terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Os Ciclos Históricos de uma Economia Dependente - Parte I - Cícero Péricles de Carvalho



Os Ciclos Históricos de uma Economia Dependente - Parte I

Autor: Cícero Péricles de Carvalho

Alagoas: um problema regional

Chegamos às comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil com um diagnóstico pouco animador: Alagoas ainda é um estado subdesenvolvido, uma condição que pode ser vista através dos distintos planos que explicam uma sociedade. O primeiro plano, e o mais visível, é o econômico. Todas as análises nesta área demonstram que o reduzido setor industrial e a agricultura do Estado, apesar do desempenho regular de setores tradicionais como o açúcar e a pecuária, ressentem-se da ausência de pólos dinâmicos e da falta de perspectivas de novos investimentos. O setor de serviços, ainda que apresente alguns pontos de crescimento, não consegue absorver toda a carga de problemas acumulados na economia do Estado. A economia não vai bem. Num segundo plano temos uma estagnação social, resultado da pesada herança colonial, que, por não ter sido enfrentada adequadamente, continua estampada nos índices negativos de qualidade de vida dos alagoanos. Como conseqüência, Alagoas situa-se lá embaixo na lista de todos os indicadores nordestinos e brasileiros na educação, saúde, habitação, segurança, etc.. Uma situação que espelha os problemas da sociedade regional mais hierarquizada e de riqueza mais concentrada de todo o País. Por último, uma crise financeira e administrativa do Estado. O setor público, por sua capacidade de interferir diretamente nas questões sociais e induzir na solução dos problemas econômicos de uma região periférica, continua sendo o principal instrumento para a execução de uma estratégia transformadora em Alagoas. Mas a máquina estadual está em ruínas. A crise fiscal (devido a um Estado que arrecada menos do que necessita gastar) dos anos oitenta originou uma crise financeira que, até hoje, imobiliza um setor público caracterizado pelas deformações de décadas de manipulações. No ano passado, o nó financeiro derrotou duas equipes montadas para enfrentá-lo. O novo Governo, já com sua terceira equipe, também não consegue equilibrar suas contas, apresentando sempre despesas maiores que a receita total e uma arrecadação própria (impostos pagos em Alagoas, sem contar as transferências federais) que não cobre sequer a folha de pessoal do poder executivo. O somatório destas três dificuldades estruturais e conjunturais empurra Alagoas para uma situação especial: a de "problema regional" dentro da economia brasileira e um "problema político-administrativo" para o governo federal. Quando se divide o Brasil em três blocos de Estados, identificados por suas riquezas e condições sociais, nós ficamos no final da terceira e pior parte. Estamos no terceiro mundo do Brasil. Por estas características diferenciais em relação aos demais estados brasileiros, pelas dificuldades financeiras extraordinárias e por sua situação social extremada, Alagoas não consegue, de forma autônoma, romper as amarras do subdesenvolvimento, desatar seu nó financeiro, criar uma economia dinâmica e colocar-se no mesmo padrão de qualidade de vida da média brasileira. Dada esta especificidade - a de ser um estado com um drama social explosivo, uma situação financeira insustentável e sem perspectivas econômicas - Alagoas chega às comemorações dos 500 anos exigindo um tratamento diferenciado em relação aos demais estados brasileiros.

 

Parte II


Repressão & Disciplina no Trabalho (1902)



"Os progressos da cultura mecânica não chegaram ainda senão por exceção raríssima a nossa lavoura, cultiva-se a cana pelo processo dos tempos coloniais: a foice, o machado, a enxada, mesmo nos terrenos mais aptos a marcha econômica das charruas, arados e capinadores. Nos países adiantados o proprietário rural goza de inegável independência; entretanto aqui o lavrador brasileiro, devido a falta de leis repressivas de vagabundagem e reguladora do trabalho; a frouxidão dos costumes, a demagogia de uns tantos pseudo-democratas, a ignorância da nossa população íncola, e diversas outras circunstâncias, vive a humilhante dependência de jornaleiros, dependência que está na razão direta das necessidades que dele tem. Compreende-se facilmente a situação do agricultor perante o jornaleiro nomeadamente o agricultor de cana, especialmente na época da colheita, quando é preciso ter um pessoal organizado e de alguma sorte permanente. 

Cede-se por necessidade às exigências de adiantamentos, faz-se concessões nas horas de trabalho, se é obrigado a suportar a frouxidão deste, não pode-se imprimir a disciplina precisa a uma boa organização, submete-se mesmo a insultos se pensa tentar reprimir abusos e mesmo latrocínios. Se, de um lado não conta a repressão nas leis, do outro os democratas desocupados, estão sempre prontos a defender a liberdade de vagabundagem contra os que ele chamam a autocracia do proprietário; mais picantemente - de "senhor de engenho". 

Nos Estados Unidos a severidade das leis é sumária e inflexível na garantia da propriedade. A indolência e a vagabundagem não só deixam de ser toleradas, mas são punidas: homens e mulheres com ferros nos pés, são obrigados e trabalhar em obras públicas. Fazer essa grande massa de mãos trabalhadoras, de ociosos, de vagabundos, seguir disciplina e entrar no regime de trabalho, não é unicamente uma medida de valor econômico, mas também social e humanitária. Transformar em homens de trabalho, o qual lhes dará o conforto e relativa abastança, os miseráveis inquilinos de nauseabundas choupanas; que têm em geral como único utensílio um vaso para água e como leito uma esteira quando não alguns varais, que carregam andrajos no campo, e n'alma embrutecida pelos vícios e pela indolência; que jorneiam desonestamente um ou mais dias na semana levado pela fome ou constrangidos pelo proprietário. Essa coação ao trabalho é uma obra social de resultados não só filantrópicos, mas fecunda para a afirmativa da liberdade e do progresso." 

Do texto "Agricultura", de Affonso de Mendonça publicado no livro "Indicador Geral do Estado de Alagoas", organizado por Craveiro Costa (1902), Casa Ramalho, Maceió, págs. 65/67. 

O Homem na Área Açucareira (1954)

"A produção de açúcar reclama concentração, como fator fundamental, mas a fase de paralisação das atividades determina a saída dos trabalhadores. A migração estacional se encontra assim como um das marcas da economia açucareira. A mão de obra se torna flutuante, aparecendo em época de colheita da cana e da moagem na fábrica. Daí também a utilização do trabalho feminino e dos menores, de certo modo mais estável, e prevalecendo salários mais baixos. Não é possível a um homem do campo, com tais salários, ter roupa, isto é, vestir-se não bem, mas suficientemente. Nem qualidade, nem em qualidade, o trabalhador veste-se em condições satisfatórias. Por isso mesmo não tem mala, nem baú, mas a trouxa em que junta as poucas peças de seu vestuário. 

