terça-feira, 20 de outubro de 2015

Sobre relações verticais: domínio e poder . Yesmin Sarkis Psicanalista e psicóloga.

Sobre relações verticais: domínio e poder


Sobre relações verticais: domínio e poder

Em algum momento da história mais remota de nossa espécie, seguimos um caminho produtor de culturas baseadas, em maior ou menor grau, no modelo constituído por uma minoria da população exercendo a posse e o domínio através do poder coersitivo e uma maioria resistente se submete ao poder da minoria.
O homem perde sua autonomia quando sucumbe ao medo imposto pela força. Torna-se parte de um encadeamento relacional verticalizado que reduz a amplitude das possibilidades de ser e de agir. No alto desta cadeia está quem manda e escalonadamente abaixo quem é mandado. A maioria se encontra assim encadeada e imagina que o mundo é, de fato, como lhe demonstra sua condição de estreiteza. Fica internamente empobrecido, por não exercer seu potencial humano, retirado pela voracidade insaciável e pela força do outro.
Imagem publicada nas redes sociais e sem identificação possível da assinatura.
O autoritarismo, a intolerância, a crueldade são irmãos da inveja, e esses sentimentos
mobilizados em cadeia geram relações perversas em que um suscita no outro os mesmos sentimentos e atitudes destrutivas e se perpetuam lastreados pelas polarizações bom/mau, certo/errado - modo primitivo no desenvolvimento psicológico. Tal sistema relacional se pauta no enganar, na mentira, em pequenas transgressões em que um aniquila a mente do outro e o transforma numa espécie de objeto necessário para o uso sem amor, destituindo-o de personalidade e de vontade própria. Consequentemente o torna inexistente como indivíduo pensante, mas com uso tático na cadeia verticalizada. O poder muito se utiliza das vontades dos que a ele estão submetidos. Por exemplo, a atual ênfase no consumo nos atrela à esperança de não haver proibição, de não haver frustração das vontades e necessidades. É tática ilusória usada como canto da sereia, portanto controlador, para a manutenção ilusória de que todos precisam ter e acumular para sentir que existem e o poder assim exercido enriquece a minoria e exacerba ressentimentos.
O que move esse sistema é a vontade do poder puro e simples e existem pessoas que têm os atributos naturais para exercê-lo. É fácil identificar quando alguém tem esses atributos. Tal pessoa desqualifica tudo o que não é si mesmo. Desmonta qualquer ação criativa, a não ser que lhe convenha, e os sentimentos de ódio e inveja são claramente perceptíveis em ações de crueldade.
O poder exercido desta forma perversa se apresenta travestido de educação para disfarçar a hipocrisia e se torna tão frequentemente usada nas relações em geral que acaba por fazer parte da identidade social. A existência própria fica submetida aos
modos de parecer ser e de como se fosse, ambos encobridores da verdade, ambos à serviço do falseamento e do não poder existir sendo o que se é.
No cotidiano, as ações cruéis nem sempre são de fácil identificação pela pessoa que as pratica. Se apresentam como um desconforto difuso e indicador de haver conflito entre a consciência ética e a realidade de seus atos. Sob esta perspectiva há aqueles que sofrem pela culpa de não conseguir suportar a dor imputada pelo descobrimento da violência em si próprio e, para evitar a dor causada por essa verdade, mantém o cruel em si mesmo e o alimenta noutros promovendo a continuidade da relação verticalizada.
Por outro lado, aquele que lida consigo próprio enfrentando e sofrendo a dor narcísica provinda do se enxergar capaz de ser cruel fica livre para criar, para pensar, para existir sendo como é.
Consequentemente ele desmontará a cadeia vertical pela simples razão de não haver nesse modelo de relação o princípio da coesão, mas apenas o encadeamento coercitivo. E, se um encadeado sai, a estrutura toda se queda.
Quem consegue se desvencilhar dessa espécie de cabresto se destaca e é elevado à categoria do extraordinário sofrendo os riscos de ser adorado ou morto, conforme a ameaça representada ao sistema. No final das contas, de uma maneira ou de outra, estará fadado a não poder existir como é. Há muitos exemplos históricos e só para lembrar alguns: Sócrates, Jesus, e qualquer um que tentou, ou que venha a tentar pensar e agir fora do estabelecido...
Fica então a idéia de que humanidade segue pelo caminho do domínio de seus pares, sob a primazia da civilidade coercitiva. Não é possível dizer se seríamos capazes de sustentar a civilização de algum outro modo que não esse, já que nossas características tendem a ela, mas a experiência nos mostra que, caso sejamos capazes, por certo precisaremos reverter esse modelo de civilização com dose maciça de esforço pela prevalência da generosidade sobre a destrutividade. Há também os poderosos que buscam o poder pela coesão. Pelo uso consciencioso e responsável e, além disso, cada
ser humano é dotado da capacidade plástica de assumir atitudes e funções que normalmente imagina não fazer parte do seu repertório. Graças a essas características é possível verificar períodos de alternância na condução dos líderes.
Hoje, talvez mais do que em qualquer outro momento da história da civilização como a conhecemos, precisamos nos perguntar: O quanto de esforço estamos dispostos a fazer para manter esse modelo verticalizado? Seria necessário buscar outros caminhos para a convivência humana? Haveria possibilidade de desenvolvimento humano para encontrar outros caminhos?
Apesar de o momento solicitar gravemente mudanças na estrutura civilizada, continuamos caminhando sem outra referência possível que nos livre da auto extinção. A possibilidade de evolução psicológica para que se possa abrir mão das satisfações reais e fantasiadas, me parece remota. Como se diz popularmente, ninguém quer largar o osso. Há imensa dificuldade em deixar para trás ganhos obtidos em detrimento da
busca por caminhos não trilhados, de vivências ainda inexistentes.
A nossa mente é laboratório de pesquisa e é da observação da vida e elaboração das experiências através do ato de pensar que surgem as ações e a esperança de transformação está na superação individual e coletiva das tendências violentas e cruéis. O cuidado amoroso com a infância aliado ao desenvolvimento de atividades construtivas e criadoras ensinadas através das ações - não das palavras - serão as reais riquezas com as quais as gerações contarão para lidar com os sentimentos de ódio e inveja ao longo da vida. Já em relação à parcela de pessoas, cujas tendências naturais comportam uma destrutividade e violência predominantes, deve-se pensar seriamente qual função tiveram na sociedade primeva e qual deverá ter na atualidade e no futuro.
Mas para dar andamento a transformações dessa magnitude precisaremos nos despir dos preconceitos amalgamados pela onipotência e soberba e nos aproximar do que de fato somos.
Yesmin Sarkis Psicanalista e psicóloga.
          Yesmin            

“Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e pelo bom senso”. Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano)

  Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano) “Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e p...