dos Engenhos de Pernambuco em 1655 (Traslado do Rendimento das Pensões, Redízima e Vintena e outras coisas mais que esta Capitania de Pernambuco pagava ao Donatário Dom Miguel Portugal), publicada por Gonsalves de Mello, relaciona 109 engenhos na Capitania, alguns não moentes. Em Porto Calvo, aparecem 5 engenhos em atividade e 2 arruinados; no distrito de Alagoas, dos seis relacionados, apenas 1 moente.
XI. Em fins do século XVII, segundo Diégues Júnior, esta região já contava com 72 engenhos. No total, a Capitania tinha 254.
XII.Durante o século XVIII, dobrou o número de engenhos, chegando a perto de 200 no início do século XIX e a cerca de 1.000 no alvorecer do século XX.

Já na primeira metade do século XIX a zona norte da Província (emancipada de Pernambuco em 1817) superava, em quantidade e qualidade, todos os distritos da antiga Capitania.

34 - A partir do final do século XIX, os engenhos foram sendo substituídos pelas usinas e houve um grande impulso na produção açucareira. No século XX a maioria dos antigos e faustosos senhores de engenho cedeu lugar aos grupos das usinas, passando a ser simples fornecedores de cana, da mesma forma que eram, no passado, os lavradores de suas terras. Hoje, o Estado de Alagoas tem 27 usinas produzindo cerca de 25 milhões de toneladas de açúcar, perdendo apenas para o Estado de São Paulo e disputando com o Paraná a segunda posição. Alagoas tem hoje o dobro da produção de Pernambuco, que ocupa o 6° lugar no cenário açucareiro nacional. O Estado pernambucano, por suas condições geográficas (mais acidentado que Alagoas) que dificultam a plantação em larga escala, diversificou sua economia enquanto Alagoas acentuou a monocultura. Aqui, a cana representa cerca de 60% da riqueza do Estado, enquanto que em Pernambuco é de aproximadamente 20%. Porém, se nosso setor agrícola (que representa 80% da economia) é marcadamente monocultural, isto não pode ser creditado exclusivamente aos usineiros, pois existe bastante terra desocupada para outros produtos, à espera de uma ação governamental mais competente, eficaz e menos voltada para os interesses paroquiais dos latifundiários.
A demonstração acima da evolução canavieira, é feita para respaldar a afirmativa do processo de sufocação das tendências delineadas nos primeiros momentos da colonização. Torna-se necessária também uma abordagem, mesmo superficial, de outros aspectos da realidade social e econômica objetivada.
Quando falamos de produção diversificada, referimo-nos àquela que, por suas dimensões, extrapola a simples roça de subsistência, aqui incluindo a criação de animais como galinhas, porcos, patos etc. A persistência da presença de determinados produtos como tabaco, mandioca, algodão, gado e outros, em quase todos os pontos do território e em quantidade significativa, serve para indicar que uma ação organizada e sistemática certamente resultaria na produção de bens e riquezas que tornaria a região não só uma fonte de abastecimento interno (produção para dentro) mas também, com o seu desenvolvimento, em um pólo de exportação para os mercados metropolitanos. Sem falar que, no caso dos holandeses, se a região sul da Capitania fosse colonizada, dificultaria o acesso de tropas vindas da Bahia ou desembarcadas nos portos litorâneos, e consolidaria a conquista.
Infelizmente, malgrado os esforços de Nassau, a monocultura perseverou e seus efeitos continuaram maltratando toda a região. Como já vimos, os Diretores da Companhia almejavam lucros rápidos e negavam-se a destinar recursos para investimentos a longo prazo.
A postura dos senhores da WIC só é compreensível se a considerarmos como uma decisão capitalista de direcionar todos os recursos apenas para o financiamento de engenhos, que prometiam retornos relativamente rápidos, uma vez sanados os estragos provocados pelas lutas da conquista. Não podemos supor que os financistas batavos tivessem sido tomados pelo espírito edênico disseminado pelos ibéricos para atrair colonos. Certamente eles tinham conhecimento da crise açucareira no Brasil, e não se deixariam influenciar pela visão do paraíso originada com a Carta de Caminha e desde então presente nas obras dos cronistas lusitanos, como Gandavo (1964, p. 37), que assim descreve a condição da terra: "[...] he esta Província sem contradição a melhor para a vida do homem que cada huma das outras de América, por ser commummente de bons ares e fertilíssima, e em gram maneira deleituosa e aprazível à vista humana." N'O Valeroso Lucideno, assim também descreve Calado (1945, p. 39): "Era aquela república antes da chegada dos holandeses a mais delicada, abundante, próspera, e não sei se me adiantarei muito se disser a mais rica de quantas ultramarinhas o Reino de Portugal tem debaixo de sua coroa, e cetro."

