Os Ciclos Históricos de uma Economia Dependente - Parte I
Autor:
Cícero Péricles de Carvalho
Alagoas: um
problema regional
Chegamos às comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil com um
diagnóstico pouco animador: Alagoas ainda é um estado subdesenvolvido, uma
condição que pode ser vista através dos distintos planos que explicam uma
sociedade. O primeiro plano, e o mais visível, é o econômico. Todas as análises
nesta área demonstram que o reduzido setor industrial e a agricultura do
Estado, apesar do desempenho regular de setores tradicionais como o açúcar e a
pecuária, ressentem-se da ausência de pólos dinâmicos e da falta de
perspectivas de novos investimentos. O setor de serviços, ainda que apresente
alguns pontos de crescimento, não consegue absorver toda a carga de problemas
acumulados na economia do Estado. A economia não vai bem. Num segundo plano
temos uma estagnação social, resultado da pesada herança colonial, que, por não
ter sido enfrentada adequadamente, continua estampada nos índices negativos de
qualidade de vida dos alagoanos. Como conseqüência, Alagoas situa-se lá embaixo
na lista de todos os indicadores nordestinos e brasileiros na educação, saúde,
habitação, segurança, etc.. Uma situação que espelha os problemas da sociedade
regional mais hierarquizada e de riqueza mais concentrada de todo o País. Por
último, uma crise financeira e administrativa do Estado. O setor público, por
sua capacidade de interferir diretamente nas questões sociais e induzir na
solução dos problemas econômicos de uma região periférica, continua sendo o
principal instrumento para a execução de uma estratégia transformadora em
Alagoas. Mas a máquina estadual está em ruínas. A crise fiscal (devido a um
Estado que arrecada menos do que necessita gastar) dos anos oitenta originou
uma crise financeira que, até hoje, imobiliza um setor público caracterizado
pelas deformações de décadas de manipulações. No ano passado, o nó financeiro
derrotou duas equipes montadas para enfrentá-lo. O novo Governo, já com sua
terceira equipe, também não consegue equilibrar suas contas, apresentando
sempre despesas maiores que a receita total e uma arrecadação própria (impostos
pagos em Alagoas, sem contar as transferências federais) que não cobre sequer a
folha de pessoal do poder executivo. O somatório destas três dificuldades
estruturais e conjunturais empurra Alagoas para uma situação especial: a de
"problema regional" dentro da economia brasileira e um "problema
político-administrativo" para o governo federal. Quando se divide o Brasil
em três blocos de Estados, identificados por suas riquezas e condições sociais,
nós ficamos no final da terceira e pior parte. Estamos no terceiro mundo do
Brasil. Por estas características diferenciais em relação aos demais estados
brasileiros, pelas dificuldades financeiras extraordinárias e por sua situação
social extremada, Alagoas não consegue, de forma autônoma, romper as amarras do
subdesenvolvimento, desatar seu nó financeiro, criar uma economia dinâmica e
colocar-se no mesmo padrão de qualidade de vida da média brasileira. Dada esta
especificidade - a de ser um estado com um drama social explosivo, uma situação
financeira insustentável e sem perspectivas econômicas - Alagoas chega às
comemorações dos 500 anos exigindo um tratamento diferenciado em relação aos
demais estados brasileiros.
Parte II
Repressão &
Disciplina no Trabalho (1902)
"Os progressos da cultura mecânica não chegaram ainda senão por exceção
raríssima a nossa lavoura, cultiva-se a cana pelo processo dos tempos
coloniais: a foice, o machado, a enxada, mesmo nos terrenos mais aptos a marcha
econômica das charruas, arados e capinadores. Nos países adiantados o
proprietário rural goza de inegável independência; entretanto aqui o lavrador
brasileiro, devido a falta de leis repressivas de vagabundagem e reguladora do
trabalho; a frouxidão dos costumes, a demagogia de uns tantos
pseudo-democratas, a ignorância da nossa população íncola, e diversas outras
circunstâncias, vive a humilhante dependência de jornaleiros, dependência que
está na razão direta das necessidades que dele tem. Compreende-se facilmente a
situação do agricultor perante o jornaleiro nomeadamente o agricultor de cana,
especialmente na época da colheita, quando é preciso ter um pessoal organizado
e de alguma sorte permanente.
Cede-se por necessidade às exigências de adiantamentos, faz-se concessões nas
horas de trabalho, se é obrigado a suportar a frouxidão deste, não pode-se
imprimir a disciplina precisa a uma boa organização, submete-se mesmo a
insultos se pensa tentar reprimir abusos e mesmo latrocínios. Se, de um lado
não conta a repressão nas leis, do outro os democratas desocupados, estão
sempre prontos a defender a liberdade de vagabundagem contra os que ele chamam
a autocracia do proprietário; mais picantemente - de "senhor de
engenho".
Nos Estados Unidos a severidade das leis é sumária e inflexível na garantia da
propriedade. A indolência e a vagabundagem não só deixam de ser toleradas, mas
são punidas: homens e mulheres com ferros nos pés, são obrigados e trabalhar em
obras públicas. Fazer essa grande massa de mãos trabalhadoras, de ociosos, de
vagabundos, seguir disciplina e entrar no regime de trabalho, não é unicamente
uma medida de valor econômico, mas também social e humanitária. Transformar em
homens de trabalho, o qual lhes dará o conforto e relativa abastança, os
miseráveis inquilinos de nauseabundas choupanas; que têm em geral como único
utensílio um vaso para água e como leito uma esteira quando não alguns varais,
que carregam andrajos no campo, e n'alma embrutecida pelos vícios e pela
indolência; que jorneiam desonestamente um ou mais dias na semana levado pela
fome ou constrangidos pelo proprietário. Essa coação ao trabalho é uma obra
social de resultados não só filantrópicos, mas fecunda para a afirmativa da
liberdade e do progresso."
Do texto "Agricultura", de Affonso de Mendonça publicado no livro
"Indicador Geral do Estado de Alagoas", organizado por Craveiro Costa
(1902), Casa Ramalho, Maceió, págs. 65/67.
O Homem na Área Açucareira (1954)
"A produção de açúcar reclama concentração, como fator fundamental, mas a
fase de paralisação das atividades determina a saída dos trabalhadores. A
migração estacional se encontra assim como um das marcas da economia
açucareira. A mão de obra se torna flutuante, aparecendo em época de colheita
da cana e da moagem na fábrica. Daí também a utilização do trabalho feminino e
dos menores, de certo modo mais estável, e prevalecendo salários mais baixos.
Não é possível a um homem do campo, com tais salários, ter roupa, isto é,
vestir-se não bem, mas suficientemente. Nem qualidade, nem em qualidade, o
trabalhador veste-se em condições satisfatórias. Por isso mesmo não tem mala,
nem baú, mas a trouxa em que junta as poucas peças de seu vestuário.
