"Movimento estudantil está parado no tempo", diz protagonista da resistência de 1968.
"Vladimir Gracindo Soares Palmeira, 63, foi um dos principais líderes estudantis durante o regime militar. Entre outros feitos, Palmeira ajudou a organizar da Passeata dos Cem Mil. Por esse e outros motivos, ele acabou preso pelos militares três vezes".
"Movimento estudantil está parado no tempo", diz protagonista da resistência de 1968
WANDERLEY PREITE SOBRINHO
colaboração para a Folha Online
colaboração para a Folha Online
Vladimir Gracindo Soares Palmeira, 63, foi um dos principais líderes 
estudantis durante o regime militar. Entre outros feitos, Palmeira 
ajudou a organizar da Passeata dos Cem Mil. Por esse e outros motivos, 
ele acabou preso pelos militares três vezes.
| 17.dez.2005/Folha Imagem | 
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| Wladimir Palmeira foi um dos líderes do movimento estudantil em 1968 no Rio | 
Sua última prisão ocorreu durante um congresso clandestino da UNE (União
 Nacional dos Estudantes) em Ibiúna (SP) em 1968, quando o ex-ministro 
José Dirceu também foi detido.
Palmeira foi libertado somente em setembro de 1969, quando a resistência
 armada seqüestrou o embaixador americano Charles Burke Elbrick e pediu 
em troca a libertação dele e de outros 14 líderes estudantis. Depois de 
solto, Palmeira ficou dez anos no exílio.
Em entrevista para a Folha Online, Palmeira lembra de sua atuação
 naquele período e fala com desânimo sobre o movimento estudantil do 
século 21. "O movimento tenta repetir o que fizemos no passado. Os 
tempos são outros", diz.
| 06.ago.1968/Folha Imagem | 
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| Polícia contém manifestação contra prisão de Vladimir Palmeira, no centro do Rio | 
Folha Online - Quando foi que o senhor decidiu cuidar não só dos interesses universitários e lutar contra a ditadura?
Wladimir Palmeira - Era impossível ser de outro jeito. Em 
primeiro lugar, eu já era de esquerda antes do movimento estudantil. Eu 
achava que para evitar a derrubada de Jango, [presidente deposto pelo 
golpe militar], nós deveríamos aderir à luta armada. Mas quando 
ingressei no movimento, acabei sendo impelido a lutar contra a ditadura 
porque a própria polícia politizava tudo. Não podíamos pedir qualquer 
melhoria na universidade que a polícia invadia e reprimia tudo. A 
solução era lutar contra todo o sistema político.
Folha Online - Qual foi o momento que o colocou entre os líderes estudantis?
Palmeira - Fui líder de massa quase por acaso. Eu nem sabia que 
tinha vocação. Tudo começou quando o diretor da UFRJ (Universidade 
Federal do Rio de Janeiro) em 1966 suspendeu o nosso candidato ao centro
 acadêmico e tirou do cargo do então presidente Antonio Serra. Contra 
essa medida, organizamos um protesto, mas ele estava sendo mal 
conduzido. Eu estava cuidado da segurança e fui para assembléia. Como 
faltava um discurso que desse força à manifestação, acabei tomando a 
palavra e falando aos estudantes. Todo mundo gostou, eu gostei e, a 
partir de então, fui me tornando uma liderança. Meu início foi naquele 
ano, quando eu já estava no terceiro de faculdade. Eu já estava velho 
para militar porque o quarto e quinto anos de faculdade são os mais 
difíceis e é quando os universitários diminuem sua militância para 
estudar.
Folha Online - O senhor foi preso três vezes. Chegou a ser torturado?
Palmeira - Não fui torturado. Só levei uns tapas da polícia de 
Minas quando me recusei a responder as perguntas que me faziam. As duas 
primeiras noites foram as mais tensas. Eles colocaram revolver na minha 
cabeça, tiraram minhas roupas e sumiram com meus remédios contra a asma.
