terça-feira, 8 de julho de 2014

CORONELISMO, ENXADA E VOTO – Victor Nunes Leal - Resumo de Rafael Nachtigall de Lima

CORONELISMO, ENXADA E VOTO – Victor Nunes

Leal


Resumo de Rafael Nachtigall de Lima (rafaelndelima@gmail.com)

O termo “coronel” vem da extinta guarda nacional imperial, que lutou nas guerras do prata, do Uruguai e do Paraguai entre os anos de 1851 e 1870, tendo tornado- se meramente decorativo depois disso e abolido na República Velha. No Império cada município possuía um regimento da guarda nacional, o posto de “coronel” era ao chefe político deste município, que normalmente era o mais rico comerciante, industrial ou fazendeiro. O termo é, nos dias da publicação, ainda utilizado para identificar aqueles que mandavam na política local.
Podemos entender a influência social desses “coronéis” fazendo referencia à estrutura agrária do país. “O “coronelismo” é, sobretudo, um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido e a decadente influência social dos chefes locais” (p.20). O poder desses fazendeiros e a sua importância para o poder público se dão pela forma de representação proporcional e a então recente ampliação do sufrágio, porque “o governo não pode prescindir do eleitorado rural, cuja situação de independência ainda é incontestável” (p.20).
Os chefes políticos que não são “coronéis” são ligados a essa classe de gente. Mas “qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse tipo de liderança é o “coronel” que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto” (p.23). Ele exerce uma ampla jurisdição e poderes de polícia sobre seus dependentes. A sua qualidade de proprietário rural faz com que ele seja considerado rico por esse povo sertanejo sofrido, justamente por ter acesso à educação, boa alimentação, saneamento básico e outros “luxos” que não chegam às camadas populares do campo. Essa falta de estrutura é “remediada” pelo “coronel” que passa a ser visto como um benfeitor, sendo “dele, na verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece. Em sua situação, seria ilusório pretender que esse novo pária tivesse consciência do seu direito a uma vida melhor e lutasse por ele com independência cívica” (p.25).
Para se compreender melhor a influência política dos fazendeiros, tão importante no mecanismo da liderança local, cumpre examinar alguns aspectos de distribuição da propriedade e da composição das classes na sociedade rural” (p.26). O autor aponta o crescimento numérico das pequenas e médias propriedades, apesar do percentual de concentração não ter diminuído.

Tabela 1- Encontrada no texto, p.29, levemente modificada segundo critérios do autor, onde cada proprietário possui apenas uma propriedade.

Área
Número total
de propriedades
% sobre o numero
total
% sobre a área
total
Superpropriedades
latifundiárias (de 1000 ha e mais)
27.819
1,46
48, 31
Grandes propriedades (entre
200 e 1000 ha)
120.803
6,34
24,79

Médias propriedades (entre 50
e 200 há)
327.713
17,21
15,90
Pequenas propriedades (entre 5
e 50 ha)
1.011,201
53,07
10,45
Minifúndios (menos de 5 ha)
414.617
21,76
0,55
Quanto à tabela o autor adverte: “é claro que tais dados não exprimem a
situação exata de nossa economia agrária, pois também possuímos pequenas propriedades prósperas e grandes propriedades arruinadas” (p.30).

Tabela 2- Censo agrícola brasileiro. Por categorias e realocação dos membros da família em todas as categorias, exceto a de empregados (Tabela modalidade B)

Categorias
Número
(homens e Mulheres)
%
Membros
da Família
%
Total,
com realocação
%
Empregadores
252.047
2,67
185.519
6,96
437.566
4,63
Empregados
3.164.203
33,47
-----------
-------
3.164.203
33,47
Autônomos
3.3019.701
35,01
2.434.410
91,33
5.744.111
60,76
Membros da
família
2.665.509
28,19
----------
----------
----------
------
De posição
ignorada
62.052
0,66
45.580
1,71
107.632
1,14
Total
9.453.512
100
2.665.509
100
9.453.512
100

