segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A TRÍADE NORDESTINA - OLEGÁRIO VENCESLAU DA SILVA

A TRÍADE NORDESTINA

*OLEGÁRIO VENCESLAU DA SILVA

As chuvas intermitentes prenunciam nas paragens  áridas a chegada de mais um inverno, e com ele a esperança de tempos amenos. A tênue garoa se avizinha caindo no chão, e condensando-se na poeira exala o odor da terra molhada que vai aos poucos  sufocando  a quentura e o mormaço que doravante dará lugar ao lamaçal de barro. O sol em sua pujança se esconde entre as cinzentas nuvens numa aquarela incolor, onde o dia mais parece a tarde ao se debruçar nos braços da sombria e gélida noite. Os ventos ululantes insistem  em espalhar sobre a terra  velhas folhas, que se desgrudam das copas  das árvores numa despedida sem reencontro, fazendo-as tapete que ornamenta o infrutífero solo.
Nesta amálgama de estações e cores tão peculiar ao homem camponês, acostumado a pouco pão e muito suor como corolário de uma existência arraigada à terra e ao seu destino, eis que surge por entre os dias que passam um instante de êxtase que se confunde mormente num festejo quase que perene. E como estigma enviado das maiores alturas, num sonoro eco ascende aos céus num cortejo iluminado  e repleto de significado o foguetório, numa lídima demonstração de crença a tríade cristã patronímica do mês de junho.
O cheiro da pólvora que ao explodir penetra nos órgãos olfativos trás em si muito mais que meros ingredientes químicos, denota num  sinal visível do momento comemorativo que se faz jus.  A madeira estalando sob a lamina afiada do machado que ignora do que é feito o cabo que lhe dá sustentação, numa cantoria fúnebre vai   pendendo de lado até tombar definitivamente , cumprindo destarte a sentença  que fora destinada – alimentar a fogueira.
E as homenagens tomam  forma num cortejo religioso e popular, nascidas no imaginário lúdico do caboclo nordestino e rural. No sumário de louvação e santidade aos ícones, surge abrindo os festejos aquele cuja vocação é  unir os corações dos eternos enamorados. Santo Antonio de Pádua comumente aclamado como casamenteiro e protetor das famílias é o primaz   ao receber dos fiéis a veneração por sua fama e devoção ao menino Deus, que carrega junto de si em seus braços. 
As multicolorias fitas que adornam os vestidos rendados das moças, as alpargatas de couro costuradas à mão e o bailado no chão de terra batida dos arraias, demonstram a beleza não apenas estereotipada mas sobretudo o esplendor de uma tradição legada pelos antepassados e cuja perpetuação já é assim explicitada. Entre os passos ritmados ao som do tropel  e embalados pela cantoria  o arrasta pé dá inicio as quadrilhas que ao redor da fogueira dão um espetáculo de alegria e festa.
Neste turbilhão de emoções transubstanciadas em comemorações juninas, a mesa já posta inebria até os olhares mais desatentos. O milho se transforma em inúmeros aperitivos. O que era simplesmente o vegetal plantado nos  vastos campos quando da passagem do dia de São José  e  colhido três meses após, agora é usado como ingrediente de   bolo, canjica, pamonha e outras nomenclaturas típicas e regionalistas. E prossegue o desfile de estandartes na terra comum dos homens, e o santo tão criança ao carregar entres os braços o carneirinho e coberto de finíssima pele de camelo tem seu nome lembrado como o “batizador” do Messias em águas do Jordão - São João Batista – é quem recebe os louvores da turba.
E novamente as águas que ousam cair insistentemente por sobre o solo, o faz como espécie de bênção fazendo germinar do seio da terra um broto de vida e esperança. As intempéries e dissabores são retemperados pela  frescor das chuvas que regam as plantações e lavouras, modificando a cor vermelha resultante da sequidão e estiagem num verde viçoso. As súplicas e rogos  do nordestino ascendem aos céus endereçadas ao porteiro das moradas eternas, ao portador da chaves que abrem  as portas em direção ao trono celestial - São Pedro  Apóstolo.
No cume das torres das igrejas, os sinos ecoam em uníssono aclamando entre os homens aqueles que deles nasceram , viveram suas dores e imperfeições mas se sublimaram na oferta e vocação ao chamado de santidade. E num gesto de profundo respeito e agradecimento o nordestino se curva e com a mão sobre o peito ousa proferir: “A bênção, meu Santo Antonio, São João e São Pedro”.

