sábado, 6 de junho de 2015

Douglas Apratto e a visão do povo alagoano: sujo, atrasado, bárbaro -Odilon Rios Repórter

ATUALIZADO 08 DE ABRIL DE 2015 - 10:24 

200 ANOS

Douglas Apratto e a visão do povo alagoano: sujo, atrasado, bárbaro

Foto: Reprodução
Douglas Apratto
Douglas Apratto
A romântica visão da História alagoana é quebrada por uma frase que impacta o olhar do leitor exigente: um historiador que não mede a grafia das palavras. Mostra que a elite alagoana detesta viver no Estado que a pariu; “ganha dinheiro e adora o exterior”. E tem uma visão, há 400 anos, sobre o povo: ele é “sujo, atrasado, bárbaro”. A série “Alagoas, 200”- que faz um raio X sobre o passado, o presente e o futuro de Alagoas em seu bicentenário- continua no EXTRA desta semana entrevistando Douglas Apratto Tenório, 70 anos.
É autor de mais de uma centena de livros e artigos que transitam entre o Jornalismo e a História. “Fico estarrecido com certas atitudes machistas, discriminatórias, enganadoras, narcisísticas, truculentas. Até temas literários, artísticos e históricos têm dono, são proprietários que se declaram inimigos de qualquer um que ousar trabalhar o mesmo assunto que não tem dono e é enriquecedor que haja muitos e muitos trabalhos sobre o tema”. 

Veja entrevista: 

Há duas contradições na História: Zumbi é retratado como o heroi que se matou para não se entregar às tropas portuguesas; Calabar era o traidor que decidiu o rumo de uma guerra. Os mitos da elite são pouco conhecidos ou estão nas fachadas das escolas municipais. Como explicar a um estudante alagoano essa contradição?

Contradição para uns e coerência para outros. As paisagens de Paris, as belezas norte-americanas são muito mais interessantes que as vistas de Piranhas ou os panoramas do rio Manguaba, em Porto de Pedras e Porto Calvo. Nosso povo é sujo, atrasado, bárbaro. Assim pensa nossa “casa grande” que detesta onde vive e ganha dinheiro e adora o exterior, onde sempre pensa e vai gastar o que aufere aqui.. Por isso temos, embora ambos guerreiros, valentes, uma figura histórica, Nassau, de atitudes nobres, progressistas e a outra, do povo de Alagoas, Calabar, de feições duras, feia, mestiça, meio negro, meio índio, sem eira nem beira, representante da plebe ignara, com o infame labéu de traidor. O cidadão deve estudar suas raízes, pesquisar nossa formação, a história de seu povo, conhecer seu Estado, suas regiões, e se possível conhecer também o exterior e até reconhecer suas excelências, mas deve sempre considerar que o rio mais belo é o riacho que corre em sua cidade natal.

Onde o senhor identifica, na nossa história que o modelo pensado e imaginado para Alagoas pelos seus gestores começou a falhar?

Entendo que o marco zero de nossas dificuldades está no século XIX, precisamente após a emancipação em setembro de 1817. Não é que o passado colonial fosse uma maravilha. Foi ele o pai, a mãe e matriz de nossa involução em setores vitais. Exploração desenfreada dos recursos naturais, monopólio, feudalização, economia de exportação em detrimento de uma atividade econômica diversificada e mais escravidão, latifúndio, agrarismo, anti-industrialização, e principalmente o desprezo à educação universal. Nada bom. Mas é no momento da autonomia, que foi um processo gestado na luta havida no século XVIII que tivemos a oportunidade de mudar o modelo. E com a nossa emancipação as coisas infelizmente mudaram para continuarem como eram.
( vide Lampedusa). Mais adiante a província convertida em Estado federativo, continuou pobre, segregacionista, excludente, sem uma classe média forte e crítica, posicionada, que dissesse não a certas coisas. Creio que nossa elite pensante, progressista, aderiu, omitiu-se, emudeceu. E La nave va. O tráfico negreiro proibido pela Coroa Imperial, era feito às escancaras nos portos do Francês, em Paripueira, em Coruripe, em Barra Grande.
A educação continuou para pouquíssimos, só para os mais ricos que mandavam seus rebentos estudarem nos melhores centros da Europa ou em Olinda, Salvador e Rio de Janeiro. A política foi empalmada pelas grandes famílias que se digladiavam entre si, mas sempre chegavam a algum acordo vantajoso para elas. É triste vermos que essa consciência de classe ainda vigora hoje. Pessoas esclarecidas, até com verniz socialista, progressista, de esquerda, que tem atitudes inconscientes extremamente esquisitas, reacionárias. Fico estarrecido com certas atitudes machistas, discriminatórias, enganadoras, narcisiticas, truculentas.
Até temas literários, artísticos e históricos tem dono, são proprietários que se declaram inimigos de qualquer um que ousar trabalhar o mesmo assunto que não tem dono e é enriquecedor que haja muitos e muitos trabalhos sobre o tema. É conhecido o episódio, alguns anos após nossa emancipação, quando se fundou, pelo governo, o primeiro jornal alagoano, um importante senhor incomodado em plena via da rua do Comércio porque um escravo passou por ele e não baixou os molhos ou o cumprimentou deu-lhe uma tremenda surra que quase levou o pobre negro a morte..
Uma notinha do redator, o francês Bois Garin,no Iris Alagoense, fê-lo ser alvejado no mesmo dia, com vários tiros, o que levou o jornalista a sair correndo de Maceió e nunca mais voltar.. E nada foi apurado nem corrigido. Foi, portanto, nas décadas seguintes a década de 20 do século XIX que não conseguimos decolar, delineando nossa trajetória de uma forma diferente da montagem do sistema oligárquico, restrito, tradicionalista e de base agrária.

