quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Arte de comprar votos em Alagoas - Golbery Lessa

Arte de comprar votos em Alagoas

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Nas Alagoas das últimas décadas, enquanto as outras artes são desprezadas pela elite econômica e os gestores públicos, uma delas viceja, recebe milhões de reais, tem mestres reconhecidos, instâncias de legitimação do mérito, complexos equipamentos arquitetônicos e ostenta uma longa tradição. Trata-se da arte de comprar votos.
É falso imaginá-la como uma arte menor. O seu aprendiz eleva-se com dificuldade a mestre, galga cada degrau do ofício com perdas significativas de tempo e dinheiro. Precisa encontrar professores interessados na elevação espiritual dos discípulos e, de fato, capazes de transmitir o cerne do conhecimento necessário. Comprar votos não é apenas angariar dinheiro e distribui-lo no dia das eleições. O nome encobre a essência da coisa. É a construção de todo um sistema, uma série articulada de procedimentos e práticas para domar a democracia e fazê-la funcionar de acordo com o interesse exclusivo de uma personalidade ou um grupo político.
Alagoas é prodigiosa em grandes artistas. O português contemporâneo usado no país deve muito aos estilos de Graciliano Ramos e Jorge de Lima (e ao trabalho lexicográfico de Aurélio Buarque de Holanda). A Música Popular Brasileira (MPB) não teria a mesma qualidade sem Hermeto Pascoal e Djavan. São menos enaltecidas as contribuições alagoanas à arte de comprar votos. Alguém vai dizer que a degradação do sistema eleitoral é idêntica em todo Brasil. Engano. O fenômeno tem singularidades em cada estado e mesmo cidade, falta é pesquisa acadêmica suficiente para revelar essas especificidades.
A compra de votos, no seu sentido estrito, ocorre no interior de uma totalidade na qual estão inseridas a violência, a prática do favor, o patrimonialismo e a disputa ideológica. Em Alagoas, como em outras formações sociais, os grupos políticos representantes da Ordem procuram, avidamente, dominar os meios de comunicação. Fato demonstrativo de que as oligarquias percebem a potencialidade crítica da sociedade civil e procuram neutralizá-la por meio do monopólio dos instrumentos de difusão de ideias e informações. Esses grupos disputam e ganham o imaginário social e, nesse empreendimento, usam o monopólio das mídias, as emendas parlamentares (para vincular seus representantes políticos às obras públicas), o patrimonialismo, a opinião favorável de milhares de indivíduos com cargos comissionados, redes permanentes de cabos eleitorais difusoras da narrativa oligárquica, a restrição da liberdade de expressão dos adversários por meio da violência e a prática do favor.
Portanto, ao contrário do que pode parecer, as oligarquias alagoanas fundam o seu poder político em uma hegemonia ideológica, isto é, na imposição de sua narrativa sobre as realidade estadual ao resto da população, como ocorre com todos os grupos dominantes, mas se diferenciam de vários desses grupos por focarem de modo mais radical nas dimensões coercitivas, mercantis e patrimonialistas garantidoras das condições do seu domínio do imaginário social. Isso acontece devido ao caráter radicalmente excludente que o capitalismo alagoano adquiriu nas últimas cinco décadas. A incapacidade de a economia oferecer o mínimo de bem-estar ao resto da população impõe à classe dominante estadual uma disputa ideológica muito mais crua, expressa no uso mais radical de elementos ilegítimos na retórica do jogo democrático moderno.
Em Alagoas, como em vários outros estados brasileiros, o voto, ou seja, uma expressão prática da consciência do eleitor, não é comprado apenas no dia da eleição. A própria disposição de vender o voto é construída na subjetividade do eleitor pelas oligarquias ao longo do tempo e no interior de uma dura disputa por hegemonia ideologia com a sociedade civil organizada e o resto da população. Nessas condições, toda a atitude que expresse falta de combatividade, covardia ou derrotismo no interior da sociedade civil estadual é uma infâmia, pois corrobora a essência das condições subjetivas do projeto oligárquico de poder e sociedade.
 http://reporteralagoas.com.br/novo/?p=71244

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