*Escritor, historiador; Membro Correspondente  da A.P.H.L.A. Internacional; Academia Alagoana de Cultura; Academia Maceioense de Letras; Academia de Letras e Artes do Nordeste, Comissão Alagoana de Folclore e sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; Paraná, Campinas e Espirito Santo.

SUBSÍDIOS PARA A ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA DE ALAGOAS: NAUFRÁGIOS - PROF. ALOISIO VILELA DE VASCONCELOS ARQUEÓLOGO

SUBSÍDIOS PARA A ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA DE ALAGOAS: NAUFRÁGIOS


1. INTRODUÇÃO


         Comete grande erro quem pensa ou ensina que o patrimônio arqueológico de Alagoas resume-se, unicamente, aos sítios arqueológicos existentes em terra e, consequentemente, aos vestígios que se encontram sobre e sob o solo.
         Neste resumido e despretensioso trabalho, nada mais pretendo do que fornecer uma pequena visão da existência e importância do patrimônio arqueológico subaquático e naval alagoano unicamente reproduzindo as informações contidas nas fontes impressas de dois conhecidíssimos e sérios cronistas: Johanes de Laet e Diogo de Albuquerque Coelho.

2.      ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA E ARQUEOLOGIA NAVAL


         A Arqueologia Subaquática estuda os sítios arqueológicos submersos entre eles, os naufrágios. Daí o trabalho de campo ser executado em meio subaquático, onde são analisadas e recolhidas todas as informações.
         Com relação aos soçobros, é preciso não confundir a Arqueologia Subaquática – que aplica o conciso método arqueológico à descoberta, escavação e resgate dos artefatos – com a Arqueologia Naval – que por falta de espaço não faço nenhum comentário - cujo objetivo é, entre outros, investigar a estrutura do navio, o modo como foi construído e interpretar com sentido histórico os dados arqueológicos, independente do meio em que o objeto de estudo foi encontrado: mar, rio, lago, meios úmidos ou mesmo em terra.


3.      IMPORTÂNCIA DOS NAUFRÁGIOS

         Os naufrágios são de extrema importância porque os inumeráveis artefatos, ainda intocados, dizem respeito a um só momento, que é o momento do naufrágio. O tipo de embarcação que naufragou, as condições em que se encontra, sua carga e os artefatos informa aos arqueólogos sobre o período e as técnicas de construção, o comércio da época e sua rota, o dia a dia das pessoas que tripulavam a embarcação e, até mesmo, o motivo de seu soçobro. Assim, um naufrágio nada mais é do que uma máquina do tempo sob as águas, interiores e exteriores, que não só nos conduz, mas fornece informações imprescindíveis sobre uma época há muito desaparecida.


4.      DETECÇÃO


         Delimitada a área a ser pesquisada, os meios de detecção de naufrágios envolvem procedimentos que oscilam entre os mais simples até a utilização de sofisticada tecnologia, e as técnicas utilizadas para a prospecção do soçobro são as mais variadas. Para se conseguir voltar ao local do achado costuma-se fazer uso dos mais variados instrumentos e métodos.

I.       JOHANES de LAET


         Johanes de Laet nasceu em 1581 e faleceu em 1649. Escreveu várias obras de interesse geográfico e etnográfico tanto sobre o Velho como o Novo Mundo.
         Como um dos Diretores da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais, foi de sua larva a importantíssima “História ou Anaes dos Feitos da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais, desde o seu começo até o fim do ano de 1636”, traduzida por José Hygino Duarte Pereira e Pedro Souto Maior, e publicada pela Oficina Gráfica da Biblioteca Nacional entre os anos de 1916-1925, no Rio de Janeiro.
         É nesta obra composta por doze livros que, a partir de 1621, Johanes de Laet conta, com abundancia de detalhes, o que a torna de difícil leitura, a história terrestre e naval da Companhia das Índias Ocidentais e que, também, encontramos a maior parte das informações sobre o patrimônio subaquático e naval de Alagoas, situado no corte temporal compreendido entre os anos de 1630 e 1634.


