sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A (IN) EFICÁCIA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS APLICADAS AO ADOLESCENTE INFRATOR: A REALIDADE DE MACEIÓ-AL - Lana Lisiêr de Lima Palmeira & Samantha Gabrielle da Silva da Costa

A (IN) EFICÁCIA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS APLICADAS AO ADOLESCENTE INFRATOR: A REALIDADE DE MACEIÓ-AL1

Samantha Gabrielle da Silva da Costa2 
Lana Lisiêr de Lima Palmeira3

RESUMO

Este trabalho objetivou analisar se as medidas socioeducativas apresentam, na realidade prática, eficácia no tocante à recuperação e reinserção do adolescente infrator no seio social. O estudo foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica e por pesquisa de campo, realizada no município de Maceió, nas quais observamos que referidas medidas são pouco eficazes, o que dificulta o alcance absoluto dos ditames preconizados nas leis, quais sejam, a ressocialização e reinserção plena do adolescente no meio social.

Palavras-Chave: Medidas socioeducativas. Adolescente infrator. Ressocialização.


INTRODUÇÃO


Todo e qualquer estudo que analise as medidas socioeducativas deve ser abordado com bastante cuidado, visto que se trata do meio utilizado pelo Estado para tentar ressocializar e resgatar adolescentes, pessoas com desenvolvimento físico e mental ainda incompleto.
Seguindo tal ideia, buscamos abordar o ato infracional e suas peculiaridades, relatando as principais problemáticas acerca da inimputabilidade infanto-juvenil, pormenorizamos todo o procedimento de apuração do ato infracional, além de especificarmos todas as garantias processuais das quais as crianças e os adolescentes dispõem, indicando cada medida protetiva e socioeducativa.
Dando continuidade à linha de raciocínio adotada, focamos na análise da suposta eficácia das medidas socioeducativas, a partir do resultado da nossa pesquisa de campo, na qual contextualizamos o quadro da realidade prática da delinquência infanto-juvenil, relatando os índices de infração e de reincidência na cidade de Maceió. Tais dados foram coletados por meio de entrevistas realizadas com profissionais que lidam diariamente com a temática. Com as mencionadas entrevistas, buscamos informações acerca da visão dos profissionais sobre a possível eficácia das medidas socioeducativas diante do cotidiano prático e rotineiro do que é

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  1. Este trabalho é parte da monografia de conclusão do curso de Direito apresentada, em novembro de 2010, à Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste – SEUNE, em Maceió-AL.
por eles observado constantemente. Também foi realizada uma entrevista com um adolescente infrator que, ao falar da sua vida, deixou clara a falta de estrutura familiar e de condições financeiras com as quais conviveu, demonstrando que o meio em que vive foi, por si só, bastante propício para que ele enveredasse na vida delituosa.
Em linhas gerais, podemos sustentar que o objetivo primordial da pesquisa girou em torno de analisar, de forma criteriosa e respaldada, se as medidas socioeducativas estão sendo eficazes para a ressocialização do adolescente infrator, atingindo assim o fim a que ela se propõe, visto que, diante de um primeiro olhar, pensamos que apesar de toda evolução nos Direitos da Criança e do Adolescente, as medidas em questão parecem, na realidade social vigente, não conseguir cumprir a função de ressocializar o adolescente em conflito com a lei, reintegrando-o ao seio social em condições ideais de se manter distante dos ilícitos que o colocou na situação de infrator.

  1. DA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS


    1. A inimputabilidade infanto-juvenil


      O Brasil adotou o critério biológico para definir a maioridade, ignorando assim a questão do discernimento. Assim sendo, os menores de 18 (dezoito) anos terão suas responsabilidades regidas pela legislação especial.
      Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, toda criança ou adolescente que cometa algum ato infracional será objeto de medidas de proteção, no caso das crianças; ou medidas socioeducativas, no caso de adolescentes. Observa-se que o menor de 18 (dezoito) anos, se submeterá às medidas previstas no ECA, que visam resgatar e ressocializar a criança e o adolescente evitando que voltem a cometer atos infracionais.
      A inimputabilidade aos menores de 18 (dezoito), além de prevista no Código Penal, foi elevada a nível constitucional e está prevista no art. 228 da Carta Magna, o que nos leva a compreender a importância e a necessidade de tal inimputabilidade, como podemos constatar com a lição de Saraiva e Koerner Júnior (2008, p.136-7):

      Nesse campo, acertadíssima a precaução que teve o constituinte. É mais que razoável disponha a Carta Magna sobre a inimputabilidade do menor de 18 anos. O conteúdo de cláusula de seu art. 228 é de segurança para aqueles pequenos brasileiros vítimas de um sistema social amplo sensu opressivo com quem também brasileiros, jamais racionalmente, querem guerrear. Tenho para mim que a determinação constitucional equivale em força de efeito à regra que veda a execução
      da pena de morte em nosso País, apesar de os exemplos de vida vivida pelos brasileiros demonstrarem o contrário.

      A inimputabilidade infanto-juvenil há muito tempo tem sido alvo de discussões e opiniões controversas acerca da redução ou não da idade inimputável para 16 anos. O Código Penal, em seu Art. 27 dispõe que “menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial” (BRASIL, 2010a).
      Os defensores da redução da menoridade penal argumentam que crianças e adolescentes estão, cada vez mais cedo, se envolvendo na prática de atos infracionais, por isso, tal redução se faz necessária, aliando-se ainda a tal motivo a ideia de que se um jovem de dezesseis anos possui o discernimento suficiente para votar, teria ele a maturidade suficiente para responder por seus atos na esfera penal.
      Antes de buscar a redução da menoridade penal para 16 (dezesseis) anos, a nosso ver, o legislador deve levar em consideração que o adolescente de 16 (dezesseis) anos é ainda um ser em formação, com desenvolvimento físico e mental incompleto. Assim sendo, é inadmissível que esse adolescente passe a ser punido da mesma forma que um adulto. Alguns autores apontam como uma possível solução para as causas que geram a criminalidade infanto-juvenil outro método, como podemos observar na lição de Bitencourt (2007, p.353):

      Admitimos, de lege ferenda, a possibilidade de uma terceira via: nem a responsabilidade penal do nosso Código Penal, nem as medidas terapêuticas do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas uma responsabilidade penal diminuída, com consequências diferenciadas, para os infratores jovens com idade entre dezesseis e vinte e um anos, cujas sanções devam ser cumpridas em outra espécie de estabelecimento, exclusiva para menores, com tratamento adequado, enfim, um tratamento especial.