As crianças, estas quase sempre andam despidas até certa idade. Sapato não há noticias. O trabalhador vai para o campo descalço. Outras necessidades, tais como a de médico, de dentista, comprar remédios, estas são luxos que o homem do campo não conhece, nem poder ter. Não somente não as encontra em seu meio, como também não dispõe de recursos para atendê-las. Os baixos níveis salariais contribuem, como é evidente, para as populações trabalhadoras da área açucareira apresentarem esse padrão de vida tão baixo. Não somente lhes falta poder aquisitivo para a alimentação necessária, como ainda condições para uma habitação, se não for confortável, ao menos digna da existência humana (...) de modo geral as condições de habitação para o grosso da população trabalhadora da área açucareira são as piores possíveis. Da senzala de escravo, aos mocambos dos trabalhadores de hoje a diferença não é muito grande. Se não se pode considerar essa casa inferior às antigas senzalas, observa-se, entretanto, a carência de elementos higiênicos fundamentais. Carecem de banheiro ou de aparelho sanitário. 

O banho é tomado no rio próximo, nos banheiros que se fazem naturalmente pelo aproveitamento das árvores de altas copas, situadas à margem da água. O aparelho sanitário é mato, touceira de bananeira ou qualquer vegetação alta. De doenças é que vivem cheios os habitantes da área açucareira; desde as doenças de carência às endêmicas. Não são menos graves os índices de alfabetização das populações dos municípios açucareiros das Alagoas. Em Viçosa, por exemplo, o analfabetismo atinge 88,09% de sua população; 98,02% são os analfabetos na população de mais de cinco anos da zona rural. Pela deficiência de alimentação e ainda pelas condições de vida precárias da habitação, é de ver-se que as populações da área canavieira vivem sob regime de déficits; déficits estes que se refletem em suas atividades, que vão fazer do trabalhador um doente, sob o domínio da subalimentação e a influência da moradia. Um doente e não um preguiçoso, um malandro; - eis o que é homem da área açucareira." 

Do livro "População e Açúcar no Nordeste do Brasil" de Manuel Diégues Júnior. págs. 204/13, Comissão Nacional de Alimentação, Rio de Janeiro, 1954.

Parte III


Herança Colonial 



Encravada na região mais antiga do Brasil, Alagoas revela todos os traços da herança colonial em sua economia e sociedade. A razão é simples: somos o resultado de uma formação econômica-social baseada na exportação de um pequeno punhado de mercadorias valorizadas na Europa que, para realizar essa produção, durante os quatro primeiros séculos de nossa história, se apoiava na escravidão como relação principal de trabalho e no latifúndio como estrutura central de propriedade da terra. O pesquisador alagoano Manuel Diégues Jr., no clássico "Bangüê das Alagoas", reconhecia em nossa formação o papel decisivo do latifúndio, seja na Zona da Mata, produzindo açúcar para exportação, seja no Agreste e Sertão com a pecuária em campo aberto que apenas "tolerava" o pequeno produtor de subsistência. 

Outro estudo, o do prof. Ivan Fernandes Lima, sobre a ocupação espacial do Estado de Alagoas no período da dominação portuguesa, também não deixa margem de dúvida: o modelo agro-exportador baseado na escravidão e latifúndio é o substrato de nossa atual estrutura sócio-econômica. O modelo econômico e social de nossa formação deixou uma alta fatura a pagar: um frágil processo de industrialização, uma urbanização gerada não pela atração das oportunidades nas pequenas e médias cidades, mas pela inviabilização da vida do homem do campo, indicadores de desenvolvimento humano comparáveis às regiões mais subdesenvolvidas do planeta e um atraso político que gravou, no imaginário nacional, o estado de Alagoas como a pátria de todos os desmandos. Passados os anos da Colônia (até 1822) e o período Imperial (até 1889), Alagoas permaneceu atrelada a este modelo. 

Os descendentes da mão-de-obra escrava transformaram-se em assalariados servis, na sua maioria subsistindo na economia informal; a estrutura fundiária, registrada nos censos agropecuários do IBGE, permanece quase intocada e hoje é questionada pelos fortes movimentos camponeses; e o modelo agro-exportador não mudou, no essencial, sua feição: domina nossa economia e responde pela produção e exportação de alguns poucos produtos, mas não permite o acesso democrático do camponês à terra e às condições normais de produção. Um modelo concentrador de riquezas, terras e poder, que não impulsa a diversificação da produção, a geração de renda e emprego nas cidades do interior, e, por isso, não consegue deter a migração rural nem sequer abastecer de alimentos sua Capital que importa 90% dos hortifrutigranjeiros que consome. OS CICLOS ECONÔMICOS. 

Os ciclos históricos da economia de Alagoas estiveram sempre ligados as culturas agrícolas. Ao longo de quatro séculos, o espaço econômico alagoano foi sendo, lentamente, ocupado por diversas atividades agro-pastorís. Duas destas atividades agrícolas - cana-de-açúcar e pecuária - se destacaram, principalmente a primeira, e marcaram todas as regiões fisiográficas de Alagoas, dando-lhes uma nova paisagem natural e humana conformando sua agricultura maior. Por outro lado, outras atividades também agrícolas - coco, algodão, fumo e arroz - contribuíram para a formação econômica de Alagoas sem, no entanto, terem a importância da cana-de-açúcar ou da pecuária e, por isso, formam a agricultura menor do Estado. O pau-brasil, excepcionalmente, sem pertencer ao conjunto dos produtos que marcaram formação do nosso espaço econômico, foi o responsável pelo primeiro ciclo econômico brasileiro e, naturalmente, de Alagoas. 

Pau Brasil

A madeira de cor vermelha encontrada abundantemente em todo litoral alagoano - "Pau Brasil" para os portugueses, "Caesalpinia Echinata" dos botânicos ou "Ibirapitanga" para os indígenas - foi o primeiro produto de exploração regular em terras brasileiras. A exploração da madeira cor de brasa, destinada a tinturaria de tecidos na Europa, foi o motivo da instalação dos primeiros fortins no litoral alagoano e das primeiras feitorias (acampamentos provisórios) perto das áreas onde os índios derrubavam e carregavam seus toros em troca de quinquilharias trazidas pelos portugueses. Mercadores franceses disputavam com os lusitanos a exploração do pau-brasil, ao longo das primeiras décadas, buscando inclusive alianças com tribos indígenas para consolidar sua presença em terras brasileiras. Apesar de sua pouca importância econômica e de seu curto ciclo econômico, foi a exploração do pau-brasil que deu aos portugueses tanto o conhecimento dos povos indígenas como dos detalhes geográficos das terras alagoanas, condições necessárias para a exploração do território, com o aproveitamento de outras madeiras para a marcenaria e construção naval e, futuramente, para a instalação dos engenhos de açúcar. A exploração sistemática esgotou, em poucas décadas, a madeira cor de brasa e, no final do séc. XVI, praticamente não se fazia mais a derrubada e sua exportação.

