Ouvi e li as avaliações que pude de todos os espectros da política e da mídia nacional sobre os últimos acontecimentos no país.
Há muita gente intelectualmente honesta tentando
entender o que está acontecendo no Brasil de hoje. O momento ainda me
parece de perplexidade, apesar de alguns muxoxos raivosos.
Mais à esquerda, ainda se mantém vivo o espírito de
Carlos Lacerda, o golpista que tentou derrubar vários governos
democráticos no Brasil – o segundo de Getúlio Vargas e o de JK, os mais
destacados.
Parece-me que para esses personagens a roda da história
está parada. Ao desdenhar a revolta contra a corrupção, atribuindo-a
exclusivamente à classe média “ressentida”, esquecem do próprio passado
recente, quando os partidos de esquerda a combatiam de forma incisiva e
justa (durante os governos Sarney, Collor e FHC). Além de que não
consideram que essa classe média – e não só ela – também faz parte do
povo.
Seria afirmar que apenas os trabalhadores que ganham
salário mínimo ou são beneficiários dos programas sociais do governo
podem protestar – embora não tenham motivos para isso.
Caminhando à direita, as críticas mais contundentes são
em relação à falta de ação mais dura da polícia em relação aos
manifestantes, ressaltando as depredações ao patrimônio público e
privado, criminalizando o movimento e apontando a necessidade de uma
repressão “ao modo”, como em tempos ainda recentes.
Nenhuma palavra, uma só que fosse, em relação às
empresas de ônibus, que viraram, de ponta a ponta no Brasil, lavanderias
de dinheiro e grandes financiadores de campanhas eleitorais.
Ou ainda: ao financiamento público de obras privadas a
custos generosos – para eles – e à sonegação de impostos que acontece
majoritariamente pelas mãos e ações dos que formam a grande elite da
economia e da política nacionais.
Ao centro, o medo de todos os segmentos que disputam o
voto do eleitorado e o seu silêncio pós-eleições e não se veem
contemplados pelas ruas.
Todos estão sendo questionados, ainda que de forma
difusa, pelos manifestantes. Não há nos protestos o “fora, Dilma” ou aos
governantes tucanos, democratas, pepistas e assemelhados, mas ninguém
escapa.
Não há, entre os dois lados, um vencedor dessa batalha.
Prefiro, ainda, a avaliação do historiador Eric
Hobsbawm, nos estertores da sua produção fundamental (2007) para
entender os nossos tempos.
Disse ele que a democracia representativa – esta que vivemos: votemos e voltemos para casa – se esgotou.
O não das ruas também pode ser o “sim, queremos ser ouvidos sobre o mundo em que vivemos” (a crise é mundial, e o Brasil está incluso).
Ponho na discussão, porém, mais uma dúvida: a democracia só pode existir com partidos?
Se assim for, não serão esses, que não mais conseguem
nem querem representar uma nova sociedade, participativa e exigente, que
tem mais informações hoje do que tinha há 20 anos.
Os partidos que nesse momento da nossa história
representam – ou se apropriaram – os anseios de povos insatisfeitos
estão nos países árabes e não sinalizam que querem construir exatamente
essa nova democracia.
Há muito para responder e há muito mais para se indagar.
Por enquanto, eu fico com as dúvidas e o poema do mestre Osvaldo Epifânio, o Pife, transcrito abaixo.
DESNUDOS
Na abstração dos desejos incontidos,
Na ânsia irreprimida das cobiças,
Na letargia jogada aos pombos,
Na mansidão despertada pelos teimosos,
Os imberbes vão às ruas.
Os meninos desnudam as bandeiras,
Em tempo mofadas e dobradas,
Gritam o hino da nação: “Verás que um filho teu não foge à luta.”
Sem as antigas vozes caladas
Pelo marasmo dos prazeres imaginários,
Os garotos de todos os cantos
Arrebentaram o marasmo,
Quebraram a inércia,
Sacudiram as vestes do silêncio
E partiram para o confronto,
Com seus narizes em posição de ousadia
E com suas almas voltadas para a liberdade.
É assim a dor das manifestações:
Um golpe na mesmice!
