O Ciclo do Algodão e as Vilas Operárias dos historiadores Douglas Apratto Tenório e Golbery Luiz Lessa
TECIDO MEMÓRIA
Os autores Golbery Lessa e Douglas Apratto nas ruínas da antiga fábrica de Saúde
Foto: FELIPE BRASIL
Por : LUÍS GUSTAVO MELO - REPÓRTER GAZETA
Apesar de ter sua presença no panorama histórico da economia alagoana
relegada a um plano inferior, a cultura do algodão protagonizou um
período particularmente importante para o desenvolvimento da região ao
possibilitar o início de um expressivo surto de industrialização no
estado. Momento histórico marcado em sua etapa inicial pela consolidação
de um intenso processo de transição do ambiente social, em meio ao
surgimento das fábricas de fiação e tecelagem e suas vilas operárias, a
atividade industrial em Alagoas chegou ao seu ápice entre os anos 1930 e
1950.
Nesse meio tempo, o estado não apenas experimentou o gostinho do
progresso, mas viu surgir no espaço fabril uma série de transformações
importantes que tornou possível a quebra de tabus seculares. Entre os
quais, o início de um lento, porém significativo processo de emancipação
da mulher em
função da expressiva atuação feminina no universo têxtil e o
desenvolvimento de uma consciência política entre a classe operária,
constituíram avanços que dificilmente encontrariam terreno fértil no
ambiente da atividade canavieira.
Para desfazer alguns equívocos históricos e reconstituir a origem e o desenrolar de todo esse processo de transição econômica,
política e cultural vivida pela sociedade alagoana na virada do século
19 até a primeira metade do século 20, os historiadores Douglas Apratto e
Golbery Lessa se debruçaram sobre o tema, cuja pesquisa resultou no
livro O Ciclo do Algodão e as Vilas Operárias, título da Edufal que
chega para ajudar a preencher uma lacuna, em meio a obscena escassez
bibliográfica sobre o assunto.
“No século 19, plantou-se, em média, tantos hectares de algodão quantos
hectares de cana-de-açúcar em Alagoas. Entre 1933 e 1954, período de
crise da indústria açucareira e de apogeu da indústria têxtil, a
quantidade de hectares de algodão era muito maior do que a quantidade de
hectares de cana”, explica o pesquisador Golbery Lessa a nossa
reportagem. “Naquele momento histórico, os dois setores produziam o
mesmo montante em termos de valor econômico,
as fábricas têxteis empregavam o dobro de operários e gastavam, em
decorrência, o dobro em salários. Os salários eram maiores e as leis
trabalhistas eram muito mais respeitadas numa fábrica têxtil do que numa
usina. Em média, uma fábrica de tecidos valia duas usinas de açúcar. A
indústria de fiação
e tecelagem não foi, portanto, um apêndice, algo menor e episódico, foi
uma alternativa de desenvolvimento efetiva e mais progressista do que a
indústria canavieira”, argumenta ele.
“O momento histórico no qual a indústria têxtil conviveu com a indústria
açucareira continha uma das mais importantes bifurcações da história
alagoana”, afirma Golbery. “Tratava-se de uma luta entre duas vias bem
diferentes de desenvolvimento. A vitória da via açucareira, a partir dos
anos 1960, fez com que os usineiros ficassem desobrigados de partilhar o
poder político com outros setores empresariais. A máquina pública
passou a priorizar, exclusivamente, as condições gerais de acumulação do
setor açucareiro, em detrimento da própria complexificação do
capitalismo, com impactos
negativos para toda população.”
Em entrevista concedida à Gazeta, os historiadores falam sobre o livro –
cujo lançamento está programado para a próxima quinta-feira, dia 12, às
19h, na Associação Comercial de Maceió –, e esclarecem tópicos
importantes relativos a esse tema pouco lembrado, mas que porém nos
ajuda a entender a realidade atual. É o que você lê a seguir.
Gazeta. O livro O Ciclo do Algodão e as Vilas Operárias se propõe a
promover um resgate da memória do período áureo das indústrias têxteis
em Alagoas. Qual a razão do interesse dos autores pelo tema? Quais foram
as maiores motivações para o trabalho?
Douglas Apratto. Desde cedo aprendi que o estudo da história é mais que
um exercício de ociosidade. Ele tem usos mais benéficos, pode
proporcionar uma memória, por exemplo. Amplia os horizontes intelectuais
e convoca testemunhas do passado para educar e construir as novas
gerações. Vivi minha infância e juventude em uma cidade do interior, São
Miguel dos Campos, que tinha duas usinas, Caeté e Sinimbu e duas
indústrias têxteis, Vera Cruz e Sebastião Ferreira. Conheci de perto o
mundo canavieiro e o mundo fabril. Os dois espaços eram bem distintos. O
fabril, mais dinâmico, participativo, popular, vibrante. Sempre me
intrigou o esquecimento do segundo, em contraposição ao fastígio,
permanência e preeminência do mundo açucareiro. Não se pode calar a
História.
Golbery Lessa. Evidentemente, o historiador estuda o passado em busca de
respostas para as suas inquietações relativas ao presente. A paralisia
da complexificação do capitalismo alagoano a partir dos anos 1960 foi e
ainda é a principal marca da formação social na qual nasci, cresci e
decidi permanecer. Como todo alagoano crítico sabe, o papel do setor
canavieiro na miséria estadual contemporânea é o grande enigma a ser
desvendado. Percebi que mesmo as abordagens críticas da história do
universo açucareiro tendiam a fortalecer o fetichismo que o encobre,
pois revigoravam indiretamente a tese de que a produção de açúcar seria
uma espécie de entidade metafísica a dominar toda a história de Alagoas.
Sem perceber, a esquerda tende a exagerar o poder do latifúndio
canavieiro e construir uma apologia indireta dele. Ora, se as usinas são
tão absolutamente poderosas, ao ponto de possuírem quase os atributos
de Deus (podem tudo, sabem tudo e estão em tudo), elas não serão
vencidas por nenhum força humana e, portanto, a história de Alagoas está
fechada, não tem devir. O meu ensaio no livro é uma tentativa de
escapar dessa armadilha, é a busca de superar a crítica que termina,
contraditoriamente, em apologia. Em essência, procuro denunciar as
fragilidades econômicas, morais e políticas do setor canavieiro
comparando-o com o setor têxtil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário