sexta-feira, 21 de novembro de 2014

OS DONOS DO PODER NO PERNAMBUCO COLONIAL - Ana Maria Barros

OS DONOS DO PODER NO PERNAMBUCO COLONIAL


Ana Maria Barros


Professor Associado I – Departamento de História/UFPE


Isabelly Leão


Licenciada em História pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)


As questões que envolvem o processo de um Estado desenvolvido trazem à tona a reflexão sobre a capacidade de se realizar uma espécie de unidade entre o progresso do espírito e o engajamento na história. O desenvolvimento representa estruturas mais sadias e modernas. Estruturas sociais arcaicas e viciadas, já não cabem dentro de um genuíno processo evolutivo. Essas velhas estruturas têm que ser reformuladas em função das necessidades de toda a sociedade.

Ora, o que vemos no nosso país, por mais que chamemos de desenvolvimento, na realidade é o que podemos chamar de reformismo, onde as velhas estruturas sofrem no máximo, a introdução de reformas graduais, nas quais são tecidas uma modernização remendada e imbuída de falhas. Ainda não vemos uma preocupação com a realização da unidade citada – progresso do espírito/ engajamento na história - ou seja, comportamentos que revelem a inserção do país e da sua sociedade em modelos de ética que demonstrem esse progresso do espírito, e que signifiquem definitivamente a passagem de um estágio para outro, de uma recriação cultural.

A impunidade, que permite a corrupção e o desmando, presente em todos os níveis, mostra um processo ontológico de decadência das instituições políticas. O que grassa, é uma corrupção sem culpabilidade, sem inquietações e sem angústias. O poder e o enriquecimento material parecem trazer para quem os possui a despersonalização de sua essência humana. Valores como, ética e honestidade tendem a ser esquecidos no Estado de “coisas”, onde o ter ultrapassa o ser e onde se insere ainda, um jogo político - econômico de cartas marcadas que evidenciam um alto grau de descomprometimento e benefícios perpétuos, absolutamente ligados a apenas parte da sociedade, o que demonstra claramente a exclusão de muitos outros.

Darnton, no seu livro, “Boemia Literária e Revolução, de 1987, já dizia que, é fazendo perguntas aos documentos e prestando atenção ás respostas, que podemos ter o privilégio de auscultar almas mortas e avaliar as sociedades por ela habitadas. Foi isso que, inadvertidamente começamos a fazer, quando nos deparamos com documentos que, mais de uma vez nos mostravam situações, que, apesar de fazerem parte daquele momento histórico, atravessaram incólumes vários séculos, e hoje se apresentam diante de nós. A estrutura de poder do Estado, que permitiu o fato, há tantos anos atrás, ainda possui fortes resquícios entre nós, atualmente. Essa estrutura de poder, característica que permeia o Estado em nosso país, seja na Colônia, no Império ou na República, mantém o seu domínio sobre as pessoas, exercitando uma atitude política que, ao longo do tempo vai ser causa de grandes distorções no chamado caráter nacional.Essa atitude do Estado, como provedor e do governante, seja ele, o Rei, o Imperador ou o Presidente, como o “bom pastor, que vela por todo o seu rebanho” (ARAUJO,1993:23), e que dele depende para sobreviver, e que se submete à sua vontade, está muito presente na história do país. É por esse Estado provedor, e pelas autoridades que o representam, que todos esperam.

Autores como Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, de 1936; Caio Prado Júnior, em Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942; Raimundo Faoro, em Os Donos do Poder, de 1958, procuraram explicar esse Estado e, a partir dele o nosso questionável caráter nacional. Esse Estado que, se estruturando no Brasil colonial, tudo controla, tudo provê, impondo regras e leis que, no mais das vezes servem para encobrir a sua incompetência como administrador da sociedade e cada vez mais distante do cidadão, para sanar-lhe os problemas, mas, sempre perto para cercear-lhe a capacidade de organização. Não é de admirar, portanto, o costume que, vai arraigar-se na sociedade brasileira: do uso e usufruto do Estado. O indivíduo, não se sente partícipe de um projeto coletivo e o desamparo a que está sujeito, leva-o a se utilizar de expedientes muitas vezes não muito éticos, para garantir a sua sobrevivência. Dentre esses meios, está, muito freqüentemente, uma recorrência ao Estado provedor. Nesse tipo de Estado, já conceituado por Max Weber (2004), como Patrimonial, a exigência de competência não está necessariamente presente. O que se valoriza, são os laços familiares, o compadrio, o afilhadismo, etc.