Em dia de maior mobilização, protestos levam mais de 1 milhão de pessoas às ruas no Brasil
Milhares de manifestantes caminham pela avenida Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro
Mais de 1 milhão de pessoas participaram de protestos em várias cidades do Brasil nesta
quinta-feira (20). O ato acontece um dia após os anúncios de revogação
de aumento de tarifa em várias cidades do país, como Rio de Janeiro e São Paulo.
Fotos dos protestos
Em Brasília, após tentarem entrar no Congresso Nacional e no Palácio do Planalto, manifestantes depredaram o Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores. No Rio de Janeiro, em Salvador, Belém, Campinas, Porto Alegre e Fortaleza, houve confronto de manifestantes com policiais. Um manifestante morreu e outros três foram atropelados durante os protestos que ocorrem em Ribeirão Preto (313 km de São Paulo).
O número total de participantes deve crescer ainda mais, pois nem todos
os lugares divulgaram uma estimativa oficial sobre os protestos.
Além do pedido de mais qualidade e tarifas mais baixas no transporte
público, tema que originou a onda de protestos, as "bandeiras" dos
manifestantes agora reúnem uma série de outros motes: o uso de dinheiro
público em obras da Copa do Mundo, melhorias nas áreas de saúde,
educação e segurança, combate à corrupção, a PEC 37 (mudança de lei que
pode tirar o poder de investigação do Ministério Público), além de
outras questões e insatisfação generalizada contra governantes.
Rio de Janeiro, com ao menos 300 mil pessoas, e São Paulo, com mais de 110 mil pessoas,
reuniram a maior quantidade de público os protestos desta quinta. Os
números foram estimados pela Polícia Militar do Rio de Janeiro e a
Secretaria de Defesa Social pernambucana.
No Rio, os manifestantes se concentraram na Candelária. Antes do início da passeata, cerca de 20 militantes da CUT (Central Única dos Trabalhadores) foram expulsos da concentração para o protesto. Pressionados pela multidão que gritava "Sem partido", os militantes deixaram o local pela rua da Quitanda.
Em São Paulo, ao menos 110 mil manifestantes, segundo medição do Datafolha, voltaram a interditar a avenida Paulista e a avenida 23 de Maio, na região central da cidade.
Outro grupo de manifestantes, organizado pelo PT, realizou um ato de
apoio à presidente Dilma nas proximidades da avenida Paulista.
Veja a estimativa de participantes em algumas das cidades em que houve
protestos nesta segunda (todos os dados foram fornecidos pela Polícia
Militar local, exceto São Paulo, cuja fonte é o Datafolha):
Vitória - 60 mil
Campinas (SP) - 35 mil
Campo Grande - 35 mil
Cuiabá - 35 mil
Ribeirão Preto (SP) - 25 mil
Florianópolis - 21 mil
Porto Velho - 20 mil
Uberlândia (MG) - 20 mil
Belém – 15.000
Belo Horizonte – 15.000
Campina Grande (PB) – 15.000
Natal – 15.000
Palmas – 10.000
Porto Alegre – 10.000
Teresina – 10.000
Curitiba – 3.000
Fortaleza – 1.500
Londrina (PR) – 1.000
interior de Santa Catarina – 50.000
País em protesto
CAI A TARIFA - Quem vai pagar?
* APÓS CENTENAS DE MILHARES IREM ÀS RUAS, HADDAD E ALCKMIN REDUZEM TARIFAS DE ÔNIBUS, TRENS E METRÔ * CONTA SERÁ PAGA COM CORTE DE INVESTIMENTOS * GRUPO PROMETE MANTER PROTESTOS
Após 13 dias de protestos, que reuniram centenas de milhares de pessoas
nas ruas de São Paulo em atos ora pacíficos ora violentos, o prefeito
Fernando Haddad (PT) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) cederam à
pressão e anunciaram a redução nas tarifas de ônibus, metrô e trens, de
R$ 3,20 para R$ 3. O reajuste vigorava desde 2 de junho. O Rio e outras
seis capitais também decidiram baixar as passagens.
A histórica redução vem acompanhada de duas perguntas. A primeira: a
medida será capaz de conter a onda de manifestações pelo país? O
Movimento Passe Livre, responsável pelos atos, afirma que os protestos
continuarão, agora pela tarifa zero e por causas como a reforma agrária.
