Ao pensar escrever este trabalho para Klepsidra,
levei em consideração a curiosidade que passa a muitos de
nós sobre o período em que parte do Brasil foi governada
pelos holandeses (1630 a 1645, em Pernambuco principalmente).
As principais leituras basearam-se em "Tempo
dos flamengos", "História geral da civilização
brasileira", "Guerras do Brasil (1504-1654)" e "História
da vida privada no Brasil".
Talvez a leitura tenha ficado um pouco
"viciada" nos escritos de Mello Neto ("Tempo dos flamengos"), mas
isto ocorreu principalmente pela dificuldade em se encontrar nas bibliotecas
outros livros sobre o tema (como obras "Olinda restaurada" e "Os
holandeses no Brasil" que estão extraviados ou sempre locados).
Vista atual do Forte Orange, na Ilha de Itamaracá |
O senso comum e os discursos dos guias turísticos mostram, mesmo que indiretamente, a idéia de que o Brasil poderia ser bem diferente se a colonização holandesa tivesse funcionado. Não existiria um "Brasil" coeso, mas com certeza este "Brasil holandês" teria algumas bases sociais e econômicas bem diferentes do nosso "Brasil português". |
A visão deste "Brasil melhor" que
é tanto difundida, é influenciada pelo fato do governador
da colônia holandesa ter sido o Conde Maurício de Nassau,
cuja popularidade era ampla entre todas as culturas.
A tomada do Nordeste Brasileiro pela WIC
(Companhia Holandesa das Índias Ocidentais) se deu após diversos
anos de estudos, onde grande parte da comunidade judaica local colaborou
com os invasores, devido às perseguições sofridas
junto aos católicos. Também foram utilizados alguns espiões
nos barcos que para cá vieram, que registraram a geografia do local
e levaram índios à Europa. Havia dois interesses fortemente
ligados na decisão holandesa de dominar as colônias sul-americanas
dos portugeses.
O primeiro deles era o fato da Holanda
ter se tornado inimiga de Portugal após este ser vassalo da Espanha,
o outro o financeiro propriamente falando, visto que a produção
e o comércio de açúcar eram extremamente lucrativos
e os holandeses já dominavam as transações comerciais
deste produto.
Após a morte do infante D. Henrique
em 1580, houve uma grave crise na linha de sucessão ao trono português,
visto que o jovem Rei ainda não havia deixado herdeiros. Não
me atarei muito às discussões da corrida de sucessão
de Portugal, visto que este não é o tema deste trabalho.
Após muita discussão internacional e uma tentativa de golpe,
finalmente o Rei de Espanha, Felipe II (Felipe I de Portugal) assume o
trono fazendo com que Portugal se torne inimigo consequentemente da Holanda,
por esta ser inimiga da Espanha.
A Holanda tinha diversos investimentos
no Brasil com empréstimos a senhores de engenho e intensas ligações
comerciais com a venda de açúcar e de pau-brasil. Em 1621
foi criada a Companhia das Índias Ocidentais, de capital aberto
na Bolsa de Valores de Amsterdã, e nos mesmos moldes da já
importante Companhia das Índias Orientais. Quem presidia a WIC (sigla
em flamengo) era o Conselho dos XIX.
Primeiramente tentou-se conquistar a cidade
de Salvador, capital administrativa da colônia portuguesa, porém
com a derrota optou-se por Olinda e Recife, centros econômicos. Em
1630 uma frota composta de 56 navios, com 3780 tripulantes e 3500 soldados
chega a Olinda. Rapidamente dominaram esta vila e pouco tempo depois a
de Recife.
Matias de Albuquerque, governador português de Pernambuco à época, levantou acampamento em Arraial de Bom Jesus com a intenção de organizar a defesa. Tal centro de defesa foi importantíssimo quando em 1631 chega uma frota hispano-portuguesa de 23 navios para o contra-ataque. Em parte a tal contra-ofensiva foi triunfante, visto que os navios desembarcaram em Alagoas e seus efetivos conseguiram forçar os holandeses a abandonar e incendiar Olinda para defenderem somente Recife. Porém, a política expansionista holandesa não seria freada ai, visto que no mesmo ano estes partiriam para tentar, sem sucesso, a conquista da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Tal conquista, porém, já estaria concretizada em 1635, quando o domínio holandês no Brasil, ou o "Brasil Holandês" já chega até o Rio Grande do Norte. Até junho do mesmo ano, excetuavam-se somente o Arraial de Bom Jeses e o Forte de Nazaré nesta conquista, porém neste mês caem estes dois últimos focos de resistência. |
com arquitetura tradicional portuguesa colonial |
1637 pode ser considerado um marco na história
da colonização holandesa no Brasil, pois é neste ano
que chega seu mais famoso e importante administrador, o Conde Maurício
de Nassau (João Maurício de Nassau-Siegen).
