quinta-feira, 4 de julho de 2013

Alagoas de Dirceu

Alagoas de Dirceu

Foto: Maíra Villela

Foto: Maíra Villela

Por: | JANAYNA ÁVILA - Repórter

Alagoas é o que se ama e dói. A frase, registrada em livro pelo historiador, antropólogo, pensador e escritor Dirceu Lindoso, expressa os sentimentos desse alagoano em relação à sua terra natal. A mesma terra na qual sua família, originária da Europa e proprietária de diversos engenhos no litoral norte do estado, se firmou, assistindo e até participando de episódios que estão inscritos na história da formação do Brasil. A partir dos relatos de seus avós e da pesquisa criteriosa em arquivos, aos poucos

Lindoso foi construindo uma nova forma de ver e interpretar Alagoas. Dono de uma obra que se debruça sobre lances polêmicos como a Guerra dos Cabanos e as origens do Quilombo dos Palmares, em entrevista à Gazeta o homem que é um dos nossos mais respeitados intelectuais revisita acontecimentos históricos, fala sobre identidade cultural e se pronuncia a respeito de temas atuais como o crescimento da violência e a decadência da indústria da cana-de-açúcar. Confira

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Um dia, quando resolveu escrever sobre Alagoas, Dirceu Lindoso, 77, se surpreendeu: sabia pormenores de fatos que, embora ocorridos há séculos, pareciam frescos em sua memória, como se, de alguma forma, tivesse sido testemunha ocular da história. Nascido em Maragogi, filho de uma família abastada que era proprietária de diversos engenhos no litoral norte do estado, desde cedo teve uma educação voltada à leitura e ao estudo de idiomas. Quando os meninos de sua idade ouviam dos avós histórias de trancoso, os seus, que vieram de países como Portugal e Espanha, narravam-lhe episódios que diziam respeito ao Brasil, como a Guerra dos Cabanos e ainda a trajetória de Zumbi e Ganga Zumba no comando do Quilombo dos Palmares, ocorrências muito “próximas” da região onde nascera.

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Gazeta – Você nasceu em Maragogi e estudou no Recife. Quando veio para Maceió?

Dirceu Lindoso – Vim para Maceió já adulto. Não havia estrada de Maragogi para Maceió. A gente vinha de carro pela beira da praia. Mas para o Recife tinha. Por conta disso, estudei no Colégio Batista do Recife. Era um colégio excelente. Um dia desses um amigo me ligou e disse: “Dirceu, o problema dos filhos das famílias dos usineiros de hoje é a educação, que é um desastre”. E disse que somos exemplo porque meu avô, meu pai, eu e meus irmãos estudamos, nos formamos, fomos estudar no exterior... Meu tio, irmão do meu avô, estudou na Universidade de Oxford, na Inglaterra. E vários primos meus estudaram nos Estados Unidos. Havia um cuidado na educação dos filhos. E eu nunca vi tanta gente com bibliotecas grandes. A [escritora] Rachel

de Queiroz, que morou aqui, dizia que em lugar nenhum viu tantas casas com bibliotecas tão numerosas.

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Filho de família rica, luta contra a ditadura e é preso

Gazeta – Em 1964 você foi preso, acusado de atos comunistas. Como foi isso?

Dirceu Lindoso – Passei dez meses na prisão em Maceió. No dia em que fui libertado, o oficial mandou me chamar e disse que eu teria que ir ao Recife para ver o problema da acusação contra mim. Eu disse: “Eu vou ao Recife e depois vou embora. Não vou ficar aqui em Maceió esperando que vocês façam qualquer coisa contra mim”. Assim que cheguei lá, me apresentaram o que havia. Li e não tinha nada. Era um tal de “ouvi dizer”. Saí de lá e fui embora para o Rio de Janeiro. Já estávamos em 1965. Nessa época eu já era casado, tinha filhos. Quem me deu assistência foi o Rui Palmeira. Fiquei hospedado na casa dele e me dava muito bem com o Moacir, filho dele, que até hoje é meu amigo. É o mais intelectual dos filhos do Rui Palmeira. Fez doutorado em Antropologia na Sorbonne.

E como sua família, que era proprietária de engenhos, viu sua atividade comunista?

A família toda era conservadora, de direita. No começo, meu pai ficou bem zangado. Depois adoeceu, me perdoou e, enquanto eu estava na prisão, morreu.

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BIBLIOGRAFIA

›› Póvoa-mundo – 1981

›› Uma Cultura em Questão: A Alagoana – 1981

›› Mínimas Coisas – 1981

›› A Diferença Selvagem – 1983

›› Liberdade e Socialismo – 1983

›› A Book of Days for the Brazilian Literary Year – 1993

›› Mar das Lajes – 1999

›› A Utopia Armada: Rebeliões de Pobres nas Matas do Tombo Real – 1983 (reeditada em 2005)

›› A Formação de Alagoas Boreal – 2000

›› Interpretação da Província: Estudo da Cultura Alagoana – 2005

›› As Invenções da Escrita – 2006

›› Marená: um Jardim na Selva – 2006

›› O Poder Quilombola – 2007

›› Lições de Etnologia Geral: Introdução ao Estudo dos seus Princípios – 2009

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“Calabar não é uma questão alagoana”

Gazeta – E já que o assunto é identidade, vamos falar do Manifesto Sururu, texto do antropólogo e professor Edson Bezerra. Qual a importância que você atribui ao texto para a discussão sobre identidade?

