segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Começa o resgate das ruínas do Mosteiro de São Bento - Gazeta de Alagoas

Começa o resgate das ruínas do Mosteiro de São Bento



 Arqueólogos fazem sondagens no entorno da igreja (Fotos: Severino Carvalho)


Ruínas remetem à destruição, modificação a um estado pior. Contudo, o que sobrou de uma estrutura do século 18, com paredes rachadas -  entranhas expostas num pedido de socorro – tem muito a dizer sobre uma época importante da história de Alagoas. Em busca desse passado, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deu início à pesquisa arqueológica emergencial das ruínas da igreja (mosteiro) de São Bento, no distrito homônimo, em Maragogi.
Uma equipe multidisciplinar formada por 12 profissionais – entre arqueólogos, historiadores, turismólogo, arquiteta, médico e enfermeira – está imbuída na missão de resgatar esse capítulo da história que mistura religiosidade, cultura e reafirmação social. Os trabalhos começaram ainda em dezembro, com a elaboração do projeto e as visitas técnicas, e devem ser encerrados em junho.
Os profissionais integram a empresa catarinense Sapienza, Arqueologia e Gestão do Patrimônio, que venceu a licitação aberta no ano passado pelo Iphan. “O projeto está orçado em aproximadamente R$ 192 mil e já era um desejo antigo do Iphan em Alagoas, mas não tínhamos recursos”, informou o arqueólogo do Instituto, Henrique Pozzi.
Ele explica que os profissionais estão engajados na pesquisa arqueológica – a primeira realizada em Maragogi pelo Iphan – e apresentarão, ao final dela, uma proposta de escoramento das ruínas e, talvez, de restauração, hipótese menos provável em função do avançado estado de deterioração da estrutura. “Eles apontarão uma proposta para consolidação, ou seja, preservação das ruínas e a melhor forma de como utilizar o espaço para uso futuro”, pontuou Pozzi.
A arqueóloga Deisi Scunderlick Eloy de Farias, da Sapienza, fornece detalhes sobre a pesquisa. Segundo ela, o trabalho foi dividido em três pontos. O primeiro se concentra no resgate dos esqueletos que estão sepultados no entorno da igreja. Esse trabalho, inclusive, foi iniciado na semana passada. Era comum naquela época sepultar os religiosos (padres e monges) dentro das igrejas. Por isso, há também diversos túmulos no interior do que sobrou do templo. “Na parte externa os esqueletos são mais recentes”, contou Deisi, lembrando que no entorno ainda funciona um cemitério.

Arqueóloga mostra túmulo profanado


O outro ponto da pesquisa diz repeito ao diagnóstico das ruínas da antiga igreja, cuja arquitetura é do século 18, mesclada com traços de períodos subsequentes. “Você tem mistura de argamassa, pedras, tijolos e até pedaços de arrecifes. Estamos diagnosticando todas as paredes para que possamos, mais tarde, efetivar um escoramento e até uma restauração, se possível”. Mas a arqueóloga não acredita nesta possibilidade.
“Há possibilidade de se manter um bloco-testemunho onde a memória, a história daquele monumento ficará preservada”, avaliou. Segundo ela, as convenções da Unesco e do Iphan não permitem a reconstrução da igreja em ruínas, apenas preservar as estruturas que restaram.

Educação patrimonial 

Arquiteta colhe dados do que sobrou da igreja de São Bento

Olhar atento, as pequenas Camila Isabel Morato, 11 anos, e Ana Maria Barros, 12, acompanham o trabalho dos arqueólogos a identificar e remover os inúmeros esqueletos enterrados no entorno da igreja de São Bento, conhecida popularmente como mosteiro. O lugar mexe com o imaginário da criançada, que costuma brincar por ali. “Isso é muito interessante. Eu tenho curiosidade em saber quem são essas pessoas e o que faziam aqui”, disse Camila.
Muitos ainda não têm ideia da importância social, cultural e religiosa que o mosteiro de São Bento possui para aquela comunidade. Por isso, o terceiro ponto do trabalho desenvolvido pela Sapienza é justamente promover a educação patrimonial, possibilitando também a difusão dos relatos orais entre os mais velhos e as novas gerações.
Da imagem de São Bento ficou apenas a foto emoldurada, diz Rosália


