quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Medíocres distraídos




  Amaro Petrúcio 

Medíocres distraídos


Leio com tristeza quanto países como Coréia do Sul e outros estimulam o ensino básico, conseguem excelência em professores e escolas, ótimas universidades, num crescimento real, aquele no qual se fundamenta: a educação, a informação, a formação de cada um. Comparados a isso, parecemos treinar para ser medíocres. Como indivíduos, habitantes deste Brasil, estamos conscientes disso, e queremos – ou vivemos sem saber de quase nada? Não vale, para um povo, a desculpa d menino levado que tem a resposta pronta: “Eu não sabia”, “Não foi por querer”. Pois mesmo com a educação – isto é, a informação – tão fraquinha e atrasada, temos a imprensa a nos informar. A televisão não traz só telenovelas e programas de auditório: documentário, reportagens, notícias, no tornam mais gente; jornais não têm só coluna policial ou fofocas sobre celebridades, mas nos deixam a par e nos integram no que se passa no mundo, no país, na cidade.
Alienação é falta grave; omissão traz burrice, futilidade é um mal. Por omissos votamos errados ou nem votamos, por desinformados não conhecemos nossos direitos, por fúteis não queremos lucidez, não sabemos da qualidade na escola do filho, da saúde de todo mundo, da segurança em nossas ruas. O real crescimento do país e o bem da população passam ao largo de nossos de nossos interesses. Certa vez escrevi um artigo que deu título a um livro: “Pensar é transgredir”. Inevitavelmente me perguntam: “Transgredir o quê?”. Transgredir a ordem da mediocridade, o deixa pra lá, o nem quero saber nem me conte, eu nos dá a ilusão de sermos livres e leves como na beira do mar, pensamento flutuando, isso é que é vida. Será? Penso que não, porque todos, todos sem exceção, somos prejudicados pelo nosso próprio desinteresse.
Nosso país tem tamanhos problemas do que não dá para fingir que está tudo bem, que omos os tais, que somos modelos para os bobos europeus e americanos, que aqui está tudo funcionando bem, e que até crescemos. Na realidade estamos parados, continuamos burros, doentes, desamparados, ou muito menos burros e doentes e desamparados do que poderíamos estar. Já estivemos em situação pior? Claro que sim. Já tivemos escravidão, a mortalidade infantil era assustadora, os pobres sem assistência, nas ruas reinava a imundice, não havia atendimento algum aos necessitados (hoje menos do que deveria, mas existe ). Então, de certa forma, muita coisa melhorou. Mas poderíamos estar melhores, só que não parecemos estar interessados. Queremos, aceitamos. Pão e circo, a Copa, a Olimpíada, a balada, o joguinho, o desconto, o prazo maior para nossas dívidas, o não saber de nada sério: a gente não quer se incomodar. Ou pior: nós temos  sensação de que não adianta mesmo.
Na verdade temos medo de sair às ruas, nossas casas e edifícios têm porteiro, guardas, alarme e medo. Nossas escolas são fraquíssimas, as universidades péssimas, e o propósito parece ser o de isso ainda piore. Pois, em lugar de estimularmos os professores e melhorarmos imensamente a qualidade de ensino de nossas crianças, baixamos o nível das universidades, forçando por vários recursos a entrada dos mais despreparados, que naturalmente vão sofrer ao cair na realidade. Mas a esses mais sem base, porque fizeram uma escola péssima ou ruim, dizem que terão tutores no curo superior para poder se equilibrar e participar com todos. Porque nós não  lhes demos condições positivas de fazer uma boa escola, pra que pudessem chegar ao ensino superior ela própria capacidade, queremos band-aids ineficientes para fingir que está tudo bem.
Não se deve baixar o nível em coisa alguma, mas elevar o nível em tudo. Todos, de qualquer origem, cor, nível cultural  econômico ou ambiente familiar, têm direito à excelência que não lhe oferecemos, num dos maiores enganos de nossa história. Não precisamos viver sob o melancólico da mediocridade que parece fácil e inocente, mas trava nossas capacidades, abafa nossa lucidez, e nos deixa tão agradavelmente distraídos.










