Christientje Harmens: a mulher que ameaçou a moral do Brasil Holandês

Eu adoro História. Meu filho detesta História.
Esse ‘ódio’ de alguns jovens por História não é novidade. Eu também
não gostava quando estava na escola. Tudo tem a ver com a maneira de
ensinar a disciplina, que se limitava a nos ensinar a decorar datas.
Todos os professores de História que tive eram meros copiadores de
livros, com seus personagens desinteressantes e suas importantes datas –
ai de quem esquecesse de alguma na prova!
Claro que isso já mudou, na maioria dos casos – pelo menos eu espero.
Pois bem. Desde abril eu estou matriculado em uma disciplina do curso
de Doutorado em Serviço Social, na UFPE. Estou como aluno especial e o
objetivo é ir eliminando carga horária para, quando entrar no doutorado
ano que vem, terminar em menos tempo.
A disciplina é
Formação Histórico-Social Brasileira,
magistralmente ministrada pelo Prof. Denis Bernardes. Foi durante a
leitura dos textos da disciplina que me lembrei que tenho um livro,
editado em 2006 pela Fundarpe mas nunca lançado, que reproduz os
registros da Companhia das Índias Ocidentais quando a mesma ocupou
Pernambuco. Comecei a folhear o mesmo e me deparei com um relato
instigante, que reproduzo a seguir:
“
22 de setembro de 1635.
(…) Chegou uma mulher chamada Christientje Harmens a bordo do
navio “De Wassende Maen” (A Lua Crescente). O capitão do navio pede para
que a mulher possa desembarcar (porque ela ainda está a bordo). Tendo
seu comportamento em vista e levando em consideração a vida que levou na
pátria, sobre o qual fomos informados de todas as mensagens e do
Conselho da Igreja, comportamento que por ela foi classificado como muito ruim e vilã. Por isso e por se tratar de uma mulher suja e impura (grifo nosso)
,
que por causa disto foi mandada embora da pátria por dois senhores
particulares, sem conhecimento ou consentimento do Conselho dos XIX ou
da Câmara dos Territórios do Norte, como foi constatado de acordo com a
missiva destes senhores e do nosso colega Wijntjes, assim foi decidido
que o capitão levará esta mulher de volta para o lugar onde ela embarcou.”
Fascinante! Depois que li isso, fiquei imaginando quem poderia ser
esta mulher e o que ela teria aprontado na Holanda para ser expulsa de
lá e, chegando ao Brasil, ser impedida de desembarcar! Seria ela uma
prostituta? Uma adúltera? Exilada política? Matou alguém? Ou apenas
desacatou alguma otoridade? Ou foi vítima de machismo nas terras baixas?
O grande achado de textos como esse é que eles foram escritos por
quem vivenciou a história e não por quem interpretou a mesma – por mais
que o intérprete seja fiel aos fatos, nunca chegará aos pés de quem
estava lá!
Mas, voltando à nossa personagem, Christientje: como ela teria
reagido ao saber da decisão da Câmara? O que teria dito? E o capitão,
enrolado com a situação, o que fez?
Pois bem. Sete dias depois, ele voltou à Câmara para pedir novamente por Christientje!
“
30 de setembro de 1635
(…) O capitão do navio “De Wassende Maen” (A Lua Crescente)
visitou o senhor Presidente Stachouwer ontem e pediu permissão ao nobre
senhor, de maneira indecente e incorreta, para poder desembarcar a
mulher mencionada. Isto foi negado pelo Nobre senhor, porque a última
decisão que sobre isto foi tomada deverá ser seguida. O mesmo capitão de
navio, que mais uma vez compareceu na reunião, requer mais uma vez que a
mulher receba permissão para desembarcar do navio. O Conselho decidiu, levando
em consideração o seu comportamento na pátria e agora também aqui, que
isto será um mau exemplo para os habitantes desta nação e que será
prejudicial para o Estado (grifo nosso)
. Assim seu
requerimento foi negado de uma vez por todas e lhe advertimos claramente
que ele não poderá deixá-la desembarcar em nenhum outro lugar dentro
dos limites da região conquistada pela Companhia, correndo o risco de
ser punido por nós ou pelos senhores mestres.”
Não teve jeito. O capitão tentou mais uma vez e terminou sendo
advertido. Depois deste relato, não há mais menção, pelo menos até
setembro de 1636, período coberto pelo livro, ao capitão e seu navio nem
à Christientje Harmens. Para onde ela foi levada, já que não poderia
desembarcar em nenhum lugar conquistado pela Holanda? Em que país ela
ficou? Ou será que o capitão deu um jeitinho holandês-brasileiro e
largou-a em algum lugar deserto – sim, porque pelo visto a mulher era
chave-de-cadeia e depois das ameaças do presidente ele queria mais era
se livrar logo dela!
Desde que li isso fico imaginando com meus botões o que teria
acontecido com essa mulher. Você também não ficou curioso? Imagina isso
contado numa aula de História, com todos esses elementos de mistérios,
intrigas, conspirações e politicagens?
Procurei pelo nome e sobrenome dela no Oráculo, mas não encontrei
nada. Vai ver que ela não foi ninguém mesmo. Ou vai ver apagaram seu
nome da História deliberadamente, tendo em vista seu comportamento
desregrado.
