quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

THOMAZ DO BOMFIM ESPÍNDOLA E O PENSAMENTO GEOGRÁFICO NA ALAGOAS DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

THOMAZ DO BOMFIM ESPÍNDOLA E O PENSAMENTO GEOGRÁFICO NA ALAGOAS DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

Pedro Henrique Nunes Silva Universidade Estadual de Alagoas

“Somos daqueles que pensam já haver chegado a hora de se procurar escrever a história do pensamento geográfico brasileiro, procurando situá-lo face ao pensamento geográfico internacional e considerando-o como criativo, como interpretativo de uma realidade e não apenas como continuação do pensamento geográfico de outros povos a respeito da realidade brasileira” (M. C. ANDRADE, 1977).

INTRODUÇÃO

A história do pensamento geográfico constitui um campo da pesquisa geográfica ainda pouco explorado, sobretudo no que concerne ao período que antecedera a institucionalização da geografia no Brasil. Nesse sentido, em artigo onde analisa as origens do pensamento geográfico brasileiro, Machado (2000,
p. 313) assevera que, “Por anteceder a institucionalização da geografia, o período 1870/1930 tem merecido somente a menção de um ou outro autor ou de uma ou outra obra nos escritos sobre a trajetória do pensamento geográfico no Brasil.”
Desse modo, partindo do pressuposto de que “Pensar o presente e projetar o futuro sugere revisitar o passado” (CARVALHO, 2007, p. 23), é imperativo revisitar a história do pensamento geográfico brasileiro afim de reconstruir e de melhor compreender a sua trajetória.
À vista disso, o artigo hora apresentado anseia desenvolver uma discussão a respeito da contribuição de Thomaz do Bomfim Espíndola (1832- 1889) para a história do pensamento alagoano, considerando, para tanto, a sua trajetória e a sua obra, isto é, os compêndios de geografia alagoana. Além disso, buscou-se também interpretar as relações que Espíndola mantivera com o poder

de mando da província e de que forma tais relações reverberaram sobre a sua produção escrita.
Nesse sentido, a última metade do século XIX constitui um marco para a história do pensamento geográfico alagoano, pois nesse período vieram à luz os primeiros escritos sobre a história e a geografia do território alagoano, bem como a fundação, em 1869, do Instituo Archeologico e Geographico Alagoano, que no ano de 1971 passou a ser denominado de Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL, 2008).
Nesse contexto, está inserido Thomaz do Bomfim Espíndola (1832-1889), que ao lado de Antonio Joaquim de Moura é reconhecido como um dos fundadores da historiografia alagoana, assim como da sua geografia. Nascido em Maceió e graduado pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1853, Thomaz Espíndola integrou um seleto grupo de intelectuais alagoanos vinculados ao poder local da província, que segundo Lindoso (2005), era representado pelos senhores de engenho e pela burguesia mercantil.
Assim sendo, assevera Almeida (2004, p. 9) que “[...] a formalização de um corpo de intelectuais destinados a pensar as Alagoas passa pela malha do poder.” Tem-se, com isso, uma produção historiográfica orientada aos interesses da classe política dominante e a sua manutenção no poder. Logo, os compêndios de geografia alagoana escritos na segunda metade do século XIX se caracterizam por um forte teor ideológico no sentido da construção da história de uma Alagoas exemplar (ALMEIDA, 2004).

OBJETIVOS

Desenvolver uma análise acerca da trajetória de Thomaz do Bomfim Espíndola e de sua contribuição no âmbito da geografia produzida em Alagoas na segunda metade do século XIX constitui o objetivo geral dessa pesquisa. Este pode ainda ser fracionado em alguns objetivos específicos, a saber: (1) resgatar a importância dos escritos de Thomaz do Bomfim Espíndola, sobretudo dos seus compêndios de geografia alagoana; (2) evidenciar a eminência de Thomaz

Espíndola como sendo um dos primeiros a escrever sobre a história e a geografia de Alagoas; (3) analisar as relações de poder imbricadas na produção geográfica da Alagoas oitocentista; (4) apresentar/demonstrar a natureza do discurso geográfico veiculado pelos compêndios de geografia no século XIX; (5) contribuir com os estudos sobre a história do pensamento geográfico brasileiro, e alagoano em particular.