      Ou seja, com a situação crítica que vivem os sistemas prisionais brasileiros, submeter adolescentes às mesmas situações que adultos imputáveis só vai agravar a criminalidade infanto-juvenil, pois as chances de recuperação e ressocialização desses adolescentes seriam escassas. Acompanhamos, nesse sentido, o pensamento de Mirabete e Fabrini (2008, p.215), que asseveram:

      Ninguém pode negar que o jovem de 16 a 17 anos, de qualquer meio social, tem hoje amplo conhecimento do mundo e condições de discernimento sobre a ilicitude de seus atos. Entretanto, a redução do limite de idade no Direito Penal comum representaria um retrocesso na política penal e penitenciária brasileira e criaria a promiscuidade dos jovens com delinquentes costumazes. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, aliás, instrumentos eficazes para impedir a prática reiterada de atos ilícitos por pessoas com menos de 18 anos, sem os inconvenientes mencionados.
      Resta-nos saber se esses instrumentos mencionados por Mirabete e Fabrini (2008) são realmente eficazes ou não, como veremos adiante.
      Entretanto, não é excessivo declinar que a imputabilidade é causa de exclusão de responsabilidade penal e não causa da irresponsabilidade de forma absoluta, total e irrestrita, vindo ele a responder na medida do que a legislação especial estabelece, que visa, antes de qualquer coisa, reeducar, ressocializar, resgatar essa criança ou adolescente do que propriamente reprimir.

    2. As garantias processuais e a apuração do ato infracional


      A definição de crime encontra-se prevista na Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro (BRASIL, 2010b), segundo o qual crime é um fato contrário à lei, um ato punível, é o ato que lesa o bem jurídico protegido pelo Direito Penal.
      Já o conceito de ato infracional, por sua vez, foi definido pelo ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente nos precisos termos do artigo 103, segundo o qual “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.” (BRASIL, 2009).
      Tal conceituação necessita, todavia, ser complementada pelo que estatui o caput do artigo 104 do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual traz explicitamente que: “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei” (BRASIL, 2009).
      Ou seja, na realidade prática, o que difere o crime do ato infracional é que o crime é a conduta punível, contrária a lei praticada por adulto, por maior de 18 anos de idade; enquanto o ato infracional é a conduta praticada por criança ou adolescente, descrita como crime ou contravenção penal. Isto é, crianças e adolescentes não podem ser autores de crimes, apenas de atos infracionais, já que crimes são condutas praticadas apenas pelos imputáveis.
      Feita a distinção inicial e terminológica entre crime e ato infracional, passaremos agora à análise de como se dá a apuração do ato infracional. O ECA elenca uma série de garantias processuais aos menores infratores, tais garantias estão protegidas pelos princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, princípio da brevidade e excepcionalidade na medida privativa de liberdade, entre outras.
      O art. 111 do ECA elenca as garantias processuais que o menor infrator possui, a saber: ter o pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional; direito de igualdade nas relações processuais; defesa técnica por profissional habilitado, podendo o jovem confrontar-se com vítimas e testemunhas a fim de produzir as provas necessárias a sua defesa; direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; direito a solicitar a presença
      dos pais ou responsáveis em qualquer fase do procedimento; direito à assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei. Esse rol de garantias do mencionado artigo não é taxativo, é apenas exemplificativo, daí decorrendo outras garantias (BRASIL, 2009).
      O ECA disciplina que na apuração de um ato infracional leve-se em consideração a idade da criança ou adolescente no momento em que o ato foi praticado, isto porque a criança, não pode receber medidas socioeducativas, devendo ser encaminhada ao Conselho Tutelar para que ele aplique as medidas de proteção adequadas ao caso, pois essas medidas não possuem natureza punitiva.
      Por outro lado, caso o infrator já tenha 18 (dezoito) anos completos quando da prática do ato infracional, não será alvo de medidas socioeducativas e sim das penas previstas na legislação penal, visto que as medidas socioeducativas só se aplicam aos adolescentes, nada impedindo, porém, que estes recebam apenas medidas de proteção como veremos a seguir.
      Com base no princípio da presunção de inocência, o adolescente só pode ser objeto de medida socioeducativa quando restar comprovada a autoria e a materialidade do fato durante o processo, e, além disso, só poderá ser privado de liberdade com fundamentação judicial que demonstre a indispensabilidade da medida, e só nestes casos a internação será autorizada antes da sentença.
      O adolescente só poderá ser privado de sua liberdade quando for flagrado cometendo um ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada do juiz. Quando se verifica a ocorrência de um ato infracional com a posterior apreensão do adolescente, devem-se tomar as providências necessárias para que a autoridade judiciária e a família do apreendido sejam informadas da apreensão, no prazo de até 24 horas, de forma incontinenti, devendo ainda ser examinada a possibilidade de liberação imediata. Quando os pais comparecerem, o adolescente deve ser imediatamente liberado, oportunidade na qual os pais devem apresentá- lo ao Ministério Público, caso isso não seja possível deverá comparecer no próximo dia útil.
      Nos casos de privação de liberdade, devido à impossibilidade de liberação imediata do adolescente, tal privação não pode ultrapassar em nenhuma hipótese o prazo de 45 dias, e isso só será possível por meio de decisão fundamentada, baseada em indícios da autoria e materialidade do fato suficientes, demonstrando a necessidade da medida, no que se denomina de atendimento acautelatório para adolescentes em conflito com a lei.
      Deve-se ressaltar que a internação só poderá ser executada caso o ato infracional tenha sido cometido mediante violência ou grave ameaça, por descumprimento da medida anteriormente imposta ou ainda em casos de reiteração no cometimento de outras infrações.
      Caso o adolescente fique apreendido, como já dito, essa apreensão não poderá exceder 45 dias, e deve obedecer as condições mínimas previstas no art. 123 do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual:

      Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas. (BRASIL, 2010c).

