sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Violência Institucional: Violação dos Direitos Humanos da Mulher - Simone Duran Toledo Martinez



Gostaria de iniciar fazendo uma referencia sobre a importância de momentos como esse. Oportunidade de suspendermos o cotidiano para a reflexão. A reflexão é a chave para a elevação do ser humano. Elevar-se significa ampliar a consciência e conseqüentemente elevar o padrão de civilidade humana. Através do conhecimento e da reflexão, o ser humano é capaz de se libertar da prisão da ignorância.

Rever e ampliar o conhecimento sobre a origem da cultura opressora tem sido praticado permanentemente por diversas áreas do conhecimento (científico e popular) desde a existência de um seleto grupo de sábios e sábias ancestrais que nos libertaram da prisão da ignorância: Ghandi, Jesus Cristo, Maria Madalena, Che Guevara, Meishu-sama, Dalai Lama, Zumbi, Marx, Sócrates e tantos outros antigos e contemporâneos.

A partir do conhecimento surge o desafio da desconstrução de matrizes negativas que impedem a plena cidadania de bilhões de pessoas no planeta.

Penso que todos nós, presentes aqui hoje, acreditamos na possibilidade de desconstrução dessas matrizes negativas e construção de um mundo melhor. Isso que parece (para alguns) impossível pode ser realizado; Entretanto, é necessário passar por alguns caminhos nunca antes trilhados; por exemplo: conscientemente compreender que é necessário um tempo real para a verdadeira mudança de paradigma e de comportamento. Mudar comportamento necessita ter uma proposta estruturadora construída coletivamente para ocupar o lugar do que foi subtraído.

Essa nova proposta deve facilitar algumas necessidades básicas do ser humano comogarantia da vida, da prosperidade sustentável, e da transcendência.

Momentos como esse – Um Fórum de discussão - constitui um importante espaço heurístico (rico de possibilidades e descobertas). Um encontro com pessoas que militam na defesa da vida, para refletir e avançar na construção de propostas para a superação da desqualificação humana.

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  1. Palestra realizada no II Fórum de Violência contra a mulher/Presidente Prudente‐21/11/2008

  2. Assistente Social, Mestre em Serviço Social, Política Social e Movimentos Sociais ‐ Coordenadora do Centro Especializado de Assistência Social de Presidente Prudente.
Vamos tratar hoje da Violência institucional. Um tipo de violência que contribui na consolidação de uma ordem social injusta que precisa ser superada.

Existe uma Naturalização e Invisibilidade da Violência Institucional. É muito pouco difundida nos diversos segmentos da sociedade, tanto dos usuários quanto dos profissionais das distintas áreas dos serviços, sejam eles públicos ou privados.

A violência Institucional é cometida principalmente contra os grupos mais vulneráveis como crianças, adolescentes, mulheres e idosos. É aquela exercida pelos próprios serviços públicos, por ação ou omissão. Pode incluir desde a dimensão mais ampla da Falta de Acesso a serviços, até a Má Qualidade dos Serviços. Abrange abusos cometidos em virtude das relações de poder desiguais entre usuários e profissionais dentro das instituições.

Esta violência pode ser identificada de várias formas:

  • Peregrinação por diversos serviços até receber atendimento;

  • Falta de escuta, tempo, privacidade para os usuários;

  • Frieza, rispidez, falta de atenção, negligência;

  • Maus-tratos dos profissionais para com os usuários, motivados por discriminação, abrangendo as questões de raça, idade, opção sexual, gênero, deficiência física, doença mental;

  • Desqualificação do saber prático, da experiência de vida, diante do saber científico;

  • Tortura e violência física;

  • Banalização das necessidades e direitos dos usuários;

  • Críticas ou agressões a quem expressa desespero, diante da ausência de serviços que atenda as suas necessidades, ao invés de se promover uma aproximação e escuta atenciosa visando acalmar a pessoa e fornecer informações necessárias;

  • Violação dos direitos reprodutivos (discriminação das mulheres em processo de abortamento, aceleração do parto para liberar leitos, preconceitos acerca dos papéis
sexuais e em relação às mulheres soropositivas [HIV], quando estão grávidas ou desejam engravidar.

A Violência Institucional é aquela praticada nas instituições prestadoras de serviços públicos como hospitais, postos de saúde, escolas, delegacias, judiciário, serviços sócio- assistenciais, entre outros. É perpetrada por agentes que deveriam proteger as mulheres vítimas de violência garantindo-lhes uma atenção humanizada, preventiva e também reparadora de danos.

