terça-feira, 24 de junho de 2014

UMA NOITE DE AMOR- Dr. Sebastião José Palmeira.

UMA NOITE DE AMOR

(*) Sebastião José Palmeira.

 

                        Brasília, final de outubro, idos de 1970.

                        Meu colega de república, com o qual dividia o apartamento, tinha viajado para sua terra natal, a fim de empenhar-se na campanha política de um Senador, seu amigo, o qual lhe conseguira um cargo de professor na Fundação Educacional de Brasília, tida, à época, como pagadora dos maiores salários.
                        Assim, ao viajar, deixara comigo seu carro.
                        A cidade estava vazia, quase deserta. Os Deputados, Senadores, familiares e assessores, em sua totalidade, também, tinham viajado aos seus Estados de origem, deixando, como de costume, a cidade vazia.
                        Tinha acabado de jantar no restaurante da universidade, onde fazia o 3º ano de Direito. A noite estava muito bonita, pairando no céu restos de nuvens avermelhadas que, recalcitrantes, teimavam em permanecer no horizonte longínquo e inacessível daquela cidade perdida.
                        Resolvi, então, dá uma volta de carro. Passeei durante uns trinta minutos pela cidade quase vazia e, sem outra alternativa, fui ao Hotel Nacional, onde havia uma boite muito freqüentada e um barzinho situado na parte externa do seu jardim, onde se poderia tomar um chopp gostoso e gelado. Mas, para a minha surpresa, o ambiente estava quase vazio. Estacionei o carro e fiquei observando se valeria a pena descer. Vi, em uma mesa, um casal conversando com ar descontraído. Em outra mesa, no canto do jardim, observei uma jovem, sentada, sozinha, pensativa,tomando chopp. Passei, então, a olhá-la com certa insistência. Era uma moça ruiva, de olhos azuis, alta e bem vestida. Ao notar-me e, ante a insistência do meu olhar fez um ar de riso, levantou a taça, ergueu-a em minha direção e me ofereceu.
                        Fechei o carro e fui até sua mesa. Disse-lhe, boa noite ! E ela, olhando-me calmamente, retribuiu o cumprimento, boa noite! Seus olhos, de um azul intenso, deixaram-me atônito e, ela, percebendo o meu embaraço, disse-me: não vai sentar ? Sente-se, por favor! Eu obedeci automaticamente, instintivamente. Ela então falou: vou pedir outro chopp, você me acompanha? Sem titubear afirmei, sim. Ela chamou o garçom e pediu, dois chopps, sem colarinho, por favor !
                        Enquanto o garçom se afastava, ela estendeu-me a mão e disse-me: muito prazer, meu nome é ELVIRA e o seu ? Respondi, Palmeira. Ela rindo disse: Palmeira é nome de planta, você deve ter outro nome! Eu, meio sem graça, disse: meu nome é Sebastião, Sebastião José. Ah!, Sebastião José, soa melhor...
                        Em poucos goles bebi o primeiro chopp e, já refeito, disse-lhe: você existe realmente ou é um sonho? Por que você diz isso, perguntou-me, disse-lhe então: você parece uma fada, vinda de um reino encantado. Você é linda, lindíssima! Eu estou sonhando! Ela então retrucou, você é um poeta, um amor, nesse mundo de desamor. Fale-me de você, o que está fazendo aqui nessa cidade, nesse deserto. Então lhe disse que estava ali para estudar , fazia Direito e seria advogado. Romântico desse jeito ganhará todas as causas e os corações também! Obrigado, disse-lhe. E você, o que faz aqui, está passeando? Ela disse não, sou aeromoça, estou aqui apenas esta noite, ou melhor, até às nove horas de amanhã. As dez horas deverei estar no aeroporto, na companhia para qual trabalho. Riu e disse: eu moro no céu.
                        A essa altura o efeito da bebida nos fazia filosofar de maneira descontraída e, eu lhe disse: eu sabia que você não era desse mundo, você caiu do céu. Deus mandou você para mim, para aplacar a minha solidão.
                        Apanhamos o carro e fomos dar um passeio pela cidade. Fomos à Torre, ao Santuário de Dom Bosco, ao Palácio da Alvorada e a outros pontos da cidade. Parecia que já nos conhecíamos, a confiança era total.