Uma das mais antigas moradoras do lugar, dona Rosália Maria dos Santos, 84 anos, sabe tudo e um pouco mais sobre a historia do mosteiro. Ela conta que com o fechamento da igreja, há cerca de 40 anos, o templo foi se deteriorando e começou a ser alvo de vândalos; depois, de caçadores de tesouro. O primeiro ato de vandalismo foi o roubo da imagem de São Bento “pequeno”, padroeiro do então povoado. Restou apenas um foto emoldurada.
“O povo pensava que tinha dinheiro ali e foi cavando, cavando até por baixo dos altares, por todos os cantos. O povo arrancou até as portas da antiga igreja”, recordou Rosália. O pai dela, Alfredo Estanislau, doou um terreno na orla do povoado e o padre José, à época, erigiu uma nova capela, existente até hoje no distrito.
Foi para lá que o religioso conduziu as imagens restantes: São Miguel, São Bento, Nossa Senhora e  o Cristo crucificado.  “Estavam derrubando tudo, não tinha mais o que fazer, então o padre trouxe as imagens pra cá”, disse Rosália, medalha de São João Batista pendurada no pescoço e muita fé no coração.
O abandono seguido do vandalismo reduziram o mosteiro de São Bento a ruínas. Quando botijas (tesouros antigos) foram encontradas em vias públicas na cidade, durante escavações para instalação do sistema de saneamento básico, em 2004, houve grande correria de caçadores de tesouros a Maragogi. Eles também estiveram no mosteiro de São Bento, onde abriram túmulos em busca de riquezas, vilipendiando os esqueletos deixados à mostra.

Objetivo é fazer a consolidação das ruínas, preservado-as

“Existiram algumas intervenções posteriores que podem ter afetado a igreja, mas elas não conseguiram estragar o monumento. Este se estraga quando para de ser utilizado e já não se faz um trabalho de manutenção permanente que é fundamental”, observou a arquiteta Maria Matilde Villegas Jaramillo.
Por tudo isso, a arqueóloga Deisi Scunderlick considera importantíssimo o trabalho de educação patrimonial que já começou a ser desenvolvido por meio de oficinas, palestras, cursos e atividades lúdicas.
“Aqui era um ponto de fé, de encontro da comunidade. As pessoas vinham do centro de Maragogi para participar das festas em São Bento. No momento em que a igreja começou a cair, as festas acabaram. A comunidade hoje não possui nenhum laço com esse patrimônio. Queremos que essas ruínas continuem a ser um patrimônio e que os moradores possam, de alguma maneira, usufruir disso através do turismo, da religiosidade”, declarou Deisi.