Parte IV


As Tentativas de Modernização Conservadora



No ano de 1956, refletindo o clima do período "desenvolvimentista" pelo qual passava o Brasil e derrotando os projetos conservadores locais, instalou-se no Palácio dos Martírios um governo de caráter original para Alagoas. Liderada por Muniz Falcão, esta experiência de poder político, por suas preocupações sociais e por um projeto modernizante, marcou a história recente de nosso Estado. 

O governo de Muniz Falcão foi "caso único na história do Estado, em que a oligarquia alagoana não esteve representada na chefia do executivo por um dos seus quadros", registra o historiador Douglas Apratto no estudo "Tragédia do Populismo". Neste interregno popular, uma frente democrática esboçou um modelo político distinto de seus antecessores e tentou, através de medidas reformistas, modificar o perfil subdesenvolvido de Alagoas. A simbólica proposta de criar uma taxa sobre os principais produtos da economia alagoana para utilizar os recursos arrecadados em educação popular foi derrotada, mas refletia - já naquela época - a mudança de orientação governamental. Após a derrota política desse projeto reformista, em 1960, Alagoas conheceu uma seqüência de projetos conservadores cujos modelos de desenvolvimento, acompanhando de certa forma a conjuntura nacional, estavam assentados sobre a idéia luminosa da "redenção" da economia mediante o sucesso de um projeto espetacular, milagroso, capaz de, por si só, modernizar a economia, sem alterar a estrutura social e de poder no Estado. Esse tipo de abordagem da questão econômica e social da realidade alagoana era coerente com os postulados mais caros ao setor conservador que dominava o Estado. 

A campanha do Bônus Industrial/BI é ilustrativa dos sessenta. Imaginaram os autores da proposta do BI que, aumentando a arrecadação do ICM através de uma campanha publicitária e prêmios aos participantes, o Estado poderia desenvolver uma política industrial centrada em pólos e distritos industriais, que transformaria o perfil da economia alagoana. A ilusão era tamanha que se acreditava que a forte imigração em direção aos Estados mais desenvolvidos diminuiria ou mesmo estancaria. O Distrito Industrial Luiz Cavalcante, no Tabuleiro dos Martins, ficou como o pífio resultado dessa estratégia conservadora. Nos anos setenta, um discurso elaborado nos gabinetes técnicos dos órgãos públicos é socializado por todos os meios de comunicação para associar a idéia do Proálcool, um programa do Governo Federal para substituir, na matriz energética brasileira, o combustível importado, a gasolina, pelo álcool carburante, como um elemento impulsor do desenvolvimento alagoano. Alagoas entraria na OPEP, era a sensação que transmitiam os elaboradores do discurso em defesa do Proálcool. 

Passadas duas décadas e um balanço deste processo não pode desconhecer o enorme crescimento da capacidade instalada das usinas e destilarias alagoanas para a produção de açúcar e álcool. Mas, refletindo o tipo de modelo nacional dominante naquela época, Alagoas cresceu economicamente mas não diminuiu o índice de pobreza de sua população. Ainda não havia esfriado o Proálcool e chegava a novidade do Polo Cloroalcoolquímico de Alagoas. Recursos foram mobilizados, órgãos foram criados e, principalmente, muita propaganda, um discurso orquestrado de que o PCA iria possibilitar investimentos de mais de 1 bilhão de dólares e criar milhares de empregos diretos e indiretos e, que, rapidamente, a renda per capita iria ultrapassar os 5 mil dólares. No final dos anos oitenta, as dificuldades do setor sucro-alcooleiro coincidem com a desilusão das possibilidades de demanda a partir do Polo Químico. 

A perspectiva de que o PCA absorveria parte considerável do álcool alagoano para a produção do eteno esvaiu-se, em 1990, com a construção de um etenoduto ligando Camaçari, na Bahia, à empresa Salgema (hoje Trikem) em Maceió, por outro lado, esvaiu-se também a perspectiva de utilização do bagaço da cana-de-açúcar na produção de energia para movimentar as indústrias do Pólo Químico, tanto pela não implantação dos projetos industriais anunciados como pela concorrência de um insumo energético mais barato que o bagaço, o gás do vizinho município de Pilar. 

O milagre, portanto, não aconteceu; Alagoas não se transformou numa enorme Cubatão e, hoje, já não se fala nessa quimera. Do projeto PCA sobrevive apenas uma grande fábrica - Trikem, ex-Salgema S.A. - que produz e exporta pvc, dicloretano e soda cáustica. Agora temos um novo eldorado: o turismo. Novamente estamos diante de um novo e solitário elemento que vai "salvar" a economia de Alagoas. Antes nossa vocação era a agricultura, hoje é o setor terciário. Sem nenhum balanço dos projetos anteriores, do que já foi planejado, sem nunca analisar o que realmente passou com todas estas experiências, embarca-se na ficção de que, novamente, um segmento (turismo) de um setor econômico (serviços) será a redenção da economia alagoana.

 

Parte V


A Crise do Estado e o Futuro de Alagoas



Diferentemente das soluções milagrosas dessa tentativa de modernização conservadora, as sociedades desenvolvidas, o "primeiro mundo" tão apontado como um modelo a copiar, enfrentaram seus subdesenvolvimentos com medidas democráticas, baseadas em estratégias de longo prazo: a universalização do ensino básico, uma política de saúde para atender às demandas de toda a população, o acesso à terra e ao crédito (todos os países da União Européia, Estados Unidos, Japão, a seu tempo, fizeram suas reformas agrárias), o protecionismo de sua indústria nascente, a defesa de sua produção alimentar, políticas de solidariedade regional, políticas de distribuição de renda, etc. 

Está claro que não podemos pensar Alagoas afastada de um modelo nacional, onde se destacam a concentração de renda, terra e poder político que jogam o Brasil no pódio da economia mais desigual na distribuição de suas riquezas, a nível mundial. Mas o Estado de Alagoas teve - e continua tendo - margens de autonomia para manobrar a máquina em direção aos interesses socialmente mais amplos. Não o fez; é outra história. A crise do Estado que ora assistimos vem da década passada e sua origem é conhecida. Com a desaceleração do Proálcool a partir de 1986 e a crescente dificuldade de apoio e financiamento, o setor açucareiro alagoano foi buscar uma compensação na estrutura do Estado, com o intuito de complementar os mecanismos paternalistas que dispunha no plano federal. Com isto, o setor sucro-alcoleiro transformou-se no principal responsável da crise alagoana e o responsável pela desorganização do Estado. 