O debate sobre a Violência Institucional está diretamente relacionado aos Direitos Humanos, pois é incompatível com a construção de uma sociedade, que respeite plenamente à Dignidade da Pessoa Humana.

Os Direitos Humanos têm como valor-fonte a Dignidade da Pessoa Humana e é fator determinante para a aplicação da Constituição Brasileira. O Estado existe para garantir e promover a Dignidade de todas as pessoas (é óbvio, mas o óbvio sempre apresenta dificuldade de se tornar visível).

Devemos observar os princípios dos Direitos Humanos. No primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“Todos os seres humanos nascem livres iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem proceder uns em relação aos outros com espírito de fraternidade”.

Temos, portanto: O Princípio da Liberdade, Princípio da Igualdade, Princípio da Dignidade, Princípio da Fraternidade. Gostaria de destacar o Princípio da Fraternidade, pois a violência Institucional fere diretamente esse princípio.

A fraternidade é o princípio que rege as nossas ações no sentido de que devemos ser solidários em relação aos outros seres humanos. Precisamos conviver Eticamente.

Um exemplo do que representa o princípio da fraternidade encontra-se no quinto artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.
PORQUE “AGENTES PÚBLICOS” COMETEM A VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL?

A violência não se reduz aquela praticada por criminosos contra cidadãos honestos.

Muitas vezes, nós, Pessoas Honestas, cometemos violência (por ex quando discriminamos uma pessoa estamos cometendo violência).

A história dos Direitos Humanos não é uma história que está longe de nós. A gente constrói e, às vezes, destrói os direitos com nossas atitudes e comportamentos.

Paulo Freire disse o seguinte: “A minha liberdade acaba quando acaba o do outro”. Podemos parafrasear da seguinte maneira: “O meu direito acaba quando acaba o do outro”. Em outras palavras: Enquanto todos não tiverem direitos, ninguém tem. Direitos só para alguns não são direitos, são privilégios e privilégio é a negação do Direito.

Voltamos ao questionamento: Porque agentes públicos (seres humanos) que deveriam proteger cometem violência.

Trago dois argumentos de explicação. Primeiro argumento: Falta Respeito Humano. Dalai Lama disse o seguinte:

...Caso eu diga "sou monge" ou "sou budista", as afirmações serão, em comparação com a minha natureza de ser humano, temporárias. Ser humano é básico. Outras condições, ser ou não instruído, rico ou pobre, são secundárias.

O certo é que, havendo Respeito Humano, elimina-se aquele sentimento negativo que nutrimos por quem, por alguma razão, seja rotulado como "inferior". O conceito que nutrimos sobre o nosso semelhante, reflete nas nossas comunicações, mesmo nas silenciosas. As matrizes étnicas, religiosas e políticas, são forjadas pelos próprios homens. Matrizes negativas não faziam parte da genética humana. Da nossa genética existia uma programação para sermos éticos e racionais.

O que aconteceu? A natureza humana foi se transformando, na medida em que nos fomos organizando socialmente. Os homens acabaram por dividir a sociedade em
classes. O resto, todo mundo já sabe. Os homens tornaram-se “perigosamente competitivos” e o seu acirramento criou estas matrizes negativas, que nos diferenciam uns dos outros.

A divisão da sociedade em classes sociais teve início com o descobrimento da agricultura e da pecuária. Pela primeira vez na história da humanidade o homem passou a produzir mais do que o necessário para a sobrevivência. Antes não tinha sentido escravizar alguém, pois a produção era muito pequena. Com a produção excedente passou a ser vantajoso escravizar.

A partir deste momento histórico a sociedade estava dividida entre duas classes. O trabalho não foi mais realizado por todos os membros de uma sociedade, mas terá uma classe social (a primeira delas foi dos senhores de escravos) que explorará o trabalho da classe trabalhadora (a primeira delas foi a dos escravos).

As Classes sociais desenvolvem-se a partir da possibilidade de exploração do homem pelo homem. Tem se o início da construção social de desumanidades pelos próprios homens. Com a alienação do trabalho a reprodução social conhece uma nova categoria: as relações sociais de exploração e a vida social cada vez mais violenta.

Nesse período civilizatório da organização da agricultura e da pecuária e depois na idade média, o gênero feminino também sofreu profunda mudança no tecido social com perdas de direitos e perda de qualificação humana, categorizando as mulheres como seres inferiores.

