DIRCEU ACCIOLY LINDOSO

  DIRCEU ACCIOLY LINDOSO

PREFÁCIO DO LIVRO O PODER QUILOMBOLA -

Por Geraldo de Majella Fidelis de Moura Marques


O POLÍGRAFO CABANO

A trajetória intelectual de Dirceu Accioly Lindoso é multifacetada e em certa medida foge ao natural caminho acadêmico stricto senso, ambiente de formação e projeção de quase todos os intelectuais de sua geração em diante. A ambiência intelectual que impulsionou o então jovem Dirceu Lindoso foi a árdua trabalheira na imprensa comunista das Alagoas. A redação de A Voz do Povo, semanário de propriedade do extinto Partido Comunista Brasileiro (PCB) - fundado em 1946 e destruído pelos militares golpistas em 1° de abril de 1964 -,descortinou um novo cenário, o da luta social e do marxismo.
Cedo começou nos trabalhos jornalísticos, como ele mesmo costuma dizer, e fez dessa atividade um ponto de difusão da sua produção intelectual ainda muito jovem. Hoje podemos afirmar que Dirceu Lindoso pertence a uma tradição de intelectuais que tiveram no jornalismo de esquerda e operário o caminho primeiro de uma virtuosa carreira intelectual como percebemos ter também acontecido com Octavio Brandão, Alberto Passos Guimarães, Jayme Miranda, Aylton Quintiliano, Bercelino Maia e André Papini Góes.
A primeira contribuição à imprensa veio em forma de artigo publicado no Diário de Pernambuco, tendo como tema a obra de Josué de Castro, que viera a Maceió, a convite dos estudantes da Faculdade de Direito, falar sobre o problema da Fome.
Trabalhou no jornal carioca O Globo, quando residia na cidade do Rio de Janeiro, tempos após sair da prisão política ocorrida em Maceió, encarceramento que durou de abril a novembro de 1964. Manteve, à distância, permanente contribuição com os jornais de Maceió, enviando artigos para A Tribuna de Alagoas, O Jornal, Gazeta de Alagoas e Extra. Em Petrópolis, publicou trabalhos no Correio Petropolitano e na Tribuna de Petrópolis.
Esse incansável intelectual jamais deixou de influir e contribuir com qualquer espécie de publicação progressista, sobretudo com as publicações do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB) - de circulação nacional, como o jornal do Comitê Central Voz da Unidade, onde colaborou semanalmente por quase uma década, de maneira ininterrupta - e as revistas Problema da Paz e do Socialismo e Novos Rumos, esta última, publicação do Instituto Astrojildo Pereira.
Advogado por formação, com pouca atuação nessa área, apenas defendeu em episódios esporádicos trabalhadoras rurais do município de Pilar, em Alagoas, no início da década de 1960. Na condição de advogado foi designado pela direção regional do PCB para defender os índios Wassú Cocau que, à época - início de 1960 -, continuavam lutando pela demarcação das suas terras no município de Joaquim Gomes, bem como jovens estudantes vinculados ao PCB que apoiavam a luta indígena e haviam sido detidos pela polícia local.
Toda a sua energia e argúcia vêm sendo empregadas na pesquisa etno-histórica e na tradução de clássicos do marxismo, a exemplo do filósofo francês Louis Althusser e do húngaro Gyorgy Lukács, do economista francês Charles Bettelheim, do psicanalista suíço Jean Piaget e do filósofo e economista alemão Karl Marx, entre outros.
Dirceu Lindoso tem se dedicado a pesquisar e a revelar inovadoramente temas fundamentais da História de Alagoas que a historiografia oficial insistiu em esconder e, quando deles tratou, invariavelmente o fez com o viés do preconceito, colocando-os na categoria de marginais, na vã tentativa de que esses episódios fossem esquecidos para sempre.
Moreno Brandão em sua História de Alagoas se refere ao comandante cabano Vicente de Paula como "um desses tipos truculentos e ferozes que os sertões mal policiados do Brasil criam e desenvolvem na atmosfera da proteção criminosa que dispensam as autoridades coniventes com o seu banditismo, e o povo inculto, amigo de todas as manifestações violentas da força, prestigia, propagando a fama de suas bravuras por largas extensões regionais do país".