METODOLOGIA

As proposições teórico-metodológicas desenvolvidas na pesquisa estão centradas no conceito de pensamento geográfico (MORAES, 2005), articulada a noção de ideologias geográficas (MORAES, 2005, 2005b) e ao método da abordagem contextual (BERDOULAY, 1999, 2003). Trata-se, pois, de uma proposta de caminho a ser trilhado afim de analisar o pensamento geográfico na Alagoas da última metade do século XIX.
Nessa perspectiva, serão desenvolvidos e discutidos os conceitos e noções acima aludidos, tomando a trajetória e a obra de Thomaz Espíndola como base para o desenvolvimento de uma análise acerca do pensamento geográfico em Alagoas na última metade do século XIX.
Desse modo, face ao objeto de estudo, ao referencial teórico- metodológico adotado, e buscando alcançar os objetivos propostos, a investigação obedeceu a um processo operacional que seguiu alguns procedimentos metodológicos. Na etapa inicial realizou-se um levantamento bibliográfico a respeito do objeto investigado, primeiro classificando as obras do próprio Thomaz Espíndola e, por último, classificando as obras que tratam sobre ele. Assim, identificou-se três obras centrais no que concerne a geografia de Alagoas, são elas: Geographia physica, politica, historica e administrativa da provincia de Alagoas (1860); Geographia alagoana ou descripção physica, politica e historica da província das Alagoas (1871) e Elementos de geographia e cosmografia oferecidos a mocidade alagoana (1885). Na etapa seguinte, fez- se uma varredura no sítio eletrônico do Instituto de Geografia, Desenvolvimento

e Meio Ambiente da Universidade Federal de Alagoas (IGDEMA/UFAL) em busca de trabalhos sobre Thomaz Espíndola, no entanto, nada foi encontrado. Paralelamente, investigou-se, também, a biblioteca digital de dissertações e teses do Centro de Educação da mesma universidade (CEDU/UFAL), com o mesmo propósito da primeira varredura, encontrando apenas pequenos fragmentos citados das obras de Thomaz Espíndola. Cabe salientar, porém, que em nenhum dos trabalhos produzidos no CEDU o seu nome deixou de ser citado. RESULTADOS PRELIMINARES

Nascido em Maceió e graduado pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1853, Thomaz do Bomfim Espíndola integra um seleto grupo de intelectuais alagoanos do século XIX que, segundo o historiador Douglas Apratto Tenório (2015), são
[...] nomes que permitiram Alagoas a se descobrir em sua complexidade. Nomes que guiam e iluminam os caminhos da ciência em nosso Estado. Sem os quais estaríamos ainda em um patamar abaixo de nossas conquistas. E a Universidade alagoana tem o dever de reconhecer seu papel desbravador e exaltar suas contribuições.

Nesse sentido, é imperativo proceder a uma revisitação de Thomaz Espíndola, visto que o mesmo contribuiu decisivamente para a implantação e, por conseguinte, conformação de um discurso reconhecido na época como geográfico sobre Alagoas. Cabe, contudo, refletir acerca da natureza desse discurso, de compreender sua finalidade.
Thomaz Espíndola, assim como os homens do império, participara ativamente da vida política e intelectual da província. Ele foi deputado provincial e geral, presidente interino da Província das Alagoas. Ocupou, ainda, os cargos de inspector geral da Instrução, inspector de higiene, professor de Geografia, Cronologia e História do Liceu Alagoano. Além disso, é patrono da cadeira 11 da Academia Alagoana de Letras (AAL) e sócio efetivo do IHGAL – empossado em 18 de fevereiro de 1870, sendo patrono da cadeira 38 da instituição.
Por certo, a escrita de Thomaz Espíndola é um reflexo de sua trajetória política e das relações que mantinha com o poder. Era um intelectual do império,

pois fazia parte da elite política dirigente. A produção de Espíndola é bastante vasta e diversificada, porém aqui nos interessa, sobretudo, seus compêndios de geografia.
Tabela 1 - Compêndios de geografia de Thomaz Espíndola (1860-1885)

COMPÊNDIO
ANO
Geografia física, política, histórica e administrativa da província de
Alagoas
1860
Geografia alagoana ou descrição física, política, histórica da
província das Alagoas
1871
Elementos de geografia e cosmografia oferecidos à mocidade alagoana pelo Dr. Thomaz do Bomfim Espíndola
1874
Elementos de geografia e cosmografia oferecidos à mocidade
alagoana pelo Dr. Thomaz do Bomfim Espíndola
?
Elementos de geografia e cosmografia oferecidos à mocidade
alagoana pelo Dr. Thomaz do Bomfim Espíndola
1885
Fonte: Barros (2015, p. 517-518).
Elaboração: Pedro Henrique Nunes Silva.