      É importante destacar que o ECA preceitua que, se na comarca não houver esse tipo de entidade, o adolescente deve ser encaminhado para a localidade mais próxima, podendo, em último caso, ser mantido em estabelecimento prisional desde que separado dos adultos e podendo permanecer lá pelo prazo máximo de 5 (cinco) dias. Em nenhuma hipótese os adolescentes serão colocados no mesmo ambiente dos adultos. Vale ressaltar ainda, que no momento da apreensão, o adolescente não pode ser conduzido em compartimento fechado de viaturas, devendo ser levado no banco traseiro do veículo.
      Caso o adolescente não fique apreendido, deve-se providenciar a sua apresentação ao Ministério Público, no prazo máximo de 24 horas, ou não sendo possível no próximo dia útil, momento em que o Ministério Público providenciará a oitiva do adolescente, dos pais, de vítimas e testemunhas, em seguida, o promotor vai decidir se arquiva o procedimento, se concede a remissão ou se faz representação perante o judiciário, solicitando a aplicação de medida socioeducativa.
      A representação ministerial deve conter o resumo dos fatos, as testemunhas a classificação do ato, etc., o juiz é que vai decidir se mantém a internação, se o adolescente já estiver internado, ou se decreta a internação, caso se encontre em liberdade. Em seguida, marca a primeira audiência, chamada audiência de representação, na qual o adolescente, os pais ou responsáveis deverão ser notificados, devendo a defesa se fazer presente.
      Nessa audiência, o juiz pode decidir por encerrar o procedimento, aplicando ou não a remissão, ou dar provimento à representação. Pode, ainda, em sendo necessário, marcar a audiência de continuação, abrindo, de imediato, o prazo de 3 (três) dias para apresentação da defesa prévia.
      Nessa audiência, o juiz ouve as testemunhas oferecidas pelo Ministério Público, passando para os debates orais entre Ministério Público e Defesa. Findo os debates, junta-se o relatório da equipe interprofissional, caso tenha sido requerido e elaborado, proferindo a sentença, oportunidade na qual ele pode conceder a remissão, pode julgar improcedente a representação ou julgá-la procedente. Em julgando-a procedente, estabelecerá a medida
      socioeducativa a ser aplicada e se a medida for a de semiliberdade ou de internação, o adolescente é obrigatoriamente chamado para dizer se quer ou não recorrer da sentença.

    3. Das Medidas Protetivas


      O Art. 101 do ECA prevê as medidas de proteção. Quando uma criança comete um ato infracional, ela não pode receber como reprimenda medidas socieducativas. Como visto, ela será encaminhada ao Conselho Tutelar e este aplicará a medida de proteção adequada. Nada impede, porém, que um adolescente, receba uma medida de proteção específica, quando, por exemplo, o ato infracional que ele tenha cometido seja de pequena gravidade, de pequeno potencial ofensivo, recebendo a medida de proteção de forma isolada ou cumulativa.
      Dentre as medidas de proteção podemos citar: o encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; acolhimento institucional; inclusão em programa de acolhimento familiar; colocação em família substituta.
      No caso das medidas de proteção previstas nos incisos VII, VIII e IX, do Art, 101 do ECA, quais sejam: o acolhimento institucional, a inclusão em programa de acolhimento familiar e a colocação em família substituta, por serem medidas excepcionais e extremas não podem ser aplicadas pelo Conselho Tutelar, devem ser aplicadas pela autoridade judiciária.
      Essas medidas de proteção podem ser aplicadas isoladas ou cumulativamente, dando sempre prioridade àquelas que apresentam uma maior ênfase ao fortalecimento dos vínculos familiares e, excepcionalmente, aplicando o acolhimento institucional e o acolhimento familiar, de forma provisória, o que não constitui privação de liberdade, devendo sempre verificar a possibilidade de reintegração dessa criança ao seio familiar. As medidas de proteção não possuem natureza punitiva, mas sim pedagógica e educacional.

    4. Das Medidas Socioeducativas


      De acordo com o que já foi destacado no presente estudo, quando um adolescente comete um ato infracional, ele recebe a aplicação de medidas socioeducativas como
      reprimenda. Essas medidas socioeducativas, ora objeto de nossa pesquisa estão previstas no art.112 do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente:

      Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
      1. - advertência;
      2. - obrigação de reparar o dano;
      3. - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida;
      1. - inserção em regime de semi-liberdade;
      2. - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
      § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri- la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
      § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
      § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
      (BRASIL, 2010c).