As crianças, estas quase sempre andam despidas até certa idade. Sapato não há
noticias. O trabalhador vai para o campo descalço. Outras necessidades, tais
como a de médico, de dentista, comprar remédios, estas são luxos que o homem do
campo não conhece, nem poder ter. Não somente não as encontra em seu meio, como
também não dispõe de recursos para atendê-las. Os baixos níveis salariais
contribuem, como é evidente, para as populações trabalhadoras da área
açucareira apresentarem esse padrão de vida tão baixo. Não somente lhes falta
poder aquisitivo para a alimentação necessária, como ainda condições para uma
habitação, se não for confortável, ao menos digna da existência humana (...) de
modo geral as condições de habitação para o grosso da população trabalhadora da
área açucareira são as piores possíveis. Da senzala de escravo, aos mocambos
dos trabalhadores de hoje a diferença não é muito grande. Se não se pode
considerar essa casa inferior às antigas senzalas, observa-se, entretanto, a
carência de elementos higiênicos fundamentais. Carecem de banheiro ou de
aparelho sanitário.
O banho é tomado no rio próximo, nos banheiros que se fazem naturalmente pelo
aproveitamento das árvores de altas copas, situadas à margem da água. O
aparelho sanitário é mato, touceira de bananeira ou qualquer vegetação alta. De
doenças é que vivem cheios os habitantes da área açucareira; desde as doenças
de carência às endêmicas. Não são menos graves os índices de alfabetização das
populações dos municípios açucareiros das Alagoas. Em Viçosa, por exemplo, o
analfabetismo atinge 88,09% de sua população; 98,02% são os analfabetos na
população de mais de cinco anos da zona rural. Pela deficiência de alimentação
e ainda pelas condições de vida precárias da habitação, é de ver-se que as
populações da área canavieira vivem sob regime de déficits; déficits estes que
se refletem em suas atividades, que vão fazer do trabalhador um doente, sob o
domínio da subalimentação e a influência da moradia. Um doente e não um
preguiçoso, um malandro; - eis o que é homem da área açucareira."
Do livro "População e Açúcar no Nordeste do Brasil" de Manuel Diégues
Júnior. págs. 204/13, Comissão Nacional de Alimentação, Rio de Janeiro, 1954.
Parte III
Herança Colonial
Encravada na região mais antiga do Brasil, Alagoas revela todos os traços da
herança colonial em sua economia e sociedade. A razão é simples: somos o
resultado de uma formação econômica-social baseada na exportação de um pequeno
punhado de mercadorias valorizadas na Europa que, para realizar essa produção,
durante os quatro primeiros séculos de nossa história, se apoiava na escravidão
como relação principal de trabalho e no latifúndio como estrutura central de
propriedade da terra. O pesquisador alagoano Manuel Diégues Jr., no clássico
"Bangüê das Alagoas", reconhecia em nossa formação o papel decisivo
do latifúndio, seja na Zona da Mata, produzindo açúcar para exportação, seja no
Agreste e Sertão com a pecuária em campo aberto que apenas "tolerava"
o pequeno produtor de subsistência.
Outro estudo, o do prof. Ivan Fernandes Lima, sobre a ocupação espacial do
Estado de Alagoas no período da dominação portuguesa, também não deixa margem
de dúvida: o modelo agro-exportador baseado na escravidão e latifúndio é o
substrato de nossa atual estrutura sócio-econômica. O modelo econômico e social
de nossa formação deixou uma alta fatura a pagar: um frágil processo de
industrialização, uma urbanização gerada não pela atração das oportunidades nas
pequenas e médias cidades, mas pela inviabilização da vida do homem do campo, indicadores
de desenvolvimento humano comparáveis às regiões mais subdesenvolvidas do
planeta e um atraso político que gravou, no imaginário nacional, o estado de
Alagoas como a pátria de todos os desmandos. Passados os anos da Colônia (até
1822) e o período Imperial (até 1889), Alagoas permaneceu atrelada a este
modelo.
Os descendentes da mão-de-obra escrava transformaram-se em assalariados servis,
na sua maioria subsistindo na economia informal; a estrutura fundiária,
registrada nos censos agropecuários do IBGE, permanece quase intocada e hoje é
questionada pelos fortes movimentos camponeses; e o modelo agro-exportador não
mudou, no essencial, sua feição: domina nossa economia e responde pela produção
e exportação de alguns poucos produtos, mas não permite o acesso democrático do
camponês à terra e às condições normais de produção. Um modelo concentrador de
riquezas, terras e poder, que não impulsa a diversificação da produção, a
geração de renda e emprego nas cidades do interior, e, por isso, não consegue deter
a migração rural nem sequer abastecer de alimentos sua Capital que importa 90%
dos hortifrutigranjeiros que consome. OS CICLOS ECONÔMICOS.
Os ciclos históricos da economia de Alagoas estiveram sempre ligados as
culturas agrícolas. Ao longo de quatro séculos, o espaço econômico alagoano foi
sendo, lentamente, ocupado por diversas atividades agro-pastorís. Duas destas
atividades agrícolas - cana-de-açúcar e pecuária - se destacaram,
principalmente a primeira, e marcaram todas as regiões fisiográficas de
Alagoas, dando-lhes uma nova paisagem natural e humana conformando sua
agricultura maior. Por outro lado, outras atividades também agrícolas - coco,
algodão, fumo e arroz - contribuíram para a formação econômica de Alagoas sem,
no entanto, terem a importância da cana-de-açúcar ou da pecuária e, por isso,
formam a agricultura menor do Estado. O pau-brasil, excepcionalmente, sem
pertencer ao conjunto dos produtos que marcaram formação do nosso espaço
econômico, foi o responsável pelo primeiro ciclo econômico brasileiro e,
naturalmente, de Alagoas.
Pau Brasil
A madeira de cor vermelha encontrada abundantemente em todo litoral alagoano -
"Pau Brasil" para os portugueses, "Caesalpinia Echinata"
dos botânicos ou "Ibirapitanga" para os indígenas - foi o primeiro
produto de exploração regular em terras brasileiras. A exploração da madeira
cor de brasa, destinada a tinturaria de tecidos na Europa, foi o motivo da
instalação dos primeiros fortins no litoral alagoano e das primeiras feitorias
(acampamentos provisórios) perto das áreas onde os índios derrubavam e
carregavam seus toros em troca de quinquilharias trazidas pelos portugueses.
Mercadores franceses disputavam com os lusitanos a exploração do pau-brasil, ao
longo das primeiras décadas, buscando inclusive alianças com tribos indígenas
para consolidar sua presença em terras brasileiras. Apesar de sua pouca
importância econômica e de seu curto ciclo econômico, foi a exploração do
pau-brasil que deu aos portugueses tanto o conhecimento dos povos indígenas como
dos detalhes geográficos das terras alagoanas, condições necessárias para a
exploração do território, com o aproveitamento de outras madeiras para a
marcenaria e construção naval e, futuramente, para a instalação dos engenhos de
açúcar. A exploração sistemática esgotou, em poucas décadas, a madeira cor de
brasa e, no final do séc. XVI, praticamente não se fazia mais a derrubada e sua
exportação.