1.      A RELAÇÃO DE SOÇOBROS


         Dos doze livros que compõem a “História ou Anaes dos Feitos da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais, desde o seu começo até o fim do ano de 1636”, em apenas quatro encontramos referências a naufrágios: no livro Sétimo (1630); no Nono (1632); no Décimo (1633); no Undécimo (1634) e, também, na CONCLUSÃO.


1.1    LIVRO SÉTIMO – ANO: 1630


PÁGINA: 88
SOÇOBRO: PORTO CALVO
TIPO DE EMBARCAÇÃO: NAVIO
NACIONALIDADE: PORTUGUESA
TEXTO: No dia 25 (de dezembro) ao amanhecer o almirante Marten Thijsz, partiu do Recife com quatro navios para cruzar ao longo da costa do Brasil em busca dos navios do inimigo. No dia seguinte surgiu no porto do Recife o Moorinne, que viera da costa e queimara em Porto Calvo um navio português, novo, tendo-se apoderado na praia de cinco caixas de açúcar.


1.2    LIVRO NONO – ANO: 1632


PÁGINA: 255
SOÇOBRO: BARRA GRANDE
TIPO DE EMBARCAÇÃO: CARAVELA
NACIONALIDADE: PORTUGUESA
TEXTO: Embarcaram-se novamente (as tropas holandesas estavam no rio de Serinhaém) e, tendo deixado em Santo Aleixo os navios Grocuinghen e Haring e mandado o Fortunyn para o cabo de Santo Agostinho, partiram em seguida para a Barra Grande (estiveram, contudo, primeiro em porto Calvo, fizeram uma expedição a terra, mas só conseguiram 40 reses que foram repartidas pelos navios), onde não viram possibilidade para os seus desígnios; queimaram uma das caravelas do inimigo.


1.3    LIVRO DÉCIMO – ANO: 1633


PÁGINA: 294/295
SOÇOBRO: SANTO ANTÔNIO GRANDE E CAMARAGIBE
TIPO DE EMBARCAÇÃO: NAVIOS
NACIONALIDADE: INGLESA E PORTUGUESA
TEXTO: Desembarcaram a gente um pouco ao norte do rio que chamam Santo Antônio Grande, com a intenção de marchar diretamente dali para a bateria; mas, chegando ao rio, viram que ela se achava do outro lado, de modo que tiveram de atravessá-lo e tomaram o reduto. Havia seis navios inimigos, que deixaram tremular as bandeiras e as mostravam como que desejosos por combater, havendo entre eles um provido de 10 canhões e outro de quatro. Eram navios ingleses que atiravam valentemente contra os nossos, de forma que um navio francês, que estava próximo destes, foi tão baleado, que teria de submergir, se os nossos não houvessem tapado as brechas em tempo; mas voltando do interior os nossos e atacando-os valentemente, os tripulantes fugiram e os navios foram queimados, tanto pelo inimigo, como pelos nossos, excetuando-se o navio francês, donde tiraram 40 pipas de vinho, tendo-se conseguido dos navios e da terra apenas 104 caixas de açúcar. Não distante dali havia um engenho de açúcar, cujo proprietário mandou o filho pedir humildemente que poupassem a sua propriedade, prometendo negociar no futuro com os nossos o seu açúcar, porém que agora não tinha nenhum; o que lhe sendo concedido mandou no dia seguinte muito refrescos. Daí foi visitando Camaragibe e outros pequenos portos onde destruíram ainda dois navios; de modo que causaram ao inimigo nessa expedição a perda de 13 navios, na maior parte carregada.   


PÁGINA: 302
SOÇOBRO: PORTO DOS FRANCESES
TIPO DE EMBARCAÇÃO: NAVIO
NACIONALIDADE: PORTUGUESA
TEXTO: Marcharam depois disso, cerca de duas léguas para o interior, incendiaram dois engenhos e voltaram ao rio sem embaraço algum por parte do inimigo.  Fazendo-se à vela do rio Formoso e chegando ao mar, avistaram uma embarcação, a qual deu caça até quase em frente ao Porto Francês, onde estavam três navios, um dos quais se escapou, ao ver que os nossos se aproximavam. O diretor da equipagem, achando pouca probabilidade de apanhar o navio, que estavam perseguindo, entrou em Porto Francês e tirou de lá, tanto um navio carregado com 210 caixas de açúcar, como outro que estava vazio; e como não soubesse bem o que fazer deste, pô-lo a pique, voltando depois ao Recife.