Nassau marcou época como governador
tentando realizar uma política conciliatória entre holandeses
e portugueses, além de oferecendo liberdade restrita de credo para
católicos e judeus. Entretanto, isto não impossibilitou uma
crescente onda anti-semita baseada na ideologia religiosa e no poder social
e econômico que os judeus adquiriram com o tempo.
A política do Conde também
trouxe diversos avanços culturais e estruturais ao Recife. A ciência
foi incentivada, criou-se uma política de higiene e sanitarismo
público. Foram construídos jardim botânico, zoológico,
museu artístico e um plano urbanístico para a Cidade Maurícia,
baseado no urbanismo holandês.
O governador combateu a oligarquia local
dos senhores de engenho, incentivando o crescimento de uma nova classe
dominante, a burguesia. Deste modo, foram combatidas a monocultura e a
fome. Todo o interior, entretanto, ainda era tomado pelos portugueses que
tinham o conhecimento da produção da cana-de-açúcar
e consequentemente a economia em suas mãos, enquanto o poder institucionalizado
estava nas mãos dos holandeses.
Com a conquista assegurada, o governo holandês
ofereceu aos imigrantes e aos senhores de engenho portugueses que não
fugiram para a Bahia diversos incentivos fiscais e empréstimos a
prazo para a reconstrução dos engenhos arrasados pela guerra,
com gado morto e escravos fugidos.
O movimento de reconquista português
Quando D. João VI fez a revolução
e acabou com a União Ibérica em 1640, Portugal passa a ser
aliado da Holanda contra a Espanha, o que altera profundamente a situação
no Nordeste Brasileiro. Enquanto o armistício ainda não é
assinado, Nassau parte para a conquista de novos territórios como
São Paulo de Luanda em Angola, o Golfo da Guiné e o Maranhão.
D. Fernando de Mascarenhas se torna o
responsável pela reconquista, vindo à América com
86 embarcações e 11.000 soldados já em 1640 mas somente
1000 homens conseguiram desembarcar na Ponta dos Touros. Oficialmente o
Rei português é contra este movimento, mas secretamente o
apoia e financia.
A guerra foi se prolongando e ficando sem
perspectivas de fim fácil. Somente em 1644, mesmo ano da saída
de Nassau do governo, os portugueses conseguem reconquistar o Maranhão.
No ano seguinte, eclodiria a primeira grande insurreirção, que foi poucos dias antes denunciada por uma carta anônima ao governo holandês. Apesar disso, os portugueses conseguem reconquistar Alagoas e Sergipe, fundando o Arraial Novo de Bom Jesus, em homenagem ao primeiro foco de resistência destruído anos antes. |
XVII. Sob a sigla VOC estão os domínios da Cia. das Índias Orientais, não representados em sua totalidade neste mapa |
o Rio São Francisco como fronteira Sul e o Maranhão como fronteira Norte |
Com o desenrolar dos combates, os holandeses
passam a ficar cada vez mais na defensiva, centralizando seus esforços
em Recife, Ilha de Itamaracá, Paraíba, Rio Grande do Norte,
Ceará e Fernando de Noronha.
É neste movimento que aparecem as
famosas batalhas dos Guararapes, marcos da guerra de reconquista, ocorridas
em 19 de abril de 1648 e em 19 de fevereiro de 1649. As intenções
portuguesas eram de fechar uma passagem para o Arraial Novo de Bom Jesus
e para o Cabo de Santos Agostinho. Nestes importantes confrontos, lutaram
4500 holandeses contra somente 2200 portugueses.
Apesar da enorme desvantagem quantitativa do lado português, na primeira batalha morreram 500 holandeses, tendo os outros fugido para Recife. |
No ano seguinte, ocorre o segundo embate,
3510 homens e 6 canhões holandeses enfrentam 2600 motivados portugueses.
Mais uma vez a vitória é arrasadora para o lado lusitano,
que exterminou a vida de 1000 flamengos.
