"PORQUE CALABAR?"
Motivo da Traição
Por: Frans Leonard Schalkwijk*
A figura de Calabar insere-se na história pátria colonial durante a época da invasão dos holandeses no Nordeste (1630-1654).
Morador de Porto Calvo, Alagoas, passou para o lado holandês em 1632. Consequentemente, é desprezado pela maioria das pessoas como traidor; outros, porém, acreditam que Calabar amava a sua terra natal e fez uma escolha sábia. Mas, afinal, por que ele teria passado para o outro lado? Qual a razão da traição?
Apeldoorn, Holanda, 08-05-2000 A.D.
Dedicado ao meu irmão e colega Rev. Klaas Kuiper (biógrafo de João Ferreira de
Almeida [1628-1691], o tradutor da Bíblia para o português e pastor da "Santa
Igreja Cristã Católica Apostólica Reformada" em Jakarta, Indonésia).* O autor é ministro da Igreja Reformada Holandesa, com mestrado no Calvin Theological Seminary, em Grand Rapids, Estados Unidos, e doutorado em história na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
"PORQUE CALABAR?"
Motivo da Traição
CONTEXTO
Para entendermos o drama de Calabar, temos de lembrar do contexto histórico.
(1) Portugal e suas colônias estavam debaixo do domínio espanhol desde que Filipe II conquistara a coroa portuguesa em 1580. Com isso, ele pode afirmar com razão que no seu império o sol nunca se punha. Somente sessenta anos depois, em 1640, Portugal se livraria de Castela e constituiria de novo um reino independente sob o governo de D. João IV. Mas a história de Calabar se desenvolveu inteiramente no contexto do Brasil ibérico, quando, por algum tempo, não havia previsão de mudanças políticas.(2)
Domingos Fernandes Calabar deve ter nascido durante a primeira década do século XVII, no atual Estado de Alagoas, na região de Porto Calvo, sendo filho de pai português e de mãe indígena, de nome Ângela Álvares. (3) Era, assim, um mameluco, (4) e foi batizado numa igreja da paróquia de Porto Calvo.(5) O menino foi educado numa escola dos padres jesuítas e, homem feito, ainda antes da invasão batava, possuía três engenhos de açúcar naquela região.(6)
Então, em 1630, a segunda onda de invasores holandeses alcançou a costa do Nordeste. Portugal e a Holanda geralmente gozavam de um bom relacionamento, inclusive por causa do seu inimigo comum, a Espanha. Na época do reino unido ibérico (1580-1640), a invasão flamenga fazia parte da guerra dos oitenta anos que a Holanda travava contra o domínio espanhol sobre os sofridos Países Baixos (1568-1648).(7)
A Ibéria continuou tentando recapturar suas províncias perdidas e esmagar a reforma religiosa naqueles rincões. A Europa sempre se admirava de como os Filipes conseguiam colocar exércitos bem equipados tão longe das suas terras, e sabia que o segredo era a riqueza oriunda principalmente das colônias americanas, inclusive do Brasil. De lá não vinha ouro nessa época, e sim grandes caixas do apreciado açúcar, branco e mascavo. Eram umas 35.000 caixas de 300 quilos cada uma por ano.(8)
O paladar europeu estava se adaptando ao novo produto e o preço do açúcar estava em alta. A Holanda procurava? estancar as veias do rei da Espanha,? pelas quais fluía tanta riqueza, e muitos holandeses apoiaram de coração os esforços da Companhia das Índias Ocidentais no sentido de causar "prejuízo ao inimigo comum".(9)
O domínio holandês do Nordeste durou quase um quarto de um século (1630-1654) e teve três períodos distintos. A primeira etapa abrange os anos da resistência ibérica e do crescimento do poderio neerlandês (1630-1636). O segundo período compreende a resignação lusa e o florescimento da colônia holandesa (1637-1644).
Os últimos anos compõem a insurreição dos moradores portugueses e o fenecimento do domínio flamengo até a expulsão final (1645-1654). São períodos de aproximadamente sete, oito e nove anos, respectivamente. O florescimento da colônia holandesa coincidiu com a presença do Conde João Maurício de Nassau-Siegen como governador do Brasil holandês, e deveu-se em grande parte à sua pessoa. Especialmente na época nassoviana, mas de fato durante todo o período holandês, o Nordeste era como que um enclave renascentista (10) no Brasil colonial, com uma forte influência cristã reformada. A história de Calabar é parte integrante do primeiro período da ocupação holandesa, a da resistência ibérica contra os conquistadores recém-chegados.
Olinda, a capital da capitania de Pernambuco, caiu nas mãos dos holandeses em fevereiro de 1630. Sua conquista fez parte da "primeira guerra mundial... contra o rei do planeta". (11) A composição das tropas invasoras refletia esse aspecto global, à semelhança dos atuais Gideões Internacionais, incorporando holandeses, frísios, valões, franceses, poloneses, alemães, ingleses e outros. Envolvidos na guerra contra Madri, todos se alegraram quando os "espanhóis" bateram em retirada.(12)
Essa luta contra a Espanha tinha implicações profundamente religiosas. Embora a instrução do almirante Lonck estipulasse que todos os padres jesuítas e outros religiosos teriam de abandonar o país, ela reafirmava a "liberdade de consciência, tanto para os cristãos como para os judeus, desde que prestassem juramento de lealdade..., assegurando-lhes que (a Holanda) não molestaria ou investigaria as suas consciências, mas que a religião reformada seria publicamente pregada nos templos..." (13) Foi instituído um governo civil; um dos membros desse Alto Conselho era o médico Servaes Carpentier.(14)
O exército ficou sob o comando do coronel Diederick van Waerdenburch, o governador, presbítero da Igreja Reformada, homem estimado pelas tropas.
Em 1631, foi conquistada a Ilha de Itamaracá e construído o Forte de Orange sob a supervisão do capitão protestante Chrestofle Arciszewski, um nobre polonês. (15) Todavia, a expansão foi lenta, e outras tentativas de ampliar a conquista vieram a fracassar por causa da resistência dos luso-brasileiros, que eram grandes conhecedores da região e haviam adotado a tática de guerrilhas ("capitanias de emboscada"), o que deixou os holandeses praticamente encurralados. O próprio almirante Lonck quase caiu numa emboscada no istmo entre o Recife e Olinda, e o pastor Jacobus Martini foi morto no mesmo trecho.(16)
O centro da resistência portuguesa estava localizado a uns seis quilômetros do litoral, em um terreno alagadiço no lugar denominado Arraial do Bom Jesus. (17) A Ibéria enviou uma armada de mais de 50 navios para recapturar Pernambuco, sendo que a maior parte da contribuição dada por Lisboa veio de empréstimos compulsórios de "cristãos novos" (judeus convertidos compulsóriamente ao catolicismo romano).(18)
Em setembro de 1631, a batalha naval de Abrolhos, no litoral pernambucano, ficou sem vencedor. Em seguida, as tropas espanholas, sob o comando do não muito benquisto conde napolitano Bagnuolo, desembarcaram em Barra Grande, no sul de Pernambuco, a cerca de cinco léguas do maior povoado da região, Porto Calvo, às margens do Rio das Pedras. Entre eles estava Duarte de Albuquerque Coelho, o novo donatário de Pernambuco, autor das famosas Memórias Diárias (19) sobre os primeiros oito anos dessa guerra colonial. Por ora a situação era de empate, os holandeses dominando o mar, os portugueses as praias.
http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/cat_view/57-historia.html?start=10
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