Parte IV
As Tentativas de
Modernização Conservadora
No ano de 1956, refletindo o clima do período "desenvolvimentista"
pelo qual passava o Brasil e derrotando os projetos conservadores locais,
instalou-se no Palácio dos Martírios um governo de caráter original para
Alagoas. Liderada por Muniz Falcão, esta experiência de poder político, por
suas preocupações sociais e por um projeto modernizante, marcou a história
recente de nosso Estado.
O governo de Muniz Falcão foi "caso único na história do Estado, em que a
oligarquia alagoana não esteve representada na chefia do executivo por um dos
seus quadros", registra o historiador Douglas Apratto no estudo
"Tragédia do Populismo". Neste interregno popular, uma frente
democrática esboçou um modelo político distinto de seus antecessores e tentou,
através de medidas reformistas, modificar o perfil subdesenvolvido de Alagoas.
A simbólica proposta de criar uma taxa sobre os principais produtos da economia
alagoana para utilizar os recursos arrecadados em educação popular foi
derrotada, mas refletia - já naquela época - a mudança de orientação
governamental. Após a derrota política desse projeto reformista, em 1960,
Alagoas conheceu uma seqüência de projetos conservadores cujos modelos de
desenvolvimento, acompanhando de certa forma a conjuntura nacional, estavam
assentados sobre a idéia luminosa da "redenção" da economia mediante
o sucesso de um projeto espetacular, milagroso, capaz de, por si só, modernizar
a economia, sem alterar a estrutura social e de poder no Estado. Esse tipo de
abordagem da questão econômica e social da realidade alagoana era coerente com
os postulados mais caros ao setor conservador que dominava o Estado.
A campanha do Bônus Industrial/BI é ilustrativa dos sessenta. Imaginaram os
autores da proposta do BI que, aumentando a arrecadação do ICM através de uma
campanha publicitária e prêmios aos participantes, o Estado poderia desenvolver
uma política industrial centrada em pólos e distritos industriais, que
transformaria o perfil da economia alagoana. A ilusão era tamanha que se
acreditava que a forte imigração em direção aos Estados mais desenvolvidos diminuiria
ou mesmo estancaria. O Distrito Industrial Luiz Cavalcante, no Tabuleiro dos
Martins, ficou como o pífio resultado dessa estratégia conservadora. Nos anos
setenta, um discurso elaborado nos gabinetes técnicos dos órgãos públicos é
socializado por todos os meios de comunicação para associar a idéia do
Proálcool, um programa do Governo Federal para substituir, na matriz energética
brasileira, o combustível importado, a gasolina, pelo álcool carburante, como
um elemento impulsor do desenvolvimento alagoano. Alagoas entraria na OPEP, era
a sensação que transmitiam os elaboradores do discurso em defesa do Proálcool.
Passadas duas décadas e um balanço deste processo não pode desconhecer o enorme
crescimento da capacidade instalada das usinas e destilarias alagoanas para a
produção de açúcar e álcool. Mas, refletindo o tipo de modelo nacional
dominante naquela época, Alagoas cresceu economicamente mas não diminuiu o
índice de pobreza de sua população. Ainda não havia esfriado o Proálcool e
chegava a novidade do Polo Cloroalcoolquímico de Alagoas. Recursos foram
mobilizados, órgãos foram criados e, principalmente, muita propaganda, um
discurso orquestrado de que o PCA iria possibilitar investimentos de mais de 1
bilhão de dólares e criar milhares de empregos diretos e indiretos e, que,
rapidamente, a renda per capita iria ultrapassar os 5 mil dólares. No final dos
anos oitenta, as dificuldades do setor sucro-alcooleiro coincidem com a
desilusão das possibilidades de demanda a partir do Polo Químico.
A perspectiva de que o PCA absorveria parte considerável do álcool alagoano
para a produção do eteno esvaiu-se, em 1990, com a construção de um etenoduto
ligando Camaçari, na Bahia, à empresa Salgema (hoje Trikem) em Maceió, por
outro lado, esvaiu-se também a perspectiva de utilização do bagaço da
cana-de-açúcar na produção de energia para movimentar as indústrias do Pólo
Químico, tanto pela não implantação dos projetos industriais anunciados como
pela concorrência de um insumo energético mais barato que o bagaço, o gás do
vizinho município de Pilar.
O milagre, portanto, não aconteceu; Alagoas não se transformou numa enorme
Cubatão e, hoje, já não se fala nessa quimera. Do projeto PCA sobrevive apenas
uma grande fábrica - Trikem, ex-Salgema S.A. - que produz e exporta pvc,
dicloretano e soda cáustica. Agora temos um novo eldorado: o turismo. Novamente
estamos diante de um novo e solitário elemento que vai "salvar" a
economia de Alagoas. Antes nossa vocação era a agricultura, hoje é o setor
terciário. Sem nenhum balanço dos projetos anteriores, do que já foi planejado,
sem nunca analisar o que realmente passou com todas estas experiências,
embarca-se na ficção de que, novamente, um segmento (turismo) de um setor
econômico (serviços) será a redenção da economia alagoana.
Parte V
A Crise do
Estado e o Futuro de Alagoas
Diferentemente das soluções milagrosas dessa tentativa de modernização
conservadora, as sociedades desenvolvidas, o "primeiro mundo" tão
apontado como um modelo a copiar, enfrentaram seus subdesenvolvimentos com
medidas democráticas, baseadas em estratégias de longo prazo: a universalização
do ensino básico, uma política de saúde para atender às demandas de toda a
população, o acesso à terra e ao crédito (todos os países da União Européia,
Estados Unidos, Japão, a seu tempo, fizeram suas reformas agrárias), o
protecionismo de sua indústria nascente, a defesa de sua produção alimentar,
políticas de solidariedade regional, políticas de distribuição de renda, etc.
Está claro que não podemos pensar Alagoas afastada de um modelo nacional, onde
se destacam a concentração de renda, terra e poder político que jogam o Brasil
no pódio da economia mais desigual na distribuição de suas riquezas, a nível
mundial. Mas o Estado de Alagoas teve - e continua tendo - margens de autonomia
para manobrar a máquina em direção aos interesses socialmente mais amplos. Não
o fez; é outra história. A crise do Estado que ora assistimos vem da década
passada e sua origem é conhecida. Com a desaceleração do Proálcool a partir de
1986 e a crescente dificuldade de apoio e financiamento, o setor açucareiro
alagoano foi buscar uma compensação na estrutura do Estado, com o intuito de
complementar os mecanismos paternalistas que dispunha no plano federal. Com
isto, o setor sucro-alcoleiro transformou-se no principal responsável da crise
alagoana e o responsável pela desorganização do Estado.
A companhia estadual de eletricidade, CEAL, passou a sofrer com a inadimplência
do setor que atingia, em 1996, R$ 40 milhões. O banco estadual, Produban, não
recebeu dos empresários do açúcar uma soma calculada em torno de R$ 300 milhões
de empréstimos vencidos e, para cúmulo, um acordo fiscal assinado em 1989 entre
o Governo do Estado e as indústrias do açúcar transferiu para estas últimas,
durante os oito anos em que durou o acordo, aproximadamente 800 milhões de
reais, segundo cálculos da Secretaria da Fazenda. Com a perda de seu principal
contribuinte, rapidamente a máquina pública esgotou suas possibilidades de
investimento. A partir de 1996, o Estado de Alagoas entrou em bancarrota,
vivendo numa situação emergencial que o levou a assinar um acordo com a
Secretaria do Tesouro Nacional, batizado de "Programa de Apoio à
Reestruturação e ao Ajuste Fiscal", federalizando uma dívida de dois bilhões
e meio de reais, assumindo o compromisso de transferir, durante 360 meses, 15%
de sua receita mensal para Brasília.
Herdeira destas dificuldades, Alagoas caminha aceleradamente, na virada do
século, para transformar-se numa sociedade ainda mais urbanizada, demandando
serviços, emprego e renda. Uma sociedade polarizada, com o maior nível de
concentração de riquezas do Brasil: 70% da força de trabalho atua no mercado
informal, recebe menos de um salário mínimo e não têm as garantias da
seguridade social. No enfrentamento desse drama reside o centro de qualquer
estratégia de desenvolvimento.
Discutir o futuro de Alagoas é debater o modelo de desenvolvimento que queremos
para as próximas gerações. Podemos pensar o futuro com um índice de
escolaridade média de 1,8 anos por cidadão, com 57% da população analfabeta e
254.000 crianças até 14 anos fora das escolas? Podemos falar em desenvolvimento
e "redenção" com 40% da população sem esgoto ou água potável em suas
casas, com 68% dos municípios com registros de endemias (segundo a Fundação
Nacional de Saúde)? Podemos pensar numa produção agrícola sustentável e não
termos uma política de acesso à terra e ao crédito? Pensar em aumentar o
consumo alimentar com a maioria da população com rendimentos abaixo da linha
média da pobreza? Ante uma situação como esta não há fluxo turístico que
resolva.
É evidente que para se transformar numa sociedade moderna e participar de forma
"competitiva" na economia brasileira, Alagoas terá que resolver seus
gargalos sociais e criar, como todas as sociedades dinâmicas, seu mercado
interno. A pauta é a mesma do Brasil: a inserção competitiva do nosso país na
economia mundial exige desenvolvimento social e humano de toda sua população.
Alagoas demanda este mesmo processo para se inserir na economia nacional. E,
para isto, precisa de um novo modelo de desenvolvimento que seja socialmente
justo, ecologicamente equilibrado, partilhado pela sociedade civil, tanto pela
representação dos trabalhadores como a empresarial e impulsado pelo Estado, conseguindo,
por este caminho, romper, para sempre, com a pesada herança do fardo colonial.
Parte VI
A Agricultura
Menor (1): O Açúcar
O povoamento de Alagoas foi determinado pelos engenhos de açúcar que, junto às
fazendas de criação de gado, constituíram uma sociedade profundamente
hierarquizada. O aproveitamento, desde o século XVI, das terras férteis da Zona
da Mata para o cultivo da cana-de-açúcar, complementada pela pecuária extensiva
nas áreas menos produtivas, moldou a economia alagoana, influenciou sua
política e soldou os principais traços de sua sociedade A cana foi a primeira
cultura comercial do Brasil e, na sua época, o engenho era o maior e mais
complexo empreendimento econômico existente no mundo. A mercadoria açúcar era,
desde o final do século XVI, o produto de maior valor no comércio mundial. No
período colonial, o número de bangüês e a área plantada com cana-de-açúcar em
Alagoas cresceram extensivamente. Em 1590 já existiam alguns engenhos, número
que aumentou para dez em 1630, quarenta em 1700, cento e oitenta em 1800 e
quase um milhar em 1930. A cana instalou-se, inicialmente, no litoral norte
próximo a Porto Calvo e Camaragibe e foi ocupando terras, na sua marcha lenta
rumo ao Sul de Alagoas, passando pelos vales úmidos dos rios Manguaba, Santo
Antônio, Mundaú, Paraíba, São Miguel e Coruripe, nas áreas que antes estavam
cobertas pela Mata Atlântica, perto do litoral. Na segunda metade do século
passado, pressionado pela concorrência internacional, o parque industrial
alagoano, baseado nos velhos engenhos bangüês, foi obrigado a modernizar-se,
introduzindo as novas tecnologias e os novos métodos de produção. A primeira
usina de Alagoas foi inaugurada em 1892 com o nome de Brasileiro. Em 1902
seriam seis unidades industriais: Apolinário, Brasileiro, Leão, Serra Grande,
Sinimbu e Uruba. Foram estas usinas que tomaram as primeiras iniciativas de
modernização da produção açucareira. Em 1908, a Sinimbu introduziu a análise
química do solo e a adubação verde. Em 1925, a Central Leão foi a primeira usina
brasileira a ser eletrificada e, pouco depois, a Serra Grande inovou com a
fertirrigação e a irrigação por aspersão. A produção das usinas superou a dos
bangüês a partir da safra de 1922/23. Por ter mais capital e maiores condições
de incorporar os avanços tecnológicos, as usinas ofereciam maior rendimento
industrial e capacidade para introduzir algumas inovações como a irrigação, a
seleção de mudas e os novos processos de trabalho. O apoio estatal O setor
açucareiro de Alagoas, estruturado no período colonial, atravessou os anos do
Império e da República sob um modelo fortemente amparado pelo Estado,
transformando-se, em 1980, no segundo maior produtor e exportador nacional de
açúcar e álcool. Nos tempos modernos, com a criação do Instituto do Açúcar e do
Álcool, o controle estatal federal era absoluto e a principal atividade
econômica alagoana era totalmente planejada: o IAA, a partir de 1933,
estabelecia quotas de produção por Estado, por usina e por fornecedor, definia