Guararapes entre portugueses e holandeses |
Diante de tais perdas, a WIC se torna
cada vez mais fraca, estando já praticamente falida e com levando
diversas críticas na metrópole. Passam assim a uma tática
suicida politicamente, cobrando desesperadamente os empréstimos
feitos aos senhores de engenho que irritados passam a apoiar mais ainda
a causa portuguesa.
As batalhas continuarão até 23 de janeiro de 1654, quando os holandeses cercados e reunidos no forte das Cinco Pontas se rendem finalmente às tropas portuguesas com a garantia de que poderão voltar a salvo para a metrópole. Os judeus, que tanto ajudaram aos holandeses, abandonaram Recife e se dirigiram a outras colônias holandesas, como o Suriname, a Jamaica, Nova Amesterdã (atual Nova York), além da própria Holanda. |
Um tratado de paz, porém, seria
assinado somente sete anos depois em Haia após por duas vezes a
armada holandesa ter surgido no Rio Tejo em Portugal para forçar
este país a indenizar os flamengos pela tomada de seus territórios
na América do Sul. Fica acertado que os holandeses desistiriam oficialmente
destas terras ao serem indenizados em 4 milhões de cruzados, restituição
de sua artilharia e favorecimentos comerciais. Foram realizados pagamento
em parcelas anuais de 250.000, tendo o Brasil contribuído ao final
com 1.920.000.
Políticas urbanas
Os holandeses propriamente ditos estiveram
durante toda a ocupação (24 anos) encurralados em uma pequena
faixa de terra que acompanhava o litoral e onde ficavam as suas cidades.
A política colonizadora holandesa baseou-se nas cidades, diferentemente
da política basicamente agrária portuguesa.
Isto acabou gerando diversos problemas
de abastecimento e de vivência nas cidades, onde por diversos momentos
houve longos períodos de fome e epidemias. Outro grande problema
era o habitacional, afinal havia pouco espaço em Recife e as políticas
habitacionais na Ilha de Antonio Vaz não surtiram efeito até
a criação de uma ponte juntando-a ao núcleo urbano
do Recife. O problema habitacional atingia grandes camadas da população,
a cidade do Recife foi tomada por sobrados de dois ou três andares,
cortiços, quartos coletivos para os funcionários da WIC.
Foram realizados também aterros em mangues para ampliação
da área habitável. Com estes problemas, os aluguéis
atingiam preços exorbitantes na cidade.
Já Olinda, antiga capital portuguesa
e centro político da região, foi primeiramente utilizada
pelos invasores. No entanto, devido a sua difícil defesa, logo foi
abandonada e incendiada. Depois disso, os portugueses passaram a reconstrui-la
e utilizá-la como centro de resistência. Porém, logo
esta reconstrução foi coibida por Nassau, que queria a ocupação
da Ilha de Antonio Vaz.
O governante planejou e incentivou a ocupação
da chamada Cidade Maurícia, totalmente planejada nos moldes holandeses.
Pretendia-se com sua construção aliviar a lotação
habitacional que havia no Recife. Em Maurícia, havia um melhor sistema
de higiene e saneamento público, com o impedimento da livre circulação
de animais e luta pela limpeza das vias públicas, por exemplo.
A construção civil foi largamente
introduzida e incentivada pelo governo holandês. Construiu-se, além
da Cidade Maurícia, mercados, fortalezas, diques e pontes, entre
outros. Estes marcos influenciaram em muito a visão que se têm
até hoje do governo holandês no Brasil: um poder formado por
grandes construtores de benfeitorias públicas. O método de
construção holandês era diferente do adotado pelos
portugueses. Como exemplo a este argumento, pode-se citar a configuração
das casas com a utilização de tijolos ou madeira ao modo
nórdico.
A Câmara dos Escabinos era uma entidade
responsável pelo controle "civil" da vida urbana. Nela estavam cinco
holandeses e quatro "dos da terra", eleitos por um eleitorado selecionado.
Os colonos que para cá viam muitas vezes eram pobres demais para
empregar negócios, e assim necessitavam sempre de empréstimos
por parte de particulares ou da WIC, o que acabou gerando extremo endividamento
da população. Mello Neto descreve a vida social e moral na
colônia holandesa como negra em muitos momentos, o que assustava
os protestantes calvinistas, principalmente com relação às
prostitutas.