Isso é que é História – com H maiúsculo!

Eu adoro História. Meu filho detesta História.
Esse ‘ódio’ de alguns jovens por História não é novidade. Eu também
não gostava quando estava na escola. Tudo tem a ver com a maneira de
ensinar a disciplina, que se limitava a nos ensinar a decorar datas.
Todos os professores de História que tive eram meros copiadores de
livros, com seus personagens desinteressantes e suas importantes datas –
ai de quem esquecesse de alguma na prova!
Claro que isso já mudou, na maioria dos casos – pelo menos eu espero.
Pois bem. Desde abril eu estou matriculado em uma disciplina do curso
de Doutorado em Serviço Social, na UFPE. Estou como aluno especial e o
objetivo é ir eliminando carga horária para, quando entrar no doutorado
ano que vem, terminar em menos tempo.
A disciplina é
Formação Histórico-Social Brasileira,
magistralmente ministrada pelo Prof. Denis Bernardes. Foi durante a
leitura dos textos da disciplina que me lembrei que tenho um livro,
editado em 2006 pela Fundarpe mas nunca lançado, que reproduz os
registros da Companhia das Índias Ocidentais quando a mesma ocupou
Pernambuco. Comecei a folhear o mesmo e me deparei com um relato
instigante, que reproduzo a seguir:
“
22 de setembro de 1635.
(…) Chegou uma mulher chamada Christientje Harmens a bordo do
navio “De Wassende Maen” (A Lua Crescente). O capitão do navio pede para
que a mulher possa desembarcar (porque ela ainda está a bordo). Tendo
seu comportamento em vista e levando em consideração a vida que levou na
pátria, sobre o qual fomos informados de todas as mensagens e do
Conselho da Igreja, comportamento que por ela foi classificado como muito ruim e vilã. Por isso e por se tratar de uma mulher suja e impura (grifo nosso)
,
que por causa disto foi mandada embora da pátria por dois senhores
particulares, sem conhecimento ou consentimento do Conselho dos XIX ou
da Câmara dos Territórios do Norte, como foi constatado de acordo com a
missiva destes senhores e do nosso colega Wijntjes, assim foi decidido
que o capitão levará esta mulher de volta para o lugar onde ela embarcou.”
Fascinante! Depois que li isso, fiquei imaginando quem poderia ser
esta mulher e o que ela teria aprontado na Holanda para ser expulsa de
lá e, chegando ao Brasil, ser impedida de desembarcar! Seria ela uma
prostituta? Uma adúltera? Exilada política? Matou alguém? Ou apenas
desacatou alguma otoridade? Ou foi vítima de machismo nas terras baixas?
O grande achado de textos como esse é que eles foram escritos por
quem vivenciou a história e não por quem interpretou a mesma – por mais
que o intérprete seja fiel aos fatos, nunca chegará aos pés de quem
estava lá!
Mas, voltando à nossa personagem, Christientje: como ela teria
reagido ao saber da decisão da Câmara? O que teria dito? E o capitão,
enrolado com a situação, o que fez?
Pois bem. Sete dias depois, ele voltou à Câmara para pedir novamente por Christientje!
“
30 de setembro de 1635
(…) O capitão do navio “De Wassende Maen” (A Lua Crescente)
visitou o senhor Presidente Stachouwer ontem e pediu permissão ao nobre
senhor, de maneira indecente e incorreta, para poder desembarcar a
mulher mencionada. Isto foi negado pelo Nobre senhor, porque a última
decisão que sobre isto foi tomada deverá ser seguida. O mesmo capitão de
navio, que mais uma vez compareceu na reunião, requer mais uma vez que a
mulher receba permissão para desembarcar do navio. O Conselho decidiu, levando
em consideração o seu comportamento na pátria e agora também aqui, que
isto será um mau exemplo para os habitantes desta nação e que será
prejudicial para o Estado (grifo nosso)
. Assim seu
requerimento foi negado de uma vez por todas e lhe advertimos claramente
que ele não poderá deixá-la desembarcar em nenhum outro lugar dentro
dos limites da região conquistada pela Companhia, correndo o risco de
ser punido por nós ou pelos senhores mestres.”
Não teve jeito. O capitão tentou mais uma vez e terminou sendo
advertido. Depois deste relato, não há mais menção, pelo menos até
setembro de 1636, período coberto pelo livro, ao capitão e seu navio nem
à Christientje Harmens. Para onde ela foi levada, já que não poderia
desembarcar em nenhum lugar conquistado pela Holanda? Em que país ela
ficou? Ou será que o capitão deu um jeitinho holandês-brasileiro e
largou-a em algum lugar deserto – sim, porque pelo visto a mulher era
chave-de-cadeia e depois das ameaças do presidente ele queria mais era
se livrar logo dela!
Desde que li isso fico imaginando com meus botões o que teria
acontecido com essa mulher. Você também não ficou curioso? Imagina isso
contado numa aula de História, com todos esses elementos de mistérios,
intrigas, conspirações e politicagens?
Procurei pelo nome e sobrenome dela no Oráculo, mas não encontrei
nada. Vai ver que ela não foi ninguém mesmo. Ou vai ver apagaram seu
nome da História deliberadamente, tendo em vista seu comportamento
desregrado.
Isso é que é História – com H maiúsculo!
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