regras para exportação e administrava os preços para o açúcar; exercia
influencia sobre o mercado interno, fixando preços e monopolizando as compras;
regulamentava, também, o transporte, o manuseio e a armazenagem do açúcar. Em
Alagoas, a partir dos anos setenta, com o apoio federal, ampliou-se a área
plantada, principalmente nos tabuleiros no sul do Estado e em direção ao
Agreste. Cresceu o número de usinas e destilarias, introduziram-se novas
máquinas aumentando o rendimento industrial e, na parte agrícola, renovou-se a
plantação de cana com a introdução de novas variedades, novos métodos de
produção e com a substituição da tração animal pela mecânica. Assim, a área
plantada duplicou entre 1970 e 1974, e a produção de cana aumentou de 6 milhões
para 11 milhões de toneladas no mesmo período. O IAA também se responsabilizava
pela infra-estrutura e a pesquisa no setor sucro-alcooleiro: em 1978 inaugurou,
em Maceió o mais moderno terminal açucareiro do Brasil, que representou uma
significativa melhoria das condições para a exportação do açúcar demerara a
granel. Na área da pesquisa agronômica, impulsou a Estação Experimental de
Cana-de-Açúcar de Alagoas/EECAA que, nos anos 70 e 80, desenvolveu um programa
de melhoramento genético responsável pela renovação da quase totalidade das
variedades existentes em Alagoas nas décadas anteriores. O Proálcool. Entre
todos os programas estatais, foi o Proálcool o mais conhecido e o de maior
influencia na economia açucareira alagoana. O Proálcool, como as demais
iniciativas federais, recebia financiamento especial, com garantia de até 80%
do investimento fixo das destilarias anexas e autônomas, com juros de 4% ao
ano, pagamento em 12 anos com carência de 3 anos. A cana e outras matérias
primas tinham financiamento com juros de 7% ao ano, pagamento em 5 anos com
carência de até 2 anos. Graça a este apoio excepcional, entre os anos 1975 e
1990, o setor alcooleiro alagoano ampliou sua capacidade produtiva por meio de
20 novas destilarias anexas e 9 autônomas, multiplicou a produção de álcool em
25 vezes e quase duplicou sua produção de açúcar. Para tudo isto precisou
triplicar sua área plantada com cana-de-açúcar. Um notável crescimento que
somente foi possível graças às amplas subvenções governamentais, numa
transferência de recursos públicos para o setor privado alagoano na ordem de,
aproximadamente, 800 milhões de dólares. O novo ambiente No entanto, a extinção
do Instituto do Açúcar e do Álcool/IAA, a desativação do Proálcool e do
Planalsucar e a subseqüente desregulamentação setorial, criaram, a partir de 1990,
um novo ambiente institucional que obrigou a agroindústria sucro-alcooleira
adotar novas formas de atuação empresarial, diferentes das que eram praticadas
no período de regulação estatal. A partir de 1990 deu-se início a um processo
de restruturação produtiva que atingiu em cheio as 27 usinas e 33 destilarias
então existentes no Estado, e que, nesse período, empregavam mais de 100 mil
trabalhadores e representavam a principal atividade agro-industrial de 57 dos
102 municípios alagoanos. Numa década, este processo levou à desativação das
indústrias menos competitivas e à concentração da produção de cana, álcool e
açúcar nas mãos de um conjunto reduzido de grupos empresariais, conjunto que
levou adiante o processo de modernização setorial. Essa concentração da
produção de cana, álcool e açúcar veio acompanhada pela diversificação
produtiva, pela diferenciação de produtos e pela incorporação de inovações
tecnológicas e novos métodos de gestão. Os dados deste processo de
"seleção natural" indicam que há uma clara tendência de concentração
da produção nas 16 maiores unidades (Cachoeira, Caeté, Camaragibe, Coruripe,
Guaxuma, Leão, Porto Rico, Roçadinho, Santa Clotilde, Santo Antônio, Seresta,
Serra Grande, Sinimbu, Sumaúma, Triunfo e Uruba), que vêm aumentando suas
presenças no período 1990-99, representando mais de 90% da produção na safra
1998/99. As seis usinas menores (Capricho, João de Deus, Laginha, Marituba,
Santana e Taquara), estabilizaram suas produções em quantidades menores que um
milhão de sacos/ano e continuaram suas atividades. As outras seis unidades que
suspenderam suas atividades (Alegria, Bititinga, São Simeão, Terra Nova,
Ouricuri e Peixe), são empresas que, por razões diversas, - reduzida escala de
produção, grande volume de dívidas acumuladas, defasagem tecnológica, região
agrícola irregular - não conseguiram acompanhar o ritmo exigido pelos novos
padrões de competição. As 21 destilarias que permanecem em atividade e
respondem por 100% da produção de álcool (Cachoeira, Caeté, Coruripe, Guaxuma, Laginha,
Leão, Marituba, Penedo, Pindorama, Porto Alegre, Porto Rico, Roçadinho,
Santana, São Gonçalo, Santa Clotilde, Santo Antônio, Seresta, Serra Grande,
Sinimbu, Sumaúma e Triunfo) pertencem, em sua quase totalidade, aos mesmos
grupos econômicos das grandes usinas sobreviventes e, por outro lado, as
destilarias desativadas (Alegria, Bititinga, Camaçari, Maciape, Massagueira,
Ouricuri, Peixe, Roteiro, São Simeão, Serrana, e Terra Nova) pertencem, em
grande parte, ao grupo das usinas que encerraram suas atividades. Neste
processo de reestruturação, a centralização da produção de cana, álcool e
açúcar fica evidenciada quando é somada a produção dos grandes grupos
agro-industriais, representados pelas empresas com mais de uma usina ou
destilaria: Carlos Lyra (usinas e destilarias Cachoeira, Caeté e Marituba),
Corrêa Maranhão (usina Camaragibe e usina e destilaria Santo Antônio), João
Lyra (usinas e destilarias Guaxuma e Laginha e usina Uruba), Toledo (usina
Capricho, destilaria autônoma Penedo e usina e destilaria Sumaúma), Tércio
Wanderley (destilaria autônoma Camaçari e usina e destilaria Coruripe), Olival
Tenório (destilaria autônoma Porto Alegre e destilaria e usina Porto Rico) e
Andrade Bezerra (usina e destilaria Serra Grande e a usina Trapiche em Pernambuco).