Observa-se, com base na tabela, a produção geográfica de Thomaz Espíndola, no período de 1860 a 1885. O primeiro de seus compêndios, intitulado Geografia física, política, histórica e administrativa da província de Alagoas, foi publicado em 1860. Este teve sua segunda edição publicada em 1871, sob o título Geografia alagoana ou descrição física, política, histórica da província das Alagoas. O segundo compêndio, intitulado Elementos de geografia e cosmografia oferecidos à mocidade alagoana pelo Dr. Thomaz do Bomfim Espíndola, foi publicado em 1874, e teve mais duas edições: a segunda edição publicada em ano desconhecido e a terceira publicada em 1885. Dessa produção somente foram encontrados os compêndios de 1871 e de 1885.
Vale destacar, ainda, que Thomaz Espíndola foi responsável por diversos avanços no campo da instrução pública, com a produção de diversos relatórios acerca da situação desta. Foi autor, por exemplo, do projeto que criou a Biblioteca Pública Estadual. Além de ser defensor convicto da implantação e permanência da disciplina de geografia no currículo das escolas provinciais.
A Geographia Alagoana de 1871 é, sem dúvida, a obra mais conhecida de Espíndola. Seu livro modelar, diz Tenório (2015). Esta obra constitui, despois

do Opúsculo de 1844, a descrição mais bem-acabada da geografia do território alagoano.
Portanto, a obra de Thomaz Espíndola constitui mesmo um fator de permanência e continuidade, pois é uma escrita socialmente marcada, intrinsecamente ligado ao poder de mando da província, representado pelos senhores de engenho e comerciantes ricos. Contudo, se houver algum traço de criatividade na obra de Espíndola está no fato deste ter sido um incentivador do conhecimento da terra natal, como pode ser visto num pequeno trecho da sua Geographia Alagoana:
“Nada por sem duvida é mais censuravel do que não conhecer o homem a sociedade em que vive, a terra em que pisa, ou em que vio a primeira luz do mundo, a historia d’essa sociedade e d’essa terra” (ESPÍNDOLA, 1871, p. 5).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se no presente trabalho empreender uma discussão acerca da história do pensamento geográfico em Alagoas a partir de Thomaz do Bomfim Espíndola – que foi um importante autor alagoano do século XIX. Para tanto, levou-se em consideração a sua trajetória e obra e as ligações que o mesmo mantivera com poder de mando da Província das Alagoas. Todavia, este trabalho, por sua natureza, não dá conta da totalidade do objeto investigado.
No entanto, constitui um esforço inicial no sentido de contribuir com o resgate de indivíduos notáveis, a exemplo de Thomaz Espíndola, que consistem mesmo nas matrizes do pensamento geográfico alagoano.

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Luiz Sávio de. Dois textos alagoanos exemplares. In: ALMEIDA, Luiz Sávio de (Org.). Dois textos alagoanos exemplares. Maceió: FUNESA, 2004.

ANDRADE, Manuel Correia de. O pensamento geográfico e a realidade brasileira. In: Boletim Paulista de Geografia, n. 54, São Paulo: AGB, 1977. p. 5-28.

BERDOULAY, Vincent. A abordagem contextual. Espaço e Cultura, Rio de Janeiro, n. 16, p. 47-56, jul./dez. 2003.

BERDOULAY, Vincent. Do contexto ao relato: revisitar a modernidade. In: CASTRO, Iná Elias de; MIRANDA, Mariana; EGLER, Claudio A. G. Redescobrindo o Brasil: 500 anos depois. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil - Faperj, 1999.

CARVALHO, Antonio Alfredo Teles de. O pão nosso de cada dia nos daí hoje... Josué de Castro e a inclusão da fome nos estudos geográficos no Brasil. 2007. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

ESPÍNDOLA, Thomaz do Bomfim. Geographia alagoana ou descripção physica, politica e historica da província das Alagoas. 2. ed. Maceió: Typographia do Liberal, 1871.

LINDOSO, Dirceu. Interpretação da Província: estudo da cultura alagoana. 2. ed. Maceió: Edufal, 2005.

MACHADO, Lia Osório. Origens do pensamento geográfico no Brasil: meio tropical, espaços vazios e a ideia de ordem (1870-1930). In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato (Orgs.). Geografia: conceitos e temas. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p. 309-352.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Ideologias geográficas – espaço, cultura e política no Brasil. 5. ed. São Paulo: Annablume, 2005.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e História no Brasil. São Paulo: Annablume, 2005b.

TENÓRIO, Douglas Apratto. Uma nova visão do geógrafo no mundo contemporâneo. Gazeta de Alagoas. 02 de jul. 2015. Disponível em:

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