A companhia estadual de eletricidade, CEAL, passou a sofrer com a inadimplência do setor que atingia, em 1996, R$ 40 milhões. O banco estadual, Produban, não recebeu dos empresários do açúcar uma soma calculada em torno de R$ 300 milhões de empréstimos vencidos e, para cúmulo, um acordo fiscal assinado em 1989 entre o Governo do Estado e as indústrias do açúcar transferiu para estas últimas, durante os oito anos em que durou o acordo, aproximadamente 800 milhões de reais, segundo cálculos da Secretaria da Fazenda. Com a perda de seu principal contribuinte, rapidamente a máquina pública esgotou suas possibilidades de investimento. A partir de 1996, o Estado de Alagoas entrou em bancarrota, vivendo numa situação emergencial que o levou a assinar um acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional, batizado de "Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal", federalizando uma dívida de dois bilhões e meio de reais, assumindo o compromisso de transferir, durante 360 meses, 15% de sua receita mensal para Brasília. 

Herdeira destas dificuldades, Alagoas caminha aceleradamente, na virada do século, para transformar-se numa sociedade ainda mais urbanizada, demandando serviços, emprego e renda. Uma sociedade polarizada, com o maior nível de concentração de riquezas do Brasil: 70% da força de trabalho atua no mercado informal, recebe menos de um salário mínimo e não têm as garantias da seguridade social. No enfrentamento desse drama reside o centro de qualquer estratégia de desenvolvimento. 

Discutir o futuro de Alagoas é debater o modelo de desenvolvimento que queremos para as próximas gerações. Podemos pensar o futuro com um índice de escolaridade média de 1,8 anos por cidadão, com 57% da população analfabeta e 254.000 crianças até 14 anos fora das escolas? Podemos falar em desenvolvimento e "redenção" com 40% da população sem esgoto ou água potável em suas casas, com 68% dos municípios com registros de endemias (segundo a Fundação Nacional de Saúde)? Podemos pensar numa produção agrícola sustentável e não termos uma política de acesso à terra e ao crédito? Pensar em aumentar o consumo alimentar com a maioria da população com rendimentos abaixo da linha média da pobreza? Ante uma situação como esta não há fluxo turístico que resolva. 

É evidente que para se transformar numa sociedade moderna e participar de forma "competitiva" na economia brasileira, Alagoas terá que resolver seus gargalos sociais e criar, como todas as sociedades dinâmicas, seu mercado interno. A pauta é a mesma do Brasil: a inserção competitiva do nosso país na economia mundial exige desenvolvimento social e humano de toda sua população. Alagoas demanda este mesmo processo para se inserir na economia nacional. E, para isto, precisa de um novo modelo de desenvolvimento que seja socialmente justo, ecologicamente equilibrado, partilhado pela sociedade civil, tanto pela representação dos trabalhadores como a empresarial e impulsado pelo Estado, conseguindo, por este caminho, romper, para sempre, com a pesada herança do fardo colonial.