35. A impossibilidade de desenvolvimento de uma economia diversificada na colônia é analisada exaustivamente desde Caio Prado Júnior, principalmente em seu Formação do Brasil Contemporâneo, que explicita as razões do sistema colonial voltado para o produto de exportação. Tudo o mais seria dependente e subsidiário da grande plantação escravista, voltada para os interesses metropolitanos no comércio mundial. Porém, cremos que, com os planos de colonização e o conseqüente repovoamento da região, certamente a diversificação seria acentuada, pois, como observa o próprio Caio Prado Júnior (1965, p. 119), o crescimento populacional "constitui por si só um fator de transformação, porque determina a constituição e desenvolvimento do mercado interno, [...] e com ele, de um setor econômico propriamente nacional, isto é, orientado já não exclusivamente para exportação."
O caráter bissegmentado da economia colonial (mercantil – produção para exportação, e natural – produção para consumir), era intrínseco à estrutura da plantagem, como analisa profundamente Jacob Gorender. Para efeito do nosso estudo, emprestamos de Gorender (1992, p. 239) a constatação de que inexiste [inicialmente] mercado na colônia e a norma do auto-abastecimento devia ser absoluta [...]. Nos começos do século XVII, consolidados alguns núcleos urbanos no litoral, também se formou um mercado interno abastecido de gêneros alimentícios da própria colônia. [grifo nosso].

Como está sendo demonstrado, Alagoas apresentava potencial, ou tendências, para ser a fonte abastecedora desse mercado, o que foi impedido pela presença dos holandeses e a ênfase posterior na atividade açucareira.
Essa produção para dentro, que destacava o território sul, não poderia alcançar uma escala crescente no contexto do sistema colonial escravista, limitando-se a uma reprodução em escala igual, sem propiciar, portanto, uma acumulação de meios de produção que permitisse o seu desenvolvimento rumo à produção para exportação.
36. Com a ausência de uma classe média rural, ou mesmo urbana, uma vez que o sistema patriarcal-senhorial projetava-se para as vilas e cidades, ruralizando a vida urbana, tudo girando em torno do produto para exportação, era impossível a constituição de uma economia diversificada. Se essa produção fosse desenvolvida, fatalmente ocorreriam mudanças nas relações de produção, com repercussões nas estruturas de poder, pois teríamos categorias sociais mais autônomas, desvinculadas do senhorio colonial canavieiro.
A história, porém, é incontrastável: estudos anteriores já demonstraram a tese da construção de relações de poder baseadas nos laços de parentesco14 e vinculadas diretamente à propriedade da terra – são relações eminentemente rurais. A verdade é que não se pode desconhecer a importância do açúcar como elemento dominante no processo de formação de nossas estruturas sociais, políticas e econômicas. Tudo em nossa história gira em torno do açúcar.

ATIVIDADES SUBSIDIÁRIAS OU PERIFÉRICAS

37. A análise será incompleta se não verificarmos, também ao menos superficialmente, algumas características de outras atividades econômicas.
Se grande parte dos engenhos aqui localizados pouco ou nada produziam, até a primeira metade do século XVII, e da região saíam outros produtos que não o açúcar, ao ponto de um relatório holandês informar que toda a farinha vendida em Pernambuco era daqui originária, é de se supor que os nossos sesmeiros não dispunham de recursos para comprar escravos em quantidade suficiente e instalar engenhos em condições de funcionamento, dedicando-se então, diretamente ou estimulando moradores e agregados, ao cultivo de outros produtos ou à pecuária, esta de forma mais expressiva nas proximidades dos rio São Francisco.
A região sanfranciscana desde o início mostrava seus pendores para outros produtos que não o açúcar. Mas, como outras, também não recebeu os incentivos necessários. Bem tarde, já no século XIX, percebia-se o desperdício:
A 15 de março de 1854, em correspondência dirigida ao Ministro do Império, o Presidente da Província das Alagoas informava o péssimo estado em que se encontravam os engenhos da Comarca de Penedo, cujo terreno considerava mais indicado para outros ramos da agricultura, principalmente de legumes. (SANT'ANA, 1970, p. 289).
38. As informações ... reforçam o quadro de uma região periférica bastante diferenciado daquele no qual se baseam os adeptos da nossa vocação para o açúcar. Uma vocação tardia, pois, como já verificamos, a expansão da cana ocorreu quase cem anos depois da fundação dos primeiros engenhos, tolhendo o desenvolvimento lógico das forças produtivas delineadas. Mesmo na região norte, grande concentradora da indústria açucareira a partir da segunda metade do século XVII, a tendência era outra.

39. O algodão foi outro produto que "sempre figurou ao lado do açúcar, algumas vezes até suplantou-o," mas só a partir do século XIX, na sua segunda metade, principalmente, devido a grande demanda dos Estados Unidos em função da Guerra de Secessão, "o algodão teve um grande surto de progresso. Foi então que procurou fazer sombra ao açúcar, como de fato fez. Período houve em que as rendas provinciais viviam do algodão. Do alto preço obtido pelo algodão." (DIÉGUES, cit., p. 113).
