O trabalho continua vivo
Entrevista com Sérgio Lessa
Por Paulo Denisar Fraga (Unijuí)
Os
avanços tecnológicos, científicos e informacionais têm
operado grandes mudanças no processo de produção e
reprodução da vida, mormente, no mundo do trabalho. Os
debates sobre o papel e o lugar da categoria trabalho têm
levado um conjunto variado de autores a concluir pelo fim da
sua centralidade na estruturação social e na geração da
riqueza. Nesta entrevista, o professor Sérgio Lessa, da
Universidade Federal de Alagoas, conferencista no Ciclo de
Debates “Mundo do trabalho e ser social”, realizado na Unijuí
(RS), recorta essa temática pelo sentido inverso. Um dos mais
destacados estudiosos de Lukács no Brasil, Lessa critica o que
aponta como teorias conservadoras dos autores que orquestram o
dobre de sinos do fim do trabalho. Retomando a tese marxiana
da inteligibilidade do mundo pela unidade dialética das
valências trabalho e ser social, diante do avanço
prático-teórico do trabalho morto, Lessa reafirma o trabalho
vivo.
O seu livro Mundo dos homens: trabalho e ser social (Ed. Boitempo), dedicado ao estudo do pensamento do último Lukács
inicia com um capítulo sobre a centralidade do trabalho
hoje, tema ao qual o senhor vem se dedicando há vários anos.
O senhor poderia resumir alguns dos seus argumentos a favor
dessa tese?
Do
ponto de vista mais imediato, da vida cotidiana da maior
parte das pessoas, o argumento mais visível é o desemprego. O
desemprego é a afirmação da centralidade do trabalho pela
sua face mais negativa possível, pela sua carência. O peso
objetivo, social e também subjetivo do desemprego é uma
evidência bastante forte de que o trabalho continua sendo a
categoria central do mundo dos homens.
Os
argumentos teóricos que sustentam e demonstram a validade
desta percepção mais imediata estão aglutinados ao redor da
tese marxiana de que são os seres humanos os únicos
responsáveis pela sua história. Até Marx, a história era
concebida como resultado de uma essência dada de uma vez
para todo o sempre. Seria esta essência e não os seres
humanos a responsável pelo nosso destino e, ao mesmo tempo,
esta essência sempre comparece como o limite máximo do
desenvolvimento histórico possível. Foi assim com Aristóteles,
com Tomás de Aquino e com a natureza humana tal como concebida
pelos modernos.
A
descoberta do trabalho como a categoria fundante do mundo
dos homens (e, correlativamente, da economia como momento
predominante na reprodução social), por Marx, possibilitou a
compreensão de que o demiurgo da história somos nós mesmos,
a humanidade. E foi a partir deste contexto que o trabalho
foi afirmado como ontologicamente central ao ser social.
Vários autores, mesmo alguns que vieram do marxismo, vêm elaborando novas teorias em torno da tese da diminuição numérica da classe operária fabril clássica em favor do crescimento do terceiro setor da economia, o de serviços, o que configuraria o que eles chamam de “sociedade pós-industrial”. Qual a sua opinião sobre essas leituras?
Na
enorme maioria das vezes, independente da intenção do
autor, são teorias que se prestam ao triste papel de elogiar
a crise em que vivemos como as dores inevitáveis de
transição para um novo período de prosperidade e felicidade.
Desde Daniel Bell – que foi um marxista na juventude, mas
mudou de lado depois –, a formulação mais famosa, até as
muitas variações desta tese, como Adam Schaff com A sociedade informática, Lojkine, com A revolução informacional,
Negri e Hardt, com o comunismo do trabalho imaterial –
todas estas teses, cada uma a seu modo, procuram convencer o
leitor de que estaríamos próximos a uma nova etapa
histórica, que deixaria as mazelas do capitalismo no passado.
Por
isso, tais teorias são sempre conservadoras e sempre
trazem, a tiracolo da sua tese principal, a afirmação da
superação das categorias marxianas para pensarmos o mundo em
que vivemos. Não creio que tais teorias tenham muito a nos
dizer acerca do presente. Suas teses têm sido
sistematicamente negadas pelo desenvolvimento histórico e
não trazem contribuições que os revolucionários possam
aproveitar.
No seu mais recente livro, Para além de Marx? (Ed. Xamã), título contraposto ao de um ensaio de Antonio Negri, Marx além de Marx, o senhor polemiza contra a teoria do trabalho imaterial desse filósofo italiano, hoje bastante em voga. Seria possível resumir o essencial de sua crítica a esse pensador?
A
tese central do livro é de que os autores que se reúnem ao
redor da tese do trabalho imaterial (Negri é o mais
conhecido deles) elaboraram uma fantástica fantasia (se me
permitem) acerca do mundo em que vivemos, e que ela não
passa de mais uma justificativa, sempre conservadora,
evidente, da crise estrutural do capital.
Estou
convencido de que, na maior parte das vezes, basta expor as
teses desses autores para que caiam em descrédito imediato:
a categoria central da história, desde o século XVI, seria
“o tempo pelo amor por se constituir”. Seria esta a
categoria central no desenvolvimento histórico do que
estamos acostumados a conhecer como modo de produção
capitalista. O desenvolvimento do “amor pelo tempo” teria
levado os operários a abandonarem as fábricas e a
estabelecerem, nos interstícios do capital, o comunismo. Viveríamos,
assim, em um misto de comunismo e capitalismo! Evidentemente,
para poder afirmar esta tese, devem abandonar por completo o
marxismo e elaborar toda uma teoria da história que,
segundo bem disse Gorz, não passa de um “delírio”.