Na nossa pesquisa, que se fixa no período colonial, pretendemos analisar o desenvolvimento e organização do que viria a compor o Estado brasileiro que conhecemos hoje. Através dos documentos proporcionados pelo Projeto Resgate, tivemos a possibilidade de fazer a relação entre as idéias que se originaram no

período colonial e a realidade que continuamos a vivenciar no nosso país, a qual Faoro já estudava na obra citada. Essa percepção nos permitirá a formação de contrapontos importantes na busca de uma maior compreensão da estrutura política brasileira.

As pesquisas revelam que essa recorrência ao Estado como provedor tem origens muito remotas. São requerimentos e alvarás que determinam nomeações e concessões, privilégios que são legitimados jurídica e moralmente pela supremacia governamental que passa a determinava tais possibilidades à aristocracia local estabelecida.

São registros de solicitação de terras, de dinheiro e de cargos, baseados muitas vezes em suposições, como foi o caso do Srº Antonio Coelho Marinho que escreve ao príncipe regente D. Pedro solicitando o “hábito de cristo”, colocações para suas duas filhas em um convento (Documento 652). Ou em casos mais diferenciados, como no caso em que João Paes Barreto pede fiança para defender-se da acusação de crimes (Documento 10719). Estes são claros exemplos das relações instaladas nas raízes processuais do sistema e que viria a acompanhar a mentalidade que vai se formar no que diz respeito à função do Estado.

A burocracia aparece como um sistema que tem a função de coordenar e prever processos que gerenciem e determinem as funções do Estado, nas suas diversas instituições. A burocracia brasileira foi sendo estabelecida a partir de uma ética peculiar e, o controle à qual se propõe um Estado burocrático organizado, como trabalha Weber, não se fez real. O Brasil ignorou o racionalismo econômico estabelecido por esse Estado burocrático e persistiu nas características do estado patrimonial, que se estabelece a partir de relações familiais e de compadrio. Nesse caso, o Estado teria então a obrigação de manter uma elite que, além de preconceituosa, tinha ojeriza ao trabalho, principalmente o manual, aos seus olhos atividade característica da escravidão. Dessa forma, as estruturas da política brasileira vão ser geradas a partir de uma sucessão de hábitos trazidos dentro do processo colonizador. O patrimonialismo instituído recorre à apropriação de cargos como forma de amarrar a organização política vigente. Estes cargos tinham a função particular de qualificar, prestigiar e premiar a aristocracia devota da realeza. Nesse processo, o que se observa é o crescimento de uma nobreza rasa, sem grandes perspectivas e completamente avessa ás mudanças naturais à um processo evolutivo. Essa estabilização tende a estagnar vários aspectos da sociedade que através de seu

entrelaçamento complexo misturam-se e influenciam-se mutuamente. Não há o interesse em buscar o rompimento com as falhas que se encontram na organização processual do sistema. A tradição promove dia a dia uma dormência na elite governamental que, usufruindo e esbanjando,confundindo esse comportamento com legalidade e moralidade.

Dessa forma a economia, a religião e a sociedade, como um todo, funcionam a partir desse propósito, fazendo vigorar gradativamente a arquitetura de um Estado deficiente, viciado nas facilidades e que tem por conseqüência um sistema incompatível com um capitalismo “sadio” e eficaz que lhe proporcione o seu desenvolvimento econômico e social. As conseqüências desse processo errôneo gerado no berço do colonialismo brasileiro, deu origem a atitudes que contribuíram e contribuem ainda para a continuação do nosso subdesenvolvimento. A história demonstra que o atraso foi instalado e engordou prioritariamente ás vistas permissivas do Estado brasileiro e suas elites.

Seria interessante promover a evolução dos instrumentos administrativos, erradicando os privilégios que caracterizam o descompasso das políticas publicas em vigor. Impulsionar um sistema transparente, onde a prestação de contas entraria num processo de evidenciação e geraria elementos imprescindíveis a ampliação gradativa de um desenvolvimento determinante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ARAUJO, Emanuel. O Teatro dos Vicios; transgressão e transigência na sociedade colonial.José Olympio,1993;

BARROS, A.M. Colonização e Caráter Nacional,in Revista CLIO História.No.18 Imprensa Universitária UF`PE.

FAORO,Raimundo.OsDonos do Poder. Globo, 1987.
WEBER, MAX. A Ética Protestante e o Espirito do Capitalismo.Pioneira, 1992;. WEBER, MAX. Economia e Sociedade. Ed.UNB/Imprensa Oficial do E.de São Paulo,
1999.

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