Essa tendência de expansão territorial da cana de açúcar foi acentuada no século XIX, com o surgimento das usinas, ampliando-se a monocultura. No início do século XX, tínhamos cerca de 1.000 engenhos e 6 usinas, como já nos informou Moacir Sant'Ana.
A eficiência da economia açucareira (bangüê) baseava-se no trabalho escravo (e no patriarcalismo, estruturando a vida familiar e social). Com a abolição, em 1888, e mesmo com o advento das usinas, a crise do açúcar acentuou-se, mas, em Alagoas, e no Nordeste como um todo, não houve um esforço significativo para a diversificação econômica, o que já começava a ocorrer no sul do país.
Outra atividade com uma presença bastante significativa é a pecuária. Em termos econômicos, "essa atividade apresentava para o colono sem recursos muito mais atrativos que as ocupações acessíveis na economia açucareira" (FURTADO, 1998, p. 59). Entretanto, por ser uma atividade subsidiária e dependente, periférica, sem mercado externo, a pecuária propiciou a penetração interiorana, na medida da rápida expansão da produção de açúcar, com a cana engolindo os pastos.
Com o aumento da criação de gado na região sanfranciscana, que exigia grande extensão de pasto, houve a interiorização que originou a Bacia Leiteira de Alagoas. Os boiadeiros, conduzindo seus rebanhos, iam estabelecendo ranchos que, aos poucos, transformavam-se em povoados. A ligação entre esses povoados era feita pelos tropeiros, mercadores viajantes que tiveram um papel importante na penetração e na integração territorial.

40. Mesmo considerando o papel periférico da pecuária em relação ao sistema produtivo de açúcar, foram feitas tentativas de melhorar e ampliar o rebanho, ainda no século XIX. Já no século XX, efetivamente houve um grande avanço no setor, nas regiões do agreste e do sertão, e hoje, anualmente, realiza-se em Maceió uma das maiores feiras agropecuárias do Norte-Nordeste do país sem, entretanto, sequer abalar a preponderância da indústria açucareira, que continua hegemônica economicamente e com forte influência política no Estado.
Concluímos este segmento com uma referência a um elemento fundamental, presente na dieta do nordestino desde antes da chegada dos colonizadores: a farinha de mandioca:
A farinha de mandioca é o alimento básico do campesinato formativo. O mundo rural da pars borealis não conhece dieta sem farinha. A farinha de mandioca tem presença universal na dieta rural: sob a forma de mingaus, de pirões [...] e farofas de água e sal, farofas condimentadas com picadinho de cebola, alho e coentros esparregados. A farinha de mandioca comida seca, jogada em bocados com a mão à boca, e acompanhando um pedaço de carne assada – de caça, ceará ou charque, carne de sol de sertão, carne de vento, peixe seco salpreso ao sol, guisados – ou engrossando os caldos de peixe, de marisco, de peixe amoquecado, de feijão ao tempero. Com a farinha de mandioca se faz o mingau para o doente, para o convalescente e é também, servida ao prato fundo, o caldo grosso de sustento. A casa de farinha [o lugar onde se fabrica], na época das farinhadas, é o centro de reunião da família e dos vizinhos, um dos raros momentos de solidariedade camponesa. Lá se trabalha dias inteiros e noites inteiras, conversa-se sobre os raros acontecimentos, troca-se experiências de trabalho, se namora e se combina amigações e casamentos. [...]. As farinhadas são o centro da vida rural, [...] de uma sociedade dispersa em sítios, arraiais, povoados e vilas.[...]. É nela [na casa de farinha] que se realiza o grande ágape camponês da solidariedade e da convizinhança. Só se pode definir a casa de farinha de um jeito: a casa da comida. (LINDOSO, 2000, p. 197).
Como já afirmava Capistrano de Abreu (1954, p. 217), a farinha é "o único alimento em que o povo tem confiança".




41. A ALAGOANIDADE PRECOCE

A expressão acima talvez seja meio pretensiosa, e não a encontramos no Aurélio. Aliás, vasculhando os dicionários verificamos que são poucos os Estados cujos povos substantivam o sentimento de amor à terra natal. Pode parecer contraditório alguém apelar para o idealismo quando fundamenta sua análise em conceitos marxistas como o materialismo histórico. Porém, como já esclarecemos, não somos "marxistas dos inflexivelmente ortodoxos", lembrando Gilberto Freyre, e podemos nos permitir este pequeno desvio, pois não desprezamos os aspectos emotivos, sentimentais, advindos das relações entre os homens e que os fazem sentir-se membros de uma comunidade.
