domingo, 6 de outubro de 2013

Alagoas de Dirceu

Em breve, o historiador deve lançar O Grande Sertão, pela editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco. A obra é um exame etnológico da região sertaneja
Alagoas de Dirceu
Foto: Maíra Villela
Foto: Maíra Villela
Por: | JANAYNA ÁVILA - Repórter
Alagoas é o que se ama e dói. A frase, registrada em livro pelo historiador, antropólogo, pensador e escritor Dirceu Lindoso, expressa os sentimentos desse alagoano em relação à sua terra natal. A mesma terra na qual sua família, originária da Europa e proprietária de diversos engenhos no litoral norte do estado, se firmou, assistindo e até participando de episódios que estão inscritos na história da formação do Brasil. A partir dos relatos de seus avós e da pesquisa criteriosa em arquivos, aos poucos

Lindoso foi construindo uma nova forma de ver e interpretar Alagoas. Dono de uma obra que se debruça sobre lances polêmicos como a Guerra dos Cabanos e as origens do Quilombo dos Palmares, em entrevista à Gazeta o homem que é um dos nossos mais respeitados intelectuais revisita acontecimentos históricos, fala sobre identidade cultural e se pronuncia a respeito de temas atuais como o crescimento da violência e a decadência da indústria da cana-de-açúcar. Confira

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Um dia, quando resolveu escrever sobre Alagoas, Dirceu Lindoso, 77, se surpreendeu: sabia pormenores de fatos que, embora ocorridos há séculos, pareciam frescos em sua memória, como se, de alguma forma, tivesse sido testemunha ocular da história. Nascido em Maragogi, filho de uma família abastada que era proprietária de diversos engenhos no litoral norte do estado, desde cedo teve uma educação voltada à leitura e ao estudo de idiomas. Quando os meninos de sua idade ouviam dos avós histórias de trancoso, os seus, que vieram de países como Portugal e Espanha, narravam-lhe episódios que diziam respeito ao Brasil, como a Guerra dos Cabanos e ainda a trajetória de Zumbi e Ganga Zumba no comando do Quilombo dos Palmares, ocorrências muito “próximas” da região onde nascera.

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Gazeta – Você nasceu em Maragogi e estudou no Recife. Quando veio para Maceió?

Dirceu Lindoso – Vim para Maceió já adulto. Não havia estrada de Maragogi para Maceió. A gente vinha de carro pela beira da praia. Mas para o Recife tinha. Por conta disso, estudei no Colégio Batista do Recife. Era um colégio excelente. Um dia desses um amigo me ligou e disse: “Dirceu, o problema dos filhos das famílias dos usineiros de hoje é a educação, que é um desastre”. E disse que somos exemplo porque meu avô, meu pai, eu e meus irmãos estudamos, nos formamos, fomos estudar no exterior... Meu tio, irmão do meu avô, estudou na Universidade de Oxford, na Inglaterra. E vários primos meus estudaram nos Estados Unidos. Havia um cuidado na educação dos filhos. E eu nunca vi tanta gente com bibliotecas grandes. A [escritora] Rachel

de Queiroz, que morou aqui, dizia que em lugar nenhum viu tantas casas com bibliotecas tão numerosas.

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Filho de família rica, luta contra a ditadura e é preso

Gazeta – Em 1964 você foi preso, acusado de atos comunistas. Como foi isso?

Dirceu Lindoso – Passei dez meses na prisão em Maceió. No dia em que fui libertado, o oficial mandou me chamar e disse que eu teria que ir ao Recife para ver o problema da acusação contra mim. Eu disse: “Eu vou ao Recife e depois vou embora. Não vou ficar aqui em Maceió esperando que vocês façam qualquer coisa contra mim”. Assim que cheguei lá, me apresentaram o que havia. Li e não tinha nada. Era um tal de “ouvi dizer”. Saí de lá e fui embora para o Rio de Janeiro. Já estávamos em 1965. Nessa época eu já era casado, tinha filhos. Quem me deu assistência foi o Rui Palmeira. Fiquei hospedado na casa dele e me dava muito bem com o Moacir, filho dele, que até hoje é meu amigo. É o mais intelectual dos filhos do Rui Palmeira. Fez doutorado em Antropologia na Sorbonne.

E como sua família, que era proprietária de engenhos, viu sua atividade comunista?

A família toda era conservadora, de direita. No começo, meu pai ficou bem zangado. Depois adoeceu, me perdoou e, enquanto eu estava na prisão, morreu.

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BIBLIOGRAFIA

›› Póvoa-mundo – 1981

›› Uma Cultura em Questão: A Alagoana – 1981

›› Mínimas Coisas – 1981

›› A Diferença Selvagem – 1983

›› Liberdade e Socialismo – 1983

›› A Book of Days for the Brazilian Literary Year – 1993

›› Mar das Lajes – 1999

›› A Utopia Armada: Rebeliões de Pobres nas Matas do Tombo Real – 1983 (reeditada em 2005)

›› A Formação de Alagoas Boreal – 2000

›› Interpretação da Província: Estudo da Cultura Alagoana – 2005

›› As Invenções da Escrita – 2006

›› Marená: um Jardim na Selva – 2006

›› O Poder Quilombola – 2007

›› Lições de Etnologia Geral: Introdução ao Estudo dos seus Princípios – 2009

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“Calabar não é uma questão alagoana”

Gazeta – E já que o assunto é identidade, vamos falar do Manifesto Sururu, texto do antropólogo e professor Edson Bezerra. Qual a importância que você atribui ao texto para a discussão sobre identidade?

Dirceu Lindoso – O manifesto, em si, é contraditório. Mas ele tem uma coisa muito boa: recupera a figura da Tia Marcelina, uma pessoa da qual só falavam bem. E o que fizeram com ela foi um assassinato. Critiquei contradições como a comparação que o manifesto faz entre a Tia Marcelina e a Padroeira de Maceió, Nossa Senhora dos Prazeres. Digo isso não pela Nossa Senhora dos Prazeres, mas pela Tia Marcelina. Comparar

algo que é um mito, que ninguém sabe se existiu, com uma escrava, uma mulher. Nossa Senhora foi uma coisa criada. Tia Marcelina, não.

Nessa análise sobre o manifesto, você lança o que chama de “provocação” ao dizer que, ao ter nascido no litoral norte do estado, não é um “sujeito sururu”, e que não é caeté nem em manifesto. Essa provocação tem como função falar de quão vasta e complexa é a cultura alagoana, que não dá para simbolizar nossa identidade numa única imagem?

Isso mesmo. No litoral norte só tem ostra e índios potiguares. Não tem sururu nem caetés. A poesia não tem validade diante da ciência antropológica (risos).

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TRECHO DE O PODER QUILOMBOLA

Penso que Darcy Ribeiro tinha razão quando dizia que foram os negros que expandiram a língua portuguesa no Brasil. Tinham necessidade de falarem uns com os outros e com seus donos. Sua cultura tinha por base a rústica construção de mocambos nas matas úmidas e o plantio de mandiocais, que lhes davam a sobrevivência. A construção de

uma comunidade primitiva de mocambos e mandiocais foi uma tarefa difícil para os primeiros negros fugitivos, que se alimentavam do mel das abelhas silvestres, e, por isso, passaram a ser conhecidos por papa-méis.

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