Parte VI


A Agricultura Menor (1): O Açúcar



O povoamento de Alagoas foi determinado pelos engenhos de açúcar que, junto às fazendas de criação de gado, constituíram uma sociedade profundamente hierarquizada. O aproveitamento, desde o século XVI, das terras férteis da Zona da Mata para o cultivo da cana-de-açúcar, complementada pela pecuária extensiva nas áreas menos produtivas, moldou a economia alagoana, influenciou sua política e soldou os principais traços de sua sociedade A cana foi a primeira cultura comercial do Brasil e, na sua época, o engenho era o maior e mais complexo empreendimento econômico existente no mundo. A mercadoria açúcar era, desde o final do século XVI, o produto de maior valor no comércio mundial. No período colonial, o número de bangüês e a área plantada com cana-de-açúcar em Alagoas cresceram extensivamente. Em 1590 já existiam alguns engenhos, número que aumentou para dez em 1630, quarenta em 1700, cento e oitenta em 1800 e quase um milhar em 1930. A cana instalou-se, inicialmente, no litoral norte próximo a Porto Calvo e Camaragibe e foi ocupando terras, na sua marcha lenta rumo ao Sul de Alagoas, passando pelos vales úmidos dos rios Manguaba, Santo Antônio, Mundaú, Paraíba, São Miguel e Coruripe, nas áreas que antes estavam cobertas pela Mata Atlântica, perto do litoral. Na segunda metade do século passado, pressionado pela concorrência internacional, o parque industrial alagoano, baseado nos velhos engenhos bangüês, foi obrigado a modernizar-se, introduzindo as novas tecnologias e os novos métodos de produção. A primeira usina de Alagoas foi inaugurada em 1892 com o nome de Brasileiro. Em 1902 seriam seis unidades industriais: Apolinário, Brasileiro, Leão, Serra Grande, Sinimbu e Uruba. Foram estas usinas que tomaram as primeiras iniciativas de modernização da produção açucareira. Em 1908, a Sinimbu introduziu a análise química do solo e a adubação verde. Em 1925, a Central Leão foi a primeira usina brasileira a ser eletrificada e, pouco depois, a Serra Grande inovou com a fertirrigação e a irrigação por aspersão. A produção das usinas superou a dos bangüês a partir da safra de 1922/23. Por ter mais capital e maiores condições de incorporar os avanços tecnológicos, as usinas ofereciam maior rendimento industrial e capacidade para introduzir algumas inovações como a irrigação, a seleção de mudas e os novos processos de trabalho. O apoio estatal O setor açucareiro de Alagoas, estruturado no período colonial, atravessou os anos do Império e da República sob um modelo fortemente amparado pelo Estado, transformando-se, em 1980, no segundo maior produtor e exportador nacional de açúcar e álcool. Nos tempos modernos, com a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool, o controle estatal federal era absoluto e a principal atividade econômica alagoana era totalmente planejada: o IAA, a partir de 1933, estabelecia quotas de produção por Estado, por usina e por fornecedor, definia regras para exportação e administrava os preços para o açúcar; exercia influencia sobre o mercado interno, fixando preços e monopolizando as compras; regulamentava, também, o transporte, o manuseio e a armazenagem do açúcar. Em Alagoas, a partir dos anos setenta, com o apoio federal, ampliou-se a área plantada, principalmente nos tabuleiros no sul do Estado e em direção ao Agreste. Cresceu o número de usinas e destilarias, introduziram-se novas máquinas aumentando o rendimento industrial e, na parte agrícola, renovou-se a plantação de cana com a introdução de novas variedades, novos métodos de produção e com a substituição da tração animal pela mecânica. Assim, a área plantada duplicou entre 1970 e 1974, e a produção de cana aumentou de 6 milhões para 11 milhões de toneladas no mesmo período. O IAA também se responsabilizava pela infra-estrutura e a pesquisa no setor sucro-alcooleiro: em 1978 inaugurou, em Maceió o mais moderno terminal açucareiro do Brasil, que representou uma significativa melhoria das condições para a exportação do açúcar demerara a granel. Na área da pesquisa agronômica, impulsou a Estação Experimental de Cana-de-Açúcar de Alagoas/EECAA que, nos anos 70 e 80, desenvolveu um programa de melhoramento genético responsável pela renovação da quase totalidade das variedades existentes em Alagoas nas décadas anteriores. O Proálcool. Entre todos os programas estatais, foi o Proálcool o mais conhecido e o de maior influencia na economia açucareira alagoana. O Proálcool, como as demais iniciativas federais, recebia financiamento especial, com garantia de até 80% do investimento fixo das destilarias anexas e autônomas, com juros de 4% ao ano, pagamento em 12 anos com carência de 3 anos. A cana e outras matérias primas tinham financiamento com juros de 7% ao ano, pagamento em 5 anos com carência de até 2 anos. Graça a este apoio excepcional, entre os anos 1975 e 1990, o setor alcooleiro alagoano ampliou sua capacidade produtiva por meio de 20 novas destilarias anexas e 9 autônomas, multiplicou a produção de álcool em 25 vezes e quase duplicou sua produção de açúcar. Para tudo isto precisou triplicar sua área plantada com cana-de-açúcar. Um notável crescimento que somente foi possível graças às amplas subvenções governamentais, numa transferência de recursos públicos para o setor privado alagoano na ordem de, aproximadamente, 800 milhões de dólares. O novo ambiente No entanto, a extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool/IAA, a desativação do Proálcool e do Planalsucar e a subseqüente desregulamentação setorial, criaram, a partir de 1990, um novo ambiente institucional que obrigou a agroindústria sucro-alcooleira adotar novas formas de atuação empresarial, diferentes das que eram praticadas no período de regulação estatal. A partir de 1990 deu-se início a um processo de restruturação produtiva que atingiu em cheio as 27 usinas e 33 destilarias então existentes no Estado, e que, nesse período, empregavam mais de 100 mil trabalhadores e representavam a principal atividade agro-industrial de 57 dos 102 municípios alagoanos. Numa década, este processo levou à desativação das indústrias menos competitivas e à concentração da produção de cana, álcool e açúcar nas mãos de um conjunto reduzido de grupos empresariais, conjunto que levou adiante o processo de modernização setorial. Essa concentração da produção de cana, álcool e açúcar veio acompanhada pela diversificação produtiva, pela diferenciação de produtos e pela incorporação de inovações tecnológicas e novos métodos de gestão. Os dados deste processo de "seleção natural" indicam que há uma clara tendência de concentração da produção nas 16 maiores unidades (Cachoeira, Caeté, Camaragibe, Coruripe, Guaxuma, Leão, Porto Rico, Roçadinho, Santa Clotilde, Santo Antônio, Seresta, Serra Grande, Sinimbu, Sumaúma, Triunfo e Uruba), que vêm aumentando suas presenças no período 1990-99, representando mais de 90% da produção na safra 1998/99. As seis usinas menores (Capricho, João de Deus, Laginha, Marituba, Santana e Taquara), estabilizaram suas produções em quantidades menores que um milhão de sacos/ano e continuaram suas atividades. As outras seis unidades que suspenderam suas atividades (Alegria, Bititinga, São Simeão, Terra Nova, Ouricuri e Peixe), são empresas que, por razões diversas, - reduzida escala de produção, grande volume de dívidas acumuladas, defasagem tecnológica, região agrícola irregular - não conseguiram acompanhar o ritmo exigido pelos novos padrões de competição. As 21 destilarias que permanecem em atividade e respondem por 100% da produção de álcool (Cachoeira, Caeté, Coruripe, Guaxuma, Laginha, Leão, Marituba, Penedo, Pindorama, Porto Alegre, Porto Rico, Roçadinho, Santana, São Gonçalo, Santa Clotilde, Santo Antônio, Seresta, Serra Grande, Sinimbu, Sumaúma e Triunfo) pertencem, em sua quase totalidade, aos mesmos grupos econômicos das grandes usinas sobreviventes e, por outro lado, as destilarias desativadas (Alegria, Bititinga, Camaçari, Maciape, Massagueira, Ouricuri, Peixe, Roteiro, São Simeão, Serrana, e Terra Nova) pertencem, em grande parte, ao grupo das usinas que encerraram suas atividades. Neste processo de reestruturação, a centralização da produção de cana, álcool e açúcar fica evidenciada quando é somada a produção dos grandes grupos agro-industriais, representados pelas empresas com mais de uma usina ou destilaria: Carlos Lyra (usinas e destilarias Cachoeira, Caeté e Marituba), Corrêa Maranhão (usina Camaragibe e usina e destilaria Santo Antônio), João Lyra (usinas e destilarias Guaxuma e Laginha e usina Uruba), Toledo (usina Capricho, destilaria autônoma Penedo e usina e destilaria Sumaúma), Tércio Wanderley (destilaria autônoma Camaçari e usina e destilaria Coruripe), Olival Tenório (destilaria autônoma Porto Alegre e destilaria e usina Porto Rico) e Andrade Bezerra (usina e destilaria Serra Grande e a usina Trapiche em Pernambuco). A produção total destes sete grupos passou de pouco mais da metade do total alagoano em 1990, para o equivalente a dois terços do álcool e açúcar elaborados em Alagoas na última safra. Um outro indicador importante na centralização do setor sucro-alcooleiro ocorre na produção de cana-de-açúcar onde é crescente o percentual de matéria-prima produzida pelas próprias usinas e destilarias. Com a falta de financiamento agrícola e de assistência técnica, aumentaram as dificuldades dos pequenos e médios fornecedores de cana, beneficiando-se a produção de cana própria nas usinas, onde a racionalização no uso de máquinas e implementos exige uma produção em larga escala em áreas próximas com um padrão de gerenciamento mais moderno, novas e mais produtivas variedades e técnicas de colheita mecanizadas. A modernização As usinas e destilarias que sobreviveram, demonstram, hoje, sua capacidade de liderar o processo de modernização do setor sucro-alcooleiro e trabalham melhor os critérios de eficiência financeira-econômica, enquanto as usinas desativadas caracterizaram-se por manterem alto grau de inadimplência bancária, fiscal e trabalhista, ademais do atraso tecnológico. A diferenciação entre unidades modernas e atrasadas refletiu-se na afirmação das primeiras e na estagnação ou desaparecimento das segundas. As alternativas que se apresentam para o setor sucro-alcooleiro no período pós-desregulamentação, estão concentradas em dois níveis distintos: o macroeconômico, através da implementação de um conjunto de medidas que permitiria a criação de um ambiente econômico favorável a avanços em direção à competitividade do setor como um todo, cuja medida mais importante nesta direção é o Programa de Equalização da Cana-de-açúcar que, financiado pelo governo federal e coordenado pela SUDENE, transferiu os subsídios anteriormente repassados aos produtores industriais de álcool para os plantadores de cana-de-açúcar. O outro nível é o microeconômico, que exige das empresas a adoção de novas estratégias competitivas, permitindo a sobrevivência das unidades mais fortes. As dívidas do setor Apesar de todos os fenômenos adversos - extinção do IAA e do Planalsucar, desregulamentação do setor, desativação do Próalcool, bancarrota do Estado de Alagoas e o fechamento de algumas usinas e destilarias - não houve diminuição no nível de crescimento e de expansão da agroindústria sucro-alcooleira estadual. A mudança de perfil da agroindústria sucro-alcooleira, por um lado, capacitou o setor para enfrentar o novo ambiente de adversidades, mas, por outro, exigiu o afastamento dos fornecedores e usineiros menos competitivos e a eliminação de muitos postos de trabalho tanto na área agrícola como industrial. Ainda assim, este período de reestruturação não configura uma situação de crise econômico-financeira do setor, fenômeno que seria caracterizado, entre outros aspectos, pela retração da atividade produtiva, com a conseqüente diminuição dos volumes de produção e exportação, estagnação no rendimento industrial e na produtividade agrícola, falta de investimentos em novas tecnologias e infra-estrutura, imobilidade empresarial e inadimplência financeira generalizada. O setor apresenta, isto sim, outras características que configuram um período de modernização produtiva, liderado por alguns grupos empresariais. A partir de 1990, a nova dinâmica da concorrência aberta com regiões mais competitivas obrigou a modificações estruturais e à adoção de estratégias que substituíram as antigas formas de atuação subordinada à regulação estatal feita através do IAA. Estas modificações alteraram a lógica de acumulação, que deixa de ser extensiva, com aumentos na produção de cana, açúcar e álcool, para se tornar intensiva, com o aumento da produtividade setorial, redução da área plantada e flexibilidade na produção. Estas transformações implicam na necessária redução do número de trabalhadores e na inviabilização de um número considerável de pequenos e médios fornecedores. Esse processo de reestruturação produtiva centrado no privilégio das inovações tecnológicas e diversificação de produtos e empresas tem, no entanto, dois aspectos problemáticos e negativos: a questão ambiental e a manutenção do antigo padrão social. A relação entre a cultura da cana e o meio ambiente sempre foi de dificuldades. A necessidade de madeira para construções e para as fornalhas dos engenhos e usinas foi a principal responsável pela derrubada da Mata Atlântica em Alagoas; a expansão dos canaviais nos tabuleiros planos, a partir dos anos 50, realizou-se à custa de derrubadas de matas e ocupação de áreas de outras lavouras; a queima dos canaviais para facilitar o corte e a monocultura da cana implicam perda de qualidade dos solos e na diminuição da biodiversidade na Zona da Mata; o despejo do vinhoto (tiborna) e de águas usadas no processo de lavagem de canas foi o responsável pelo declínio dos rios daquela região e por graves problemas no complexo lagunar Mundaú-Manguaba. Estes elementos marcaram, ao longo de séculos, a relação entre a cana e o meio ambiente da Zona da Mata. Atualmente, a questão ambiental na Zona da Mata alagoana está sendo enfrentada dentro da lógica empresarial. O tratamento de resíduos industriais antes do seu lançamento nos efluentes, a utilização do vinhoto na ferti-irrigação com o aproveitamento de seus componentes químicos para enriquecer os solos, a utilização do bagaço como combustível nas caldeiras para gerar energia, a utilização da água de lavagem para a irrigação de canaviais e, até mesmo, alguns pequenos projetos de reflorestamento de algumas usinas, têm modificado a visão da cana-de-açúcar como um grande agressor do equilíbrio ecológico. Por outro lado, a superação do modelo anterior e a sustentabilidade do novo modelo não podem resultar apenas de um (re)ajuste empresarial com a incorporação de novas tecnologias e métodos de produção no campo agrícola e agro-industrial, mas terão que responder também ao absoluto atraso de uma população condenada pelo modelo que ora agoniza. As alternativas possíveis passam, obrigatoriamente, pela introdução da agenda social da Zona da Mata. Às portas do século XXI, persistem nesta área, a principal região produtora de cana-de-açúcar em Alagoas, os indicadores de desenvolvimento humano e de qualidade de vida negativos, que demonstram a permanência da característica concentradora de renda, terra e poder deste setor produtivo, situação que parece fechar-se sobre si mesma e bloquear qualquer possibilidade de superação de um quadro de injustiças que vem dos tempos coloniais. Os indicadores sociais - analfabetismo, endemias, déficit habitacional, mortalidade infantil, violência, etc. - todos gravosos para a região, não correspondem à riqueza produzida nem aos investimentos públicos realizados no setor sucro-alcooleiro nas últimas décadas. É o paradoxo: às portas do 3° Milênio, na era da globalização e do capitalismo pós-industrial, o competitivo parque produtivo sucro-alcooleiro continua instalado no quarto mundo rural onde sobrevivem as relações de trabalho servis, originadas no antigo período colonial.