Políticas Agrárias
A ocupação do Brasil, apesar
do seu teor urbano-burguês, se deu principalmente para a exploração
e comércio das plantações de cana-de-açúcar.
Os holandeses tentaram de início se tornar senhores de engenho,
porém, sem o devido conhecimento da cultura, acabaram com o tempo
cedendo seu lugar aos antigos senhores portugueses. Muitos destes holandeses
que pretenderam se tornar senhores eram altos funcionários da WIC,
que além de não realizarem suas tarefas também não
eram senhores em tempo integral. Assim, não eram nem uma coisa nem
a outra. Outro tipo de comércio que também chamou a atenção
dos holandeses foi o de pau-brasil, que logo se tornou monopólio
da WIC.
Os portugueses e os brasileiros já
detinham o conhecimento para o cultivo da cana, passando assim a dominar
a agricultura e por conseqüência a economia, enquanto os holandeses
dominavam a política. Mas a economia açucareira do governo
invasor foi dificultada, além das pestes, secas e enchentes, pelos
incêndios e saques patrocinados e promovidos pelo governo baiano
de origem portuguesa.
A política de Nassau para combater
a fome criou diversos atritos do governo com os senhores, já que
se exigiu a plantação de mandioca para consumo local, e os
senhores, que não aceitavam a imposição muitas vezes
passavam por vexames em suas próprias terras obrigados pelas forças
holandesas a iniciar o novo cultivo. Estes fatos foram decisivos para a
decisão dos senhores de iniciarem uma rebelião em 1645, criada
e sustentada pela elite agrária de origem portuguesa.
A revolta chefiada pelos senhores conseguiu
apoio dos governos inglês e francês, além dos portugueses
baianos e, secretamente, do governo português pós-restauração
de 1640. Confiando nos acordos com os portugueses, os holandeses diminuíram
o potencial defensivo do Brasil.
O Nordeste brasileiro durante o período
nunca foi auto-suficiente em alimentos, apesar das tentativas governamentais
de incentivo à plantação de mandioca e de utilização
de Alagoas como centro produtor de gêneros alimentícios de
primeira necessidade e de gado.
A questão religiosa
Os holandeses nunca afirmaram abertamente
ser conta os portugueses, mas somente contra os católicos. Apenas
escondia-se a perseguição, pois a religião predominante
dos portugueses era a católica. Os holandeses sabiam do poder das
ordens religiosas, e assim as expulsaram, principalmente a Jesuíta.
Apesar disso, Nassau permitiu nas cidades a realização de
missas "a portas fechadas". Entretanto, no interior, com o enorme poder
dos portugueses senhores de engenho, a política religiosa era menos
restritiva.
A colonização após
a invasão não se deu somente com a vinda de holandeses. Era
incentivada a vinda de populações principalmente protestantes,
como ingleses, franceses e escoceses. Mesmo assim, a vinda de judeus para
a região foi grande também. É interessante observar
como houve uma espécie de "migração" entre religiões
devido aos casamentos. Protestantes, católicos e judeus casavam-se
entre si e muitas vezes um dos elementos do casal mudou de religião
apenas para acompanhar o outro.
Os judeus
A comunidade judaica no Recife foi muito
grande e poderosa, fortemente ligada aos judeus de Amsterdã. Depois
de certo tempo, os judeus passaram a dominar grande parte da economia burguesa
devido ao fato de se expressarem em ambos os idiomas e fazer empréstimos
e compras à vista de escravos e venda a prazo.
A cultura judaica na América teve
início no Recife holandês, com a vinda de diversos líderes
religiosos e culturais. Apesar da perseguição dos protestantes,
que apenas continuaram com a perseguição portuguesa, os judeus
tinham aqui mais liberdade religiosa do que na desfrutada na Europa, e
até chegaram a abrir uma sinagoga - a primeira de toda a América.
É interessante observar a rivalidade que foi criada entre judeus
holandeses, askhenazim e os judeus ibéricos, sefardins.
Após determinado tempo, começou
um movimento anti-semita no Recife, cujos motivos eram o poder econômico
e a facilidade para a aclimatação dos judeus, diferente dos
holandeses.
Os europeus de outras nacionalidades
Nunca houve uma total harmonia entre portugueses
e holandeses. As relações sempre foram baseadas na desconfiança.
Logo o governo percebeu que o principal poder dos portugueses estava nos
seus senhores de engenho, e então tratou de retirar o poder destes
com a Câmara dos Escabinos e com vexames em suas terras, transferindo
o poder à classe média urbana.
