Amaro Petrúcio
Medíocres distraídos
Leio com tristeza quanto países como Coréia do Sul e outros
estimulam o ensino básico, conseguem excelência em professores e escolas,
ótimas universidades, num crescimento real, aquele no qual se fundamenta: a
educação, a informação, a formação de cada um. Comparados a isso, parecemos
treinar para ser medíocres. Como indivíduos, habitantes deste Brasil, estamos
conscientes disso, e queremos – ou vivemos sem saber de quase nada? Não vale,
para um povo, a desculpa d menino levado que tem a resposta pronta: “Eu não
sabia”, “Não foi por querer”. Pois mesmo com a educação – isto é, a informação
– tão fraquinha e atrasada, temos a imprensa a nos informar. A televisão não
traz só telenovelas e programas de auditório: documentário, reportagens,
notícias, no tornam mais gente; jornais não têm só coluna policial ou fofocas
sobre celebridades, mas nos deixam a par e nos integram no que se passa no
mundo, no país, na cidade.
Alienação é falta grave; omissão traz burrice, futilidade é
um mal. Por omissos votamos errados ou nem votamos, por desinformados não
conhecemos nossos direitos, por fúteis não queremos lucidez, não sabemos da
qualidade na escola do filho, da saúde de todo mundo, da segurança em nossas
ruas. O real crescimento do país e o bem da população passam ao largo de nossos
de nossos interesses. Certa vez escrevi um artigo que deu título a um livro:
“Pensar é transgredir”. Inevitavelmente me perguntam: “Transgredir o quê?”.
Transgredir a ordem da mediocridade, o deixa pra lá, o nem quero saber nem me
conte, eu nos dá a ilusão de sermos livres e leves como na beira do mar,
pensamento flutuando, isso é que é vida. Será? Penso que não, porque todos,
todos sem exceção, somos prejudicados pelo nosso próprio desinteresse.
Nosso país tem tamanhos problemas do que não dá para fingir
que está tudo bem, que omos os tais, que somos modelos para os bobos europeus e
americanos, que aqui está tudo funcionando bem, e que até crescemos. Na
realidade estamos parados, continuamos burros, doentes, desamparados, ou muito
menos burros e doentes e desamparados do que poderíamos estar. Já estivemos em
situação pior? Claro que sim. Já tivemos escravidão, a mortalidade infantil era
assustadora, os pobres sem assistência, nas ruas reinava a imundice, não havia
atendimento algum aos necessitados (hoje menos do que deveria, mas existe ).
Então, de certa forma, muita coisa melhorou. Mas poderíamos estar melhores, só
que não parecemos estar interessados. Queremos, aceitamos. Pão e circo, a Copa,
a Olimpíada, a balada, o joguinho, o desconto, o prazo maior para nossas
dívidas, o não saber de nada sério: a gente não quer se incomodar. Ou pior: nós
temos sensação de que não adianta mesmo.
Na verdade temos medo de sair às ruas, nossas casas e
edifícios têm porteiro, guardas, alarme e medo. Nossas escolas são
fraquíssimas, as universidades péssimas, e o propósito parece ser o de isso
ainda piore. Pois, em lugar de estimularmos os professores e melhorarmos
imensamente a qualidade de ensino de nossas crianças, baixamos o nível das
universidades, forçando por vários recursos a entrada dos mais despreparados,
que naturalmente vão sofrer ao cair na realidade. Mas a esses mais sem base,
porque fizeram uma escola péssima ou ruim, dizem que terão tutores no curo
superior para poder se equilibrar e participar com todos. Porque nós não lhes demos condições positivas de fazer uma
boa escola, pra que pudessem chegar ao ensino superior ela própria capacidade,
queremos band-aids ineficientes para fingir que está tudo bem.
Não se deve baixar o nível em coisa alguma, mas elevar o
nível em tudo. Todos, de qualquer origem, cor, nível cultural econômico ou ambiente familiar, têm direito à
excelência que não lhe oferecemos, num dos maiores enganos de nossa história.
Não precisamos viver sob o melancólico da mediocridade que parece fácil e
inocente, mas trava nossas capacidades, abafa nossa lucidez, e nos deixa tão
agradavelmente distraídos.