Parte VII


A Agricultura Menor (2): A Pecuária



Presente em todos os municípios alagoanos, ocupando mais de um milhão de hectares de área agrícola (três vezes a área da cana-de-açúcar) com seus pastos naturais ou plantados, a pecuária é o segundo elemento da agricultura maior de Alagoas. Foi a atividade agrícola que, depois da cana, mais influenciou o espaço econômico do Estado. Trazido pelos portugueses no início da colonização, o gado europeu adaptou-se na Zona da Mata onde era uma atividade subsidiária nos engenhos de açúcar para, depois, expandir-se para o Agreste e Sertão. No primeiro instante, sem as cercas que os separassem, o gado convivia estreitamente com o engenho, fornecendo alimento, tração animal para a moenda e para transportes a pequenas distâncias. Curral e lavoura eram do mesmo proprietário. No segundo momento, o crescimento da lavoura e a ampliação dos rebanhos tornaram incompatíveis as duas atividades e o gado desloca-se para as áreas próximas do interior, fornecendo também o couro como matéria-prima para os utensílios dos engenhos. No terceiro instante, a pecuária rompe com a proximidade da zona açucareira e ganha o Sertão. A ultra-especialização na área do açúcar e a necessidade de grandes pastagens separaram as duas atividades que passaram a se encontrar nas feiras e mercados. 

A expansão da pecuária foi rápida e, já no começo do século XVII, encontramos registros da existência de excelentes pastagens e grande quantidade gado na região dos Campos de Arrozal de Inhauns (São Miguel dos Campos e Anadia) e em Porto Calvo, considerados num relatório holandês como "os mais belos pastos de todo o Brasil". No século seguinte, a pecuária conquista a região sertaneja através do Rio São Francisco. No século XX dois novos elementos vão modificar a atividade agro-pastoril alagoana: a importação e disseminação da palma forrageira e a importação e incorporação no rebanho alagoano do gado indiano tipo "Nelore" e "Guzerá", gerando o rústico "crioulo-zebuíno". A nova forragem, que era misturada ao caroço de algodão, iria permitir a sobrevivência do gado no semi-árido alagoano e o melhoramento genético aumentava a qualidade do plantel bovino de Alagoas. Estes dois elementos - palma forrageira e gado mestiço - ajudam na constituição da Bacia Leiteira nos municípios do Sertão. A incorporação de novos elementos - o cruzamento com gado europeu e a popularização de novos tipos de capins - permite seu alargamento para o Agreste e, nos anos 90, sua ampliação pela extensão da produção leiteira nas áreas tradicionais da cana-de-açúcar, onde se instalaram algumas empresas de laticínios como a São Domingos em União dos Palmares e a Boa Sorte, em Viçosa.