Durante comemoração na avenida Paulista, o grupo confirmou
manifestações que estão marcadas para hoje.
A segunda: quem pagará a conta? Segundo Haddad e Alckmin, que enfrentam
problemas financeiros, o dinheiro virá do corte de investimentos. A
conta será de cerca de R$ 385 milhões só em 2013. Isolado pelo governo
federal, Haddad havia dito horas antes que reduzir a tarifa poderia ser
"populismo".
Segundo a polícia de São Paulo, 14 dos 69 detidos anteontem por
depredações e saques no centro têm passagem por roubo, furto ou tráfico
de drogas. Ontem, protestos fecharam cinco rodovias do Estado. Em
Fortaleza, houve confronto antes do jogo do Brasil contra o México, pela
Copa das Confederações.
- ALAGOAS -
Diversidade de público e de causas marcam ato histórico; veja imagens
O terceiro protesto contra o aumento das passagens de ônibus em
Maceió começou bem diferente dos outros. Já na concentração, dava para
notar que a mobilização seria bem maior. Rapidamente, o ato conseguiu
reunir três mil participantes.
Uma outra novidade do protesto foi a diversidade de público e
bandeiras. Partidos políticos, movimentos sem-terra, moradores do
interior de Alagoas e profissionais de saúde se uniram aos estudantes e
trabalhadores.
No início da noite, cerca de dez mil pessoas ocupavam a Ladeira dos Martírios e a praça, no Centro da capital.
Muitas eram as palavras de ordem, que incluíam protestos contra a
homofobia, o governo do Estado, a aprovação da PEC-37 e a deficiência do
transporte público.
Veja as imagens do protesto histórico:
Qualquer interpretação pronta e fechada sobre os últimos acontecimentos no Brasil há de ser reducionista.
A pergunta se mantém:
- Que Brasil emergirá das manifestações das ruas?
Seguramente, a elite dirigente nacional, de todos os
partidos tradicionais ou não, há de se debruçar e indagar como não
conseguiu antever a movimentação objetiva da sociedade.
Os estudantes, principalmente eles, foram às ruas para
protestar. Primeiramente, contra o aumento da passagem de ônibus, um
serviço que é uma concessão pública e que não respeita o cidadão.
Mas a agenda não para por aí. Ela está aberta e vai
desde as áreas essenciais – Saúde, Educação, Segurança Pública, Cultura –
até a loucura do deputado pastor Feliciano e sua “cura gay”.
Se isso não faz sentido para os mais experientes
militantes da política brasileira, não é o que parece acontecer com a
massa manifestante.
Não se debruçar com coragem e humildade sobre o que já ocorreu há de significar mais perplexidade sobre o que pode ainda vir.
A polícia tem, sim, como papel e obrigação coibir os
excessos, próprios dos protestos que envolvem multidões. Mas não será
ela a resposta do Estado.
Tudo há de ter importância no debate: a sensação
generalizada de corrupção, que não é tão somente uma reação moralista da
classe média insatisfeita com o avanço dos segmentos mais pobres; os
serviços públicos ineficientes e caros, que não atendem às necessidades
da população; a pressão cada vez maior sobre a juventude, empurrada para
a batalha do primeiro emprego cada vez mais cedo; a falta de
representatividades dos partidos, dos três poderes e do que restou da
sociedade civil organizada.
Poderia continuar enumerando muitas razões que pudessem
ajudar a explicar este momento. Todas elas não seriam suficientes para
traduzir o momento – sem precedentes - como bem disse o ministro
Gilberto Carvalho -, por mais exemplos históricos que analisemos.
O Brasil mudou porque o mundo mudou. O que acontece
agora no Brasil já ocorreu na França e Inglaterra, por exemplo, na
década passada. Mas nada indica que esses países tenham encontrado um
novo rumo.
Que mundo é esse?
Não é o que as pessoas querem para si.
Construir um novo e diferente – eis uma tarefa hercúlea para várias gerações, inclusive a que está no comando.
Antecipar-se aos fatos é um dever de quem leva a sério os sinais da história.
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