Projetos
Mesmo em ruínas, mosteiro atrai turistas

As ruínas do mosteiro de São Bento – ou da igreja – não se sabe ao certo, sempre atraíram os olhares de turistas e nativos de Maragogi. Para acessar o local, é preciso se dirigir ao distrito homônimo, o maior do município litorâneo. São dois caminhos igualmente tortuosos e com subidas íngremes, sobretudo o acesso que tem uma das ladeiras pavimentadas a paralelepípedos.
Mas não se engane: existe apenas um pequeno trecho calçado. Depois de vencido, resta caminhar em estrada de chão batido que, quando chove, vira lama. A comunidade, fragilizada sócio e economicamente, não colabora com a limpeza do local e o visitante pode se surpreender, às vezes.
É recomendável fazer o trajeto a pé ou em veículo apropriado, do tipo traçado. Pode-se também alugar um buggy na cidade, combinar o preço e fazer a visita. A recompensa dos perseverantes, porém, virá no topo do morro, onde encontram-se as ruínas. De lá, tem-se uma das mais belas visões do litoral alagoano: o mar no horizonte, a moldura do continente, o vasto coqueiral a tremular.
O albor do dia lança luzes em tons variados, do brando ao intenso, gerando contrastes incríveis. O pôr do sol também é maravilhosamente fantástico. Há quem se arrisque subir o morro à noite e de lá assistir a lua rasgar o mar e espalhar luz sobre o espelho d’água. Tudo isso acontece num local sem a mínima estrutura.
Há dois anos e nove meses, sempre no dia 11, a Igreja Católica realiza a Romaria de São Bento, quando fieis conduzidos pelo arcebispo de Maceió, Dom Antônio Muniz, caminham em direção às ruínas, onde é celebrada missa campal. Em outubro de 2012, quando da realização de mais uma procissão, Dom Muniz anunciou a intenção de se fazer a consolidação da estrutura e erigir um anfiteatro.
Igreja faz, a cada dia 11, a Romaria de São Bento
“O trabalho seria de consolidar as ruínas, preservando-as. Descendo, na parte baixa, pretendemos construir um grande anfiteatro onde faríamos esse tipo de celebração religiosa e também apresentações culturais”, disse Dom Muniz, em entrevista à Gazeta.
O mosteiro era uma espécie de base de apoio aos frades beneditinos que circulavam entre Pernambuco e Alagoas, em suas missões, no século 18. “A primeira paróquia em território alagoano foi erguida em Porto Calvo, em 1610, aqui pertinho. Essa estrutura (onde ficam as ruínas) foi criada justamente para se chegar a Porto Calvo e a Paripueira, uma espécie de parada para o descanso”, explicou Dom Muniz.
O secretário municipal de Cultural, Jádson Almeida, o “Jacó”, revelou que a ideia da prefeitura é aproveitar a área do entorno e edificar ali um equipamento que gere visitação:um monumento ou até um mirante.
“Nossa intenção é transformar o local não só em ponto para a realização de atividades culturais, mas, também, que sirva de atrativo turístico”, destacou o secretário.Ele pretende ainda implementar junto àquela comunidade o projeto de gestão de resíduos sólidos que deve ser estendido a todo o município.
“O resgate histórico disso aqui pode proporcionar resultados muito além das pesquisas arqueológicas. É muito importante para a comunidade ter um amalgamante cultural”, considerou o arqueólogo Alexandro Demathé.

 Setor turístico
Arqueólogos identificam esqueletos no entorno da igreja
A pesquisa arqueológica emergencial das ruínas da igreja (mosteiro) de São Bento deixou o trade turístico de Maragogi entusiasmado. O hoteleiro Márcio Vasconcelos, proprietário do Salinas do Maragogi All Inclusive Resort, se dispôs, em entrevista à Gazeta de Alagoas, a colaborar com o projeto.
“A restauração é uma questão de reconstruir nosso patrimônio com profunda ligação com nossa história desde a invasão holandesa. O mosteiro de São Bento foi construído de costas para o mar para permitir a comunicação, alinhada segundo a história, com a Igreja Matriz de Porto Calvo”, revelou Vasconcelos.
Apaixonado por artes sacras e por História do Brasil, ele recorda que a construção da igreja de Nossa Senhor da Glória, em Porto de Pedras, foi iniciada por seus antepassados. “Contribuí com todo o cimento para participar de cada pedaço da edificação o que também proponho para o nosso mosteiro. Vamos reconstruir em toda plenitude e beleza. Cabe inicialmente um levantamento do projeto arquitetônico via fotos e arquivo do Patrimônio Histórico em Recife. Irei neste final de semana ao Mosteiro em Olinda para ver o que consigo encontrar”, propôs, entusiasmado.
A presidente da Associação do Trade Turístico de Maragogi e Japaratinga (Ahmaja), Vergínia Stodolni, é outra defensora do projeto. Ela recorda que a proposta de resgatar o mosteiro sempre esteve na pauta da entidade.
“Em todas as reuniões, nos planos de ações governamentais, sempre relacionamos o resgate do mosteiro de São Bento como prioridade”, destacou Vergínia, ressaltando o papel fundamental do arcebispo Dom Antônio Muniz na consolidação do projeto que se encontra em execução.
Fonte: Gazeta de Alagoas (Sucursal Maragogi)

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