Segundo argumento: A Questão Democrática no Brasil.

Trago como argumento, por que tem um grande poder de explicação das relações hierárquicas nas relações sociais brasileiras e é central para a compreensão da Questão Social na nossa sociedade.

A democracia não atravessa a nossa experiência cotidiana, não faz parte do nosso sistema relacional, de pessoa para pessoa, a experiência democrática é de certo modo superficial, nós estamos marcados por um outro tipo de experiência. A idéia de democracia não pode ser entendida estritamente ás suas expressões eleitorais, no cenário da política institucionalizada através da representação.

Lembrando alguns dados eloqüentes:
  1. Nós somos o oitavo país em desigualdade social no mundo (não existe democracia com tamanha desigualdade social e econômica).

  2. Nós temos um sistema monopolizado de meios de comunicação, onde nove famílias detêm praticamente 95% de todo o sistema de comunicação do país.

  3. Nós temos uma alta concentração fundiária (1% do total de estabelecimentos com mais de 1.000 hectares detém 43,5% da área total de aproveitamento agrícola).

A falta de democracia é componente que se revela no estudo do Ricardo Henriques do (IPEA): Ele constata que os negros em nosso país têm efetivamente uma condição pior entre os pobres. Esse dado nos remete a discussão da Nossa Herança Escravista.

Muitas vezes não oferecemos ao debate à convivência relacional, à discussão da Nossa Herança Escravista, essa herança se manifesta por meio do coronelismo (ainda presente na nossa sociedade) e do patriarcalismo (que sustenta e justifica a violência de gênero).

Mas um traço que eu acredito ser mais pertinente a discussão da violência Institucional é o Ranço Autoritário que permeia toda a trama das relações sociais, desde a vida privada até a vida pública, dentro e fora das instituições dos Estados nacionais, produzindo o que o Jessé de Sousa fala como sendo:

”Uma experiência, uma sociedade estruturalmente sado-masoquista, no sentido de uma patologia social específica em que a dor alheia, o não reconhecimento da alteridade e a perversão do prazer transformam-se em objetivos máximos das relações interpessoais”

Instaura-se uma hierarquização instável na qual, sempre diante do outro eu tenho que me perguntar exatamente: Com quem estou falando?

Se eu estou falando de um sujeito aprazível - daqueles que estão na camada, que merecem o meu apreço, porque pode exercer sobre mim algum tipo de poder, ou se eu estou lidando com um desprezível, alguém que está situado socialmente em uma esfera que, não só não pode me atingir, mas como deve se subordinar a mim, na medida em que eu posso criar complicações para a sua dinâmica existencial.
Penso que a Educação (formal e informal) terá que reverter o que somos atualmente. O ethos do povo brasileiro precisa ser modificado, através da educação politicamente isenta de ideologias e voltada à civilidade. Ensinar a pensar é um valor fundamental da democracia. Significa exercermos a capacidade de fazer escolhas a partir da minha própria consciência.

Precisamos ser reeducados na forma como sentimos e transmitimos nossos sentimentos. Só assim as relações humanas serão éticas e sem preconceitos herdados socialmente.

Tem um conceito de liberdade que eu gosto muito, que expressa muito bem à necessidade de rompermos com o preconceito, tabus e verdades inquestionáveis, diz assim:

A verdadeira liberdade não é a do livre pensamento, mas livrar-se de nossos preconceitos, tabus, ideais. É por isso que tão somente a liberdade de ir e vir, a liberdade de pensamento não liberta o homem. Não muda, não o transforma. A verdadeira liberdade é conseqüência da quebra de preconceito, do abandono dos tabus, dos condicionamentos, dos medos e angustias questões essas de âmbito inferior e individual. A liberdade é um processo individual, uma explosão interior capaz de queimar todo o lixo depositado em nosso intimo, todo o entulho que nos foi sobreposto pela educação, família e sociedade, e na qual fomos levados a acreditar como verdadeiro.
Lourenço Otto Shovi, SW Gyan Praful OS DANOS PROVOCADOS PELA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL
Duas expressões são fundamentais, como instrumentos de interpretação da violência Institucional: Humilhação social (construído por Moura Gonçalves Filho) e Sofrimento ético-político (construído por Bader Sawaia)

A humilhação social corresponde “a um estado doloroso de angústia”, derivado da exposição da pessoa excluída a mensagens confirmatórias da sua inferioridade social.
São palavras ou circunstâncias públicas que lhe parecem como lembrete, que ele não habita o mundo que é seu, ele habita o mundo que lhe está emprestado.

