UMA RETÓRICA DE UMA CRIMINALIDADE ANUNCIADA
Carlos Henrique Palmeira Chaves
Vivemos
em uma cidade cercada de belas praias, gente ordeira por natureza e um clima
quente. É comum nos depararmos em sinais de trânsito crianças em idade terna
pedindo em sinais com suas mãos pequeninas estendidas a para-brisas de carros.
O triste disso tudo é constatar que essas crianças aprendem tal gesto antes
mesmo de aprenderem a falar, de dominarem as primeiras letras. São gestos
significativos de uma pobreza escandalizadora que reflete o abismo da desigualdade
social que vive a nossa população. Somente aquele gesto das pequenas mãos
estendidas próximas de nós é o prenuncio da marginalidade atroz. É a forma
racional de entendermos o ser humano como um animal egoísta e presunçoso.
Também se torna banal convivermos com a indiferença das elites oligárquica
monocultora enraizada na “filosofia de vida” do mando e da subserviência,
formadas por bases históricas desumanas através do trabalho negro escravo. Tais
castas não se dão ao prazer de abrirem os vidros de seus cabriolés maravilhosos
e sentirem o cheio da miséria do povo. Recentemente vi uma cena deprimente,
encontrei dezenas de pessoas em um pátio escolar coberto, numa noite chuvosa e
fria de março, estendidas no chão semi molhado, agrupando-se para pernoitarem no
interior daquele moribundo templo do saber. O mais triste era ver aqueles
homens, aquelas mulheres e crianças até de colo deitadas no chão esperando o
crepúsculo do novo dia para tentar conseguir uma vaga para cursarem a
alfabetização e de 1 a
4 séries do ensino fundamental, seus filhos, menores impúberes, filhos e filhas
dos das Silva; não o Silva do presidente, que é chic, é emergente e está na
moda. Conversando com a autoridade competente daquele núcleo educacional,
descobri que era comum tal procedimento; e que, neste ano, as coisas estavam
organizadas, pois ela teria feito um calendário determinando os dias dos
pernoites, conforme o número de vagas. Fiquei estarrecido! Como pode o ser
humano relegado à categoria de números, sobre dados de IDH. Lembrei-me das
lições da velha ciência História: o ser humano já foi livre, nômade e
coletivista; passou a ser escravos, objeto de outrem; libertou-se na
antiguidade pelo Cristianismo para ser servo, servindo incondicionalmente em
nome de Deus a seu Senhor; e se tornou, maravilhosamente, em números que podem
ser ou não contabilizados em orçamentos públicos. O que somos nós na verdade? Seres humanos que
somos a imagem e semelhança de Deus ou seres de instintos racionalizados, mais
bestiais nos sentimentos de amor e solidariedade ao próximo? Esta pergunta não
teima em calar! Só há uma certeza dura e cruel. É uma retórica de uma
criminalidade anunciada.
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