quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Rios de histórias: memória das águas de Alagoas

Rios de histórias: memória das águas de Alagoas


MACEIÓ - Sol e mar é sempre uma combinação indispensável quando o assunto é Nordeste, mas nem sempre é a única opção de passeio. Alagoas vai muito além de suas praias. O estado tem mais de 60 lagoas, rios e lagunas, que levam a destinos que lembram marcos da História do Brasil, como União de Palmares, onde ficava o famoso quilombo que tanto assombrou os antigos donos de engenhos e que chegou a ser reconhecido como uma sociedade organizada pela coroa portuguesa, e Pontal de Coruripe, palco de um famoso episódio do Brasil Colônia: o naufrágio e morte do português Dom Pero Fernandes Sardinha - que para o dramaturgo José Celso Martinez foi o primeiro grande ato teatral brasileiro.

E nem é preciso se afastar muito da capital do estado para conhecer esses lugares, que além da paisagem e do contexto histórico, oferecem boas opções de gastronomia e lazer. Garimpamos programas em cidades que ficam até a duas horas de distância de Maceió, ideal para um passeio durante o dia, sem perder a viagem na estrada. Não que isso seja um grande problema, já que até as rodovias do estado guardam belezas que merecem ser descobertas como a vila de Massagueira. Depois do passeio é só colocar os pés para o alto e relaxar. Afinal, estamos em Alagoas, onde o tempo corre no mesmo ritmo lento das águas de seus rios.
Foi em Pontal do Coruripe, onde o rio se encontra com o mar, há cerca de 90 quilômetros de Maceió, que foi encenado o primeiro grande ato teatral brasileiro. É o que acredita o dramaturgo José Celso Martinez, que se prepara para filmar uma cena de seu documentário autoral. Caracterizado como o bispo português Dom Pero Fernandes Sardinha, num traje todo branco, Zé Celso incorpora o primeiro bispo do Brasil, que em 1556, depois de um naufrágio, teria servido de banquete aos índios caetés, que habitavam a região. Para o documentário, o diretor teatral pretende reviver a cena, que foi chamada pelo modernista Oswald de Andrade, em seu manifesto antropofágico, de verdadeiro início da História do Brasil. Mas com algumas alterações, claro.
- A gente vai mostrar que a Igreja massacrou os (índios) caetés, e tomou conta desse lugar. Se dizia que a História brasileira começou com Anchieta catequizando os índios, e Oswald de Andrade inverteu isso, colocando que a História brasileira começou quando os índios comeram os portugueses. Esse é um ponto histórico do Brasil fundamental, foi o que determinou a antropofagia, a Tropicália, e hoje ela é uma filosofia que o mundo todo segue - explica (ou confunde) Zé Celso, antes de reiniciar as filmagens do "DocZé", como está sendo chamado o filme produzido pelo videomaker Tadeu Jungle e Elaine César, que já passou pela Grécia - berço do teatro - e pretende encerrar em Canudos, no Sertão da Bahia, uma alusão à montagem do romance-relato de Euclides da Cunha feita pelo Teatro Oficina.
Início da História do Brasil ou não, o episódio do naufrágio, que não chega a ser unanimidade entre os historiadores, é sustentado com orgulho pelos moradores como verdade absoluta, atraindo turistas para ver onde teria morrido o primeiro bispo do Brasil. Disso não existe nenhuma prova. Mas num passeio turístico famoso pelo local, nos Baixios de Dom Rodrigo, em meio às barreiras de recifes, os visitantes podem ver os destroços de alguns naufrágios, provocados pela grande quantidade de corais naquele pedaço do litoral. É o que basta para aguçar a imaginação.
Quem não quiser se aventurar num barco para ver os destroços de outras embarcações - a ironia aqui é inevitável - pode fazer o passeio de uma forma mais segura, pelo Farol de Coruripe. Na maré baixa, é possível avistar os Baixios da Praça do Farol, onde fica o famoso cartão-postal da cidade construído em 1948 para orientar os navios que passam pela região. Da praça, também é possível observar a grande faixa de areia da praia que aos poucos está sendo descoberta pelos turistas, mas por enquanto conserva um certo ar de praia deserta.
Outro ponto de interesse da vila é a Igreja Bom Jesus dos Navegantes, onde fica a imagem do protetor dos pescadores, e é realizada a única procissão marítima de Alagoas. A tradicional festa, em janeiro, teria tido suas primeiras celebrações ainda no século XIX, depois que a Igreja de Nossa Senhora da Penha foi destruída pelo mar. Em seu lugar, foi erguida a Igreja de Bom Jesus dos Navegantes, como uma forma de evitar novos desastres da natureza. E desde a construção, a festa é realizada. Para quem não puder conhecer a cidade durante a comemoração, vale visitar pelo menos o interior da igreja, que nos fins de semana, à noite, fica aberta para os turistas.
