domingo, 6 de outubro de 2013

Dirceu Lindoso: O capitão de todas as matas

Dirceu Lindoso: O capitão de todas as matas

dirceulindoso
Golbery Lessa
O alagoano Dirceu Lindoso está completando 81 anos. Sua obra é um orgulho para o país e para Alagoas. Seu livro Utopia Armada, sobre a Cabanagem e a cultura alagoana no século XIX, é um clássico do pensamento social brasileiro. Não contém apenas a explicação de uma guerra popular, possui a explicação de um povo e de uma identidade. É possível aprendermos, por exemplo, sobre os elementos culturais sincréticos que constituem a estrutura das casas camponesas e a culinária dos pobres das matas alagoanas-pernambucanas no século XIX, a mesma culinária que as famílias das Alagoas e de Pernambuco de hoje consomem na Semana Santa, como um homenagem inconsciente àquele passado. Ele nos apresenta aos guerreiros negros que fugiram dos engenhos e constituiram-se no batalhão mais destacado do exército cabano: a invencível Guarda Negra dos Papa-méis, que as tropas governistas evitavam encontrar. Enfim, Dirceu revela e um pouco cria (pois também tem romances premiados nacionalmente sobre o tema) o mundo dos pobres negros e pardos de uma Alagoas profunda, localizada nas matas e nos mocambos. É dessa Alagoas que vieram nossos avós.
Politicamente, sempre esteve com os operário e outros oprimidos. Discutiu Marx e Lenin com os trabalhadores de Fernão Velho. Estudou e esteve junto dos índios de Joaquim Gomes. Analisou o poder quilombola e os descaminhos da modernidade em Alagoas. Fez tudo que seus antepassados nobres vindos da Galícia considerariam traição de classe. Os poderes constituídos perseguiram-no. Foi preso junto com Jaime Miranda e Colaço, e, com o padrão moral dessas companhias, era como se não estivesse preso. E tinham motivos para prendê-lo, pois seu pensamento e sua ação sempre foram subversivos. Sempre esteve para além das leis e sob a poesia, na vida e na escrita. Escreve como um clássico que é, chegando a sistematizar a lingua quase outra do norte de Alagoas, que usa verbos como “futurar” e milhares de expressões marinhas de outros séculos.
Dirceu é uma das Alagoas possíveis, mas é uma das mais belas Alagoas possíveis. Mesmo sendo mestre em várias disciplinas, nunca teve uma carreira regular de professor universitário, repetindo a trajetória de Caio Prado Jr. e outros comunistas. Fez mais do que departamentos acadêmicos inteiros. Ao pensar numa qualificação sintética para esse ser humano e cientista admirável, só me vem o título dado pelos cabanos a Vicente Ferreira de Paula, seu pardo comandante.
Dirceu Lindoso, o capitão de todas as matas.


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