Mas voltemos à realidade. Onde estão as raízes dessa suposta alagoanidade? No episódio de Calabar? Nas lutas pela restauração? Nos Palmares? Ou então na geografia privilegiada do litoral, considerado e louvado, com razão, como um dos mais belos do país, e do restante do território, com apenas uma pequena parte localizada no árido sertão nordestino? E, afinal, o que era (é) Alagoas?
Nos primeiros séculos coloniais, na verdade, não existia uma, mas duas Alagoas: a do Norte e a do Sul, entre Porto Calvo e a região sanfranciscana. Duas grandes lagoas, as atuais Mundaú (Norte) e Manguaba (Sul), interligadas por estreitos canais que formam cerca de 21 ilhas e que chegam juntas, irmanadas, no Atlântico. Formando um impressionante complexo lagunar, originaram o nome da Província que se constituiu em 1817.
Nesta região, a das lagoas, por razões que podem ser objeto de estudo em outras teses, aos poucos ocorreu uma grande concentração urbana originando a cidade de Maceió, a atual capital do Estado, que exerce uma brutal concentração demográfica, política, cultural e econômica, ao ponto de ser considerada como se fosse, apenas ela, a própria Alagoas.
Algumas breves considerações sobre aspectos demográficos e sociais, a ocupação (incluindo aqui Calabar) e os negros, poderão ser úteis na avaliação da alagoanidade.
No século XVII, logicamente a região portocalvense, por sua maior proximidade com o centro da Capitania, concentrava o maior número de habitantes e de engenhos, embora poucos, seguida pelos distritos das Alagoas e Penedo, nesta ordem. Do rio Una, ao norte, até o São Francisco, ao sul, por volta de 1630 havia cerca de 500 a 600 homens, "quase todos mamelucos e gente muito má", segundo o relatório de Verdonck. O brabantino refere-se a homens e não a habitantes, provavelmente para assinalar o potencial de resistência às tropas holandesas. Não faz indicação do número de escravos nem de mulheres e crianças. Suas informações são imprecisas, mas permitem calcular uma população rural aproximada de 12.000 pessoas na Capitania, o que significaria dizer que o território sul contava em torno de 5% dessa população.
Cerca de dez anos depois, Adriaen van der Dussen faz uma minuciosa descrição de todos os engenhos da Capitania, embora sem referências ao número de habitantes. Relaciona 121 engenhos, mas apenas 87 moentes, em virtude das lutas, dos quais 9 na nossa região (Porto Calvo, Alagoa do Norte e Alagoa do Sul). Considerando que um engenho tinha, em média, 150 pessoas (número geralmente aceito para este tipo de cálculo), contando o senhor, sua família, moradores, lavradores e escravos, temos uma população de cerca de 1.350 pessoas na área açucareira abaixo do rio Una. Como não dispomos de dados sobre os habitantes envolvidos em outras atividades, podemos, num cálculo aproximado, situar a nossa população entre 1.500 e 1.600 pessoas no início da década de quarenta do século XVII. A população rural da Capitania, pelo relatório de Dussen, seria de aproximadamente 16.000 habitantes, subindo portanto para cerca de 10% a população relativa de sua parte meridional.
Cabe aqui uma significativa observação feita por Capistrano de Abreu:
Assegura Brandônio que as três Capitanias do Norte poderiam ter em campo mais de 10.000 homens armados, isto é, deviam contar pelo menos 40.000 almas. Palpável exagero: em todas as Capitanias juntas mal passaria desta soma a gente de procedência portuguesa" (DIÁLOGOS..., 1956, p. 13, grifo nosso).
Com relação ao número de soldados holandeses, o Conselheiro Dussen informa sobre as guarnições mantidas no território conquistado. Ao sul, cita o Forte Maurício, em Penedo, com 6 companhias e 541 homens; em Alagoas, 4 companhias com 293 homens; em Camaragibe, uma companhia com 93 homens e Porto Calvo, 4 companhias com 380 homens. No total da Nova Holanda, "o efetivo da nossa força militar é de 6.180 homens, entre os quais se incluem todos os doentes e incapazes, os tambores e os ordenanças". Acrescenta que, em caso de necessidade, "seria possível ajuntar, na melhor hipótese, cerca de 1.000 brasilianos" (índios). Nos distritos sulistas, portanto, encontravam-se estacionados 1.307 homens, cerca de ¼ do total de soldados da Capitania, o que denota a preocupação do comando da Nova Holanda com a região.
Este o quadro populacional, incluindo o "elemento perturbador", tão próximo da realidade quanto possível, nos limites de nossa pesquisa e de nossa interpretação.