Parte VIII


A Agricultuar Menor (3): O Coco



O coqueiro foi um caso espetacular de adoção ecológica. Foi trazido pelos portugueses e vingou como planta ornamental nos jardins da colônia, onde se espalhou por toda costa litorânea, transformando-se em símbolo regional nordestino e alagoano. Expulsou o cajueiro nativo do litoral, desenhando outra paisagem, a que hoje conhecemos. Cultura pobre, ficou confinado à estreita margem litorânea, sem molestar a cana-de-açúcar. O coqueiro oferecia, desde os primórdios da colonização, o fruto como alimento e o tronco e a palma para construir e cobrir as palhoças dos moradores da região. Por não exigir muitos cuidados, produzir continuamente por décadas (50 a 60 anos) e não necessitar de industrialização dispendiosa, o coqueiro era cultivado por grandes e pequenos proprietários, fazendo de Alagoas, até 1970, o segundo maior produtor nacional. No entanto, a falta de investimentos nos coqueirais com baixa produtividade (cinco vezes menor que as dos concorrentes asiáticos), a questão sanitária, a urbanização e a conseqüente derrubada de coqueiros, afetaram a produção alagoana, que foi diminuindo sistematicamente 

A partir dos anos 70, se instalaram em Alagoas algumas fábricas de beneficiamento do coco. Estas agroindústrias, apesar de competitivas, não conseguiram dinamizar e transformar a área litorânea num espaço dinâmico da agricultura alagoana. (2) O algodão É uma planta nativa das Américas, conhecida pelos indígenas que já trabalhavam suas fibras. De uma importância irrisória durante mais de dois séculos e meio, o algodão passou a cultura comercial com a revolução industrial inglesa, no século XVIII. As invenções do fuso, da máquina a vapor e do tear mecânico permitiram a explosão do consumo de têxteis elaborados com a fibra desta planta, impulsando sua produção em larga escala. Plantado inicialmente na Zona da Mata, o algodão se espalhou pelo Agreste alcançando o Sertão alagoano. Cultura fácil, de ciclo vegetativo curto, o algodão podia ser associado ao plantio do feijão e do milho, atividades agrícolas de subsistência e ao mesmo tempo comerciais, o que a fazia uma cultura acessível aos pequenos produtores, democrática, capaz de enfrentar a cana-de-açúcar na disputa por terras e força de trabalho. 

O algodão permitiu assim o povoamento de vastas áreas do interior com suas plantações que ajudavam as fazendas de gado a se fixarem nas zonas sertanejas. Em Alagoas, no período colonial, o algodão servia na fabricação de panos grosseiros e baratos para a vestimenta dos escravos e das classes mais pobres da população. O algodão tinha um processo de colheita e de primeiro tratamento mais baratos que o do açúcar, através das bolandeiras e, depois, dos descaroçadores, o que permitia o surgimento de dinâmica urbana nas pequenas vilas e cidades do interior alagoano, onde se financiavam e compravam a matéria prima para, depois, vendê-las aos exportadores. O período áureo do algodão ocorreu na segunda metade do século passado, quando o algodão se transformou numa cultura comercial e passou a concorrer com o açúcar tanto em quantidade produzida como no volume das exportações regionais. Estas atividades eram realizadas por comerciantes ingleses instalados em Maceió, principalmente em Jaraguá, com escritórios especializados na exportação de mercadorias brasileiras e importação de produtos industriais europeus. Esta produção permitiu o primeiro surto de industrialização em Alagoas. 

Em 1857, o Barão de Jaraguá lidera um grupo de acionistas que inaugura, seis anos depois, a primeira fábrica de fiação e tecidos do Estado, a "União Mercantil", no distrito de Fernão Velho. Tal como a cultura do algodão, a indústria têxtil se espalha por todo o Estado: em 1890 inaugura uma fábrica em Rio Largo (Cia. Alagoana de Fiação); em 1892 a do Pilar (Cia Pilarense); em 1895 a de Penedo (Industrial Penedense); em 1895 outra em Rio Largo (Progresso); em 1913 a de São Miguel dos Campos; em 1913 a Fábrica Alexandria (Bebedouro, Maceió); em 1914 a Fábrica da Pedra, em Água Branca; seguidas da Norte de Alagoas (Saúde, Maceió), Vera Cruz (São Miguel dos Campos) e o Cotonifício Gonçalves (Piaçabuçú). A produção algodoeira apoiava a existência, no Estado, em 1902, de cinco fábricas de tecidos, outras de óleos vegetais, 47 máquinas para descaroçar o algodão e 32 bolandeiras. 

Duas décadas depois o número de descaroçadores era de 145, espalhados por 23 municípios. Craveiro Costa nos relata que, em 1931, as dez fábricas de fiação e tecelagem utilizavam 3.100 teares e empregavam 6.000 operários. A exportação de vários tecidos - algodões, chitas, cretones, morins, bramantes, brins, toalhas, meias, etc. compensava a saída que se fazia de algodão em pluma. No entanto, a partir de 1930 há uma constante superprodução mundial, tendo os EUA como primeiro produtor/exportador mundial, acompanhado por outros países asiáticos ou africanos. O algodão alagoano, sem muita competitividade, foi perdendo espaço, desaparecendo da pauta de exportação e, mais importante, teve sua produção deslocada do mercado local pelo algodão de outros Estados. 

Hoje, há uma tentativa de relançamento da cultura algodoeira, dificultada pela ausência de uma indústria beneficiadora local, pela falta de financiamento e pela forte concorrência internacional que abastece até mesmo as poucas fábricas de tecido instaladas em Alagoas. (3) O arroz. Esse vegetal foi plantado em várias regiões de Alagoas, mas encontrou no Vale do baixo São Francisco seu habitat mais acolhedor, ocupando importante papel na região ribeirinha de Alagoas (Piaçabuçu, Penedo, Porto Real do Colégio e Igreja Nova), nos quais a cheia anual do rio construía as "lagoas de arroz" nos terrenos alagados das margens do rio ou das ilhas fluviais. Desde o século passado até os anos cinqüenta predominaram as variedades pobres - macambira, cana roxa -, de péssima qualidade, que foram sendo substituídas por outras variedades mais produtivas. A adubação natural permitia uma alta produtividade (1.800 kgs./ha) por um custo relativamente baixo. No entanto, a regularização do Rio São Francisco, com a construção de várias barragens (Sobradinho, Paulo Afonso, Moxotó e Xingó) diminuiu a intensidade das cheias e da formação das "lagoas de arroz", e esta cultura passou a necessitar de irrigação artificial, estimulada por órgãos estatais, que torna a pequena produção de arroz alagoano pouco competitiva, principalmente se comparamos com a produção de outros estados que atinge a média de 3.800 kg/ha. (4) O fumo. Planta nativa das Américas, o fumo sempre foi produzido em Alagoas, sendo considerado, na época da Colônia, "o melhor tabaco do Brasil". O fumo alagoano tinha o preço mais alto de todo o país e participava das trocas coloniais, sendo levado para África, juntamente com os barris de aguardente, para servir de moeda de troca no litoral africano, ajudando na compra de escravos. 