As outras nacionalidades que vieram para
o Pernambuco Holandês foram todas protestantes - ingleses, franceses
e escoceses. Entretanto, durante a guerra de reconquista de 1645-1654 grande
parte destes europeus não-holandeses passaram para as frentes portuguesas.
Os índios
Uma das bases da política colonizadora
holandesa foi as alianças com os índios, que eram anti-portugueses
devido à escravidão indígena. Assim, estas tribos
se tornaram guardas das fronteiras do território holandês,
ao norte, sul e oeste. Além disso, tais índios também
foram informantes das riquezas minerais e da geografia da região
dominada.
Antes mesmo da invasão, a Companhia
das Índias Orientais definiu que todo índio em terras conquistadas
teria direito à liberdade. Porém, chegou a haver uma breve
escravização, nas áreas mais distantes, de índios
"inimigos". Isto logo acabou, pois gerou desconfiança nos índios
aliados. Por outro lado, apesar de livres, os índios eram extremamente
explorados, maltratados e mal pagos.
Os líderes protestantes tentaram
durante longos períodos a catequização dos índios
aliados. Buscou-se a o estabelecimento de seminários para o ensino
da moral protestante, primeiro em holandês e depois em português,
mas a idéia não deu certo: os índios se rebelaram
em 1643 contra a tomada de suas crianças. Mesmo com o fim dos seminários
e depois da saída dos holandeses, padres católicos portugueses
afirmaram terem encontrado tribos de costumes protestantes.
É interessante observar que apesar
de aliados, os índios do Rio Grande do Norte, os tapuias, eram também
temidos pelos holandeses, devido à sua "selvageria e violência".
Um forte traço da ideologia holandesa com relação
aos índios foi que, apesar de aliados, as relações
conjugais entre brancos e índios sempre foram combatidas e repelidas.
|
Somente depois é que melhoraram esse quadro, permitindo até melhores lucros com menor mortalidade. A preferência era pelos negros angolanos, "melhor adaptados ao trabalho escravo". Para alimentar o crescente mercado consumidor na América, a Holanda conquistou grandes territórios na África para a obtenção de escravos. |
Apesar disso, o tratamento dado aos escravos
era melhor do que o oferecido pelos portugueses, inclusive formando-se
amizades entre holandeses e negros, posteriormente alforriados. Durante
a guerra de conquista de 1630-1635, os negros dos engenhos e das lavouras
fugiram e se refugiaram em quilombos principalmente na região de
Palmares. Estes foram constantemente combatidos pelos holandeses, porém
conquistaram muita força nesta região.
Diferente do que ocorria com relação
aos índios, os pastores protestantes não demonstraram grande
interesse com relação à evangelização
dos negros, o que inclusive foi apontado como alguns como motivo das derrotas
nas guerras de 1645-1654. Afirmava-se que Deus estaria os punindo por abdicarem
do ensino aos negros.
Conclusão
A ocupação holandesa do Nordeste
Brasileiro é vista como um passado que não deveria ter sido
encerrado pela reconquista de 1645-1654, pois a política holandesa
teria formado um Brasil mais forte economicamente e, desde o seu início,
urbano. Esta visão é superficial: para negá-la, bastaria
observar-se o desenvolvimento das colônias holandesas nas Antilhas,
por exemplo, que atualmente estão tanto no Terceiro Mundo quanto
o Brasil.
Em contrapartida, a política holandesa
restringia muito mais as possibilidades econômicas do Nordeste do
que a portuguesa, bem como limitava o plano social, com a crise entre brancos
e judeus, negros e índios. Assim, durante os 24 anos de dominação
foi criado uma grande segregação religiosa-racial.
Brasil Holandês, de 1645 |
No entanto, não devemos deixar de lado os pontos positivos da política holandesa, e principalmente do Conde Maurício de Nassau. Com sua base urbana, trabalhou para impedir o poder dos senhores de engenho e das oligarquias agrárias, incentivando assim a transformação da sociedade pernambucana de agrária para urbana. Além disso, foram muitos os esforços em melhorias para a população local, que viu em Nassau um governante que os ajudou com suas políticas de combate à fome e à monocultura e de higiene e saneamento básico. |
A comunidade judaica na América
até os nossos dias cita orgulhosa os tempos de colônia em
Pernambuco, onde desfrutava de liberdade religiosa impensável na
época para os padrões europeus e católicos.