Quanto às características da sociedade que subsistia no tempo da ocupação, podemos reafirmar o já insinuado em nosso texto: no período holandês foram fortalecidas as bases das estruturas de dominação das elites alagoanas. O mandonismo local – e o caráter violento dessas elites – foi forjado pelo isolamento da região meridional da Capitania. Esta situação deve-se ao fato de que aqui, nas primeiras décadas da colonização e até o período holandês, desenvolvia-se uma economia voltada para o consumo interno – produção para dentro – despertando pouca atenção do governo da Capitania, dirigida para a produção açucareira. Não havia sequer órgãos de representação ou fiscalização – o Breve Discurso... de Dussen informava que no distrito sul da Capitania "nunca teve Câmara, sendo dirigido pro libitu do mais poderoso do lugar" – e as questões eram resolvidas na marra, na base do cada um por si e contra todos; vigorava a lei do mais forte e assim foram tecidas as relações sociais e de poder na sociedade alagoana, uma sociedade que começa a se firmar na periferia da Capitania, região obscura e abandonada do sul de Pernambuco que, depois das lutas, passa a ter vida própria, criando valores que serão afirmados na Revolução de 1817.
Podemos atenuar um pouco o rigor destas afirmativas reconhecendo que, em todo o Nordeste açucareiro, não foi muito diferente, pois o patriarcalismo é um dos caracteres da formação da sociedade nordestina. Em Alagoas, a figura do senhor de engenho é marcante em todos os aspectos da vida local. Ousamos dizer que talvez com mais intensidade ainda que em outros Estados. Eles sempre estiveram ligados ao poder, ou talvez seja melhor dizer que deles é que irradiava o poder, como até hoje, pois é nos usineiros e nos grandes proprietários de terras que se apóiam os grupos políticos. Sua esfera de influência, até em épocas recentes, produziu o chamado ruralismo urbano: a forte presença da vontade do senhor além das fronteiras de sua propriedade, nos povoados, nas vilas, nas cidades. Como já vimos, no período holandês ocorre uma retração dessa influência, com o controle da administração local pelos escabinos indicados pelo governo.
Um outro ponto recorrente quando se fala em alagoanidade refere-se à colaboração prestada por um portocalvense que aderiu aos holandeses, em nome de uma almejada libertação dos ditames metropolitanos portugueses. Na historiografia alagoana, entre os fatos ocorridos na Alagoas Pars Boreal (a região de Porto Calvo) de Dirceu Lindoso, destaca-se sobremaneira a atitude de Domingos Fernandes Calabar que, em 1632, passou para o lado batavo e tornou-se de extrema valia para a conquista, por seus profundos conhecimentos da região e habilidades estratégicas.
Os historiadores portugueses e brasileiros são "particularmente exaltados contra este traidor", na expressão de Wätjen, mas a contribuição de Calabar aos holandeses é minimizada por outros, considerando "as discórdias reinantes no campo adversário" (Brandenburger, apud WÄTJEN, 1938, p. 119). Muitos portugueses de livre vontade se passavam para os holandeses – não devemos esquecer que Portugal tinha sido incorporado à Espanha desde 1580 e era com este país que a Holanda conflitava.
Durante o "Êxodo Pernambucano" (a desmoralizada fuga para a Bahia do Governador da Capitania e suas tropas, acompanhado de muitos senhores de engenhos com seus séquitos) Matias de Albuquerque, de passagem por Porto Calvo, em julho de 1635, conseguiu derrotar as guarnições do major Picard e prender Calabar, executando-o então com requintes de crueldade. Outros traidores tiveram melhor sorte, como Sebastião Souto, primo e compadre de Calabar, que também havia se passado para os holandeses mas arrependeu-se e facilitou aquela vitória passageira de Matias de Albuquerque. Por isso, foi promovido a alferes. Outro, Gaspar Dias Ferreira, chegou a naturalizar-se holandês.
Os holandeses também tinham seus traidores, com os quais também eram severos e cruéis, quando os capturavam. Em uma ocasião, por volta de 1646, cerca de 50 soldados, quase todos franceses, mercenários, que tinham desertado para o outro lado, foram capturados e enforcados. Assim descreve um cronista:
Muitos desses miseráveis [antes da execução] acusaram altaneiramente os holandeses de terem, de todas as maneiras, falseado suas promessas, por conseguinte, eles próprios não tinham obrigação de manter as suas, pois tinham sido enganados em primeiro lugar. (MOREAU, 1979, p. 73-74).
Calabar também tinha seus seguidores do lado contrário... Da mesma forma que achava os holandeses mais justos, aqueles soldados consideravam, segundo Pierre Moreau, que os portugueses "[...] mantinham sua palavra e os haviam tratado melhor do que ousavam esperar".
Não nos interessa o culto a heróis nem muito menos criá-los – com relação a muitos (no caso, destaca-se Calabar), há apenas estórias, em geral decorrentes de uma postura maniqueísta (herói ou traidor?), sem o rigor da análise histórica científica e sem levar em conta a relação dialética entre a ação individual e o movimento histórico.
Existem os admiradores e os detratores – isto vale não apenas para o mito Calabar como para o significado da ocupação holandesa.