      As medidas socioeducativas serão aplicadas de acordo com a infração cometida, devendo ser proporcionais ao ato causado, à gravidade, representando, de acordo com o espírito da legislação específica, medidas coercitivas que, além da punição ao adolescente infrator, visam reintegrar, ressocializar e reeducar o adolescente.
      A aplicação dessas medidas, diferentemente do que ocorre com as medidas protetivas, as quais podem ser determinadas pelo Conselho Tutelar, só pode ser aplicada pelo juiz, única autoridade competente para isso.
      Quanto à natureza das medidas socioeducativas, é fundamental assinalar que alguns autores negam o caráter sancionatório das medidas socioeducativas, enquanto outros enxergam nas aludidas medidas um traço marcadamente de penalização. A esse respeito Shecaira (2008, p.187) assevera que:

      Dentro desse contexto, pode-se afirmar que a medida socioeducativa é uma sanção de caráter pedagógico e educativo, com finalidade de reforçar os vínculos familiares e comunitários do adolescente, aplicada em função da não conformação da conduta (prática do ato infracional) ao preceito da norma (Direito Penal Juvenil).

      Percebe-se, dessa forma, que as medidas socioeducativas, apesar do caráter pedagógico, são nada mais do que sanções impostas aos adolescentes. Não há como negar o caráter retributivo da medida socioeducativa, uma retribuição ao mal praticado. Faz-se necessário destacar que essas medidas, do ponto de vista do Direito, não são penas, como as previstas pelo Direito Penal, embora, numa visão mais restrita e do ponto de vista da concretização prática, com elas se assemelhe.
      Cabe destacar que o período máximo de medidas socioeducativas é de três anos, e estas podem ser cumpridas até que o jovem complete 21 (vinte e um) anos, idade esta utilizada para os cálculos de diminuição previstos no Código Penal.
      A primeira medida prevista no art. 112 é a advertência, é a menos grave das medidas, mas não deixa de ser uma sanção. Embora seja a mais branda, só pode ser aplicada se provada a autoria e a materialidade do fato. É uma admoestação verbal, feita pelo juiz e que deve ser reduzida a termo e entregue aos pais ou responsáveis.
      O inciso II do art. 112 do mencionado artigo, prevê como medida socioeducativa a obrigação de reparar o dano. Com essa medida, o adolescente passa a ter uma noção de responsabilidade, visto que ele vai ter que ressarcir o dano causado com suas atitudes, evitando assim que volte a cometer danos a outras pessoas. Com base no art.116 do ECA, a obrigação de reparar o dano refere-se a atos com prejuízos materiais, patrimoniais, e o juiz vai determinar que o adolescente restitua a coisa ou compense o prejuízo de alguma forma.
      A obrigação de reparar o dano é intransferível e personalíssima. Caso se mostre impossível reparar o dano à vítima, a autoridade judiciária deve determinar que o adolescente execute tarefas em hospitais, escolas, creches e instituições congêneres, ou então substituir a medida por outra mais adequada.
      A prestação de serviços à comunidade está prevista no inciso III do art.112 e no art.117, ambos do ECA. Essa medida baseia-se na execução de serviços à comunidade, serviços de interesse geral, que, além de contribuir em projetos comunitários, despertam no adolescente o prazer em ajudar ao próximo, solidarizando-o.
      Esses serviços devem ser realizados em escolas, hospitais, órgãos assistenciais, etc. As tarefas serão determinadas de acordo à aptidão de cada adolescente e não poderão atrapalhar as atividades escolares, sendo realizadas preferencialmente aos sábados, domingos, feriados, não podendo ultrapassar 8 horas semanais, além disso, as tarefas desempenhadas não devem ser humilhantes ou discriminatórias, não podendo haver diferenciações para que o adolescente seja identificado no desempenho das tarefas como um adolescente infrator em cumprimento de medidas socioeducativas.
      Essa medida tem duração máxima de seis meses e a entidade beneficiada deve enviar ao juiz da Infância e da Juventude relatórios de frequência e relatos de tudo relevante que ocorrer na prestação dos serviços.
      A liberdade assistida, prevista no IV do art.112 do ECA, é uma medida coercitiva, caracteriza-se pelo acompanhamento do adolescente para garantir proteção, inserção social, maior efetividade nos vínculos familiares, frequência escolar, etc.. O prazo mínimo de
      execução da liberdade assistida é de seis meses, podendo ser revogada, prorrogada ou ainda substituída por outra medida.
      O juiz, ao determinar a medida da liberdade assistida, pode ainda fazer outras exigências como: não praticar novos atos infracionais, não andar em más companhias, não frequentar determinados locais, retornar para casa até as 22 horas, estudar, etc.. Ao determinar a liberdade assistida, o juiz deve indicar um orientador, ou seja, uma pessoa capacitada para acompanhar o adolescente e deve ainda promover socialmente o adolescente e sua família, orientá-los, integrá-los em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social, caso seja necessário, verificar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente, tentar inserir o adolescente no mercado de trabalho e apresentar ao juiz relatório sobre o caso.
      Prevista no inciso V do art.112 do ECA, a medida da colocação em regime de semiliberdade consiste na privação parcial de liberdade e pode ser aplicada diretamente ou como forma de substituição, de progressão de medida, da internação para o meio aberto.
      Ao cumprir essa medida, o adolescente fica em um estabelecimento determinado pelo juiz e tem a possibilidade de executar atividades externas, sendo obrigatória a frequência escolar e a profissionalização. Em regra, o adolescente ficará na entidade no período noturno, ou seja, passa o dia em meio aberto e à noite recolhe-se à entidade. Por ser mais rigorosa, ela não tem prazo determinado e sua conveniência deve ser reavaliada pelo juiz a cada seis meses. Ao ser reavaliada, a medida pode ser substituída por outra que o caso exija, porém não pode exceder o período de três anos.
      Por fim, temos a internação como medida socioeducativa mais grave, sendo prevista no inciso VI do art.112 do ECA. Assim como as outras medidas, ela só pode ser imposta pelo juiz e desde que observados os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. É a última alternativa a ser utilizada, é uma medida excepcional e têm com base os princípios da brevidade, excepcionalidade e do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
      O adolescente, ao cumprir essa medida, fica internado em uma instituição destinada a esse fim e fica sob a responsabilidade do Estado, que deve zelar pela sua integridade física e mental, pela sua educação, pelo seu lazer. O local deve ser distinto daqueles destinados ao abrigo dos adolescentes não infratores, que devem ser separados por critérios de idades, compleição física e gravidade do ato infracional praticado. A entidade deve ser exclusiva para adolescentes e, assim como a medida da semiliberdade, a medida deve ser avaliada a cada seis meses e não pode exceder o prazo de três anos.
      Quando se completam os três anos da internação, o adolescente deve imediatamente ser posto em liberdade, porém, se seu caráter ainda mostrar a necessidade de medidas, será ele
      colocado em semiliberdade ou liberdade assistida e aos poucos ir progredindo a medida. Vale ressaltar que ao completar 21 (vinte e um) anos o jovem será liberado compulsoriamente. Caso a internação ocorra por descumprimento da medida anteriormente adotada, ela terá o prazo máximo de três meses, visto que visa apenas garantir o cumprimento da medida anterior.
      Todo adolescente em cumprimento de internação dispõe de algumas garantias que devem ser observadas, estas garantias estão previstas no art. 124 do ECA, segundo o qual:

      Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:
      I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;
      1. - avistar-se reservadamente com seu defensor;
      2. - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada; V - ser tratado com respeito e dignidade;
      1. - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;
      2. - receber visitas, ao menos, semanalmente;
      3. - corresponder-se com seus familiares e amigos;
      4. - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;
      5. - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI - receber escolarização e profissionalização;
      XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer: XIII - ter acesso aos meios de comunicação social;
      1. - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje;
      2. - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-
      los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade; XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.
      § 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.
      § 2º A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente. (BRASIL, 2010c).

      Não podemos deixar de dar um enfoque maior a questão da escolarização, pois o adolescente mesmo privado de liberdade tem o direito de estudar, cabendo ao Poder Público garantir essa necessidade. Sobre o assunto, Volpi (2010, p.34-35) destaca que:

      Dada a impossibilidade de os adolescentes frequentarem escolas na comunidade de origem, a solução que nos parece mais acertada é que a rede pública e regular de ensino mantenha uma escola dentro do internato. É de suma importância que essa escola seja vinculada à rede formal de ensino e não seja uma escola alternativa dentro do próprio internato. Enquanto a escola não considerar dela excluídos, não saberá produzir as alterações necessárias para atender as crianças e adolescentes das camadas populares.

      O art.122 do ECA, elenca as três hipóteses em que o juiz pode aplicar a medida da internação, que são os casos de atos infracionais graves cometidos mediante violência ou
      grave ameaça, casos de reiteração no cometimento de outras infrações graves e, por fim, a internação pelo descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente adotada.
      Visto o que estatui a legislação especial acerca do assunto estudado, voltamos nossa atenção a outro aspecto de grande relevância, qual seja a realidade diária do modo de execução das medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente em conflito com a lei, pois, na prática, nem todos esses direitos e garantias vêm sendo aplicados e observados.
      Ao contrário, o que se tem percebido, inúmeras vezes, são abrigos superlotados, em péssimas condições de higiene, entre outras irregularidades, que acabam sendo um motivo adicional para tornar o adolescente revoltado, sem perspectivas de recuperação social e emocional, fazendo um papel totalmente oposto ao que a lei se propõe, distanciando-se assim da tão buscada ressocialização.
      Em seguida, teceremos análises a respeito do atual quadro modulado pela aplicação das medidas socioeducativas, tentando trazer à pesquisa dados relativos ao quantum de incidência das medidas, bem como do índice de adolescentes em conflitos com a lei que voltam a cometer novos atos infracionais, após a aplicação da medida, buscando assim construir um raciocínio apto a embasar a ideia central da pesquisa, que repousa na tentativa de evidenciar se as medidas socioeducativas são verdadeiramente eficazes e se traduzem, no campo prático, o que preconizam os ideais normativos.

  2. A EFICÁCIA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NA REALIDADE DE MACEIÓ-AL


    1. O que mostra o contexto atual em relação à reincidência na prática do ato infracional?


      Após analisar todos os aspectos doutrinários e legais acerca do ato infracional, buscamos a opinião de alguns profissionais da área, a respeito de determinadas questões pertinentes ao adolescente infrator e à eficácia das medidas socioeducativas.
      Entre os entrevistados, selecionamos o diretor da UIPM – Unidade de Internação Provisória Masculina de Maceió-AL, Senhor Ênio Oliveira; o Defensor Público que atua no Juizado da Infância e da Juventude, Dr. Ricardo Santana; a equipe multidisciplinar do mencionado Juizado, nas pessoas de assistentes sociais e da psicóloga Dra. Sara Oliveira Nepomuceno Marques; o Chefe Geral de Operações da Delegacia da Criança e do
      Adolescente, o Senhor Aldo Moraes e a Delegada da Delegacia da Criança e do Adolescente, Dra. Aureni Santos Moreno.
      Ao desenvolver nossas pesquisas, constatamos que atualmente é grande a ocorrência de atos infracionais. De acordo com informações oriundas da Delegacia da Criança e do Adolescente de Maceió, esta recebe uma faixa de 25 (vinte e cinco) a 30 (trinta) adolescentes por semana, nos termos da informação fornecida pelo Senhor Aldo Moraes, Chefe de Operações da Delegacia da Criança e do Adolescente, que atua na área há 7 (sete ) anos.
      Ainda segundo o entrevistado, a tendência é o aumento da delinquência infanto- juvenil, e pela falta de perspectivas de melhora no tocante ao implemento de políticas públicas, a tendência é que as infrações sejam cada vez mais graves, ressaltando ainda que os jovens começam a delinquir cada vez mais cedo. Também pudemos colher, na mesma delegacia, informações de que no período compreendido de janeiro até outubro de 2010, ano em que a pesquisa foi realizada, havia cerca de 400 (quatrocentas) investigações de atos infracionais praticados por adolescentes, não incluindo aqueles casos de menor potencial lesivo, em que a Delegada acaba liberando o adolescente.
      O ponto mais relevante sobre as informações levantadas é no que pertine à reincidência. Nesse aspecto e ouvindo atentamente as informações emanadas da Dra. Aureni Santos Moreno, delegada que há mais de 29 anos atua na mesma especializada, o índice de reincidência é muito elevado. De acordo com as palavras da Dra. Aureni Santos Moreno: “Acredito que a reincidência chega a 95% dos casos que me deparo aqui. É constrangedor e até triste para mim, como profissional, ver o crescimento desses jovens na escalada delituosa”.
      Ainda em consonância com as entrevistas realizadas, percebemos que geralmente a reincidência é pelo mesmo ato infracional ou por ato de maior gravidade. Não são raros os casos de adolescentes que vão se especializando na conduta delituosa, iniciando os ilícitos por pequenos furtos ou lesões leves chegando ao cometimento de tráfico de drogas e homicídios com altos resquícios de crueldade.
      Logicamente, alguns até tentam levar uma vida melhor, estudar, trabalhar, mas a grande maioria acaba se envolvendo em novos ilícitos, afinal a ausência de estrutura familiar e a ausência de políticas estatais voltadas à população juvenil contribuem preponderantemente para a inserção desses adolescentes nesse submundo.
    2. A visão dos especialistas acerca da eficácia das medidas socioeducativas


