História de um comício que não houve
Título do editorial do Jornal de Alagoas de 31 de março de 1964, opinando sobre o comício organizado pelo CGT, UNE, UEEA e PCB que aconteceu no dia 29 de março, em Maceió
Após o histórico comício pelas Reformas de Base realizado no dia 13 de março no Rio de Janeiro, os defensores das reformas em todo o país se sentiram na obrigação de desdobrarem a campanha com novas manifestações.
Em Maceió, a CGT, com o apoio da UNE, UEEA e PCB, marcou para o dia 29 de março, um domingo, na Praça do Pirulito (Parque Rodolfo Lins), o ato de apoio ao presidente João Goulart e suas Reformas de Base.
Os organizadores anunciaram que tinham convidado Leonel Brizola e Miguel Arraes para o comício, provocando uma imediata reação das forças conservadoras em Alagoas, que também anunciaram que o Movimento Popular pela Democracia realizaria uma manifestação no mesmo dia e hora na Praça Deodoro.
Luiz Cavalcante, governador do Estado, imediatamente iniciou uma campanha pelo rádio alertando para as possíveis consequências com a realização de comícios tão próximos. Com o argumento de poderia haver choques entre os oponentes, os dois comícios foram desautorizados.
Ficava claro que o comício do Movimento Popular pela Democracia tinha sido uma simples jogada para inviabilizar a manifestação organizada pelo CGT.
Num primeiro momento, os organizadores do comício das reformas resolveram não acatar a determinação da polícia e continuaram a convocar o comício para o Parque Rodolfo Lins.
Com a desistência de Brizola, que argumentou já ter assumido compromissos no Rio Grande do Sul, e com as ameaças a Miguel Arraes, a manifestação terminou ocorrendo na sede do Sindicato do Petróleo, na Rua 2 de Dezembro.
Com as informações colhidas depois fica evidente que as forças conservadoras queriam impedir a mobilização das esquerdas, mas tinham como questão de honra atingir o governador de Pernambuco, Miguel Arraes.
Rubens Colaço, em depoimento a Geraldo de Majella publicado no livro Rubens Colaço: Paixão e vida – A trajetória de um líder sindical, confirma que existiam de fato ameaças a Arraes.
“… a cabeça de Miguel Arraes estava sendo disputada aqui. A disputa era para ver quem atirava na testa, quem atirava na boca, quem atirava no olho direito, quem atirava no olho esquerdo. E nós sabemos muito bem que aqui em Alagoas tem gente altamente qualificada para isso”.
Colaço fala que diante da ameaça, “o CGT tomou a decisão de ir a Recife para desconvocar Miguel Arraes e explicar a situação”. Anivaldo Miranda detalha que foi Nilson Miranda quem viajou para Recife no dia anterior para informar sobre a situação diretamente a Miguel Arraes.
Luiz Nogueira, em recente depoimento à Comissão da Verdade dos Jornalistas revelou que foi a ponderação de Jayme Miranda que fez com que o comício não acontecesse na Praça do Pirulito.
Anivaldo Miranda também confirma a atuação do dirigente do PCB. “Foi o Jayme Miranda, numa reunião que nós tivemos já na sala da Aliança Retalhista para decidir se a gente seguia em marcha na marra para a Praça do Pirulito ou não, que ponderou. Nós tínhamos informações privilegiadas, o Jayme principalmente, e nós não íamos fazer isso, porque era tudo que eles estavam querendo para desencadear uma matança aqui em Maceió”.
O comício terminou acontecendo em ambiente fechado, e Rubens Colaço assim descreveu a manifestação:
“Nós realizamos o comício e os operários da fábrica têxtil do distrito de Saúde vieram a pé, vieram para Maceió com suas faixas enroladas debaixo do braço. Quando menos esperavam, eles estavam na praça.
Os trabalhadores da orla marítima tiveram que se dispersar quando chegaram na Praça Sinimbu. Mas marcou presença firme.
A Rua do Comércio ficou intrafegável. Nós realizamos o comício em frente ao sindicato de petróleo, que era praticamente na Praça Pedro II, a Rua 2 de Dezembro, é muito pequena, liga a Rua do Comércio à Praça Pedro II.
O segundo delegado da capital, Aurino Malta, ainda deu uns tiros, feriu um rapaz da Petrobras que estava na sacada do prédio; esse rapaz não tinha nada a ver com o comício”.
Fontes:O golpe civil-militar em Alagoas: o governo Luiz Cavalcante e as lutas sociais (1961-1964), dissertação de Mestrado de Rodrigo José da Costa.MAJELLA, Geraldo de. Rubens Colaço: Paixão e vida – A trajetória de um líder sindical. Maceió: Recife, Edições Bagaço, 2010.Fotos do acervo de Geraldo de Majella.
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