                        Finalmente, paramos no estacionamento do hotel e, ainda sob o efeito da bebida, aconteceu um grande e inesperado beijo, seguido de outros beijos e de muitas carícias. Ela me afagava, acariciava-me como se tivesse guardado todo aquele amor para mim. Estávamos tontos de desejo, de amor e de paixão.
                        Elvira pediu que eu ligasse o som do carro, queria ouvir música. Eu o fiz sem demora. Sintonizei-o em um programa intitulado “ eu, você e a música”. Nesse programa, o locutor, com voz melodiosa, selecionava músicas que tinham marcado bons momentos, românticas, tecia comentários e falava aos corações apaixonados.
                        Ouvimos várias músicas com naturalidade, até que tocou uma música em que Elvira fez um gesto súbito, colocou a mão na testa e disse, não, não é possível, ouça essa música, por favor, com atenção, ela foi feita para nós dois. A música tinha a seguinte letra: “ Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida eu vou te amar, em cada despedida eu vou te amar, desesperadamente eu vou te amar...”
                        Ao som da música Elvira beijou-me quase sufocando-me, apertando-me contra seu corpo com tanta intensidade que parecia possuída de uma força estranha, a força da paixão e do desejo.
                        Terminada a melodia, ela me disse: estou com muita fome e você?
                        Respondi: eu também , estou com uma fome danada, vamos sair para comer alguma coisa. Existe um restaurante árabe muito bom lá na Asa Sul. Ela respondeu: não, eu prefiro comer no restaurante aqui do hotel, a comida é muito boa.
                        Fomos até a recepção do hotel. Elvira solicitou do recepcionista: a chave do 407, por favor! O rapaz afastou-se e entregou-lhe a chave, mas, antes, olhou-me de maneira curiosa, sendo atraído pela voz firme de Elvira que lhe disse: vou ao restaurante, qualquer ligação para mim estarei lá, OK?  O rapaz respondeu : sim, senhora.
                        Pegamos o elevador e subimos. O restaurante, super aconchegante, com velas colocadas em rodelas de pepino decorado à mão, parecia preparado, adredemente, para nós dois.
                        O garçom aproximou-se, Elvira pediu um vinho português e ficamos bebendo enquanto aguardávamos o jantar. Comemos e bebemos fartamente.
                        Tínhamos terminado o jantar. De repente, Elvira pega a minha mão, acaricia, beija-a e diz:  vou pedir a conta, você me acompanha até o apartamento? Estou no 407, sozinha.
                        Ela estava um pouco nervosa, meio perturbada com o convite que acabara de me fazer, fugia do meu olhar. Antes que ela mudasse de opinião respondi: sim, acompanho sim, com muito prazer. Vou aonde você for, faço tudo o que você quiser. Ela apertou o meu braço em silêncio, assinou a nota e subimos até o seu apartamento.
                        O meu coração batia descompassadamente, a porta abriu-se, o apartamento iluminou-se, entramos...Eu lhe disse, vamos fazer dessa noite a noite mais linda do mundo, ela respondeu, já é, esta é a noite mais linda do mundo!
                        Ficamos, nesse enlevo até a madrugada, quando Elvira cansada, adormeceu. Fiquei a contemplar, aquela linda mulher, demoradamente. Não queria dormir, alisava os seus cabelos e procurava não movimentar o corpo para não acordá-la . Adormeci com Elvira em meus braços. Despertamos com o toque do telefone. Elvira com voz de sono atendeu e a telefonista, solícita, anunciou, bom dia, a senhora pediu para ser despertada às seis horas, são seis horas. Obrigada, disse Elvira.
                        Terminava, ali, uma linda história de amor.
                        Dias depois Elvira me enviou um cartão postal de Santa Catarina. Nele dizia: “ Eu nunca mais vou te esquecer!”
                        Beijos, Elvira.
                        Nos inúmeros vôos que fiz pela vida, procurei em vão, nas aeromoças que via, encontrar Elvira.



* Sebastião José Palmeira é Advogado Criminalista, Procurador de Estado, especialista em Direito penal, professor de Criminologia e Diretor-Geral da SEUNE

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