Arte de comprar votos em Alagoas
Nas
Alagoas das últimas décadas, enquanto as outras artes são desprezadas
pela elite econômica e os gestores públicos, uma delas viceja, recebe
milhões de reais, tem mestres reconhecidos, instâncias de legitimação do
mérito, complexos equipamentos arquitetônicos e ostenta uma longa
tradição. Trata-se da arte de comprar votos.
É
falso imaginá-la como uma arte menor. O seu aprendiz eleva-se com
dificuldade a mestre, galga cada degrau do ofício com perdas
significativas de tempo e dinheiro. Precisa encontrar professores
interessados na elevação espiritual dos discípulos e, de fato, capazes
de transmitir o cerne do conhecimento necessário. Comprar votos não é
apenas angariar dinheiro e distribui-lo no dia das eleições. O nome
encobre a essência da coisa. É a construção de todo um sistema, uma
série articulada de procedimentos e práticas para domar a democracia e
fazê-la funcionar de acordo com o interesse exclusivo de uma
personalidade ou um grupo político.
Alagoas
é prodigiosa em grandes artistas. O português contemporâneo usado no
país deve muito aos estilos de Graciliano Ramos e Jorge de Lima (e ao
trabalho lexicográfico de Aurélio Buarque de Holanda). A Música Popular
Brasileira (MPB) não teria a mesma qualidade sem Hermeto Pascoal e
Djavan. São menos enaltecidas as contribuições alagoanas à arte de
comprar votos. Alguém vai dizer que a degradação do sistema eleitoral é
idêntica em todo Brasil. Engano. O fenômeno tem singularidades em cada
estado e mesmo cidade, falta é pesquisa acadêmica suficiente para
revelar essas especificidades.
A
compra de votos, no seu sentido estrito, ocorre no interior de uma
totalidade na qual estão inseridas a violência, a prática do favor, o
patrimonialismo e a disputa ideológica. Em Alagoas, como em outras
formações sociais, os grupos políticos representantes da Ordem procuram,
avidamente, dominar os meios de comunicação. Fato demonstrativo de que
as oligarquias percebem a potencialidade crítica da sociedade civil e
procuram neutralizá-la por meio do monopólio dos instrumentos de difusão
de ideias e informações. Esses grupos disputam e ganham o imaginário
social e, nesse empreendimento, usam o monopólio das mídias, as emendas
parlamentares (para vincular seus representantes políticos às obras
públicas), o patrimonialismo, a opinião favorável de milhares de
indivíduos com cargos comissionados, redes permanentes de cabos
eleitorais difusoras da narrativa oligárquica, a restrição da liberdade
de expressão dos adversários por meio da violência e a prática do favor.
Portanto,
ao contrário do que pode parecer, as oligarquias alagoanas fundam o seu
poder político em uma hegemonia ideológica, isto é, na imposição de sua
narrativa sobre as realidade estadual ao resto da população, como
ocorre com todos os grupos dominantes, mas se diferenciam de vários
desses grupos por focarem de modo mais radical nas dimensões
coercitivas, mercantis e patrimonialistas garantidoras das condições do
seu domínio do imaginário social. Isso acontece devido ao caráter
radicalmente excludente que o capitalismo alagoano adquiriu nas últimas
cinco décadas. A incapacidade de a economia oferecer o mínimo de
bem-estar ao resto da população impõe à classe dominante estadual uma
disputa ideológica muito mais crua, expressa no uso mais radical de
elementos ilegítimos na retórica do jogo democrático moderno.
Em
Alagoas, como em vários outros estados brasileiros, o voto, ou seja,
uma expressão prática da consciência do eleitor, não é comprado apenas
no dia da eleição. A própria disposição de vender o voto é construída na
subjetividade do eleitor pelas oligarquias ao longo do tempo e no
interior de uma dura disputa por hegemonia ideologia com a sociedade
civil organizada e o resto da população. Nessas condições, toda a
atitude que expresse falta de combatividade, covardia ou derrotismo no
interior da sociedade civil estadual é uma infâmia, pois corrobora a
essência das condições subjetivas do projeto oligárquico de poder e
sociedade.
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