Começa o resgate das ruínas do Mosteiro de São Bento
Ruínas remetem à destruição, modificação a um estado pior. Contudo, o
que sobrou de uma estrutura do século 18, com paredes rachadas -
entranhas expostas num pedido de socorro – tem muito a dizer sobre uma
época importante da história de Alagoas. Em busca desse passado, o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deu
início à pesquisa arqueológica emergencial das ruínas da igreja
(mosteiro) de São Bento, no distrito homônimo, em Maragogi.
Uma equipe multidisciplinar formada por 12 profissionais – entre
arqueólogos, historiadores, turismólogo, arquiteta, médico e enfermeira –
está imbuída na missão de resgatar esse capítulo da história que
mistura religiosidade, cultura e reafirmação social. Os trabalhos
começaram ainda em dezembro, com a elaboração do projeto e as visitas
técnicas, e devem ser encerrados em junho.
Os profissionais integram a empresa catarinense Sapienza, Arqueologia
e Gestão do Patrimônio, que venceu a licitação aberta no ano passado
pelo Iphan. “O projeto está orçado em aproximadamente R$ 192 mil e já
era um desejo antigo do Iphan em Alagoas, mas não tínhamos recursos”,
informou o arqueólogo do Instituto, Henrique Pozzi.
Ele explica que os profissionais estão engajados na pesquisa
arqueológica – a primeira realizada em Maragogi pelo Iphan – e
apresentarão, ao final dela, uma proposta de escoramento das ruínas e,
talvez, de restauração, hipótese menos provável em função do avançado
estado de deterioração da estrutura. “Eles apontarão uma proposta para
consolidação, ou seja, preservação das ruínas e a melhor forma de como
utilizar o espaço para uso futuro”, pontuou Pozzi.
A arqueóloga Deisi Scunderlick Eloy de Farias, da Sapienza, fornece
detalhes sobre a pesquisa. Segundo ela, o trabalho foi dividido em três
pontos. O primeiro se concentra no resgate dos esqueletos que estão
sepultados no entorno da igreja. Esse trabalho, inclusive, foi iniciado
na semana passada. Era comum naquela época sepultar os religiosos
(padres e monges) dentro das igrejas. Por isso, há também diversos
túmulos no interior do que sobrou do templo. “Na parte externa os
esqueletos são mais recentes”, contou Deisi, lembrando que no entorno
ainda funciona um cemitério.
O outro ponto da pesquisa diz repeito ao diagnóstico das ruínas da
antiga igreja, cuja arquitetura é do século 18, mesclada com traços de
períodos subsequentes. “Você tem mistura de argamassa, pedras, tijolos e
até pedaços de arrecifes. Estamos diagnosticando todas as paredes para
que possamos, mais tarde, efetivar um escoramento e até uma restauração,
se possível”. Mas a arqueóloga não acredita nesta possibilidade.
“Há possibilidade de se manter um bloco-testemunho onde a memória, a
história daquele monumento ficará preservada”, avaliou. Segundo ela, as
convenções da Unesco e do Iphan não permitem a reconstrução da igreja em
ruínas, apenas preservar as estruturas que restaram.
Educação patrimonial
Olhar atento, as pequenas Camila Isabel Morato, 11 anos, e Ana Maria
Barros, 12, acompanham o trabalho dos arqueólogos a identificar e
remover os inúmeros esqueletos enterrados no entorno da igreja de São
Bento, conhecida popularmente como mosteiro. O lugar mexe com o
imaginário da criançada, que costuma brincar por ali. “Isso é muito
interessante. Eu tenho curiosidade em saber quem são essas pessoas e o
que faziam aqui”, disse Camila.
Muitos ainda não têm ideia da importância social, cultural e
religiosa que o mosteiro de São Bento possui para aquela comunidade. Por
isso, o terceiro ponto do trabalho desenvolvido pela Sapienza é
justamente promover a educação patrimonial, possibilitando também a
difusão dos relatos orais entre os mais velhos e as novas gerações.