Deve-se considerar a realidade social e econômica para se fazer um retrato real – quem era o homem? Sua atitude foi isolada, ou outros também a tomaram? Foi um surto de idealismo? Almejava, de fato, uma nova ordem? Devemos tentar responder estas perguntas sem paixão ou ufanismos que tolhem a razão.
Herói? Traidor? Nem uma coisa nem outra. No máximo, podemos considerá-lo como um homem que vislumbrou a oportunidade de trocar de patrão passando das mãos de um, estatal, monarquista e explorador explícito, para outro, republicano, privado, capitalista e não menos explorador. Não podemos esquecer que a WIC era uma companhia privada, com objetivos meramente comerciais e sem nenhuma intenção civilizatória.
Para os patrões ibéricos foi, de fato, um traidor. Para outros, os holandeses, foi apenas um adesista sem nenhuma chance de mudar o status colonial (ou alguém acredita que a Holanda pretendia emancipar o Brasil?). Chamá-lo de desbravador do sentimento pátrio ou da alagoanidade é um tremendo exagero, da mesma forma como é exagerado designar as lutas contra o invasor como um momento de despertar da consciência nacional, pois dificilmente podemos detectar um movimento regular, espontâneo, popular, nas guerras holandesas no Brasil.
Herói patriota? De qual pátria? Que estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais brasileiras aqui existiam? Na época, na verdade, ainda se realizava a transposição da ordem social ibérica para a colônia, e apenas no século seguinte começam a aparecer os sinais de desassossego colonial.
Calabar pode ser considerado, como lembra o Professor Moacir Medeiros de Sant'Ana, como "um soldado de grande valor" e "vítima de discriminação racial", injustiçado pelos portugueses.
Devemos ver Calabar numa "conjuntura onde houve alternativas e alguém perdeu", como afirma o historiador Boris Fausto. Ele apenas fez uma opção entre dois tipos de dominação ... e perdeu. Por isso, leva a pecha de traidor (na historiografia luso-brasileira oficial) mas, nem por isso, pode ser considerado herói.
Com relação aos negros, o século XVII também foi testemunha de um fenômeno de grande significado não só para Alagoas como no contexto geral da formação da sociedade brasileira – os Quilombos dos Palmares, originados ainda no século anterior. Afora o que já foi dito sobre a colaboração dos escravos com a expansão canavieira (colaborou com o seu sangue, pois, juntamente com o sangue indígena, adubou a terra para as plantações de cana), devemos lembrar, como assinalou João Blaer (apud DIÉGUES Júnior, 1980, p. 164), comandante de expedição flamenga contra os quilombos,15 que em Palmares havia roça abundante, constituindo-se numa primeira experiência policultora em uma região monocultora.
A guerra holandesa favoreceu a fuga de escravos e Palmares cresceu e organizou-se em vários mucambos. Para os batavos os negros deveriam ser reescravizados; daí as expedições contra Palmares, pois, como Dussen deixa claro em seus relatórios, sem escravos não havia produção. Envolveram-se com o tráfico (aconselhados por Dussen), também devido às possibilidades de lucros, controlando sua rota (e negócios) a partir da conquista de São Paulo de Luanda, na África. Em 24 anos de dominação, os holandeses trouxeram para o Brasil cerca de 26.000 escravos.
Encerramos este segmento complementando algumas considerações anteriores a respeito do relacionamento dos senhores alagoanos com seus escravos.
Diegues Júnior recorre a um estudo de José Antônio Gonsalves de Mello para atestar o sentimento de confraternização entre negros e proprietários rurais: "Na luta contra os holandeses já fora grande a contribuição do elemento africano. O escravo negro acompanhou o senhor de engenho no seu sofrimento e na sua reação". Vai mais além:
É talvez dessa aproximação em horas tão dramáticas – a da guerra holandesa e outras que se sucederam – que tenha nascido entre os senhores de engenho das Alagoas um sentido mais humano no tratar o escravo, [embora] muito distante de ser inteiramente humano esse tratamento, [pois nunca] deixaram de existir nos engenhos de Alagoas os mesmos instrumentos de martírio, conhecidos na história da escravidão no Brasil. (DIÉGUES Júnior, 1980., p.168-169, grifo nosso).
Parece-me que essa tese – a do negro solidário com seu senhor – é de difícil aceitação, pois para o negro não havia outra alternativa: ou lutava contra os inimigos do senhor ou morreria nas mãos do senhor.
O historiador Alfredo Brandão (apud DIÉGUES Júnior, cit., p. 169) chega a afirmar, como vimos antes, que "os engenhos de Viçosa jamais presenciaram as cenas vandálicas da escravidão", mas ressalva que "se castigo houve eram apenas uma reprimenda às suas malfeitorias, mas esses castigos não excediam os sentimentos de humanidade" (grifos nossos). Muito bonzinhos os senhores de engenho viçosenses...