      Ao realizar a pesquisa de campo, tivemos a oportunidade de entrevistar o Senhor Ênio Oliveira, diretor da UIPM- Unidade de Internação Provisória Masculina de Maceió-AL, com 7 (sete) anos de experiência na função, o qual nos informou sobre o trabalho que vem desempenhando, como funcionam as Unidades de Internação e ainda o perfil dos adolescentes, informações estas de imprescindível relevância ao assunto em comento.
      Entre essas informações podemos citar a forma que atualmente divide-se a Unidade de Internação, antigo CRM – Centro de Ressocialização de Menores.
      A Unidade de Internação se divide em 6 (seis) unidades, quais sejam: a UIPM – Unidade de Internação Provisória Masculina, a UIM – Unidade de Internação Masculina, a UIJA – Unidade de Internação de Jovens Adultos, a UIF – Unidade de Internação Feminina, a Semiliberdade e a LA – Liberdade Assistida.
      A UIPM - Unidade de Internação Provisória Masculina é o portão de entrada, isto é, quando o adolescente comete o ato infracional ele é encaminhado à Delegacia da Criança e do Adolescente, onde a delegada vai proceder a investigação social e encaminhar os autos e tudo que foi apreendido ao Juizado da Infância e Juventude, que vai decidir se libera o adolescente ou se o encaminha para a UIPM – Unidade de Internação Provisória Masculina. Nessa unidade, o adolescente fica aguardando a audiência, que ocorrerá no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias. Além de atuar como portão de entrada, a UIPM – Unidade de Internação Provisória Masculina acolhe, ainda, os adolescentes que descumprem uma medida anteriormente imposta, ou seja, nos casos de regressão da medida, podendo estes permanecer lá por até 90 (noventa) dias. Deve-se frisar que aqui ainda não há o cumprimento de medida, representando apenas um acolhimento provisório, pois o cumprimento da medida só ocorre após a sentença e será cumprida em outra unidade.
      Na UIM – Unidade de Internação Masculina há o acolhimento de adolescentes com idade entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos incompletos. Nela se verifica o cumprimento de medida socioeducativa. Quando o adolescente tem mais de 18 (dezoito) anos ele é acolhido no UIJA – Unidade de Internação de Jovens Adultos, que acolhe jovens de 18 a 21 anos.
      A UIF – Unidade de Internação Feminina acolhe adolescentes do sexo feminino, ou seja, as adolescentes infratoras.
      A Semiliberdade é a unidade que acolhe os adolescentes que passam o dia fora da unidade, estudando ou trabalhando, e à noite, retornam para a unidade.
      A LA – Liberdade Assistida é a unidade que faz o acompanhamento dos adolescentes que ficam livres, mas passam por todo um acompanhamento social, psicológico, acompanhados sempre por um orientador.
      Segundo o entrevistado, o ato infracional mais frequente é o assalto à mão armada, roubos, furtos, porte ilegal de armas e tráfico de drogas, porém há ainda a incidência de outros crimes só que com menor frequência, como estupros, homicídios, lesões corporais e etc. Além do diretor, todos os outros profissionais, quando questionados a respeito disso, confirmaram tal informação e informaram ainda que 95% dos adolescentes que são internados são usuários de drogas e que para manter o vício cometem tais atos infracionais.
      Ao entrevistar o Dr. Ricardo Santana, Defensor Público que atua no Juizado da Infância e Juventude, constatamos a presença de fatores de influência no ingresso dos adolescentes na vida delituosa, quais sejam a origem familiar e o nível socioeconômico. Há uma predominância, nas informações obtidas sobre a realidade maceioense, de adolescentes pertencentes a grupos sociais de menor poder aquisitivo e/ou advindos de famílias desestruturadas, onde o pai é ausente ou, até mesmo, tem envolvimento com o crime, sendo traficante, ladrão, etc.. Observamos pelas entrevistas que a maior parte dos adolescentes que se encontram cumprindo medidas socioeducativas não possui uma origem familiar padrão (com pai e mãe).
      O mesmo entendimento foi pontuado pelo Senhor Ênio Oliveira, diretor da UIPM – Unidade de Internação Provisória Masculina, já que de acordo com ele o que mais acarreta problemas na conduta, no desenvolvimento psíquico do adolescente é a criação com pais separados, muitas vezes, a mãe passa o dia fora e sem a presença do pai, não há como acompanhar esse adolescente e dispensar amor, carinho, atenção e até mesmo a cobrança de que eles necessitam.
      É raro ter adolescentes com um nível de renda elevado e com uma família estruturada cumprindo medidas, o que não quer dizer que não exista. Como muito bem frisou o Dr. Ricardo Santana, isso existe, já que dentro da unidade tem filhos de médicos, de engenheiros, pessoas de uma classe social mais favorável, só que em proporções desprezíveis se comparados aos adolescentes de classe baixa.
      Como já dito, cerca de 95% dos adolescentes são usuários de drogas e, por isso, acabam se envolvendo na prática de atos infracionais, porém, ao serem acolhidos, ao cumprirem a medida de internação são obrigados a deixar os vícios, pois não é permitido a entrada de drogas dentro da Unidade de Internação.
      A idade mais propícia e mais frequente dos adolescentes que praticam atos infracionais é a faixa etária dos 15 (quinze) aos 17 (dezessete) anos de idade, opinião unânime
      entre os entrevistados. Porém, a prática de atos infracionais não se restringe a essa faixa etária, em muitos casos desde muito cedo crianças começam a praticar alguns delitos, como informou a Dra. Aureni Moreno, Delegada da Delegacia da Criança e do Adolescente, ao nos relatar que crianças com apenas 7 (sete) anos de idade já cometem pequenos atos infracionais.
      Devemos acentuar que fizemos todas as considerações acima, apenas para enriquecer o trabalho e trazer ao mesmo a grandeza das informações obtidas nas entrevistas. Todavia, ao adentrar no ponto central da indagação, que reside na eficácia ou não das medidas socioeducativas, ouvimos as respostas abaixo relacionadas.
      A Dra. Sara Oliveira Nepomuceno Marques, psicóloga da Equipe Multidisciplinar do Juizado da Infância e da Juventude, acredita que as medidas são eficazes, e mesmo naqueles casos mais difíceis, aqueles casos em que eles não conseguem resgatar, ressocializar o adolescente infrator, a medida pode não representar um efeito positivo na conduta do adolescente, mas se esse efeito positivo não foi alcançado o efeito negativo também não.
      Entre os entrevistados, ela é a única que acredita na eficácia parcial das medidas. Já para todos os outros profissionais entrevistados, as medidas são ineficazes.
      O Sr. Ênio Oliveira, por exemplo, disse-nos que:

