segunda-feira, 22 de julho de 2013

Zygmunt Bauman e o sistema que hipotecou o futuro


“Minha casa é a que tem a árvore mais alta da rua”, instruiu-nos Zygmunt Bauman, para que o repórter-cinematográfico Paulo Pimentel ao volante e o repórter ao lado atrapalhado com GPS não se perdessem em Leeds, norte da Inglaterra.
Ali, em confortável casa protegida ou ameaçada pela tal árvore, o professor mora desde os anos 70, época em que deixou sua Polônia natal para dar aulas de Sociologia na Universidade de Leeds, de considerável reputação internacional, sobretudo na matéria dele.
Bauman está com 86 anos e se aposentou há mais de dez, porém continua prolixo na produção de artigos, conferências e livros.
Suas obras correm mundo, inclusive o Brasil, onde tem uma dúzia de livros publicados e bem vendidos pela Editora Zahar.
O lançamento mais recente, no Brasil, no Reino Unido e em dezenas de países, foi 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno, que reúne as colunas ou “cartas” escritas por ele para a revista semanal italiana La Repubblica Delle Donne. entre 2008 e 2009.
Mas ele não para de escrever e comentar sobre assuntos diversos da cultura contemporânea e por isso já prepara mais um livro, que reúne desde artigos e ensaios a pequenas observações do dia-dia-dia.
– Será uma espécie de diário” – explica-nos Bauman enquanto nos oferece salmão e suco de frutas em seu escritório. — Por isso mesmo, vai ter o título: Isto Não É Um Diário”.
– Parece o Magritte e seu quadro de um cachimbo com o título Isto Não É Um Cachimbo? – ouso comparar, aproveitando que o professor não larga o cachimbo e fuma-o sem parar durante nosso encontro.E no espírito de intelectual interessado em vários assuntos, ele já nos remete a um estudo de Michel Foucault sobre o quadro de Magritte.
O local de trabalho do professor em casa é aconchegante, com vista para o jardim, e estantes tomadas por seus muitos livros traduzidos em vários idiomas, além de fotos e lembranças das três filhas e da mulher falecida há poucos anos.
Carros acelerados e barulhentos percorrem uma avenida próxima, mas não o incomodam, diz ele rindo, aos 86 anos, “porque já estou meio surdo mesmo”.
De fato, o telespectador poderá notar que as perguntas soam em tom mais alto do que as respostas, a pedido dele, preocupado em garantir que nos ouvisse. Dá para perceber também o forte sotaque polonês do professor, apesar do inglês fluente e rico na escolha de palavras e expressões.
Ele tem voltado à Polônia com frequência, desde que deixou de ser persona non grata , após a queda do comunismo – como já tinha ocorrido com ele sob a ocupação nazista. Vai a trabalho, para consultas acadêmicas ou dar palestras, porque não tem mais família lá.
O bom humor do professor não se abala quando o cinegrafista interrompe a gravação e brinca: “o senhor está muito levado, mexendo-se demais na cadeira”. Ele ri e promete se comportar melhor.
Bauman esteve no Brasil uma só vez, há mais de 10 anos, convidado pela Sociedade Brasileira de Sociologia, para uma conferência em São Paulo.
– Antes da era Lula –, comenta.
– Foi então durante a presidência de seu colega sociólogo Fernando Henrique Cardoso? – perguntamos.
– Ele é sociólogo? Eu não sabia.
Nossa conversa gravada cobre assuntos variados. Poderíamos ter continuado o papo por muitas horas e tratado de outros tópicos, mas o programa só dura meia-hora. E o professor já nos advertira de que se cansa com facilidade. Por isso, o Milênio oferece apenas uma amostra do vasto repertório de Zygmunt Bauman.

por Silio Boccanera

Zygmunt Bauman e o sistema que hipotecou o futuro

qui, 12/01/12


Em agosto de 2011, uma revolta em Londres chamou a atenção do mundo. Sem liderança aparente ou qualquer tipo de exigência, jovens foram às ruas. Incendiaram e saquearam lojas, invadiram shopping centers e destruíram símbolos da sociedade de consumo que os excluía.

A questão era intrigante. O que levou essas pessoas a essas ações violentas? Embora compartilhassem o contexto de crise econômica e falta de oportunidades com aqueles que levaram a cabo os movimentos da Primavera Árabe, os jovens do Reino Unido não queriam transformar a ordem. Segundo Zygmunt Bauman, “foi uma revolta de consumidores desqualificados”. Eles queriam, na verdade, participar do sistema. O sociólogo viu naquela revolta o símbolo do momento em que vivemos.

Bauman foi uma testemunha das mudanças desse século de extremos. Nascido em 1925, na Polônia, sobreviveu ao nazismo, vivenciou o comunismo e, há 40 anos, pesquisa e mora na Inglaterra. Sua maior contribuição foi o conceito de liquefação dos laços sociais. Por mais que nossas relações não tenham perdido densidade ou complexidade, elas passaram a ser mais fluidas e incertas. As mudanças no modo de produção desencadearam uma série de pequenas revoluções no cotidiano que, aos poucos, criaram o contexto para que a sociedade atual se desenvolvesse.  De uma fábrica que detinha cada etapa da confecção de um bem, temos hoje cadeias de produção que se espalham pelo mundo como teias que se entrelaçam graças à tecnologia da informação e aos transportes cada vez mais rápidos. O tempo que era linear tornou-se instantâneo e o conhecimento passou a ser a base para a geração de valor. Em poucos anos, o capital que era sólido e fixo, ganhou enorme liberdade no espaço e no tempo.

Como consequência, todo o tecido social foi afetado. No nível do trabalho, a atualização e a capacitação profissional passam a ser constantes e a renovação dos quadros não mais obedece uma ordem linear. Foi rompida a sequência entre escola, universidade e trabalho. O mercado busca cada vez mais a especialização e muitos diplomados acabam em subempregos ou desempregados. Na arquitetura, os não-lugares – shopping centers, estradas, aeroportos – representam pontos de conexão em uma rede de fluxos indefinidos. Governos ficam à deriva em um contexto que Bauman classifica como “divórcio entre política e poder”. Na vida pessoal, a constante necessidade de se redefinir, de se aprimorar e de se adaptar cria um ambiente de insegurança e angústia. A saída, para muitos, é o consumo. Um alívio rápido que permite que se estabeleçam laços com determinado grupo ou idéia, mesmo que de maneira fugaz, pois sempre haverá algo mais novo ou mais interessante. Os estímulos constantes e a necessidade de criar para agregar valor fecham o ciclo de um sistema que se retroalimenta e se expande a uma velocidade que parece sempre maior do que se pode acompanhar.

Para Bauman, aqueles jovens demonstraram a crise de um sistema consumista que hipotecou o futuro, desmantelou gradualmente as estruturas que mantinham a coesão social e comercializou a moral.


Fotos: Julia Pimentel

por Rodrigo Bodstein

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