PÁGINA: 305
SOÇOBRO: PORTO CALVO
TIPO DE EMBARCAÇÃO: NAVIO
NACIONALIDADE: PORTUGUESA
TEXTO: A expedição que partiu com o diretor da equipagem, no dia 29 de Abril, voltou no dia 14 de Maio: estiveram os nossos em Porto Calvo, onde incendiaram um navio novo... .


PÁGINA: 336
SOÇOBRO: PRÓXIMO A VILA DE ALAGOAS DO SUL
TIPO DE EMBARCAÇÃO: NAVIOS
NACIONALIDADE: PORTUGUESA (?) E BRASILEIRA (?)
TEXTO: Nessa expedição (a Camaragibe, Tatuamunha, Porto Calvo, Porto de Pedras, Porto do Francês, Alagoas do Sul, Alagoas do Norte, São Miguel e Coruripe)..., os nossos incendiaram juntamente a vila de Alagoas do Sul, muitas casas e vivendas de campo e dez navios e barcas, sem perder nenhuma gente.


1.4    LIVRO UNDÉCIMO – ANO: 1634


PÁGINA: 28
SOÇOBRO: BARRA GRANDE
TIPO DE EMBARCAÇÃO: IATE
NACIONALIDADE: HOLANDESA
TEXTO: O yacht Spiering, mandado no dia 3 (de julho) à Barra Grande para juntar-se aos seguidos pelo nosso yacht, atearam-lhe fogo e abandonaram-no.


PÁGINA: 44
SOÇOBRO: MARECHAL DEODORO
TIPO DE EMBARCAÇÃO: CARAVELA
NACIONALIDADE: PORTUGUESA
TEXTO: Ao meio dia duas companhias, a saber, as dos Capitães Picard e Mausvedt, tiveram ordem de ir pela praia, em auxílio do Commandeur Lichthart até Alagoa, aonde chegaram cerca de quatro horas. O commandeur capturou ali quatro caravelas, a saber: uma carregada com cerca de duzentas caixas de açúcar e uma partida de pau brasil; uma caravela grande cheia de açúcar, na qual o inimigo fizera um furo e foi a pique; a terceira tendo oito pipas de vinho; a quarta vazia.


PÁGINA: 46
SOÇOBRO: MARECHAL DEODORO
TIPO DE EMBARCAÇÃO: CARAVELA
NACIONALIDADE: PORTUGUESA
TEXTO: No dia 13 incendiaram a caravela e a casa grande e tendo trazido todas as fazendas capturadas, incendiaram as casas e abandonaram a ilha.



PÁGINA: 47      
SOÇOBRO: MARECHAL DEODORO
TIPO DE EMBARCAÇÃO: BARCA
NACIONALIDADE: PORTUGUESA OU BRASILEIRA
TEXTO: A força marchou novamente dali para Alagoa do Sul. Os botes tomaram em caminho uma barca, carregada com queijo, farinha de trigo e outros víveres; tiraram alguns queijos da barca e destruíram o resto, abriram-lhe rombos e deixaram-na afundar em quatro braças de água.


PÁGINA: 68
SOÇOBRO: PRÓXIMO A BARRA GRANDE
TIPO DE EMBARCAÇÃO: BARCA
NACIONALIDADE: PORTUGUESA OU BRASILEIRA
TEXTO: No mar sucedeu além do que já narramos o seguinte: Willem Cornelisz, capitão do Goude Son, capturou, a duas léguas ao Norte de Barra Grande, uma barquinha de carreira com sete caixas de açúcar e incendiou próximo dali outra vazia.


Na CONCLUSÃO de sua extensa obra, na Lista dos navios, barcas, caravelas tomadas ao inimigo pela esquadra e navios da Companhia, destruídos ou prejudicados durante os mesmos anos, Joannes de Laet informa:


NO ANO DE 1630:

“Um navio novo foi incendiado junto a Porto Calvo pela esquadra do General Lonck.”

MEU COMENTÁRIO: Vide página 88, do LIVRO SÉTIMO – ANO: 1630.      


NO ANO DE 1631:

Pelo Bracke:

“Um navio capturado em frente a Porto Calvo.”

