O 16 de Setembro de 1817 não foi uma farsa - Golbery Lessa
Em 1817, a capitania de Pernambuco tinha a economia mais importante do
país. Com a decretação do fim do monopólio português sobre o comércio, a
chamada abertura dos portos de 1808, o grande desenvolvimento do
algodão pernambucano unia os interesses dos mercadores da capitania aos
interesses dos ingleses, em detrimento dos comerciantes de Lisboa. Como a
Corte lusitana estava no Rio de Janeiro desde 1808, o conflito entre
Pernambuco e a Coroa portuguesa por mais autonomia transformou-se na
luta entre Recife e o Rio de Janeiro pela liderança política no processo
de Independência da nação brasileira.
Como o Rio defendia uma Independência pelo caminho de uma monarquia
constitucional, Recife só poderia defender uma Independência por uma via
diferente e mais de acordo com seus interesses regionais, daí sua
tendência ao republicanismo, mesmo que não fosse um republicanismo
radical, democrático e contrário à escravidão africana.
O nativismo na região de Recife sempre foi muito forte desde a época da
expulsão dos holandeses, ou seja, os recifenses sempre estiveram
dispostos a defender os direitos locais contra autoridades portuguesas
que os quisessem ignorar. É esse nativismo que vai levar parte da elite
pernambucana a propor, em 1817, um movimento político armado pela a
autonomia da capitania em relação às Cortes de Lisboa e ao Rio de
Janeiro. A dita Revolução Pernambucana de 1817 não apelou à população
como um todo, consistiu mais um movimento das elites políticas,
militares e comerciais em defesa dos seus direitos e privilégios.
Propunha que apenas os proprietários rurais e os grandes comerciantes
pudessem votar e tratou de esclarecer em alto e bom som que não defendia
a abolição da escravatura.
Na comarca das Alagoas, as notícias sobre o movimento recifense chegaram
por meio de José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, conhecido como Padre
Roma, representante autorizado do governo revolucionário. O sacerdote
passou três dias distribuindo panfletos e documentos entre os militares e
partiu para sublevar a capitania da Bahia, onde foi preso e executado.
As diferenças entre os interesses econômicos da comarca de Alagoas e os
da cidade de Recife, bem como a improvisação e a falta de consistência
ideológica que ficavam patentes no movimento, fizeram com que as
propostas trazidas pelo Padre Roma não convencessem a maior parte das
elites locais e do povo alagoano (na época se dizia “alagoense”) a
lutarem contra as poderosas forças do Rei. Mesmo assim, houve adesão de
algumas lideranças locais significativas e mesmo de cidades, como foi o
caso de Penedo, que nem sempre foi “mui leal” ao Rei. Vitorino Borges da
Fonseca, de alta patente militar, e Manuel Vieira Dantas, influente
senhor de engenho e pai do futuro Visconde de Sinimbu, aderiram ao
movimento, foram derrotados e tiveram que fugir da comarca.
O Conde dos Arcos remeteu tropas legalistas por Penedo, Maceió e Porto
de Pedras. O ouvidor Antonio Ferreira Batalha, maior autoridade da
comarca das Alagoas, liderou a reação contra o movimento, atuando
principalmente por meio da concentração de tropas e do desmembramento da
comarca das Alagoas da capitania de Pernambuco e de sua anexação à
capitania da Bahia. Segundo o historiador alagoano Craveiro Costa,
aquele desmembramento foi mais importante para garantir o apoio da elite
alagoana do que qualquer uma das medidas bélicas. A elite vislumbrou a
possibilidade de aproveitar a oportunidade para emancipar-se da
subordinação economica e política a Recife.
Como o porto recifense tinha o monopólio legal da exportação, o açúcar e
o algodão produzidos no sul de Alagoas e nas cidades dos atuais Agreste
e Sertão da comarca tinham seus custos acrescidos por grandes despesas
de transporte, diminuindo muito a renda das elites locais, com
repercussões negativas para a massa da população. Até vilas algodoeiras
de Pernambuco, como Garanhuns, localizavam-se muito mais próximas de
Maceió do que de Recife, mas seus produtores se obrigavam a transportar
em lombo de burros os fardos de algodão mais 50 km. O algodão produzido
no Rio são Francisco tinha que percorrer todo o litoral alagoano e
metade do litoral pernambucano para ser embarcado.
A emancipação política das Alagoas, comarca que passou a capitania em 16
de setembro de 1817 e, em 1821, tornou-se província, foi resultado da
diferenciação secular entre o sul e o resto de Pernambuco. Alagoas desde
o início foi uma região na periferia do centro recifense, constituiu-se
como luso-brasileira num momento distinto e teve bifurcações históricas
específicas, sendo a alternativa proposta pelo Quilombo dos Palmares a
mais importante, pois retardou o enraizamento da sociedade escravocrata e
exportadora luso-brasileira no melhor século para o açúcar, dando-lhe
especificidades geográficas, econômicas, culturais e políticas.
O Rei pode ter antecipado a emancipação das Alagoas para enfraquecer
politicamente Pernambuco, mas isso não garantiria a existência autônoma
da nova capitania se não viesse ao encontro dos interesses dos alagoanos
e representasse uma efetiva diferenciação. O que se comprovaria em
1824, quando a província de Pernambuco propôs novamente a união das
províncias do Norte numa entidade política independente e as elites
econômicas e políticas alagoanas novamente emprestaram seus recursos e
território para que as tropas do Rei derrotassem a Confederação do
Equador. Alagoas não foi uma dádiva do monarca, foi e é uma construção
dos alagoanos.
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