Se podemos falar de algum erro do governo
holandês, que acabou por gerar a revolta e perda de Pernambuco, foi
de não ter incentivado mais os holandeses a acessar a terra. Deste
modo, os portugueses, apesar de dominados, tinham a economia em suas mãos,
autêntica base do projeto econômico da Companhia Holandesa
das Índias Ocidentais.
Criou-se um mito com relação
ao governo de Nassau para a população do Recife e região,
algo como um herói nacional. Ignora-se o fato de Nassau ser um governante
a mandos da mercantilista, ou capitalista, Companhia das Índias
Orientais. Suas políticas muitas vezes foram feitas para impedir
uma guerra civil e a instabilidade social na colônia. O incentivo
à colonização da Ilha de Antonio Vaz se deu principalmente
após a superlotação da cidade do Recife, e Nassau,
vivendo na colônia, podia muito melhor do que o Conselho dos XIX
perceber que, se não fosse ampliada a área habitável
da colônia, em breve uma insurreição nasceria.
O alemão Maurício de Nassau representava somente uma tendência, que ia inclusive contra o pensamento de grande parte dos comandantes da WIC, que tinham um pensamento muito mais semelhante ao português, buscando uma exploração interligada com o sistema colonial. Foi inclusive esta diferença que proporcionou a saída prematura de Nassau do governo colonial holandês no Brasil. Obviamente, Nassau também fora um incentivador da cultura e gastou muitas vezes dinheiro próprio para criar locais onde havia um incentivo à cultura e à ciência, como foi o caso do jardim botânico e do zoológico, por exemplo. Gastou do seu próprio bolso para finalizar a obra da ponte juntando o Recife à Cidade Maurícia, mas, mais uma vez, devemos observar que este fato se deu também para incentivar a cidade por ele planejada e para conter a lotação habitacional que estava tornando insustentável o modo de vida e a própria urbanização do Recife. |
|
A colonização holandesa foi,
portanto, urbana e burguesa, diferindo assim da instalada pelos portugueses,
extremamente agrária. Não podemos afirmar se uma ou a outra
seria melhor para o futuro desenvolvimento do país, pois só
podemos observar o produto de uma delas e é superficial ao fazer
paralelismos com o desenvolvimento de colônias holandesas em outros
locais. O máximo que podemos afirmar é que, de 1630 a 1654,
parte do Brasil viveu sobre outro sistema social que foi combatido e derrotado
por problema internos dele próprio e pela classe social dominante
do sistema econômico-social que havia sido desmantelado.
Dúvidas permanecem em aberto, principalmente
porque a pesquisa que realizei não foi muito extensa. Apenas busquei
levantar os principais pontos sobre a permanência dos holandeses
no Brasil e discutir um pouco a criação do mito de Maurício
de Nassau e seu governo em Pernambuco com o que tinha à disposição
nas bibliotecas da USP. Espero mais tarde poder retomar esta pesquisa e
aprofundá-la muito mais.
Bibliografia
FAUSTO, Boris: "História do
Brasil". EdUSP, São Paulo, 1995.
HOLANDA, Sérgio Buarque de: "O
domínio holandês na Bahia e no Nordeste" in História
geral da civilização brasileira, 1º vol., livro
4, Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1960.
MELLO NETO, José Antonio Golsalves de: Tempo dos flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil. José Olympio, São Paulo, 1947.
PUNTONI, Pedro: Guerras do Brasil (1504-1654). Brasiliense, São Paulo, 1992, Coleção tudo é história nº 141.
VILLALTA, Luis: "O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura" in MELLO E SOUZA, Laura de (org.): História da vida privada no Brasil, vol. 1. Cia. das Letras, São Paulo, 1997.
Dicionário de História do Brasil. Melhoramentos, São Paulo, 1976.
MELLO NETO, José Antonio Golsalves de: Tempo dos flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil. José Olympio, São Paulo, 1947.
PUNTONI, Pedro: Guerras do Brasil (1504-1654). Brasiliense, São Paulo, 1992, Coleção tudo é história nº 141.
VILLALTA, Luis: "O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura" in MELLO E SOUZA, Laura de (org.): História da vida privada no Brasil, vol. 1. Cia. das Letras, São Paulo, 1997.
Dicionário de História do Brasil. Melhoramentos, São Paulo, 1976.
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