A refundação do Brasil? O sentido oculto das manifestações de rua
21/07/2013
O
que o povo que estava na rua no mes de junho queria, em último término,
de forma consciente ou inconsciente? Para responder me apoio em três
citações inspiradoras.
A primeira é de Darcy Ribeiro no prefácio ao meu livro O caminhar da Igreja com os oprimidos((1998):”Nós
brasileiros surgimos de um empreendimento colonial que não tinha nenhum
propósito de fundar um povo. Queria tão-somente gerar lucros
empresariais exportáveis com pródigo desgaste de gentes”.
A segunda é de Luiz Gonzaga de Souza Lima na mais recente e criativa interpretação do Brasil:”A refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada (São
Carlos 2011):”Quando se chega ao fim, lá onde acabam os caminhos, é
porque chegou a hora de inventar outros rumos; é hora de outra procura; é
hora de o Brasil se Refundar; a Refundação é o caminho novo e, de todos
os possíveis, é aquele que mais vale a pena, já que é próprio do ser
humano não economizar sonhos e esperanças; o Brasil foi fundado como
empresa. É hora de se refundar como sociedade”(contra-capa).
A terceira é do escritor francês François-René de Chateaubriand (1768-1848):”Nada é mais forte do que uma ideia quando chegou o momento de sua realização”.
Minha impressão é que as multitudinárias manifestações de rua que se fizeram sem siglas,sem
cartazes dos movimentos e dos partidos conhecidos e sem carro de som,
mas irrompendo espontaneamente, queriam dizer: estamos cansados do tipo
de Brasil que temos e herdamos: corrupto, com democracia de baixa
intensidade, que faz políticas ricas para os ricos e pobres para os
pobres, no qual as grandes maiorias não contam e pequenos grupos
extremamente opulentos controlam o poder social e político; queremos
outro Brasil que esteja à altura da consciência que
desenvolvemos como cidadãos e sobre a nossa importância para o mundo,
com a biodiversidade de nossa natureza, com a criatividade de nossa
cultura e como maior patrimônio que temos que é o nosso povo, misturado,
alegre, sincrético, tolerante e místico.
Efetivamente,
até hoje o Brasil foi e continua sendo um apêndice do grande jogo
econômico e político do mundo. Mesmo politicamente libertados,
continuamos sendo reconolizados, pois as potências centrais antes
colonizadoras, nos querem manter ao que sempre nos condenaram: a ser uma
grande empresa neocolonial que exporta commodities, grãos,
carnes, minérios como o mostra em detalhe Luiz Gonzaga de Souza Lima e o
reafirmou Darcy Ribeiro citado acima. Desta forma nos impedem de
realizarmos nosso projeto de nação independente e aberta ao mundo.
Diz
com fina sensibilidade social Souza Lima:”Ainda que nunca tenha
existido na realidade, há um Brasil no imaginário e no sonho do povo
brasileiro. O Brasil vivido dentro de cada um é uma produção cultural. A
sociedade construíu um Brasil diferente do real histórico, o tal país
do futuro, soberano, livre, justo, forte mas sobretudo alegre e
feliz”(p.235). Nos movimentos de rua irrompeu este sonho exuberante de
Brasil.
Caio Prado Júnior em sua A revolução brasileira (Brasiliense
1966) profeticamente escreveu: ”O Brasil se encontra num daqueles
momentos em que se impõem de pronto reformas e transformações capazes de
reestruturarem a vida do país de maneira consentânea com suas
neessidades mais gerais e profundas e as espirações da grande massa de
sua população que, no estado atual, não são devidamente atendidas”(p.
2). Chateaubriand confirma que esta idéia acima exposta madurou e chegou
ao momento de sua realização. Não seria sentido básico dos reclamos dos
que estavam, aos milhares, na rua? Querem um outro Brasil.