No século XVIII desenvolve-se o hábito de fumar na Europa, o que demanda grande quantidade de tabaco e impulsa essa atividade no Brasil. O fumo na era colonial era produzido na Zona da Mata, principalmente no Vale do Inhauns. A bacia fumageira instalada no Agreste alagoano, cujo centro é o município de Arapiraca, é de origem recente. Com suas enormes vantagens em matéria de solo, clima e altitude, começa a produzir, em pequena escala, nos anos 20 e dispara sua produção a partir do final da II Guerra Mundial. Por ser uma cultura extremamente trabalhosa, é produzida por pequenos e médios proprietários em áreas que não excedem a vinte hectares, permitindo o consórcio com o milho, mandioca e o feijão. 

O tratamento que vai do plantio nas "leiras", os transplantes, o corte, a secagem, a cura, a enrolação e a comercialização, demanda muita mão-de-obra familiar, dos meeiros e arrendatários, complementada pelo trabalho assalariado na época da colheita. Representando 8% do fumo nacional, a produção alagoana é a maior do Nordeste. No entanto, a falta de uma política de industrialização para agregar valor à produção da matéria-prima, a falta de investimentos na melhoria do produto e de pesquisas agronômicas, assim como o controle oligopólico do grosso da comercialização, tanto do fumo em folha, controlado por três companhias sediadas em Salvador, assim como do fumo em corda, dominado por três empresas sediadas em Arapiraca, impedem um maior desenvolvimento da área fumageira.

 

Parte IX

Indicações paara Leitura
  1. Alexandra Gouveia Rios, Ana Célia Prado e Tereza Kelly Gomes. "Mudanças estruturais na Bacia Leiteira de Alagoas", Maceió: Edufal, 2000
  2. Arakem Alves de Lima. A crise que vem do verde da cana. Uma interpretação da crise financeira do Estado de Alagoas. Maceió, Edufal, 1998
  3. Cícero Péricles de Carvalho. Análise da reestruturação produtiva da agroindústria sucro-alcooleira em Alagoas, Maceió: Edufal, 2000
  4. Douglas Apratto Tenório. Tragédia do Populismo. Maceió: Edufal, 1996.
  5. Fernando José de Lira. Crise, privilégio e pobreza. Maceió: Edufal, 1997
  6. Governo de Alagoas. Perfil Sócio-econômico do Estado de Alagoas. Maceió: Seplan/Fiplan, 1989
  7. Ivan Fernandes Lima. Ocupação Espacial do Estado de Alagoas. Maceió: Sergasa, 1992
  8. Leda Almeida. Rupturas e permanências em Alagoas. Maceió: Ed. Catavento, 1999
  9. Manoel Correia de Andrade. Usinas e destilarias em Alagoas. Maceió: Edufal, 1997
  10. Manuel Diégues Jr. O Bangüê nas Alagoas", Maceió: Edufal, 1980
  11. Vinícius Nobre Lages e Vanda Ávila Ramos. Para além da conquista da terra. A sustentabilidade dos assentamentos em Alagoas. Maceió: Edufal, 1999.
As lições da História. Quando se lê um texto antigo, um livro de memórias, um manual de história, se está aprendendo com o passado. Para provar, reproduzimos três textos de conhecidos intelectuais, sobre um mesmo tema: a situação dos trabalhadores rurais alagoanos. O primeiro de Affonso Mendonça, de 1902, o segundo de Humberto Bastos, de 1938, e o terceiro de Manuel Diégues Jr., de 1954. Falam do mesmo assunto, mas sob pontos de vista bem diferentes, antagônicos até. O leitor deve ficar curioso: como, há tanto tempo, já se debatia temas tão atuais? Já disseram que a história não é uma soma de fatos datados, é uma lição permanente de vida para uma pessoa, para uma sociedade. Duvida?



Então leia.




Modo de Viver Camponês (1938)


"Em geral o camponês recebe remuneração semanal. Além desse processo comum, existe uns tantos contratos "de boca". Esse, por exemplo, de receber um pedaço de terra "de graça" com a condição do trabalhar duas semanas para o proprietário, também "de graça". Nesse pedaço de terreno o camponês levanta a sua casinha de palha ou de barro com taipa, planta na frente umas verdurinhas, de preferência, porém, milho, feijão, fava, algodão. Se viver 50 anos trabalhará por todo esse tempo duas semanas por mês sem receber um tostão. E não há horário. O relógio é o sol. Principia a tarefa às 6 horas da manhã e termina às 6 da tarde. Vamos agora a uns tantos cálculos. Suponhamos que aquela ponta de terra custe 2:000$00 . O trabalhador, em média, ganha 3$00 diários (trabalhador da cana). Duas semanas a 3$ por dia são, portanto, 36$00 por mês. Suponhamos, ainda, que esse homem trabalhe dez anos. Sabem quanto deixou de receber? ... 4.320$00 justos. De modo que o proprietário teve trabalho sem despender um tostão durante 10 anos e continua dono do pedaço de terra que "deu" ao caboclo... Está aí um detalhe do modo de viver do camponês. Como faz um desses contratos "de boca" o camponês passa a ter sua pequena roça. E o resultado das plantações ele vende para ter o dinheiro e adquirir roupa, etc. E o resto deixa no barracão perto. Daí o indivíduo subalimentado que nós conhecemos (...). Dessas famílias, 10% comem frutas e verduras. E 5% bebem leite. Para a criança o alimento básico é o mingau e a garapa de açúcar "bruto". Que pode sair dessa população embrutecida e fraca? Impedindo a prática da policultura, ampliando os seus terrenos, que se tornam dia a dia mais extensos, não contribuindo diretamente para desenvolvimento do estado, a não ser com os impostos, os engenhos e as usinas criam esse ambiente asfixiante. O trabalhador do campo é mal alimentado, ignorante, cachaceiro. Os mais enérgicos emigram. O que fica é um bagaço, osso de gente. Que será das novas gerações dos campos?" 

"Açúcar & Algodão" de Humberto Bastos (1938). Casa Ramalho, Maceió. Págs. 94-98

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