O conceito de sofrimento ético-político tenta dar conta desta experiência que é resultante dos chamados processos de exclusão social. Traduz o que Bader Sawaia chama de “inclusão perversa”, uma forma de inclusão que prevê um lugar insuportável, insustentável do ponto de vista objetivo e subjetivo, como por exemplo: todo o mundo sabe que ser mau tratado não é fácil.

O reflexo mais direto da violência institucional é o aumento da vulnerabilidade de quem sofre. A vulnerabilidade é um conceito que necessita de estudos aprofundados. Mas existe um consenso entre vários autores: A vulnerabilidade diminui a capacidade de respostas das pessoas aos vários riscos (sociais, ambientais, físicos, etc.) que afetam as condições de bem-estar, ou seja, a felicidade. E a felicidade é o maior bem da humanidade.

A vulnerabilidade provoca a imobilidade social. A pessoa não se encontra à disposição da vida, da criação, da inventividade, mas está a serviço de tentar sobreviver do ponto de vista subjetivo/objetivo.

ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL

Uma boa notícia: Pela primeira vez o Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência contra a Mulher tem prioridade na agenda social do governo federal.

Alguns caminhos para o enfrentamento da Violência Institucional: 1 DEMOCRATIZAR A DEMOCRACIA BRASILEIRA
O pressuposto de construção e mobilização da cidadania teria que tomar essa direção. Pressupõe democratização do Estado, mas pressupõe também uma democratização da sociedade: Dissolvendo o forte componente hierárquico existente nessas relações e instaurando modelos mais igualitaristas de percepção do outro (um outro da mesma natureza).

  1. CRIAÇÃO DE UMA CULTURA DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

    Mudança não se faz da noite para o dia, se faz com um trabalho de todos os dias, podemos começar de forma simples. Por ex: Em uma reunião cuidar para que todos os
    participantes falem; frear qualquer tentativa de autoritarismo nossa e do outros; não tentar ser o dono da verdade; respeitar o ritmo de cada um. É preciso pessoas que não desistem facilmente.

    O filosofo Mokiti Okada diz: Para mudar é preciso paciência, docilidade e perseverança. Temos Nelson Mandela como um ex de perseverança: ficou 28 anos encarcerado por não abrir mão dos Direitos Humanos na África do Sul.

  2. EMPODERAMENTO FEMININO
    O Conhecimento é o combustível para a nossa consciência. Nos dá mobilidade social. Ao conhecer nossos direitos somos capazes de pensar estratégias para reivindicá-los e

    multiplicá-los por onde passamos. Por ex: Os documentos que tratam dos direitos podem ser usados como instrumentos contra a violência. Para que isso ocorra, é necessário conhecê-los e popularizá-los. O nosso desafio é fazer com que essas conquistas saiam do papel para a vida. O conhecimento é o ouro da participação e do poder.

  3. CAPACITAÇÃO

    De agentes públicos, operadores de direito (juízes, promotores) policiais, etc. Formação na temática de Gênero, Direitos Humanos e Violência para ter condições de oferecer atendimento humanizado às mulheres.

  4. DENUNCIA

É preciso desnaturalizar a violência institucional e superar a cultura do “cala boca” para poder denunciar. O Brasil tem uma tradição de ser “um país de doutores”. Essa tradição de “terra de doutores” acaba conferindo aos doutores o direito à palavra. Tudo bem os doutores terem direito à palavra, mas esse direito deve ser de todos. Todas as pessoas têm direito de opinar e, mais ainda, direito a serem ouvidas. Por ser um pais de doutores, coronéis, chefes, acabamos aceitando a cultura do cala a boca! Quem já não ouviu um: cala a boca, quem manda aqui sou eu! Você não sabe com quem está falando!

Precisamos transformar essa cultura. Trocar o cala boca pela boca no trombone.
Para finalizar, como um Fórum deve ser um provocador, eu deixo como desafio para pensarmos: Como se dá a conquista dos “Corações e Mentes”. Como é que nós seduzimos, agregamos, atraímos, informamos, mobilizamos, contaminamos? Como é que nós apaixonamos as pessoas por aquelas verdades éticas que queremos difundir e desenvolver no interior da sociedade, na condição legítima de atores políticos?

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