A produção total destes sete grupos passou de pouco mais da metade do total
alagoano em 1990, para o equivalente a dois terços do álcool e açúcar
elaborados em Alagoas na última safra. Um outro indicador importante na
centralização do setor sucro-alcooleiro ocorre na produção de cana-de-açúcar
onde é crescente o percentual de matéria-prima produzida pelas próprias usinas
e destilarias. Com a falta de financiamento agrícola e de assistência técnica,
aumentaram as dificuldades dos pequenos e médios fornecedores de cana,
beneficiando-se a produção de cana própria nas usinas, onde a racionalização no
uso de máquinas e implementos exige uma produção em larga escala em áreas
próximas com um padrão de gerenciamento mais moderno, novas e mais produtivas
variedades e técnicas de colheita mecanizadas. A modernização As usinas e
destilarias que sobreviveram, demonstram, hoje, sua capacidade de liderar o
processo de modernização do setor sucro-alcooleiro e trabalham melhor os
critérios de eficiência financeira-econômica, enquanto as usinas desativadas
caracterizaram-se por manterem alto grau de inadimplência bancária, fiscal e
trabalhista, ademais do atraso tecnológico. A diferenciação entre unidades
modernas e atrasadas refletiu-se na afirmação das primeiras e na estagnação ou
desaparecimento das segundas. As alternativas que se apresentam para o setor
sucro-alcooleiro no período pós-desregulamentação, estão concentradas em dois
níveis distintos: o macroeconômico, através da implementação de um conjunto de
medidas que permitiria a criação de um ambiente econômico favorável a avanços
em direção à competitividade do setor como um todo, cuja medida mais importante
nesta direção é o Programa de Equalização da Cana-de-açúcar que, financiado
pelo governo federal e coordenado pela SUDENE, transferiu os subsídios
anteriormente repassados aos produtores industriais de álcool para os
plantadores de cana-de-açúcar. O outro nível é o microeconômico, que exige das
empresas a adoção de novas estratégias competitivas, permitindo a sobrevivência
das unidades mais fortes. As dívidas do setor Apesar de todos os fenômenos
adversos - extinção do IAA e do Planalsucar, desregulamentação do setor,
desativação do Próalcool, bancarrota do Estado de Alagoas e o fechamento de
algumas usinas e destilarias - não houve diminuição no nível de crescimento e
de expansão da agroindústria sucro-alcooleira estadual. A mudança de perfil da
agroindústria sucro-alcooleira, por um lado, capacitou o setor para enfrentar o
novo ambiente de adversidades, mas, por outro, exigiu o afastamento dos
fornecedores e usineiros menos competitivos e a eliminação de muitos postos de
trabalho tanto na área agrícola como industrial. Ainda assim, este período de
reestruturação não configura uma situação de crise econômico-financeira do
setor, fenômeno que seria caracterizado, entre outros aspectos, pela retração
da atividade produtiva, com a conseqüente diminuição dos volumes de produção e
exportação, estagnação no rendimento industrial e na produtividade agrícola,
falta de investimentos em novas tecnologias e infra-estrutura, imobilidade
empresarial e inadimplência financeira generalizada. O setor apresenta, isto
sim, outras características que configuram um período de modernização
produtiva, liderado por alguns grupos empresariais. A partir de 1990, a nova
dinâmica da concorrência aberta com regiões mais competitivas obrigou a
modificações estruturais e à adoção de estratégias que substituíram as antigas
formas de atuação subordinada à regulação estatal feita através do IAA. Estas
modificações alteraram a lógica de acumulação, que deixa de ser extensiva, com
aumentos na produção de cana, açúcar e álcool, para se tornar intensiva, com o
aumento da produtividade setorial, redução da área plantada e flexibilidade na
produção. Estas transformações implicam na necessária redução do número de
trabalhadores e na inviabilização de um número considerável de pequenos e
médios fornecedores. Esse processo de reestruturação produtiva centrado no
privilégio das inovações tecnológicas e diversificação de produtos e empresas
tem, no entanto, dois aspectos problemáticos e negativos: a questão ambiental e
a manutenção do antigo padrão social. A relação entre a cultura da cana e o
meio ambiente sempre foi de dificuldades. A necessidade de madeira para
construções e para as fornalhas dos engenhos e usinas foi a principal
responsável pela derrubada da Mata Atlântica em Alagoas; a expansão dos
canaviais nos tabuleiros planos, a partir dos anos 50, realizou-se à custa de
derrubadas de matas e ocupação de áreas de outras lavouras; a queima dos
canaviais para facilitar o corte e a monocultura da cana implicam perda de
qualidade dos solos e na diminuição da biodiversidade na Zona da Mata; o
despejo do vinhoto (tiborna) e de águas usadas no processo de lavagem de canas
foi o responsável pelo declínio dos rios daquela região e por graves problemas
no complexo lagunar Mundaú-Manguaba. Estes elementos marcaram, ao longo de
séculos, a relação entre a cana e o meio ambiente da Zona da Mata. Atualmente,
a questão ambiental na Zona da Mata alagoana está sendo enfrentada dentro da
lógica empresarial. O tratamento de resíduos industriais antes do seu
lançamento nos efluentes, a utilização do vinhoto na ferti-irrigação com o
aproveitamento de seus componentes químicos para enriquecer os solos, a
utilização do bagaço como combustível nas caldeiras para gerar energia, a
utilização da água de lavagem para a irrigação de canaviais e, até mesmo,
alguns pequenos projetos de reflorestamento de algumas usinas, têm modificado a
visão da cana-de-açúcar como um grande agressor do equilíbrio ecológico. Por
outro lado, a superação do modelo anterior e a sustentabilidade do novo modelo
não podem resultar apenas de um (re)ajuste empresarial com a incorporação de
novas tecnologias e métodos de produção no campo agrícola e agro-industrial,
mas terão que responder também ao absoluto atraso de uma população condenada
pelo modelo que ora agoniza. As alternativas possíveis passam,
obrigatoriamente, pela introdução da agenda social da Zona da Mata. Às portas
do século XXI, persistem nesta área, a principal região produtora de
cana-de-açúcar em Alagoas, os indicadores de desenvolvimento humano e de
qualidade de vida negativos, que demonstram a permanência da característica
concentradora de renda, terra e poder deste setor produtivo, situação que
parece fechar-se sobre si mesma e bloquear qualquer possibilidade de superação
de um quadro de injustiças que vem dos tempos coloniais. Os indicadores sociais
- analfabetismo, endemias, déficit habitacional, mortalidade infantil,
violência, etc. - todos gravosos para a região, não correspondem à riqueza
produzida nem aos investimentos públicos realizados no setor sucro-alcooleiro
nas últimas décadas. É o paradoxo: às portas do 3° Milênio, na era da globalização
e do capitalismo pós-industrial, o competitivo parque produtivo
sucro-alcooleiro continua instalado no quarto mundo rural onde sobrevivem as
relações de trabalho servis, originadas no antigo período colonial.
Parte VII
A Agricultura Menor (2): A Pecuária
Presente em todos os municípios alagoanos, ocupando mais de um milhão de
hectares de área agrícola (três vezes a área da cana-de-açúcar) com seus pastos
naturais ou plantados, a pecuária é o segundo elemento da agricultura maior de
Alagoas. Foi a atividade agrícola que, depois da cana, mais influenciou o
espaço econômico do Estado. Trazido pelos portugueses no início da colonização,
o gado europeu adaptou-se na Zona da Mata onde era uma atividade subsidiária
nos engenhos de açúcar para, depois, expandir-se para o Agreste e Sertão. No
primeiro instante, sem as cercas que os separassem, o gado convivia
estreitamente com o engenho, fornecendo alimento, tração animal para a moenda e
para transportes a pequenas distâncias. Curral e lavoura eram do mesmo proprietário.
No segundo momento, o crescimento da lavoura e a ampliação dos rebanhos
tornaram incompatíveis as duas atividades e o gado desloca-se para as áreas
próximas do interior, fornecendo também o couro como matéria-prima para os
utensílios dos engenhos. No terceiro instante, a pecuária rompe com a
proximidade da zona açucareira e ganha o Sertão. A ultra-especialização na área
do açúcar e a necessidade de grandes pastagens separaram as duas atividades que
passaram a se encontrar nas feiras e mercados.
A expansão da pecuária foi rápida e, já no começo do século XVII, encontramos
registros da existência de excelentes pastagens e grande quantidade gado na
região dos Campos de Arrozal de Inhauns (São Miguel dos Campos e Anadia) e em
Porto Calvo, considerados num relatório holandês como "os mais belos
pastos de todo o Brasil". No século seguinte, a pecuária conquista a
região sertaneja através do Rio São Francisco. No século XX dois novos
elementos vão modificar a atividade agro-pastoril alagoana: a importação e
disseminação da palma forrageira e a importação e incorporação no rebanho
alagoano do gado indiano tipo "Nelore" e "Guzerá", gerando
o rústico "crioulo-zebuíno". A nova forragem, que era misturada ao
caroço de algodão, iria permitir a sobrevivência do gado no semi-árido alagoano
e o melhoramento genético aumentava a qualidade do plantel bovino de Alagoas.