Sobre
que bases se fará a Refundação do Brasil? Souza Lima diz que é sobre
aquilo que de mais fecundo e original temos: a cultura brasileira.Ӄ
através de nossa cultura que o povo brasileiro passará a ver suas
infinitas possibilidades históricas. É como se a cultura, impulsionada
por um poderoso fluxo criativo, tivesse se constituído o suficente para
escapar dos constrangimentos estruturais da dependência, da subordinação
e dos limites acanhados da estrutura socioeconômica e política da
empresa Brasil e do Estado que ela criou só para si. A cultura brasileira então escapa da mediocridade da condição periférica e se propõe a si mesma com pari dignidade em relação a todas as culturas, apresentando ao mundo seus conteúdos e suas valências universais”(p.127).
Não
há espaço aqui para detalhar esta tese original. Remeto o leitor/a a
este livro que está na linha dos grandes intérpretes do Brasil a exemplo
de Gilberto Freyre, de Sérgio Buarque de Hollanda, de
Caio Prado Jr, de Celso Furtado e de outros. A maioria destes clássicos
intérpretes, olharam para trás e tentaram mostrar como se construíu o
Brasil que temos. Souza Lima olha para frente e tenta mostrar como
podemos refundar um Brasil na nova fase planetária, ecozóica, rumo ao que ele chama “uma sociedade biocentrada”.
Não
serão estes milhares de manifestantes, os protagonistas antecipadores
do ancestral e popular sonho brasileiro? Assim o queira Deus e o permita
a história.
Leonardo Boff (*1938) doutorou-se em teologia pela
Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemática e
ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e depois professor de ética,
filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Conta-se entre um dos iniciadores da teologia da libertação. É
assessor de movimentos populares. Conhecido como professor e
conferencista no pais e no estrangeiro nas áreas de teologia, filosofia,
ética, espiritualidade e ecologia. Em 1985 foi condenado a um ano de
silêncio obsequioso pelo ex-Santo Ofício, por suas teses no livro Igreja: carisma e poder (Record).
A partir dos anos 80 começou a aprofundar a questão ecológica como
prolongamento da teologia da libertação, pois não somente se deve ouvir o
grito do oprimido mas também o grito da Terra porque ambos devem ser
libertados. Em razão deste compromisso participou da redação da Carta da
Terra junto com M.Gorbachev, S.Rockfeller e outros. Escreveu vários
livros e foi agraciado com vários prêmios.
Salientamos alguns títulos: Ecologia: Ecologia, Mundialização, Espiritualidade (Record), Civilização planetária (Sextante), A voz do arco-iris (Sextante), Saber cuidar (Vozes), Ética e ecoespiritualidade (Verus), Homem: satã ou anjo bom (Record), Evangelho do Cristo cósmico (Record); Do iceberg à Arca de Noé (Sextante); Opção Terra. A solução da Terra não cái do céu (Sextante); Proteger a Terra-cuidar a vida.Como evitar o fim do mundo (Record); Ecologia: grito da Terra, grito do pobre
(Sextante) pelo qual recebeu o prêmio Sérgio Buarque de Holanda como o
melhor ensaio social do ano de 1994 e em 1997 nos EUA foi considerado um
dos três livros publicados naquele ano que mais favorecia o dialogo
entre ciência e religião.
Junto com Mark Hathaway escreveu nos USA The Tao of Liberation.
Exploring the Ecogoy of Transformation com Prefácio de Fritjof Capra,
ganhando a medalha de ouro da instituição Nautilus para criatividade
intelectual e o primeiro lugar do livro religioso do ano. Recebeu os
títulos de dr.honoris causa em política pela Universidade de Turin em
1991, dr.honoris causa em teologia pela Universidade de Lund (Suécia) em
1992 e dr.honoris causa em teologia, ecumenismo, direitos humanos,
ecologia e entendimento entre os povos pelas Faculdades EST de São
Leopoldo em 2008 e dr.horis pela Cátedra del Água da Universidade de
Rosário na Argentina em 2010. Em 2008 pela Universidade de São Carlos
em Guatemala e pela Universidade de Cuenca no Equador, recebeu o titulo
de Professor Honorário. Foi assesssor da Presidência da Assembléia da
ONU ao tempo da administração de Miguel d’Escoto Brockmann (2008-2009) e
participa atualmente do grupo de reforma da ONU, especialmente quanto à
Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade.
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