O DIA DE NÃO SABER

 Lya Luft *




Andei uns dias com uma tristeza e um desânimo sem razão que eu pudesse detectar, mas que me sobrevoavam como ave agourenta. Eu a mandava embora, ela depressa voltava. Fiz meus cálculos: filhos, netos e marido bem, saúde boa, trabalho bastante, ainda dando para pagar as contas. Mas eu me sentia doente.

"Exames, consultas, tudo ótimo, você vai fácil aos 100", tranquilizou o médico amigo. Mas eu me sentia doente e nunca fui de hipocondrias. "Repouse um pouco. Pegue leve", ele disse. Obedeci. Em lugar de saltar da cama antes das 7, preparar o café, tomá-lo na sala enquanto assistíamos ao noticioso, fiz o que, brincando, chamei de "vida de celebridade": ficava até mais tarde na cama, às vezes o marido até trazia a simpática bandejinha. Procurei controlar minha natural ansiedade, nada de me preocupar com tudo e com todos. Mais contemplativa, do jeito que na verdade eu gosto.

E aos poucos melhorei. Um dia acordei, e tinham-se ido os sintomas e a tristeza. Levei algum tempo para entender o que se passava: nos meus dias de preguiça deixei de ler os jornais e assistir aos noticiosos logo de manhã. Que santo remédio para meus males. Pois o que se lê ou vê não deveria ser o primeiro alimento da alma, como não comeríamos feijoada ao sair da cama, ao menos imagino eu.

Então retomei meu ritmo antigo bem de mansinho. Abro jornais e vejo noticiosos perto do meio-dia (assim também perco um pouco a fome e os quilos necessários). Pois o que vemos, lemos, ouvimos é mais de 90% deprimente, se não assustador. Lembrei-me de um senador da República , Jefferson Péres, dizendo que deixaria a sua cadeira no Senado "com profundo desalento" pelo que ocorria neste país. Um dos raros pilares da grandeza e da ética, ele morreu em 2008, do coração, se não me engano em sua casa em seu estado natal. Não deve ser grave erro atribuir essa morte, em parte, ao peso daquele desalento que devia ser enorme, vasto e profundo, para o levar àquele passo.

Eu não posso abdicar de meu país, e de minha condição de quem aqui nasceu e escolhe todos os dias aqui viver, porque este é o meu lugar, estas são minhas raízes essenciais. Porém, que está difícil, está. O rio de lama se transforma num mar, aquele tão citado por tantos políticos em tantas décadas. A quem recorrer, para que lado olhar? Teias e tramas de corrupção se revelam em dimensões inimagináveis. Educação e saúde continuam em desgraça, porque não as vejo de verdade favorecidas nem resolvidos os seus piores males. Preparam-se assim gerações de ignorantes, incompetentes e talvez de descrentes. Pois os líderes deviam ser nosso exemplo segundo, o primeiro sendo os pais.

Não deve nos chocar ouvir um adolescente dizer "por que eu devia estudar", "por que trabalhar tanto", "por que ser honesto", se a gente acaba parecendo bobo no meio dos espertos? O argumento é adolescente como o rapaz, mas não sem fundamento. É preciso muito esforço, muito raciocínio, muita base de casa, muito berço (não o esplêndido, mas o amoroso, reto, moralmente bom), para nadar contra a correnteza escura, e tentar fundar alguma ilha de claridade, de honradez, de trabalho, de interesse real pelos menos afortunados. Para buscar uma humanidade como sempre imaginei que ela deveria ser - quem sabe um dia será -, onde a gente sinta que vale a pena lutar, sonhar, ter esperança; onde se adotem linhas firmes de conduta e ideologias do bem. Pois cada vez mais as ideologias deixam de importar; valem os interesses, os votos, o poder, a manutenção das condições favoráveis ao enriquecimento ilícito, às manobras por mais e mais poder, e tudo o que gera violência, ignorância, miséria, agressividade, stress e oque disse aquele senador: desalento.

Assim, higienizando minhas manhãs, eu me sinto muito melhor. Estaria curada se quisesse me alienar de todo, mas isso não posso: sou uma habitante deste planeta e deste país, e quero que tudo de bom ainda possa florescer por estas bandas, antes de se passarem aqueles meus profetizados 100 anos.



Lya Fett Luft  é  escritora e tradutora, professora universitária aposentada e colunista da Revista Veja.


Fonte: Revista VEJA - edição 2266 - 25 de abril de 2012 - Página 26































































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