Estes dois elementos - palma forrageira e gado mestiço - ajudam na constituição
da Bacia Leiteira nos municípios do Sertão. A incorporação de novos elementos -
o cruzamento com gado europeu e a popularização de novos tipos de capins -
permite seu alargamento para o Agreste e, nos anos 90, sua ampliação pela
extensão da produção leiteira nas áreas tradicionais da cana-de-açúcar, onde se
instalaram algumas empresas de laticínios como a São Domingos em União dos
Palmares e a Boa Sorte, em Viçosa.
Parte VIII
A Agricultuar
Menor (3): O Coco
O coqueiro foi um caso espetacular de adoção ecológica. Foi trazido pelos
portugueses e vingou como planta ornamental nos jardins da colônia, onde se
espalhou por toda costa litorânea, transformando-se em símbolo regional
nordestino e alagoano. Expulsou o cajueiro nativo do litoral, desenhando outra
paisagem, a que hoje conhecemos. Cultura pobre, ficou confinado à estreita
margem litorânea, sem molestar a cana-de-açúcar. O coqueiro oferecia, desde os
primórdios da colonização, o fruto como alimento e o tronco e a palma para
construir e cobrir as palhoças dos moradores da região. Por não exigir muitos
cuidados, produzir continuamente por décadas (50 a 60 anos) e não necessitar de
industrialização dispendiosa, o coqueiro era cultivado por grandes e pequenos
proprietários, fazendo de Alagoas, até 1970, o segundo maior produtor nacional.
No entanto, a falta de investimentos nos coqueirais com baixa produtividade
(cinco vezes menor que as dos concorrentes asiáticos), a questão sanitária, a
urbanização e a conseqüente derrubada de coqueiros, afetaram a produção
alagoana, que foi diminuindo sistematicamente
A partir dos anos 70, se instalaram em Alagoas algumas fábricas de
beneficiamento do coco. Estas agroindústrias, apesar de competitivas, não
conseguiram dinamizar e transformar a área litorânea num espaço dinâmico da
agricultura alagoana. (2) O algodão É uma planta nativa das Américas, conhecida
pelos indígenas que já trabalhavam suas fibras. De uma importância irrisória
durante mais de dois séculos e meio, o algodão passou a cultura comercial com a
revolução industrial inglesa, no século XVIII. As invenções do fuso, da máquina
a vapor e do tear mecânico permitiram a explosão do consumo de têxteis
elaborados com a fibra desta planta, impulsando sua produção em larga escala.
Plantado inicialmente na Zona da Mata, o algodão se espalhou pelo Agreste
alcançando o Sertão alagoano. Cultura fácil, de ciclo vegetativo curto, o
algodão podia ser associado ao plantio do feijão e do milho, atividades
agrícolas de subsistência e ao mesmo tempo comerciais, o que a fazia uma
cultura acessível aos pequenos produtores, democrática, capaz de enfrentar a
cana-de-açúcar na disputa por terras e força de trabalho.
O algodão permitiu assim o povoamento de vastas áreas do interior com suas
plantações que ajudavam as fazendas de gado a se fixarem nas zonas sertanejas.
Em Alagoas, no período colonial, o algodão servia na fabricação de panos
grosseiros e baratos para a vestimenta dos escravos e das classes mais pobres
da população. O algodão tinha um processo de colheita e de primeiro tratamento
mais baratos que o do açúcar, através das bolandeiras e, depois, dos
descaroçadores, o que permitia o surgimento de dinâmica urbana nas pequenas
vilas e cidades do interior alagoano, onde se financiavam e compravam a matéria
prima para, depois, vendê-las aos exportadores. O período áureo do algodão
ocorreu na segunda metade do século passado, quando o algodão se transformou
numa cultura comercial e passou a concorrer com o açúcar tanto em quantidade
produzida como no volume das exportações regionais. Estas atividades eram
realizadas por comerciantes ingleses instalados em Maceió, principalmente em
Jaraguá, com escritórios especializados na exportação de mercadorias
brasileiras e importação de produtos industriais europeus. Esta produção
permitiu o primeiro surto de industrialização em Alagoas.
Em 1857, o Barão de Jaraguá lidera um grupo de acionistas que inaugura, seis
anos depois, a primeira fábrica de fiação e tecidos do Estado, a "União
Mercantil", no distrito de Fernão Velho. Tal como a cultura do algodão, a
indústria têxtil se espalha por todo o Estado: em 1890 inaugura uma fábrica em
Rio Largo (Cia. Alagoana de Fiação); em 1892 a do Pilar (Cia Pilarense); em
1895 a de Penedo (Industrial Penedense); em 1895 outra em Rio Largo
(Progresso); em 1913 a de São Miguel dos Campos; em 1913 a Fábrica Alexandria
(Bebedouro, Maceió); em 1914 a Fábrica da Pedra, em Água Branca; seguidas da
Norte de Alagoas (Saúde, Maceió), Vera Cruz (São Miguel dos Campos) e o
Cotonifício Gonçalves (Piaçabuçú). A produção algodoeira apoiava a existência,
no Estado, em 1902, de cinco fábricas de tecidos, outras de óleos vegetais, 47
máquinas para descaroçar o algodão e 32 bolandeiras.
Duas décadas depois o número de descaroçadores era de 145, espalhados por 23
municípios. Craveiro Costa nos relata que, em 1931, as dez fábricas de fiação e
tecelagem utilizavam 3.100 teares e empregavam 6.000 operários. A exportação de
vários tecidos - algodões, chitas, cretones, morins, bramantes, brins, toalhas,
meias, etc. compensava a saída que se fazia de algodão em pluma. No entanto, a
partir de 1930 há uma constante superprodução mundial, tendo os EUA como
primeiro produtor/exportador mundial, acompanhado por outros países asiáticos
ou africanos. O algodão alagoano, sem muita competitividade, foi perdendo
espaço, desaparecendo da pauta de exportação e, mais importante, teve sua
produção deslocada do mercado local pelo algodão de outros Estados.
Hoje, há uma tentativa de relançamento da cultura algodoeira, dificultada pela
ausência de uma indústria beneficiadora local, pela falta de financiamento e
pela forte concorrência internacional que abastece até mesmo as poucas fábricas
de tecido instaladas em Alagoas. (3) O arroz. Esse vegetal foi plantado em
várias regiões de Alagoas, mas encontrou no Vale do baixo São Francisco seu
habitat mais acolhedor, ocupando importante papel na região ribeirinha de
Alagoas (Piaçabuçu, Penedo, Porto Real do Colégio e Igreja Nova), nos quais a
cheia anual do rio construía as "lagoas de arroz" nos terrenos
alagados das margens do rio ou das ilhas fluviais. Desde o século passado até
os anos cinqüenta predominaram as variedades pobres - macambira, cana roxa -,
de péssima qualidade, que foram sendo substituídas por outras variedades mais
produtivas. A adubação natural permitia uma alta produtividade (1.800 kgs./ha)
por um custo relativamente baixo. No entanto, a regularização do Rio São
Francisco, com a construção de várias barragens (Sobradinho, Paulo Afonso,
Moxotó e Xingó) diminuiu a intensidade das cheias e da formação das
"lagoas de arroz", e esta cultura passou a necessitar de irrigação
artificial, estimulada por órgãos estatais, que torna a pequena produção de
arroz alagoano pouco competitiva, principalmente se comparamos com a produção
de outros estados que atinge a média de 3.800 kg/ha. (4) O fumo. Planta nativa
das Américas, o fumo sempre foi produzido em Alagoas, sendo considerado, na
época da Colônia, "o melhor tabaco do Brasil". O fumo alagoano tinha
o preço mais alto de todo o país e participava das trocas coloniais, sendo
levado para África, juntamente com os barris de aguardente, para servir de
moeda de troca no litoral africano, ajudando na compra de escravos.