Quem é ou o quê é o povo alagoano? Ele é uma poeira de ouro, como dizia o governador Silvestre Péricles?

A expressão “poeira de ouro” foi cunhada por Silvestre Péricles, membro do clã dos Góis Monteiro que teve forte influência na política alagoana a partir da Revolução de 30. Um dos líderes principais líderes do movimento tenentista triunfante e depois do período varguista foi o General Pedro Aurélio, irmão de Silvestre. Todos os familiares a exemplo de Edgar e Ismar, foram dirigentes políticos em Alagoas, por isso nosso Estado era conhecido no sul como “Alagoes”. Silvestre era alinhado com a linha populista, desenvolvimentista e getulista e é uma figura controvertida por suas atitudes insólitas. Quanto a pergunta inicial Silvestre estava antenado quando o chamava de “poeira de ouro”. Teoricamente é o conjunto de alagoanos unidos pelo pertencimento de tradições, costumes e história comum, mas podemos dizer que na verdade é a parcela maior da população trabalhadora, a mais pobre, excluída, que não possui o mínimo dos direitos fundamentais atendidos como educação pública e saúde assegurada pelo Estado.

Segundo o IBGE, 40 mil crianças em Alagoas passam fome enquanto o Ministério Público revela uma folha de marajás com salários três vezes maiores que um do ministro do STF na Assembleia Legislativa. Nós chegamos ao fim da nossa história?

Nossa divida social é escabrosa, indecente e nela estão educação e saúde em primeiro lugar. O recorde de desigualdade social, a distância entre os mais ricos e os mais pobres, explicam a miséria e os indicadores que nos envergonham. Quando assistimos calados, como se fosse a coisa mais normal do mundo, as escolas públicas fechadas, anos para intermináveis reparos, o calendário escolar interrompido e sem fechar nunca, a contratação de monitores regularmente., a falta de uma educação integral com esporte, musica, teatro,literatura, bibliotecas, oficinas, nós encontramos a razão de nossos indicadores de miséria e de máxima violência. Entendo que não há razão para deplorar nossa emancipação. È um processo histórico e a autonomia é construída por cada geração. Será que não falhamos todos com nosso omissão? Quanto ao “fim da história” preconizado por Francis Fukuyama na década de 90,no bojo de uma seria crise ideológica, ele deu com os burros nagua completamente.
A nova ordem capitalista sem guerras, um mundo dourado de forte desenvolvimento econômico das nações , uma era de plena democracia e igualdade social, onde inexistiria fatos históricos relevantes foi um sonho de uma noite de verão do historiador norte-americano. Por isso “mutatis mutandis” o fim da história alagoana não existirá. A História sempre se transforma através de desvios. A crise alagoana abre incertezas e possibilidades. O exercício da cidadania.
A conscientização e a participação de nossa elite progressista em algum momento abrirá janelas e oportunidades. Vejo as redes sociais com potencial e o pessoal da cultura está mostrando que algo inovador sempre pode acontecer. Alagoas modulada por sua elite verdadeira, não a elite burra, pirata, saqueadora, pode por um sentido da necessidade, calcular o seu caminho. Quem sabe políticos novos como o atual governador e o atual prefeito, parlamentares novos, diferentes, se não eles, decerto outro surgirão, contribuirão para corrigir contradições e arregimentarão nossas próprias energias, políticos,trabalhadores, artistas, intelectuais, poderão contribuir para tratar melhor seus problemas fundamentais. Estamos condenados a nos de

Odilon Rios Repórter

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