Uma das mais antigas moradoras do lugar, dona Rosália Maria dos
Santos, 84 anos, sabe tudo e um pouco mais sobre a historia do mosteiro.
Ela conta que com o fechamento da igreja, há cerca de 40 anos, o templo
foi se deteriorando e começou a ser alvo de vândalos; depois, de
caçadores de tesouro. O primeiro ato de vandalismo foi o roubo da imagem
de São Bento “pequeno”, padroeiro do então povoado. Restou apenas um
foto emoldurada.
“O povo pensava que tinha dinheiro ali e foi cavando, cavando até por
baixo dos altares, por todos os cantos. O povo arrancou até as portas
da antiga igreja”, recordou Rosália. O pai dela, Alfredo Estanislau,
doou um terreno na orla do povoado e o padre José, à época, erigiu uma
nova capela, existente até hoje no distrito.
Foi para lá que o religioso conduziu as imagens restantes: São
Miguel, São Bento, Nossa Senhora e o Cristo crucificado. “Estavam
derrubando tudo, não tinha mais o que fazer, então o padre trouxe as
imagens pra cá”, disse Rosália, medalha de São João Batista pendurada no
pescoço e muita fé no coração.
O abandono seguido do vandalismo reduziram o mosteiro de São Bento a
ruínas. Quando botijas (tesouros antigos) foram encontradas em vias
públicas na cidade, durante escavações para instalação do sistema de
saneamento básico, em 2004, houve grande correria de caçadores de
tesouros a Maragogi. Eles também estiveram no mosteiro de São Bento,
onde abriram túmulos em busca de riquezas, vilipendiando os esqueletos
deixados à mostra.
“Existiram algumas intervenções posteriores que podem ter afetado a
igreja, mas elas não conseguiram estragar o monumento. Este se estraga
quando para de ser utilizado e já não se faz um trabalho de manutenção
permanente que é fundamental”, observou a arquiteta Maria Matilde
Villegas Jaramillo.
Por tudo isso, a arqueóloga Deisi Scunderlick considera
importantíssimo o trabalho de educação patrimonial que já começou a ser
desenvolvido por meio de oficinas, palestras, cursos e atividades
lúdicas.
“Aqui era um ponto de fé, de encontro da comunidade. As pessoas
vinham do centro de Maragogi para participar das festas em São Bento. No
momento em que a igreja começou a cair, as festas acabaram. A
comunidade hoje não possui nenhum laço com esse patrimônio. Queremos que
essas ruínas continuem a ser um patrimônio e que os moradores possam,
de alguma maneira, usufruir disso através do turismo, da religiosidade”,
declarou Deisi.
Projetos
As ruínas do mosteiro de São Bento – ou da igreja – não se sabe ao
certo, sempre atraíram os olhares de turistas e nativos de Maragogi.
Para acessar o local, é preciso se dirigir ao distrito homônimo, o maior
do município litorâneo. São dois caminhos igualmente tortuosos e com
subidas íngremes, sobretudo o acesso que tem uma das ladeiras
pavimentadas a paralelepípedos.
Mas não se engane: existe apenas um pequeno trecho calçado. Depois de
vencido, resta caminhar em estrada de chão batido que, quando chove,
vira lama. A comunidade, fragilizada sócio e economicamente, não
colabora com a limpeza do local e o visitante pode se surpreender, às
vezes.
É recomendável fazer o trajeto a pé ou em veículo apropriado, do tipo
traçado. Pode-se também alugar um buggy na cidade, combinar o preço e
fazer a visita. A recompensa dos perseverantes, porém, virá no topo do
morro, onde encontram-se as ruínas. De lá, tem-se uma das mais belas
visões do litoral alagoano: o mar no horizonte, a moldura do continente,
o vasto coqueiral a tremular.
O albor do dia lança luzes em tons variados, do brando ao intenso,
gerando contrastes incríveis. O pôr do sol também é maravilhosamente
fantástico. Há quem se arrisque subir o morro à noite e de lá assistir a
lua rasgar o mar e espalhar luz sobre o espelho d’água. Tudo isso
acontece num local sem a mínima estrutura.