MEU COMENTÁRIO: aqui, deve se tratar realmente, de uma captura não relatada no LIVRO OITAVO, referente ao ano de 1631, uma vez que em suas páginas não encontramos referências a capturas ou soçobros.


NO ANO DE 1633:

“Levados a Pernambuco ou destruídos cerca dali:”

1. “Onze navios destruídos no rio Santo Antônio Grande.”

MEU COMENTÁRIO: vide páginas 294/295 do LIVRO DÉCIMO – ANO: 1633

2. “Um navio carregado com 210 caixas de açúcar, capturado em Porto do Francês.”

MEU COMENTÁRIO: vide página 302;

3. “Um outro posto a pique.”

MEU COMENTÁRIO: vide página 302;

4. “Um navio novo incendiado em Porto Calvo.”

MEU COMENTÁRIO: vide página 305;

5. “Duas barcas incendiadas em Camaragibe.”

MEU COMENTÁRIO: nas páginas 294/295, Laet informa que os holandeses estiveram em “Camaragibe e outros pequenos portos onde destruíram ainda dois navios; de modo que causaram ao inimigo nessa expedição a perda de 13 navios, na maior parte carregada.”
         Com certeza estas duas barcas devem está incluídas neste informe das páginas 294/295, do Livro Décimo, referente ao ano de 1633.   







II.      DUARTE DE ALBUQUERQUE COELHO


         Duarte de Albuquerque Coelho, também conhecido como Visconde de Pernambuco e Marquês de Basto, nasceu em 1591 e morreu em 1658. Era filho de Jorge de Albuquerque Coelho e foi o quarto donatário da Capitania de Pernambuco.
         Escreveu a importante e imparcial “Memórias Diárias da Guerra do Brasil” que relata os acontecimentos sucedidos entre 1630-638 e que foi, pela primeira vez, publicada em Madrid em 1654. A primeira tradução desta obra para o português foi realizada por Alexandre José de Melo Morais e Inácio Acioli de Cerqueira, e publicada em 1855, mas continha uma série de erros. Em 1944, mais um edição foi publicada e em 1981, a Fundação de Cultura Cidade do Recife contou com a indispensável colaboração do grande estudioso do período holandês no Brasil, José Antônio Gonsalves de Mello, que revisou a edição de 1944 e nos presenteou, finalmente, com uma impecável tradução, interpretação e edição que é utilizada por todo e qualquer estudioso que valorize a correta leitura do que realmente aconteceu.     
         Trata-se de um impressionante relato diário, com base no que ele vivenciou, do que, segundo o autor, ocorreu de mais importante a partir de setembro de 1631, como conseqüência do conflito entre as tropas luso-espanholas e holandesas na luta pelo controle da Capitania de Pernambuco e circunvizinhas.


1.      RELAÇÃO DOS SOÇOBROS
    
         Das 360 (trezentas e sessenta) páginas que compõe seu detalhado livro, só encontramos referências a naufrágios em 05 (cinco) pequenos trechos das páginas 77 (setenta e sete); 136/137; 148 e 298, que, como veremos, obedecem, rigorosamente, aos anos 1630, 1633, e 1636.


1.1    ANO: 1630


MÊS: NOVEMBRO
DIA: 03
PÁGINA: 77
SOÇOBRO:
TIPO DE EMBARCAÇÃO: ORIGEM DO NOME JANGADA
NACIONALIDADE: BRASILEIRA (?)
TEXTO: Na noite de 3 de novembro foram o capitão de emboscadas Manuel Ribeiro Correia, o condestável de artilharia Jorge da Fonseca Pimentel, Gonçalo de Barros e outros mais, em jangadas, que constam de três paus unidos e amarrados, cujo nome lhes provêm da árvore de que os tiram, que costuma servir à pescaria, tangidas por um ou dois remos, até onde pode chegar tal frágil embarcação, se assim é lícito chamar-lhes. Confiados pois nestes madeiros... .