O tratamento dado aos negros, no Brasil, foi amenizado no século XIX devido a uma circunstância econômica: extinto o tráfico, no Brasil monárquico, era preciso tratar os escravos com mais cuidado, para preservá-los com vida e em condições de trabalhar o maior tempo possível.
Finalmente, uma rápida opinião pessoal sobre aquele que é, talvez, o maior ícone de nossa alagoanidade, Zumbi dos Palmares: Zumbi é, efetivamente, o único herói nacional, pois, diferentemente dos demais, foi reconhecido pelo Estado brasileiro a partir de manifestações (e reconhecimento) do próprio povo, e não imposto ou determinado pelas elites. Mesmo Tiradentes, o mais popular afora Zumbi, foi colocado no pedestal pelas elites republicanas de 1889, e ainda hoje a maioria da população não sabe o seu significado. Zumbi, para ser herói, teve que enfrentar, e morrer por isto, o sistema de dominação e exploração colonial e, mais de 300 anos depois, a intolerância e o preconceito de uma sociedade que ainda se considera branca.


42. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tentamos, ao longo deste trabalho, demonstrar uma proposição que, se não é inusitada, pelo menos é pouco considerada em nossa historiografia: a de que o desenvolvimento das forças produtivas no território alagoano indicavam, em suas tendências gerais, uma diversificação econômica contrária ao determinismo monocultural do sistema de colonização português.
Fizemos um esforço de interpretação da singularidade alagoana, utilizando os dados disponíveis na historiografia e em documentos conhecidos.
Nossa hipótese tem um caráter qualitativo, pois procuramos demonstrar, com uma base de dados já razoavelmente conhecidos, alguns, e outros ainda não devidamente explorados em trabalhos anteriores, que houve, de fato, uma mudança de rumo nesse desenvolvimento.
Esperamos ter, com a análise dos dados, comprovado nossa hipótese ou, pelo menos, lançado luzes sobre um episódio significativo de nossa história. A presença holandesa foi de fato, uma influência exógena no processo de formação de nossa sociedade. Nossa percepção é que a aventura holandesa impossibilitou o processo local rumo à diversificação econômica e contribuiu para consolidar as estruturas de dominação e exploração – suas marcas (inclusive as idéias de liberdade, de consciência livre, tolerância, tenaz espírito de independência do povo etc.) são ilusórias, apenas servem às elites.
A região nordestina (embora devamos considerar que só a partir do fim do século XIX é que surge o Nordeste, com o ajuntamento, ou aproximação, das regiões interioranas com a faixa litorânea leste), talvez seja a parte do Brasil que mais profundamente revela a permanência das estruturas de dominação características da civilização do açúcar originárias no período colonial e consolidadas após a independência.
A forte presença do Estado, tanto no período colonial quanto após a Independência, teve grande influência na formação de uma sociedade brasileira excludente. Se antes os senhores coloniais estavam sob rígido controle do Estado metropolitano, com a Independência passam a ter vida própria, assumindo o controle político e mantendo os seus privilégios, embora permanecendo como parceiros secundários e periféricos no mercado mundial.
Na fase de irradiação do capitalismo competitivo dependente, a monopolização do poder político pelos estamentos senhoriais impediu que houvesse a formação de um Estado de fato representativo e uma revolução verdadeiramente nacional – o que deixou seqüelas até hoje. Devemos nos lembrar, com Florestan Fernandes, que a Independência poderia ter varrido a ordem senhorial vinda da colônia se tivesse ocorrido realmente uma revolução de cunho popular. Como isto não ocorreu, ela consolidou as estruturas coloniais de dominação que se eternizaram na sociedade brasileira. Aliás, parece mesmo que o Brasil é o país das revoluções feitas para nada mudar... Como dizia José Honório Rodrigues, aqui existe permanentemente uma contra-revolução, pois as elites controlam com eficiência os mecanismos do Estado e estão sempre alertas para impedir que os movimentos populares alcancem uma dimensão que ponha em risco o seu status. Se isto não ocorreu com a Independência, muito menos com a República. Com esta, pouca coisa mudou, pois os antigos senhores, agora fazendeiros, principalmente das lavouras de café (o açúcar continuou predominante por aqui...), libertaram-se do trabalho escravo e abandonaram a ordem senhorial, mas permaneceram com o monopólio da terra e o poder oligárquico. A troca do trabalho escravo pelo livre, aliás, além de ter sido uma imposição da evolução capitalista, trouxe mais algumas vantagens, pois o trabalhador assalariado, no fim das contas, sai mais barato do que um escravo.
Entretanto, devemos amenizar o nosso discurso. Não podemos fazer uma simplificação caricatural da história, demonizando o colonizador branco, principalmente o senhor de engenho. Eles eram peças, muitas vezes involuntárias, de uma engrenagem em movimento incontrolável. Da mesma forma que os escravos, foram (são) personagens históricos, participando, ambos, de um mesmo drama.