      O adolescente até sai da internação ressocializado, porém quando volta a conviver no mesmo meio em que vivia, começa a fazer tudo de novo, volta a usar drogas, comete outros atos infracionais, ou seja, confirma assim o quadro da ineficácia das medidas socioeducativas.

      Na opinião do Dr. Ricardo Santana, se o Estado franqueasse todas as condições e garantias previstas no ECA, essa ressocialização seria possível. Para ele, o mencionado Estatuto é o modelo ideal e perfeito a ser seguido para se atingir a plena ressocialização do adolescente, porém há uma carência enorme no sentido de garantir o que está previsto necessitando assim novas políticas públicas que garantam tais aplicações.
      De acordo com o Senhor Aldo Moraes, as medidas socioeducativas não são eficazes, uma vez que caso elas fossem eficazes o nível de reincidência não seria tão elevado. E aponta como possível solução uma melhoria na educação, pois onde há educação não tem delinquência e, se houver, os índices são mínimos.
      O mesmo posicionamento tem a Dra. Aureni Santos Moreno, que acredita que a medida socioeducativa não ressocializa nenhum adolescente, sendo a medida completamente ineficaz, uma vez que ao cometer um ato infracional as medidas não têm nada a oferecer ao adolescente, a não ser revolta e insurgência contra o sistema no qual se encontra inserido. De acordo com a entrevistada:
      A internação, por exemplo, não ensina nada ao adolescente. As unidades não têm nada a oferecer a esses adolescentes. Nem atividades de lazer são propiciadas a eles. As coisas não funcionam como deveriam funcionar. Necessitamos de providências urgentes, pois daqui a uns 2 (dois) anos ninguém vai conseguir controlar esses adolescentes, os pais precisam educar melhor os seus filhos, dedicar uma maior atenção, acostumá-los com bons hábitos, pois se eles são bem educados não vão se envolver com esse tipo de conduta.

      Tais posicionamentos servem, de forma inconteste, para corroborar a hipótese inicial da nossa pesquisa, de que as medidas impostas em lei, por si só, não cumprem o papel a que se destinam, merecendo ser lançado sobre o assunto um olhar mais acurado por parte dos poderes governamentais competentes, visando reverter o lamentável quadro da delinquência infanto-juvenil no nosso país.