1.2    ANO: 1633


MÊS: JANEIRO
DIA: 12
PÁGINA: 136/137
SOÇOBRO: PORTO DOS FRANCESES
TIPO DE EMBARCAÇÃO: NAVIO
NACIONALIDADE: PORTUGUESA
TEXTO: Para suprir a falta de gente, de que tanto necessitava a guerra de Pernambuco, mandou El-Rei levantar alguma na ilha da Madeira, criando dois capitães naturais dela, para que com mais conhecimento e comodidade se pudesse fazer. O primeiro, que era João de Freitas e Silva, chegou com a sua companhia de 90 homens no dia 1º de janeiro deste ano, ao pé da Paraíba, gastando muitos dias para chegar ao Real. O outro era Francisco Bittancourt e Sá, depois mestre de campo, que chegou a 12 do mesmo mês, ao Porto que chamam dos Franceses, a três léguas para o sul da barra das Alagoas e 48 do Real. Trouxe 70 soldados, e, dois dias antes de chegar àquele porto da maneira que veremos, foi descoberto por uma nau inimiga de 38 peças, e bateu-se com ela. Trazia em sua companhia um filho de 9 anos de idade, chamado Gaspar, que foi logo ferido de alguns estilhaços. Durante a peleja um mosquetaço levou-lhe o braço esquerdo até o cotovelo; e mostrando-se o pai, que o era, aflito por vê-lo daquela forma, respondeu-lhe o moço: “Senhor, isto não me pode privar de ajudar a VM. na defesa deste navio, porque ainda me resta o braço direito”. Se, a vista de tal sucesso, alguém pudesse culpar Francisco de Bittacourt por haver trazido aquele filho de tão tenra idade, ao ouvir aquelas palavras devia lisonjear-se; pois, se o não trouxera, não se poderia saber que em tão poucos anos existia tanta coragem!
Isto acrescentou o valor aos que ali se achavam; pois defenderam o navio de maneira que o inimigo perdeu a esperança de ganhá-lo, e fez-se noutra volta com 30 mortos e feridos. Não foi pequena a perda que nos coube, matando-nos 8 e ferindo-nos 17.
O navio, por ter recebido muitos canhonaços, ia fazendo muita água; e quando entrou no Porto dos Franceses, tocou, com o que fez tanta, que sem remédio se perdeu. Salvou-se a gente e algumas munições, e tudo tardou três meses em chegar ao Real, por causa dos muitos rios e descomodidades que impediam a condução deste socorro, como acontecia com todos os que nos chegavam.  


MÊS: MARÇO
DIA: 14
PÁGINA: 148
SOÇOBRO: PORTO DE PEDRAS
TIPO DE EMBARCAÇÃO: CARAVELAS...
NACIONALIDADE: PORTUGUESA
TEXTO: A 14 de maio foi Calabar (figura que sai e se nomeia muitas vezes) tentar uma entrada por mar, com 400 homens, em seis navios e oito barcaças, dirigindo-se ao Porto das Pedras, onde desemboca o rio do mesmo nome, que passa pela Povoação de Porto Calvo, a qual fica a cinco léguas centrais; e como Calabar era aqui mui prático, por ter nascido naquela Povoação e Paróquia, obrou tanto a salvo, que queimou três embarcações que estavam recolhidas no rio, bem que já descarregadas do que haviam trazido de Portugal. Degolou sete moradores, e saqueou alguns, levando cinco prisioneiros; quando a notícia chegou ao Real, já Calabar se tinha retirado; porque como ficava 34 léguas para o sul, as quais ele por mar alcançou em tão poucas horas, mal se pode remediar.
           Das três embarcações que aqui queimaram, assim como as duas no rio Formoso, algumas eram caravelas que traziam os socorros que el-rei enviava, outras eram de mercadorias que a muito risco mandavam, com a muita mira na ganância extrema que lhe produziam os gêneros que vendiam como queriam; comprando aos moradores os açucares com igual usura, a que os obrigavam os apertos em que se achavam; e, pois umas embarcações entravam neste rio, outras naquele que melhor podiam tomar, não estando em nenhum seguras... .


1.3    ANO: 1636

MÊS: OUTUBRO
DIA: 16
PÁGINA: 298
SOÇOBRO: BARRA DA ALAGOA
TIPO DE EMBARCAÇÃO: BARCOS
NACIONALIDADE: ?
TEXTO:     Quase tudo que se deixara na Alagoa do Norte havia já chegado à vila do Bom Sucesso com a artilharia e munições trazidas em barcos a cargo dos capitães Francisco Duarte e Francisco Peres do Souto. Dois barcos que partiram depois deles tiveram bem diferente fortuna, porque encontrando-os um navio inimigo, meteu a pique um que trazia oitenta e sete barris de pólvora, e fez o outro dar à costa junto à barra da Alagoa, salvando-se ainda muito do que se conduzia. Como se tirou tudo do quartel da Alagoa do Norte, dispensou-se também, o tenente Alonso Ximenes de Almiron, que voltou para Bom Sucesso. Ficaram lá só três companhias com os capitães João da Silva e Azevedo, que os governava por mais antigo, André de Melo e Antônio Jacome Bezerra.
