Coruripe oferece ainda outras opções de passeio para quem não se interessa por História, ou que pelo menos prefere curtir o local pelo seu presente. Além da bela praia, um rápido passeio pelas pequenas ruas que formam a vila de pescadores do pontal tem um pequeno tesouro: os artesanatos feitos da palha de ouricuri, que vem das folhas de uma espécie de palmeira pequena que cresce no local, uma tradição que começou com os caetés. Apenas com aquele material as mulheres - e até os homens da região - tecem bolsas, carteiras, bandejas e cestas. Muitos expõem seus produtos na janela de casa, transformando aqueles pequenos quadrados em uma verdadeira loja.
- Minha mãe me ensinou quando eu tinha sete anos, e eu já ensinei a muita gente. Isso passa de pai para filho. O artesanato é uma benção para a gente - diz a sorridente Maria da Luz, de 63 anos.
Massagueira: um refúgio no meio do caminho
No caminho entre Pontal do Coruripe e Maceió se esconde uma pequena vila de pescadores que já virou point dos moradores da região. Na beira da lagoa de Manguaba fica o povoado de Massagueira, um distrito de Marechal Deodoro que vive de seus pescados, das cocadas que são vendidas na entrada do vilarejo e de seu polo gastronômico, com bares que ficam lotados nos fins de semana. A explicação para tanto agito é simples: Massagueira fica a poucos quilômetros da entrada de Maceió, no caminho de volta das praias. Outro atrativo é o preço dos pratos, abaixo do que se costuma encontrar num restaurante da capital alagoana.
Entre as várias opções de bares e restaurantes, o destaque vai para o Bar do Pato, que, como o nome já diz, inclui a iguaria no cardápio, mas tem como carro-chefe outro prato: camarão crocante. Mesmo quem não gosta não consegue deixar de comer, a não ser se houver proibição médica. Fresquinhos, parecem biscoitos na boca. O prato para duas pessoas (mas que pode servir até quatro, dependendo do apetite) custa R$ 26,40. A peixada para duas pessoas sai por R$ 32, e a meia porção de agulhinha frita sai por R$ 9,80. O arabaiana, uma das espécies de peixes locais, é outra boa pedida. Não deixe de pedir de acompanhamento o pirão feito com coco e arroz.
Enquanto espera a comida, aproveite para relaxar e curtir um pouco a lagoa. No próprio restaurante, há um pequeno deque para quem quiser tirar o sal do corpo com um mergulho. Mas atenção, se o seu objetivo é passar um dia sem dor de cabeça, fica aqui o conselho: evite Massagueira nos fins de semana e feriados. Sim, porque o que os turistas ainda estão descobrindo, os locais já estão carecas de conhecer e, como não poderia deixar de ser, usufruir. As pequenas ruas ficam lotadas de carros e o engarrafamento não dá sossego, tornando o paraíso um verdadeiro inferno.
Pilar: Local da última sentença de morte do Brasil
A pequena Pilar, a cerca de 30 quilômetros de Maceió, foi o local da última sentença de morte dada pela Justiça no Brasil, em 28 de abril de 1876. A data até hoje é lembrada pelos seus moradores , que encenam o episódio todos os anos na Casa da Cultura. O executado pela ordem judicial, que teve aval do imperador Dom Pedro II, foi um escravo condenado por assassinato. Na memória, ficou apenas seu primeiro nome: Francisco.
À primeira vista, o município não parece ser um local com um significado histórico tão grande. Mas basta uma olhada na vista da lagoa Manguaba, que banha a região, para entender porque Pilar era conhecida pela sua grande concentração de engenhos. A lagoa era usada para transportar o açúcar produzido em toda a região, e por isso, o município chegou a ser considerado a terceira economia mais importante do estado.
Hoje, no entanto, a maioria dos engenhos foi extinta. É o caso do primeiro da cidade, cuja sede deu lugar a uma escola pública. Apesar disso, ainda é possível visitar algumas construções da época, como a Fazenda São Pedro, que fez parte do antigo Engenho Cachoeira do Imburí. O local, que hoje funciona como reserva particular de Patrimônio Natural, é aberto para visitantes. Os donos, o casal Francisco e Carmelita Quintella, recebem pessoalmente os turistas.
- Foi aqui que começou o povoamento dessa região, com 19 famílías. Depois, isso aqui cresceu e passou a fazer parte da rota do comércio em Pilar - conta seu Chico, que lembra ainda que o sítio era também uma rota de fuga dos escravos - Eles passavam por aqui no caminho para União de Palmares, onde ficava o quilombo de Zumbi.
Além do passeio pela fazenda, que inclui três trilhas, a mulher de Chico oferece aos visitantes uma prova da culinária da época. Para isso, ela foi buscar com uma tia dele, de 94 anos, as receitas que eram feitas quando os engenhos ainda moviam a economia da região. Entre os quitutes, está a mandioca cozida com coco, uma espécie de doce que é servido embrulhado numa folha para conservar o calor. O gosto suave lembra um bolo que derrete na boca a cada garfada. Outra iguaria feita pela cozinheira é o nêgo bom, um doce de banana batido com açúcar branco e mascavo, ideal para tirar qualquer pessoa da dieta. Para completar, todos os produtos são fresquinhos, plantados na própria fazenda. O melhor é chegar cedo para conhecer o local e depois almoçar a deliciosa comida de Carmelita. Se não der tempo para a sobremesa, não precisa ficar triste: todas são vendidas em embalagens para viagem por lá mesmo...