O discurso anticabano tem um forte conteúdo ideológico elaborado pelos historiadores da classe dominante; é o caso de Moreno Brandão, que imputa aos papa-méis a pecha de criminosos, sem conseguir vislumbrar nos seus estudos sobre a História de Alagoas que os protagonistas da guerra dos cabanos foram essa gente que ele fez passar, durante décadas através da sua História, como bandidos.
A Guerra dos Cabanos (1832-1850), importante acontecimento da História de Alagoas, abordado inicialmente por Manuel Correia de Andrade em 1965, passou a ser o tema principal da vasta obra do historiador, etnólogo, ensaísta, romancista e poeta alagoano.
O povo cabano é objeto de estudo e uma verdadeira paixão para o polígrafo, passando a ocupar papel essencial nos estudos históricos de A Utopia Armada, seu principal livro, publicado em 1983. Antes, a escrita e a fala cabana haviam obtido destaque através do romance Póvoa-Mundo, de 1982. A trajetória na pesquisa antropológica tem sido cada vez mais significativa e diversificada. São inúmeros os textos publicados em vários momentos e veículos, como os Anais da Biblioteca Nacional e a Revista Eclesiástica Brasileira, que deram guarida aos textos: Na Aldeia de Ia-ti-lhá: Etnografia dos Índios Tapuia do Nordeste, republicado agora na Coleção Índios do Nordeste: Temas e Problemas, vol. VII (Almeida, Luiz Sávio; Silva, Ouistiano Barros Marinho et alii.Orgs.); o Cônego e a Catequese Indígena; e O Andarilho e a Mãe-deSanto: O Negro na Obrrz de Artlzur Ramos.
Em companhia de Manuel Correia de Andrade, Décio Freitas e Luiz Sávio de Almeida, Dirceu Lindoso ofertou a mais importante contribuição sobre a Guerra dos Cabanos, luta em que ricos senhores proprietários de engenhos de açúcar, restauradores e absolutistas, convocaram os pobres da terra situada ao sul de Pernambuco e ao norte de Alagoas, à época já independente, para, de armas nas mãos, trazer de volta ao trono imperial D. Pedro I. Os convocados eram índios, negros escravos, moradores e lavradores, a gente cabana.
Dirceu Lindoso é o responsável, em terras alagoanas, pela "redescoberta" do povo cabano e sua inserção na História de Alagoas, desta vez, na condição de acontecimento histórico significativo e digno para todos nós, livre de quaisquer tipos de preconceitos. Esse, entre muitos outros, tem sido o mérito fundamental dos estudos e das pesquisas realizadas pelo historiador marxista nascido diante do lagamar do Gamela, na sua Maragogy, na paris borealis de Alagoas, teatro que foi da guerra dos índios, negros e brancos pobres que formaram o povo cabana, de quem Dirceu tanto se orgulha de descender.
O Poder Quilombola - na Comunidade Mocambeira e a Organização Social Quilombo/a é mais uma obra escrita pelo autor de A Utopia Armada, desta vez atendendo a uma solicitação que lhe fiz numa calorenta tarde do último janeiro. Poucos meses após esta conversa, é possível entregar ao Brasil este texto em um 20 de novembro, data comemorativa da consciência negra em nosso país.
Índios, negros e populações excluídas foram e continuam a ser o tema centra l da vasta obra desse importante intelectual das Alagoas. Dirceu Lindoso não só é um irrequieto intelectual, contraditoriamente ao seu temperamento calmo e sereno, mas inegavelmente o mais importante historiador dos últimos cinquenta anos em nossa terra. E em quem os outros historiadores, seus contemporâneos, devem se mirar.
Axé.
Maceió, novembro de 2006.

Geraldo de Majella Fidelis de Moura Marques
Historiador, Secretário de Política e Gestão Colegiada






























Nenhum comentário:

Postar um comentário

“Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e pelo bom senso”. Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano)

  Dr. José Reginaldo de Melo Paes (medico, poeta, acadêmico alagoano) “Viver é uma arte. E seu roteiro deve ser escrito pela sabedoria e p...