Especialmente no terreno da Filosofia, sobretudo após Kant, existe uma grande resistência à lida positiva com o termo ontologia, por ensejar quase sempre a algo metafísico. Por qual razão o senhor pensa que Lukács, um filósofo materialista, escolheu, na contramão disso, justamente esse termo para intitular a sua obra derradeira, Para uma ontologia do ser social?
Porque
ele descobriu, a partir de Hartmann, que a ontologia não é
necessariamente metafísica e, portanto, conservadora. Há um
belíssimo artigo de Guido Oldrini, “Em busca das raízes da
ontologia (marxista) de Lukács”[2],
do qual empresto a tese: até Marx todas as ontologias
tinham que ser conservadoras porque partiam de uma concepção
da essência humana enquanto eterna, historicamente
imutável. Ao Marx descobrir que a essência humana é o
conjunto das relações sociais e que, portanto, tal essência é
parte integrante, movida e movente, da história, abriu
caminho para uma crítica ontológica do mundo capitalista.
Lukács, então, ao recuperar o pensamento marxiano, propõe-se
a demonstrar como e em que medida ele é uma ontologia do
ser social, isto é, uma investigação acerca do que o ser social
é e de por que ele não é de outro modo.
Assim
como Marx inaugura uma nova concepção de mundo ao colocar o
homem como o único e exclusivo demiurgo da história,
também, segundo Lukács, teria fundado uma nova ontologia.
Nesta, a grande descoberta de Marx teria sido a distinção
entre a essência e o fenômeno, não pelo quantum
de ser de cada um, mas sim por uma articulação
qualitativamente distinta com a continuidade. A essência
seria a concentração dos elementos de continuidade e, o
fenomênico, seria a dos elementos de singularidade. Deste
modo, a essência passa a ser parte movida e movente dos
processos e, obviamente, a essência humana é tão histórica
quanto qualquer outra dimensão da existência humana.
Sergio Lessa. Para além de Marx? Crítica da teoria do trabalho imaterial.
ISBN 85-7587-042-4 104 pág. R$ 17,00
As
transformações atuais do capitalismo em crise
conduziram certos ideólogos a revivificar a empoeirada
hipótese de uma ruptura histórica com o capitalismo
industrial. Estaríamos assistindo à transição no
sentido de um "capitalismo cognitivo". Tal estágio
acarretaria, supostamente, uma alteração profunda da
própria natureza do trabalho humano vivo, com o
conhecimento assumindo um papel central: trata-se da
tese do trabalho "imaterial". As relações antagônicas
estabelecidas entre as forças sociais do capital e do
trabalho, conseqüentemente, seriam subvertidas e tornadas
obsoletas. Melancolicamente, Antonio Negri transformou-se no
principal formulador dessa versão "radical" da
ideologia pós-moderna que se alastra por entre as fileiras da
esquerda "altermundista".
Contra
as mistificações do momento, Sérgio Lessa vai fundo
na crítica do trabalho imaterial: revolve as entranhas
filosóficas da teoria, explicitando suas fragilidades
fundamentais. Nas palavrasdo autor: “Bem pesadas as
coisas, a tese do trabalho imaterial pretende ser uma
ultrapassagem pela esquerda de Marx quando, de fato, é
apenas uma rendição ao fetiche do mercado e da
democracia burguesa. É tão inconsistente em suas teses
centrais que, na maior parte das vezes, basta expor o
que seus autores afirmam para que a desmistificação seja
imediata. Outras vezes, basta confrontar as conclusões que
retiram de algumas passagens pinçadas de Marx para evidenciar
como é tendenciosa a leitura que fazem dos
‘clássicos’”.
Sergio Lessa
integra o grupo de pesquisa Trabalho e Reprodução
Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) que
nos últimos anos tem investigado O Capital de
Marx. Participa de programas de pós-graduação nas
áreas de Serviço Social (UFPE e UFRJ) e Educação
(UFCE). Mestre em Filosofia pela UFMG e doutor em
Ciências Humanas pela Unicamp, nos últimos 20 anos vem
publicando artigos e livros acerca da Ontologia de G.
Lukács. Membro da editoria da revista Crítica Marxista, é autor, entre outros, de Sociabilidade e individuação (Edufal, 1995), Mundo dos homens - trabalho e ser social (Boitempo, 2002) e Para compreender a Ontologia de Lukács (Ed. Unijuí, no prelo).
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Crises no Capitalismo - Sérgio Lessa 4/7 - YouTube | |
www.youtube.com/watch?v=Srovgs8mmyk22 out. 2010 - 10 min - Vídeo enviado por thiagohac
"O referencial teórico para compreender a crise" O Departamento de Jornalismo da PUC-SP, a Escola ... |
orkut - Site do Profº Sérgio Lessa (UFAL)
http://www.sergiolessa.com/
QUESTÃO DE CLASSE (SOCIAL):O PROLETARIADO DE MAR
MARXISMO E ÉTICA. Sérgio Lessa* Do ponto de vista do marxismo ...
www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/D_SLessa.pdf
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