No século XVIII desenvolve-se o hábito de fumar na Europa, o que demanda grande
quantidade de tabaco e impulsa essa atividade no Brasil. O fumo na era colonial
era produzido na Zona da Mata, principalmente no Vale do Inhauns. A bacia
fumageira instalada no Agreste alagoano, cujo centro é o município de
Arapiraca, é de origem recente. Com suas enormes vantagens em matéria de solo,
clima e altitude, começa a produzir, em pequena escala, nos anos 20 e dispara
sua produção a partir do final da II Guerra Mundial. Por ser uma cultura
extremamente trabalhosa, é produzida por pequenos e médios proprietários em
áreas que não excedem a vinte hectares, permitindo o consórcio com o milho,
mandioca e o feijão.
O tratamento que vai do plantio nas "leiras", os transplantes, o
corte, a secagem, a cura, a enrolação e a comercialização, demanda muita
mão-de-obra familiar, dos meeiros e arrendatários, complementada pelo trabalho
assalariado na época da colheita. Representando 8% do fumo nacional, a produção
alagoana é a maior do Nordeste. No entanto, a falta de uma política de
industrialização para agregar valor à produção da matéria-prima, a falta de
investimentos na melhoria do produto e de pesquisas agronômicas, assim como o
controle oligopólico do grosso da comercialização, tanto do fumo em folha,
controlado por três companhias sediadas em Salvador, assim como do fumo em
corda, dominado por três empresas sediadas em Arapiraca, impedem um maior
desenvolvimento da área fumageira.
Parte IX
Indicações paara Leitura
- Alexandra Gouveia Rios, Ana Célia Prado e Tereza Kelly Gomes. "Mudanças estruturais na Bacia Leiteira de Alagoas", Maceió: Edufal, 2000
- Arakem Alves de Lima. A crise que vem do verde da cana. Uma interpretação da crise financeira do Estado de Alagoas. Maceió, Edufal, 1998
- Cícero Péricles de Carvalho. Análise da reestruturação produtiva da agroindústria sucro-alcooleira em Alagoas, Maceió: Edufal, 2000
- Douglas Apratto Tenório. Tragédia do Populismo. Maceió: Edufal, 1996.
- Fernando José de Lira. Crise, privilégio e pobreza. Maceió: Edufal, 1997
- Governo de Alagoas. Perfil Sócio-econômico do Estado de Alagoas. Maceió: Seplan/Fiplan, 1989
- Ivan Fernandes Lima. Ocupação Espacial do Estado de Alagoas. Maceió: Sergasa, 1992
- Leda Almeida. Rupturas e permanências em Alagoas. Maceió: Ed. Catavento, 1999
- Manoel Correia de Andrade. Usinas e destilarias em Alagoas. Maceió: Edufal, 1997
- Manuel Diégues Jr. O Bangüê nas Alagoas", Maceió: Edufal, 1980
- Vinícius Nobre Lages e Vanda Ávila Ramos. Para além da conquista da terra. A sustentabilidade dos assentamentos em Alagoas. Maceió: Edufal, 1999.
As
lições da História. Quando se lê um texto antigo, um livro de memórias, um
manual de história, se está aprendendo com o passado. Para provar, reproduzimos
três textos de conhecidos intelectuais, sobre um mesmo tema: a situação dos
trabalhadores rurais alagoanos. O primeiro de Affonso Mendonça, de 1902, o
segundo de Humberto Bastos, de 1938, e o terceiro de Manuel Diégues Jr., de
1954. Falam do mesmo assunto, mas sob pontos de vista bem diferentes,
antagônicos até. O leitor deve ficar curioso: como, há tanto tempo, já se
debatia temas tão atuais? Já disseram que a história não é uma soma de fatos
datados, é uma lição permanente de vida para uma pessoa, para uma sociedade.
Duvida?
Então
leia.
Modo de Viver Camponês (1938)
"Em geral o camponês recebe remuneração semanal. Além desse processo
comum, existe uns tantos contratos "de boca". Esse, por exemplo, de
receber um pedaço de terra "de graça" com a condição do trabalhar
duas semanas para o proprietário, também "de graça". Nesse pedaço de
terreno o camponês levanta a sua casinha de palha ou de barro com taipa, planta
na frente umas verdurinhas, de preferência, porém, milho, feijão, fava,
algodão. Se viver 50 anos trabalhará por todo esse tempo duas semanas por mês
sem receber um tostão. E não há horário. O relógio é o sol. Principia a tarefa
às 6 horas da manhã e termina às 6 da tarde. Vamos agora a uns tantos cálculos.
Suponhamos que aquela ponta de terra custe 2:000$00 . O trabalhador, em média,
ganha 3$00 diários (trabalhador da cana). Duas semanas a 3$ por dia são,
portanto, 36$00 por mês. Suponhamos, ainda, que esse homem trabalhe dez anos.
Sabem quanto deixou de receber? ... 4.320$00 justos. De modo que o proprietário
teve trabalho sem despender um tostão durante 10 anos e continua dono do pedaço
de terra que "deu" ao caboclo... Está aí um detalhe do modo de viver
do camponês. Como faz um desses contratos "de boca" o camponês passa
a ter sua pequena roça. E o resultado das plantações ele vende para ter o
dinheiro e adquirir roupa, etc. E o resto deixa no barracão perto. Daí o
indivíduo subalimentado que nós conhecemos (...). Dessas famílias, 10% comem
frutas e verduras. E 5% bebem leite. Para a criança o alimento básico é o
mingau e a garapa de açúcar "bruto". Que pode sair dessa população
embrutecida e fraca? Impedindo a prática da policultura, ampliando os seus
terrenos, que se tornam dia a dia mais extensos, não contribuindo diretamente
para desenvolvimento do estado, a não ser com os impostos, os engenhos e as
usinas criam esse ambiente asfixiante. O trabalhador do campo é mal alimentado,
ignorante, cachaceiro. Os mais enérgicos emigram. O que fica é um bagaço, osso
de gente. Que será das novas gerações dos campos?"
"Açúcar & Algodão" de Humberto Bastos (1938). Casa Ramalho,
Maceió. Págs. 94-98
Nenhum comentário:
Postar um comentário