Há dois anos e nove meses, sempre no dia 11, a Igreja Católica
realiza a Romaria de São Bento, quando fieis conduzidos pelo arcebispo
de Maceió, Dom Antônio Muniz, caminham em direção às ruínas, onde é
celebrada missa campal. Em outubro de 2012, quando da realização de mais
uma procissão, Dom Muniz anunciou a intenção de se fazer a consolidação
da estrutura e erigir um anfiteatro.
“O trabalho seria de consolidar as ruínas, preservando-as. Descendo,
na parte baixa, pretendemos construir um grande anfiteatro onde faríamos
esse tipo de celebração religiosa e também apresentações culturais”,
disse Dom Muniz, em entrevista à Gazeta.
O mosteiro era uma espécie de base de apoio aos frades beneditinos
que circulavam entre Pernambuco e Alagoas, em suas missões, no século
18. “A primeira paróquia em território alagoano foi erguida em Porto
Calvo, em 1610, aqui pertinho. Essa estrutura (onde ficam as ruínas) foi
criada justamente para se chegar a Porto Calvo e a Paripueira, uma
espécie de parada para o descanso”, explicou Dom Muniz.
O secretário municipal de Cultural, Jádson Almeida, o “Jacó”, revelou
que a ideia da prefeitura é aproveitar a área do entorno e edificar ali
um equipamento que gere visitação:um monumento ou até um mirante.
“Nossa intenção é transformar o local não só em ponto para a
realização de atividades culturais, mas, também, que sirva de atrativo
turístico”, destacou o secretário.Ele pretende ainda implementar junto
àquela comunidade o projeto de gestão de resíduos sólidos que deve ser
estendido a todo o município.
“O resgate histórico disso aqui pode proporcionar resultados muito
além das pesquisas arqueológicas. É muito importante para a comunidade
ter um amalgamante cultural”, considerou o arqueólogo Alexandro Demathé.
Setor turístico
A pesquisa arqueológica emergencial das ruínas da igreja (mosteiro)
de São Bento deixou o trade turístico de Maragogi entusiasmado. O
hoteleiro Márcio Vasconcelos, proprietário do Salinas do Maragogi All
Inclusive Resort, se dispôs, em entrevista à Gazeta de Alagoas, a colaborar com o projeto.
“A restauração é uma questão de reconstruir nosso patrimônio com
profunda ligação com nossa história desde a invasão holandesa. O
mosteiro de São Bento foi construído de costas para o mar para permitir a
comunicação, alinhada segundo a história, com a Igreja Matriz de Porto
Calvo”, revelou Vasconcelos.
Apaixonado por artes sacras e por História do Brasil, ele recorda que
a construção da igreja de Nossa Senhor da Glória, em Porto de Pedras,
foi iniciada por seus antepassados. “Contribuí com todo o cimento para
participar de cada pedaço da edificação o que também proponho para o
nosso mosteiro. Vamos reconstruir em toda plenitude e beleza. Cabe
inicialmente um levantamento do projeto arquitetônico via fotos e
arquivo do Patrimônio Histórico em Recife. Irei neste final de semana ao
Mosteiro em Olinda para ver o que consigo encontrar”, propôs,
entusiasmado.
A presidente da Associação do Trade Turístico de Maragogi e
Japaratinga (Ahmaja), Vergínia Stodolni, é outra defensora do projeto.
Ela recorda que a proposta de resgatar o mosteiro sempre esteve na pauta
da entidade.
“Em todas as reuniões, nos planos de ações governamentais, sempre
relacionamos o resgate do mosteiro de São Bento como prioridade”,
destacou Vergínia, ressaltando o papel fundamental do arcebispo Dom
Antônio Muniz na consolidação do projeto que se encontra em execução.
Fonte: Gazeta de Alagoas (Sucursal Maragogi)
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