O DIA DE NÃO SABER
Lya Luft *
Andei uns dias com uma tristeza e um desânimo sem razão que eu pudesse detectar, mas que me sobrevoavam como ave agourenta. Eu a mandava embora, ela depressa voltava. Fiz meus cálculos: filhos, netos e marido bem, saúde boa, trabalho bastante, ainda dando para pagar as contas. Mas eu me sentia doente.
"Exames,
consultas, tudo ótimo, você vai fácil aos 100", tranquilizou o médico
amigo. Mas eu me sentia doente e nunca fui de hipocondrias. "Repouse um
pouco. Pegue leve", ele disse. Obedeci. Em lugar de saltar da cama antes
das 7, preparar o café, tomá-lo na sala enquanto assistíamos ao
noticioso, fiz o que, brincando, chamei de "vida de celebridade": ficava
até mais tarde na cama, às vezes o marido até trazia a simpática
bandejinha. Procurei controlar minha natural ansiedade, nada de me
preocupar com tudo e com todos. Mais contemplativa, do jeito que na
verdade eu gosto.
E
aos poucos melhorei. Um dia acordei, e tinham-se ido os sintomas e a
tristeza. Levei algum tempo para entender o que se passava: nos meus
dias de preguiça deixei de ler os jornais e assistir aos noticiosos logo
de manhã. Que santo remédio para meus males. Pois o que se lê ou vê não
deveria ser o primeiro alimento da alma, como não comeríamos feijoada
ao sair da cama, ao menos imagino eu.
Então
retomei meu ritmo antigo bem de mansinho. Abro jornais e vejo
noticiosos perto do meio-dia (assim também perco um pouco a fome e os
quilos necessários). Pois o que vemos, lemos, ouvimos é mais de 90%
deprimente, se não assustador. Lembrei-me de um senador da República ,
Jefferson Péres, dizendo que deixaria a sua cadeira no Senado "com
profundo desalento" pelo que ocorria neste país. Um dos raros pilares da
grandeza e da ética, ele morreu em 2008, do coração, se não me engano
em sua casa em seu estado natal. Não deve ser grave erro atribuir essa
morte, em parte, ao peso daquele desalento que devia ser enorme, vasto e
profundo, para o levar àquele passo.
Eu
não posso abdicar de meu país, e de minha condição de quem aqui nasceu e
escolhe todos os dias aqui viver, porque este é o meu lugar, estas são
minhas raízes essenciais. Porém, que está difícil, está. O rio de lama
se transforma num mar, aquele tão citado por tantos políticos em tantas
décadas. A quem recorrer, para que lado olhar? Teias e tramas de
corrupção se revelam em dimensões inimagináveis. Educação e saúde
continuam em desgraça, porque não as vejo de verdade favorecidas nem
resolvidos os seus piores males. Preparam-se assim gerações de
ignorantes, incompetentes e talvez de descrentes. Pois os líderes deviam
ser nosso exemplo segundo, o primeiro sendo os pais.
Não deve nos chocar ouvir um adolescente dizer "por que eu devia estudar", "por que trabalhar tanto",
"por que ser honesto", se a gente acaba parecendo bobo no meio dos
espertos? O argumento é adolescente como o rapaz, mas não sem
fundamento. É preciso muito esforço, muito raciocínio, muita base de
casa, muito berço (não o esplêndido, mas o amoroso, reto, moralmente
bom), para nadar contra a correnteza escura, e tentar fundar alguma ilha
de claridade, de honradez, de trabalho, de interesse real pelos menos
afortunados. Para buscar uma humanidade como sempre imaginei que ela
deveria ser - quem sabe um dia será -, onde a gente sinta que vale a
pena lutar, sonhar, ter esperança; onde se adotem linhas firmes de
conduta e ideologias do bem. Pois cada vez mais as ideologias deixam de
importar; valem os interesses, os votos, o poder, a manutenção das
condições favoráveis ao enriquecimento ilícito, às manobras por mais e
mais poder, e tudo o que gera violência, ignorância, miséria,
agressividade, stress e oque disse aquele senador: desalento.
Assim,
higienizando minhas manhãs, eu me sinto muito melhor. Estaria curada se
quisesse me alienar de todo, mas isso não posso: sou uma habitante
deste planeta e deste país, e quero que tudo de bom ainda possa
florescer por estas bandas, antes de se passarem aqueles meus
profetizados 100 anos.
Lya Fett Luft é escritora e tradutora, professora universitária aposentada e colunista da Revista Veja.
Fonte: Revista VEJA - edição 2266 - 25 de abril de 2012 - Página 26
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