 Não vi gente morrer, mas ouvia muitas torturas. Eu escutava tudo da 
minha cela: das surras, aos pedidos de clemência. Às vezes, algum 
torturado passava na frente da minha cela sendo arrastado pelo chão para
 outro lugar. Mas terrível mesmo era ouvir os policiais no banheiro 
contando os detalhes da tortura como quem comenta com jogo de futebol.
Folha Online - O senhor não pegou em armas, mas pensou em aderir àquele movimento?
Palmeira - Eu sempre apoiei a violência para tirar a ditadura 
militar porque ela sim era violenta. Mas eu tinha muitas restrições. Não
 apoiava assalto a banco e nem que uma pequena vanguarda decidisse mudar
 tudo de uma hora para outra. Para mim, a luta armada só faria sentido 
se camponeses, operários e estudantes participassem dela. Seria preciso 
mobilizar a sociedade. Quando fui preso, fiz um discurso em que não 
reconhecia as autoridades que me detinham e defendia um exército 
revolucionário, mas não falava daquele tipo de luta armada que tivemos 
no país.
Folha Online - Mas foi o seqüestro do embaixador americano, Charles 
Burke Elbrick, que libertou o senhor e outros 14 presos da cadeia. O 
senhor não apoiou aquela ação?
Palmeira - É claro que sou muito agradecido por aquela ação, mas 
eu realmente não aprovava o método. O seqüestro foi feito por uma 
pequena vanguarda. Sem um apoio popular, aqueles métodos ficaram muito 
acima das nossas forças, tanto que pagamos muito caro por ela. Muita 
gente morreu pelo caminho. Por outro lado, ela atingiu o objetivo de 
soltar as lideranças estudantis e de abalar a credibilidade dos 
militares.
Folha Online - O senhor sabia que estava na lista dos 15 estudantes que deveriam sair da cadeia?
Palmeira - Eu nem sabia o que estava acontecendo. Foi um oficial 
provisório, um cabo que não era de carreira, que me avisou da 
"libertação dos terroristas". Mas eu não acreditei e nem sabia que a 
Dissidência [Comunista da Guanabara], o grupo que eu tinha ajudado a 
fundar, tinha entrado na luta armada. Eu só tive certeza de que algo 
tinha acontecido quando certa noite eles queimaram meus papeis de 
anotação, mandaram arrumar a roupa e me mandaram sair. Lá fora estavam 
vários generais. Assim que eu entrei no camburão, disseram que iriam me 
matar. Depois chegaram José Dirceu, Luís Travassos [então presidente da 
UNE e Antônio Ribas [líder secundarista da Ubes]. Eles me olharam e 
perguntaram por que eu estava emburrado. Foi então que eu soube de tudo.
Folha Online - O senhor achava mesmo que iria morrer?
Palmeira - Sim! Aquela não tinha sido a primeira vez. Quando 
fomos presos depois do congresso da UNE em Ibiúna, fomos levados para o 
Dops (Departamento de Ordem Política e Social), em Santos. Nós três e 
outros estudantes paulistas fomos colocados no Camburão. Em certo ponto 
da viagem, a gente sabia que se dobrássemos à esquerda, iríamos para o 
Dops, mas se virássemos à direita iríamos para Itaipu ou seríamos 
assassinados. Quando chegamos naquele ponto, dobramos a direita e o 
veículo passou de Itaipu. Não tínhamos dúvidas de que morreríamos. Então
 fiz um discurso em voz alta para que todos os presentes e os oficiais 
soubessem que morreríamos com honra. Mas logo depois o carro parou e os 
policiais disseram que tinham errado o caminho. Quase morri de vergonha 
(risos).
Folha Online - Depois de solto o senhor foi para o exílio. Qual foi o
 momento mais difícil nos 10 anos que o senhor passou fora do Brasil?
Palmeira - Foi em Cuba. Fiquei três anos brigando com cubano. Eu 
nunca gostei de ditadura. Mas apesar do regime intolerável, o povo foi 
fantástico. Fui bem acolhido e recebi livros, comida e casa, mas não 
podia trabalhar e manter uma vida social. No último ano, fui obrigado a 
fazer luta militar.
Folha Online - Obrigado por quem?