    3. Ressocialização do adolescente infrator: um mito ou uma realidade alcançável?


Ao realizar a pesquisa de campo na UIPM – Unidade de Internação Provisória Masculina tivemos a oportunidade de entrevistar um dos adolescentes infratores que lá se encontra acolhido.
O adolescente entrevistado possui 16 (dezesseis) anos de idade, e seu nome foi resguardado, mantido em sigilo, como estabelece o ECA, bem como a entrevista recebeu todos os cuidados exigidos pela ética em pesquisa com seres humanos.
O adolescente entrevistado relatou-nos que se encontrava ali porque “foi pego em flagrante com porte ilegal de arma”. Porém, em seu processo, consta ainda um ato infracional anterior, de um suposto envolvimento em quadrilha de roubo de carro.
Ao questioná-lo sobre essa infração anterior, ele disse que “isso foi uma parada que entrou por acaso com outros caras maior de idade, mas que já estava sendo resolvido.”
Já se consegue observar, logo de início, a ocorrência da reincidência, pois antes de ser apreendido em flagrante pelo porte ilegal, o adolescente já tinha ficado 8 (oito) dias detido na Delegacia da Criança e do Adolescente, pelo outro ilícito apontado.
Para tentarmos caracterizar o perfil socioeconômico do entrevistado, fizemos uma série de perguntas e extraímos que o adolescente é de origem familiar completamente desestruturada. Mora com uma tia, que é empregada doméstica e recebe um salário mínimo mensal. Sua tia é viúva, tendo perdido o marido vítima de violência.
Perguntado sobre se sabia de sua mãe, o entrevistado respondeu que ela morava em São Paulo, mas que não tinha muito contato. Disse que ela veio para Maceió, passando um curto período, mas que agora vai para Rondônia, acompanhando o atual companheiro, que está preso em um presídio de segurança máxima, por envolvimento em assaltos a bancos.
Questionado a respeito de onde se encontrava seu pai, o entrevistado disse que este faleceu quando ele tinha apenas 3 (três) anos de idade, sendo assassinado pela polícia numa troca de tiros, porque era assaltante.
Quanto ao grau de escolarização, o adolescente disse ter estudado até a 8ª série, fato raro e quase isolado entre os adolescentes infratores, visto que a maioria não chega nem a 5ª série. Ele confessou, ainda, que já foi usuário de drogas, porém afirmou ter deixado o vício por conta de problemas de saúde.
Esse perfil, apesar de ser irrelevante para considerações mais precisas e científicas, pois é resultado do que disse apenas um adolescente infrator, corrobora de algum modo o perfil que foi obtido nas demais entrevistas e em nossas observações: nível de renda, classe social, desestrutura familiar, reincidência, uso de drogas.
Saliente-se, ainda, que ao ser questionado sobre os planos que tinha para quando saísse da unidade, o adolescente informou que queria retomar os estudos e ter uma vida melhor. Na realidade, acreditamos que muitos até pensam dessa forma, porém ao cumprirem a medida e se depararem com o mesmo meio com o qual conviviam antes, com as mesmas dificuldades, acabam cometendo novos atos infracionais, geralmente atos da mesma natureza ou ainda atos de natureza mais grave. Esse nosso entendimento foi reforçado pela assistente social daquela unidade, que nos acompanhou durante a entrevista e, em seguida, passou-nos algumas reflexões sobre o que ela observa no seu dia a dia profissional, no convívio com situações dessa natureza.
Dentro da Unidade de Internação, os adolescentes recebem escolarização; profissionalização; participam de atividades recreativas, como futebol e basquete; recebem a visita dos familiares, visita esta que em Maceió só é permitidas nas quintas e domingos aos pais e avós.
Com base em todas as informações acima relatadas, volta-se à seguinte indagação: a ressocialização do adolescente infrator é um mito ou uma realidade alcançável? Não restam dúvidas de que, apesar de as medidas demonstrarem teoricamente ser o modelo ideal para a reinserção do adolescente infrator no seio social, na realidade prática, elas não conseguem cumprir tal função, ou seja, essa suposta ressocialização não passa de um mito, sendo uma realidade muito longe de ser alcançada. É preciso um maior empenho estatal para a diminuição da delinquência infanto-juvenil. É necessária a criação de novos mecanismos de controle para fazer valer o Estatuto.
As unidades de internação precisam estar orientadas a controlar os efeitos negativos trazidos pela privação de liberdade e, além disso, devem estar aptas a desenvolverem atividades pedagógicas, que reintegrem o adolescente ao convívio social, além do que, é
preciso trabalhar esse adolescente após o cumprimento da medida, acompanhar todo o processo de reinserção do adolescente no convívio social.

CONCLUSÃO


Com base em tudo que foi estudado e analisado, podemos afirmar que as medidas socioeducativas, na realidade observada, têm se mostrado ineficazes e não cumprem com sua finalidade, qual seja a de ressocializar o adolescente infrator, inserindo-o no meio social, em condições plenas de se manter livre dos atos delitivos, de pautar uma vida em condições normais de dignidade e licitude.
Exige-se, para tal eficácia, que o Estado lance mão de políticas públicas para que a previsão do ECA seja efetivada, já que este, como apontado, é o modelo ideal para a ressocialização, necessitando apenas de políticas que venham gerar sua efetivação concreta.
Necessário se faz, ainda, um acompanhamento efetivo pós-recuperação, evitando assim que o adolescente ressocializado se envolva novamente na prática delituosa, coibindo dessa forma o crescimento da delinquência infanto-juvenil.
Por fim, não é demais ressaltar que o ponto de partida para o problema apontado, consiste na política preventiva. Ou seja, a partir do momento que o poder estatal, na sua mais ampla acepção, centrar suas diretrizes prioritárias em medidas que busquem ocupar os jovens com educação, trabalho e outras atividades de caráter instrutivo, tirando-os das ruas e da ociosidade, certamente haverá uma considerável diminuição de práticas de atos infracionais, minimizando, assim, o quadro lamentável que se constata hoje.
Esperamos, assim, que as reflexões aqui pontuadas, as quais são fruto de um detalhado estudo e de cuidadosas análises, ao serem lançadas no meio acadêmico e social, possam contribuir de alguma forma para o alcance de uma realidade diferenciada, com jovens que deixem de ser rotulados como um problema social, passando a ser agentes colaboradores de uma sociedade melhor.

REFERÊNCIAS


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BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. In. Vade Mecum Saraiva. São Paulo: Saraiva 2009.

MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Parte Geral.
24. ed. São Paulo. Atlas, 2008.

SARAIVA, João Batista; KOERNER JÚNIOR, Rolf. Adolescentes privados de liberdade. A Normativa Nacional e Internacional & Reflexões acerca da responsabilidade penal. In: VOLPI, Mário (Org.). 4. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistemas de Garantias e o Direito Penal Juvenil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

VOLPI, Mário. O Adolescente e o Ato Infracional. São Paulo: Cortez Editora, 2010.

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