Dirceu Lindoso – O manifesto, em si, é contraditório. Mas ele tem uma coisa muito boa: recupera a figura da Tia Marcelina, uma pessoa da qual só falavam bem. E o que fizeram com ela foi um assassinato. Critiquei contradições como a comparação que o manifesto faz entre a Tia Marcelina e a Padroeira de Maceió, Nossa Senhora dos Prazeres. Digo isso não pela Nossa Senhora dos Prazeres, mas pela Tia Marcelina. Comparar

algo que é um mito, que ninguém sabe se existiu, com uma escrava, uma mulher. Nossa Senhora foi uma coisa criada. Tia Marcelina, não.

Nessa análise sobre o manifesto, você lança o que chama de “provocação” ao dizer que, ao ter nascido no litoral norte do estado, não é um “sujeito sururu”, e que não é caeté nem em manifesto. Essa provocação tem como função falar de quão vasta e complexa é a cultura alagoana, que não dá para simbolizar nossa identidade numa única imagem?

Isso mesmo. No litoral norte só tem ostra e índios potiguares. Não tem sururu nem caetés. A poesia não tem validade diante da ciência antropológica (risos).

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TRECHO DE O PODER QUILOMBOLA

Penso que Darcy Ribeiro tinha razão quando dizia que foram os negros que expandiram a língua portuguesa no Brasil. Tinham necessidade de falarem uns com os outros e com seus donos. Sua cultura tinha por base a rústica construção de mocambos nas matas úmidas e o plantio de mandiocais, que lhes davam a sobrevivência. A construção de

uma comunidade primitiva de mocambos e mandiocais foi uma tarefa difícil para os primeiros negros fugitivos, que se alimentavam do mel das abelhas silvestres, e, por isso, passaram a ser conhecidos por papa-méis.

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TRECHO DE FORMAÇÃO DE ALAGOAS BOREAL

A documentação sobre nossa história é parca. Um tabelião insano queimou os arquivos de Porto Calvo sob sua guarda. Pouco se sabe hoje o que foi documentalmente a história de Porto Calvo. A história da pars borealis é quase toda antropológica. Só a história antropológica pode salvar parte de nossa memória social. E baseado nessa desdocumentação – e permita-se a mim o neologismo – surge o delírio de alguns, mais preocupados com a projeção de seus desejos e frustrações que com a probidade histórica, imaginando uma Porto Calvo holandesa que jamais existiu. O que sempre existiu foi a Porto Calvo portuguesa desde as origens, que chegou por várias vezes a ser ocupada por tropas da Companhia das Índias Ocidentais. Porto Calvo nasceu portuguesa, portuguesíssima pelo nome e pela língua falada pelos seus povoadores. Nome de aldeia portuguesa do Minho e Alto Douro.

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Na obra de Lindoso, uma nova leitura da nossa história

Gazeta – Vamos falar de seus livros. A Utopia Armada trata da Guerra dos Cabanos, episódio ocorrido na fronteira entre Alagoas e Pernambuco. Apesar de ter ocorrido aqui, é um fato quase desconhecido pelos alagoanos. Por que você resolveu escrever sobre o conflito e o que mais chamou sua atenção nessa história?

Dirceu Lindoso – O meu avô era compadre do filho do Vicente de Paula, o maior chefe dos cabanos, que chamavam de General de Todas as Matas. A família do meu avô ficou do lado dos cabanos. Nem todos os senhores de engenho ficaram contra os cabanos, como muita gente já afirmou. E meu avô me contava muitas coisas sobre essa história. O pai do meu avô ajudou muito os cabanos. Foi uma guerra feita pelos conservadores para trazer Dom Pedro I de volta. Ele tinha ido embora para Portugal. Mas D. Pedro I já tinha morrido e eles não sabiam. Eles colocaram os escravos deles como soldados e enfrentaram o exército de Pernambuco e Alagoas. Os cabanos tomaram Maceió. Essa guerra durou de 1832 até 1850. Foram 18 anos. Levaram o Vicente de Paula para Fernando de Noronha, preso.

A Guerra dos Cabanos seria uma prova de que, há tempos, o povo de Alagoas não seria tranquilo, pacífico?

Tranquilo? Onde? E as guerras de famílias onde ficam hoje Palmeira dos Índios, Viçosa, Arapiraca? Uma guerra terrível. No sertão também. Muitos conflitos. O Octávio Brandão dizia que a família dele tinha engenhos, era rica, mas os parentes mais antigos dele eram pobres: pequenos comerciantes e empregados de fazenda. E foi depois dessas guerras todas que esse pessoal ficou rico. Foi aí que surgiram essas fortunas de Viçosa.

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O historiador fala sobre o futuro da economia alagoana

Gazeta – Como você trabalha sempre com fatos distantes, quando você está realizando o levantamento de dados para um trabalho não fica receoso de estar recorrendo a uma versão deturpada ou falsa de um episódio?

Dirceu Lindoso – Em geografia, não. Os mapas eram feitos por cientistas. Não havia como estarem errados, até porque eram usados. Agora, quando o documento é sobre algum acontecimento, sim, por conta da interpretação do acontecimento, o sentido que se dá ao fato. Mas o que faço não é história nem etnologia. É etnohistória. A história que usa da etnologia para desvendar. Eu estou desmontando os museus de história. O modelo de história de Alagoas, para mim, não servia. É a história oficial. Um modelo que vinha se repetindo.

E sobre os índices de violência urbana no Estado: você tem pensado sobre isto?

Antes aqui só tinha briga de família. Hoje mais não. É um problema social. Pobreza. Querem fundar em Alagoas duas usinas atômicas. Vai ser a saída para Alagoas. Vai precisar de tecnologia e mão-de-obra. Faria surgir uma nova classe de profissionais altamente qualificados. A indústria têxtil acabou. Era forte, mas acabou. Hoje o problema é a cana-de-açúcar. A China e outros países não querem mais saber de açúcar nem de álcool. Querem saber de celulose e aqui se queima celulose. A celulose é retirada da palha da cana. A maior riqueza de Alagoas eles queimam.
 
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