Nos autônomos estão aqueles que trabalham por conta própria, ou com auxilio, sem pagamento, de seus familiares, compreendidos pequenos proprietários, colonos e rendeiros. Se existem 1.425.291 pequenas propriedades e minifúndios, concluímos que existem 1.425.291 (43,07%) autônomos proprietários contra 1.884.410 (56,93%) autônomos não-proprietários.
Na categoria membros da família, a grande maioria são membros das famílias e colaboradores dos autônomos. Se usarmos as mesmas proporções conseguidas anteriormente e considerarmos que os membros da família apenas estão ligados aos autônomos teremos: 1.517.474 membros da família autônomos não proprietários e
1.148.035 para a dos membros da família autônomos proprietários. De um jeito ou de outro (ou ligando os membros da família aos autônomos ou ligando-os a todas outras categorias, VER tabela 2), fica provado que mais de 95% da população ativa rural brasileira é formada de empregados e trabalhadores autônomos.
As despesas eleitorais são muito grandes no interior, onde o eleitor tem que sair da fazenda e depositar a cédula na sede do município. Com a falta de dinheiro do sertanejo, que faz esse trabalho é o “coronel”, oferecendo roupas, transporte, documentos e alojamento- visto que o transporte é feito no dia anterior-, também ficando responsável pela despesa de alistamento eleitoral. Cabe aqui ressaltar que essas despesas eleitorais de toda ordem normalmente são pagas pelo dinheiro público.
Entretanto, o autor aponta que nas eleições de 1945 e 47 houve uma redução no voto de cabresto, identificando algumas traições, o que alguns atribuíam à propaganda no rádio. Outro fator importante para diminuir a dependência em relação ao proprietário da terra nesses anos foi o inicio do êxodo rural, devido à maior facilidade de arrumar empregos na zona urbana.
O “coronel” está tão somente preocupado com o progresso do seu município, fazendo algumas “vezes um penoso esforço que chega ao heroísmo” (p.37). Fazendo
essas obras- escola, hospital, etc.- contando apenas com seu esforço e prestigio político é que “o chefe municipal constrói ou conserva sua posição de liderança” (p.37).
A falta de ideal político era apontada pelos perdedores de eleições municipais como um empecilho a democracia no país, mas esse ceticismo era abandonado tão logo os votos do “coronel” possam ajudá-los na próxima eleição. A literatura política voltada aos partidos criticava a falta de ideal político dos “coronéis”, indicando que tinham uma “mentalidade estreita, confinada ao município, onde os interesses de sua facção se sobrepõem aos da pátria, seu descaso pelas qualidades ou defeitos dos candidatos às eleições estaduais e federais” (p.37). O autor afirma que este não é um problema pessoal “ele está profundamente vinculado à nossa estrutura econômica e social” (p.38).
Outra face do “coronelismo” são os favores pessoais, que reflete na desorganização administrativa municipal, haja vista que entre esses favores estão as indicações de amigos aos cargos públicos.“A outra face do “filhotismo” é o “mandonismo”, que se manifesta na perseguição aos adversários” (p.39), principalmente nos períodos anteriores às eleições. Quando as posições estão tomadas dificilmente há troca de lados, a regra é honrar o compromisso da palavra. Mas o autor adverte essa ética especial: “como os compromissos não são assumidos à base de princípios políticos, mas em torno de coisas concretas, prevalecem para uma ou para poucas eleições próximas” (p.41).
A ausência do poder público, sobretudo no campo, contribui para o aumento do poder do “coronel”, já que é ele que faz às vezes desse poder. A falta de alcance dos partidos ao trabalhador faz com que o “coronel” seja o mandatário desses votos. Mas mesmo sabendo da sua importância para os políticos estaduais, ele mantém boas relações, relações de reciprocidade com o poder público, outro importante aspecto do “coronelismo”. Essa reciprocidade explica-se pelo fato de um lado precisar do outro. Os chefes municipais e “coronéis” oferecem os votos e os políticos estaduais aparecem com empregos, favores e tudo que o aparato público estadual pode oferecer. Se o “coronel” não tivesse os votos, o governo não precisaria prestar favores, e se o governo não retribui o apoio, o “coronel” não tem como manter seus dependentes.
Essas listas de favores são de ordem pessoal e ordem “pública”. Os de ordem pessoal referem-se a nomeações a cargos públicos estaduais, e até federais, nos municípios e os de ordem pública referem-se às obras municipais. O estado, então, distribui seus escassos recursos entre “seus” municípios. Nas palavras do autor: “é, pois, a fraqueza financeira dos municípios um fator que contribui relevantemente para manter o “coronelismo”, na sua expressão governista” (p.45). Entre os cargos mais importantes, está o de delegado e o de subdelegado polícia, pois ter a polícia sob a sua batuta é a maior vantagem que um “coronel” precisa.
Outro aspecto é a falta de autonomia municipal, que decorre de vários fatores. Lista o autor: “penúria orçamentária, excesso de encargos, redução de suas atribuições autônomas, limitações ao principio da eletividade de sua administração, intervenção da polícia nos pleitos locais, etc.” (p.50). Essa falta de autonomia contribui para aumentar o poder do “coronel”, sendo ele portador de uma autonomia, nos termos do autor, “extralegal”, e “é justamente nessa autonomia extralegal que consiste a carta-branca que o governo estadual outorga aos correligionários locais, em cumprimento da sua prestação no compromisso típico do “coronelismo”” (p.51).
E nessa carta-branca consiste outra faceta do “coronelismo”. Ao fazer vista- grossa, o governo estadual abstém-se das responsabilidades de governar os municípios e moralizá-los em troca dos votos que os “coronéis” têm em sua conta.
A complacência dos deputados explica-se pelo simples motivo de querer permanecer na política estadual ou alçar vôos maiores. Outra razão é a hegemonia social dos donos de terra. O autor explica que essa hegemonia existe também em municípios onde há varias correntes políticas, onde a competição política em tese deveria ser maior, pois existem vários fazendeiros. Ela existe pela força e o poder de coesão do governo estadual.
O autor conclui apontando o coronelismo como sintoma de decadência dos grandes proprietários porque ele alimenta-se do sacrifício da autonomia municipal para sobreviver. E assenta-se em duas fraquezas: “fraqueza do dono de terras que se ilude com o prestigio do poder, obtido à custa de submissão política; fraqueza desamparada e desiludida dos seres quase sub-humanos que arrastam a existência no trato das suas propriedades” (p.56).

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