segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A TRÍADE NORDESTINA - OLEGÁRIO VENCESLAU DA SILVA

A TRÍADE NORDESTINA

*OLEGÁRIO VENCESLAU DA SILVA

As chuvas intermitentes prenunciam nas paragens  áridas a chegada de mais um inverno, e com ele a esperança de tempos amenos. A tênue garoa se avizinha caindo no chão, e condensando-se na poeira exala o odor da terra molhada que vai aos poucos  sufocando  a quentura e o mormaço que doravante dará lugar ao lamaçal de barro. O sol em sua pujança se esconde entre as cinzentas nuvens numa aquarela incolor, onde o dia mais parece a tarde ao se debruçar nos braços da sombria e gélida noite. Os ventos ululantes insistem  em espalhar sobre a terra  velhas folhas, que se desgrudam das copas  das árvores numa despedida sem reencontro, fazendo-as tapete que ornamenta o infrutífero solo.
Nesta amálgama de estações e cores tão peculiar ao homem camponês, acostumado a pouco pão e muito suor como corolário de uma existência arraigada à terra e ao seu destino, eis que surge por entre os dias que passam um instante de êxtase que se confunde mormente num festejo quase que perene. E como estigma enviado das maiores alturas, num sonoro eco ascende aos céus num cortejo iluminado  e repleto de significado o foguetório, numa lídima demonstração de crença a tríade cristã patronímica do mês de junho.
O cheiro da pólvora que ao explodir penetra nos órgãos olfativos trás em si muito mais que meros ingredientes químicos, denota num  sinal visível do momento comemorativo que se faz jus.  A madeira estalando sob a lamina afiada do machado que ignora do que é feito o cabo que lhe dá sustentação, numa cantoria fúnebre vai   pendendo de lado até tombar definitivamente , cumprindo destarte a sentença  que fora destinada – alimentar a fogueira.
E as homenagens tomam  forma num cortejo religioso e popular, nascidas no imaginário lúdico do caboclo nordestino e rural. No sumário de louvação e santidade aos ícones, surge abrindo os festejos aquele cuja vocação é  unir os corações dos eternos enamorados. Santo Antonio de Pádua comumente aclamado como casamenteiro e protetor das famílias é o primaz   ao receber dos fiéis a veneração por sua fama e devoção ao menino Deus, que carrega junto de si em seus braços. 
As multicolorias fitas que adornam os vestidos rendados das moças, as alpargatas de couro costuradas à mão e o bailado no chão de terra batida dos arraias, demonstram a beleza não apenas estereotipada mas sobretudo o esplendor de uma tradição legada pelos antepassados e cuja perpetuação já é assim explicitada. Entre os passos ritmados ao som do tropel  e embalados pela cantoria  o arrasta pé dá inicio as quadrilhas que ao redor da fogueira dão um espetáculo de alegria e festa.
Neste turbilhão de emoções transubstanciadas em comemorações juninas, a mesa já posta inebria até os olhares mais desatentos. O milho se transforma em inúmeros aperitivos. O que era simplesmente o vegetal plantado nos  vastos campos quando da passagem do dia de São José  e  colhido três meses após, agora é usado como ingrediente de   bolo, canjica, pamonha e outras nomenclaturas típicas e regionalistas. E prossegue o desfile de estandartes na terra comum dos homens, e o santo tão criança ao carregar entres os braços o carneirinho e coberto de finíssima pele de camelo tem seu nome lembrado como o “batizador” do Messias em águas do Jordão - São João Batista – é quem recebe os louvores da turba.
E novamente as águas que ousam cair insistentemente por sobre o solo, o faz como espécie de bênção fazendo germinar do seio da terra um broto de vida e esperança. As intempéries e dissabores são retemperados pela  frescor das chuvas que regam as plantações e lavouras, modificando a cor vermelha resultante da sequidão e estiagem num verde viçoso. As súplicas e rogos  do nordestino ascendem aos céus endereçadas ao porteiro das moradas eternas, ao portador da chaves que abrem  as portas em direção ao trono celestial - São Pedro  Apóstolo.
No cume das torres das igrejas, os sinos ecoam em uníssono aclamando entre os homens aqueles que deles nasceram , viveram suas dores e imperfeições mas se sublimaram na oferta e vocação ao chamado de santidade. E num gesto de profundo respeito e agradecimento o nordestino se curva e com a mão sobre o peito ousa proferir: “A bênção, meu Santo Antonio, São João e São Pedro”.

*Escritor, historiador; Membro Correspondente  da A.P.H.L.A. Internacional; Academia Alagoana de Cultura; Academia Maceioense de Letras; Academia de Letras e Artes do Nordeste, Comissão Alagoana de Folclore e sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; Paraná, Campinas e Espirito Santo.

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