É de se perguntar: poderia ter sido de outra forma?
O patriarcalismo, o latifúndio e o escravismo são as categorias que têm sido vistas, tradicionalmente, como moldadores das sociedades alagoana e nordestina. Devemos considerar, no entanto, que a verdadeira moldagem parte de algo mais forte, superior. O engenho era uma empresa e o senhor um empresário (ou talvez fosse melhor dizer um gerente?). Como tal, agia em função do lucro, embora fosse quem menos usufruía desse lucro. Estava submetido a determinações maiores de outra empresa, a do Rei, que efetivamente era quem auferia os lucros. Esta, por sua vez, submetia-se à determinações gerais, incontroláveis, do processo histórico de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Nesse contexto, a empresa colonial propiciou a gestação de sociedades periféricas, dependentes, pois as amarras do sistema colonial impediam o desenvolvimento de forças produtivas autônomas, desvinculadas do objetivo de produzir para fora. A prevalência absoluta do produto para exportação, sob controle português ou holandês, acarretava dificuldades crescentes de abastecimento de víveres e outros gêneros, pois todos deveriam vincular-se ao sistema açucareiro.
Caio Prado Júnior (1965, p. 157), atesta:
O papel secundário a que o sistema econômico do país, absorvido pela grande lavoura, vota a agricultura de subsistência, [...] cria um problema que é dos mais sérios que a população colonial teve de enfrentar. Refiro-me ao abastecimento dos núcleos de povoamento mais denso, onde a insuficiência alimentar se tornou quase sempre a regra. [...] sobretudo na Bahia e em Pernambuco há um verdadeiro estado crônico de carestia e crise alimentar que freqüentemente se tornam em fome declarada e generalizada.
Portanto, numa observação talvez simplista, havia espaço para o desenvolvimento de uma produção para consumo interno, extrapolando a roça de subsistência. Por um relatório do Coronel Artischofsky ao Conselho da WIC sobre eventos militares em território de Alagoas, ficamos sabendo que em abril de 1636 um certo Capitão Wiggert capturou em Recife uma barcaça "vinda de Alagoa, carregada com peles, peixe e outras coisas," revelando que desta região saíam produtos, se não regularmente, ao menos informalmente, para o abastecimento de "núcleos de povoamento mais denso". Pelo mesmo documento o Coronel comunica que prisioneiros por ele capturados revelavam que as tropas localizadas em Alagoa do Norte não teriam dificuldades de abastecimento, pois conseguiriam no campo quantidades suficientes dos víveres mais necessários.
É mais uma comprovação de que aqui, no sul da Capitania, as forças produtivas eram contrárias à monocultura.
Diversos testemunhos (relatórios, cartas, cronistas contemporâneos aos primeiros tempos coloniais e ao período holandês) confirmam a assertiva de que tudo favorecia a diversificação econômica em território alagoano.
A ocupação e a tática de terra arrasada (devemos lembrar que Alagoas era o caminho obrigatório para as tropas que vinham da Bahia e, também, que era em seus portos, notadamente em Jaraguá e Barra Grande, que desembarcavam as forças luso-espanholas), interrompeu esse processo. Mesmo sendo alertada para a necessidade de se investir na região e torná-la novamente fonte de abastecimento, a WIC não se sensibilizou, preferindo concentrar seus esforços na recuperação de engenhos e estímulos à produção de açúcar. Da mesma forma, após a restauração, a ênfase foi para o açúcar.
A diversificação econômica proporcionaria o desenvolvimento de formas de produção pré-capitalistas – não correspondentes às relações de produção escravistas e à superestrutura respectiva.. Poderia haver, aqui, uma divisão regional do trabalho – uma periferia abastecedora com formas e relações de produção diversas do centro monocultural voltado para o produto de exportação? Na melhor das hipóteses, caso houvesse o estímulo à produção diversificada vislumbrado nos planos de colonização do período nassoviano, Alagoas poderia ter-se transformado, realmente, no filé do Nordeste, para usar a expressão de um político local.
A história do período holandês é sangrenta, como atestam quase todos os cronistas da época. Para nós, alagoanos, é muito mais do que isto: interrompeu um processo que se mostrava promissor. Poderia ter sido diferente, como nos revela uma leitura mais atenta de documentos da época. O desenvolvimento das forças produtivas pode sofrer, em determinados momentos, uma reviravolta violenta, deixando marcas indeléveis num povo que, só a muito custo e sofrimento, pode libertar-se dos grilhões da dominação e retomar o caminho interrompido. Isto não significa uma volta ao passado, afinal a história não é um eterno retorno, como propugnavam alguns filósofos, mas a confirmação de uma tendência, sob novas condições e perspectivas.

“Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e pelo bom senso”. Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano)

  Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano) “Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e p...