CONCLUSÃO


         Acreditamos que este resumido levantamento deixa claro que não pode existir nenhuma dúvida sobre a existência do patrimônio subaquático de Alagoas no que se refere aos naufrágios.
         Quando comparamos as informações dos dois cronistas, o que mais nos impressiona, no que tange ao conflito ibero-holandês, em termos de arqueologia subaquática e, conseqüentemente, naval em águas alagoanas, é a diferença em termos de cronologia, quantidade, local e tipos de embarcações, dos naufrágios, pois enquanto LAET cita 29 (vinte e nove), COELHO informa apenas 05 (cinco).
         Observe-se, também, que LAET afirma que as tropas holandesas queimaram 02 (dois) navios em Porto Calvo, o que nos faz acreditar que estavam ancorados próximos aquela antiga povoação. Daí supormos que lá existia um rústico ancoradouro. Se esta hipótese estiver correta em alguma parte do leito e da foz do rio Manguaba deve, com certeza, existir não só um sítio do tipo “descarte” de artefatos, mas os restos das embarcações que foram incendiadas. Com relação ao “descarte”, o mesmo se aplica a área que era conhecida como a famosa “Barra Grande”.
         Além do mais, ainda segundo LAET, o Porto do Francês e, principalmente, o rio Santo Antônio, é um verdadeiro paraíso tanto para arqueólogos subaquáticos quanto para navais, porque no primeiro soçobrou 01 (um) navio e no segundo 11 (onze). Embarcações que ainda devem manter sua estrutura e grande parte de sua carga totalmente intocável.
         Para uma melhor visualização e compreensão do que afirmamos leia-se, com a devida atenção, os textos citados pelos dois cronistas, pois sintetizam os dados fornecidos em suas extensas obras.
         Diante destas e, possivelmente, outras revelações sobre soçobros em águas alagoanas, no corte temporal que se estende durante todo o período de ocupação holandesa, nossa opinião é a de que a UFAL, nosso maior centro de produção de saber deveria, de imediato, efetuar concurso para arqueólogos subaquáticos e navais para que se resgatasse e fosse efetuado o trabalho de laboratório nas raridades encontradas que, sem dúvida alguma, só enriqueceria e ampliaria os horizontes culturais de nosso Estado e, após a pesquisa, em museu apropriado, utilizando-se todos os recursos no momento disponíveis, as expusessem para visita.  

BIBLIOGRAFIA



1.    BASS, George F. Arqueologia Subaquática.        Tradução de Tomé Santos Júnior. Lisboa,     Verbo, 1969.

2.    COELHO, Duarte de Albuquerque. Memórias      Diárias da Guerra do Brasil. 1630-1638.   Apresentação e índice onomástico de José    Antônio Gonsalves de Mello. Recife: Fundação    de Cultura Cidade do Recife, 1982.

3.    CUNHA, Luiz Octavio de Castro. Manual de   Arqueologia Subaquática: enfoque Brasil. Rio de    Janeiro, Nova Razão Cultural,   2009. 200p. :il.

4.    LAET, Johannes de. História ou Anais dos feitos      da   Privilegiada Companhia das Índias     Ocidentais     desde sua fundação até o ano de       1636.     Tradução dos Drs. José Hygino Duarte      Pereira   e Pedro Souto Maior, Rio de Janeiro,        Oficina   Gráfica da Biblioteca Nacional, 1916- 1925.

5.           RAMBELLI, Gilson. Arqueologia até debaixo     d’água. São Paulo, Maranta, 2002.




ALOISIO VILELA DE VASCONCELOS
ARQUEÓLOGO
PROFESSOR DA UFAL
15.03.2010



*  PUBLICADO PELO JORNAL GAZETA DE     ALAGOAS EM 05.09.2015

        







“Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e pelo bom senso”. Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano)

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