Palmeira - Não é que eu fui obrigado, é que eu fazia parte de um 
grupo e me submetia à decisão da maioria, e muitos de nós quis o 
treinamento. Eu sempre me alinhei às decisões da minha organização, mas 
sempre fui muito crítico a ela internamente. Dentre os que defendiam a 
luta armada, eu era tido como um moderado.
Folha Online - E como era esse treinamento militar?
Palmeira - A luta de guerrilha em Cuba era muito tradicional 
mesmo antes da revolução. Mas depois virou um mito. E todo mundo que se 
exilava em Cuba, acabava passando por ele. Depois essas pessoas voltavam
 para seu país de origem, entravam para a guerrilha e acabavam morrendo 
porque não estavam mesmo preparados.
Folha Online - Sobre a Passeata dos Cem Mil. Como foi que vocês tiveram a idéia de uma manifestação tão ambiciosa?
Palmeira - Não tivemos essa idéia. Íamos fazer só mais uma. 
Sabíamos apenas que ela seria grande. Uma semana antes, decidimos usar a
 violência pela primeira vez porque fomos acusados pelo jornal "O Globo"
 de só fazer agitação e não resolver nada. Na quinta-feira ocupamos a 
reitoria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Levamos 
coquetel molotov, pedra, bastões. A polícia cercou a reitoria, e tivemos
 de sair na marra. Depois da confusão, ninguém sabia quem estava vivo ou
 preso. Na sexta, cheguei à praça Tiradentes às 8h. Os donos das bancas 
de jornal nos viam chegando e fechavam a porta, mas durante a passeata 
fomos aplaudidos pela população. Terminamos na embaixada dos Estados 
Unidos. Quando nos viram, a polícia partiu para o ataque, mas, ao 
reagir, muitos manifestantes acabaram mortos e presos. Depois dessa 
"Sexta-Feira Sangrenta", [como aquele dia ficou conhecido], marcamos uma
 passeata para a semana seguinte.
Folha Online - Era a Passeata dos Cem Mil?
Palmeira - Sim. Saímos daquela confusão já com a idéia de fazer 
uma grande manifestação para terça-feira. O governo passou a discutir a 
possibilidade de permitir a passeata, então adiamos o evento por mais um
 dia. A gente sabia que seria grande, mas não esperava aquelas 100 mil 
pessoas.
Folha Online - O senhor acha que iria tanta gente se o governo tivesse proibido o protesto?
Palmeira - Certamente não iriam as 100 mil pessoas, mas 
apareceria muita gente porque a população estava muito descontente com a
 repressão. E mesmo permitindo a passeata, o governo decretou ponto 
facultativo naquele dia com a intenção de esvaziar o protesto.
Folha Online - Depois de 40 anos, como o senhor avalia o movimento estudantil?
Palmeira - Não dá para comparar. Naquele tempo a gente vivia para
 mudar o mundo. Hoje quem dá a vida por um deputado? Mas a verdade é que
 o movimento estudantil ficou parado no tempo. Ele é muito 
partidarizado. As entidades ficam nas mãos dos partidos políticos, que 
passam a elas seus programas. O resultado é que os dirigentes não 
conseguem tratar objetivamente das reivindicações estudantis. A luta 
agora é corporativa, luta política e muita dependência do governo 
federal.
Folha Online - Mas o movimento era essencialmente político, não?
Palmeira - É por isso mesmo. Eu me espanto com o fato de o 
movimento estudantil tenta repetir o que fizemos no passado. Os tempos 
são outros. É preciso renovar.
Folha Online - E o que deveria ser feito?
Palmeira - Eles deveriam discutir o atual papel da universidade 
com a população. O movimento perdeu de vista o que pode fazer pela 
sociedade. A dengue, por exemplo: como a universidade pode ajudar na 
conscientização das pessoas? As faculdades não estão inseridas na 
sociedade. Ficar tentando eleger deputado está ultrapassado. Tínhamos de
 fazer uma política de outro tipo. Os estudantes têm um horizonte enorme
 pela frente, mas é preciso se renovar.
 
 
 
 
 
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