União dos Palmares: Um parque temático para lembrar Zumbi
Ao contrário da crença popular, a terra da liberdade não fica nos Estados Unidos, mas em Alagoas. Pelo menos é o que sustentam os moradores de União dos Palmares, a cerca de 80 quilômetros de Maceió. É ali que está a Serra da Barriga, onde ficava o Quilombo de Palmares. O ícone da resistência negra contra a escravidão, que foi destruído a tiros de canhão em 1694 por um exército comandado pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, mais de cem anos depois de sua fundação, hoje abriga o Parque Memorial Quilombo de Palmares, criado em 1997 em comemoração ao título de Herói Nacional concedido a Zumbi, que reinava no quilombo quando ele foi destruído.
O parque reconstitui as construções do quilombo, entre elas a casa do chefe, onde Ganga Zumba - considerado o primeiro chefe do quilombo - e Zumbi teriam morado. O passeio inclui a visita a Lagoa Encantada dos Negros, onde está a Gameleira Sagrada, uma árvore cuja semente teria sido trazida da África pelos escravos na época da fundação do quilombo. As rochas na beira da lagoa também têm algumas marcas atribuídas aos quilombolas.
O acesso ao parque, no entanto, pode ser um problema, uma vez que a estrada é muito íngreme e grande parte não foi asfaltada. Por isso, a prefeitura não aconselha a visita nos meses de inverno, quando chove mais na região. As operadores que fazem o passeio estão usando um transporte da prefeitura que leva os turistas do pé da serra até o parque. Mas apesar das dificuldades, de acordo com a secretária de Turismo da cidade, Isabel Gomes, só entre os dois primeiros meses desse ano, o parque teve mais de 1.500 visitantes.
- A gente recebe muitos professores e estrangeiros atraídos pela história de Zumbi de Palmares - conta, afirmando que a estrada deve ser asfalta ainda este ano.
No pé da serra, a visita continua no povoado de Muquém, onde vivem os remanescentes do quilombo, até hoje quase que isolados do resto da cidade, pois seus moradores dificilmente se casam com pessoas que não sejam de lá - um resquício do isolamento que durante muito tempo foi imposto a eles. São cerca de 500 pessoas, que vivem, principalmente, da pesca no Rio Mundaú, que banha a cidade, e de seu artesanato de barro. É assim que descendentes de Palmares como Marinalva Bezerra, de 68 anos, ganham a vida.
- Já ganhei duas medalhas pelo meu trabalho, viu? Não é só jogador que ganha prêmio. Hoje eu tenho 25 filhos e sete bisnetos, mas ninguém quer aprender a fazer o artesanato - lamenta Marinalva, lembrando que a tradição do artesanato em sua família começou com sua tataravó.
Outra artesã famosa da cidade é Irinéia Rosa dos Santos. Ao invés de panelas e bandejas, Irinéia é famosa pelas suas cabeças e bonecos de barro. Ela enfeita a parede de seu ateliê com diplomas de curso de artesanato, prêmios, fotos com personalidades famosas e seu título de mestre artesã pelo Sebrae. Em 2004, seu trabalho foi selecionado entre os mais representativos do Brasil pelo Prêmio Unesco de Artesanato. Hoje é até difícil encontrar a artesã no povoado, já que ela está sempre sendo convidada para expor sua arte em feiras.
Serviço:
Pela TAM, o bilhete ida e volta Rio-Maceió, com parada em Salvador, fica a partir de R$ 532. Pela Gol, o bilhete ida e volta direto Rio-Maceió sai a partir de R$ 607. Tarifas com taxas pesquisadas para a segunda quinzena de abril.
ONDE FICAR
Maceió
Hotel Jatiúca: A diária do quarto duplo custa a partir de R$ 375. Rua Dr. Mário Nunes de Oliveira 220, Mangabeiras. Tel. (82) 2122-2000. www.hoteljatiuca.com.br
Radisson Maceió: Quarto para até três pessoas a partir de R$ 250. Avenida Dr. Antonio Gouveia 925, Pajussara. Tel. (82) 3202-4900. www.atlanticahotels.com.br
Pontal do Coruripe
Pousada Paradise: A diária do chalé duplo, com café da manhã e jantar incluídos, sai a partir de R$ 220. Rua Projetada 433. Tel. (82) 3273-7303. www.pousadaparadiseal.com.br
PASSEIOS
Fazenda São Pedro: A entrada para os passeios pelas trilhas da fazenda custa R$ 8. BR-101 Sul, Km 100. Tel. (82) 9981-2217. www.rppnfazendasaopedro.com
Memorial Quilombo de Palmares: Pacotes com a Aeroturismo:(82) 2126-6060. www.aeroturismo.com.br. Outras informações: www.quilombodospalmares.org.br
Na internet: www.turismo.al.gov.br
Luisa Valle e Ana Branco viajaram a convite da Turismo & Negócios com apoio da secretaria de turismo de Alagoas


 

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