sábado, 14 de fevereiro de 2015

História Social e Movimentos Sociais Contemporâneos: Constituição e Evolução, Inter-relações e Mudanças- Vandete Almeida

História Social e Movimentos Sociais Contemporâneos: Constituição e Evolução, Inter-relações e Mudanças

por Vandete Almeida
http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=historiadores&id=62#_ftn1

Sobre o artigo [1]
Sobre o Autor [2]
Introdução
Desde o advento das revoluções, mas especificamente da Revolução Industrial Inglesa, o que se têm depreendido da relação tecnologia e sociedade indica uma total revisão de conceitos, de procedimentos e de valores socioculturais historicamente constituídos, dentre os quais educação, trabalho, cultura, lazer, informação e comunicação.
Nas sociedades modernas, percebidas como complexas, e sob a égide da globalização econômica, a introdução de novas tecnologias em muitas das atividades da vida em sociedade, em especial das que tiveram origem nos avanços da informática, e que se reúnem sob a terminologia de tecnologias da informação e comunicação, representam a ação de meios tecnológicos sobre a tessitura social na construção de novas realidades e de novos paradigmas que também se afirmam em informações provenientes das mais variadas fontes, locais ou globais, produzidas e disseminadas a partir de redes de relações interpessoais ou de conexões em redes eletrônicas de comunicação.
Observando este contexto, o propósito deste breve trabalho está em relacionar conceitos e interpretar questões inerentes à constituição do campo de conhecimento que envolve movimentos sociais contemporâneos, bem como, brevemente discorrer acerca de seu relacionamento com a mídia e consequente apropriação dos meios de comunicação de massa e de recursos tecnológicos digitais que lhes possibilite visibilidade e que se constituam em novas arenas de luta na sociedade. O que por ora também se busca resumidamente resgatar é a constituição do campo de pesquisa e evolução do conceito de história social e de movimentos sociais, rapidamente abordando as mudanças que caracterizaram novos paradigmas para estes movimentos, a partir de sua apropriação dos recursos tecnológicos digitais e do seu relacionamento com os meios de comunicação e com os espaços virtuais abertos pelas possibilidades de conexão nas novas redes sociais.
No mais, e afora os pluralismos de perspectivas, o que também se quer considerar é que os estudos e pesquisa em história, quer sejam em história social e mesmo de movimentos sociais, não mais poderão negar a existência e presença, mesmo que intangível, da informática e seus derivados, ou mais especificamente, das tecnologias de informação e comunicação no seio da sociedade, atentando-se para o fato de que no curso de evolução e organização da recém-instaurada Sociedade da Informação, tecnologias de informação e comunicação, como correios eletrônicos, ambientes virtuais de aprendizagem, redes sociais eletrônicas de informação e conhecimento tornaram-se elementos de mediação na comunicação humana, nos processos de ensino aprendizagem e formação profissional; de sociabilidade e interação cultural, na geração de trabalho e renda e que, pouco a pouco, tornam-se inerentes à participação política e mobilização social, aos estudos e pesquisas das mais diversas áreas do conhecimento e registros históricos da humanidade.
História Social e da Sociedade: constituição e evolução
Para Eric Hobsbawm (1998) o termo "história social" sempre foi de difícil definição, sobretudo, como argumenta, por não haver qualquer urgência em definições, haja vista, a ausência de interesses "institucionais e profissionais" em delimitações específicas do campo teórico de estudos e de pesquisa. Contudo, sustenta o autor, que em uma de suas primeiras acepções, o termo significou "à história das classes pobres ou inferiores, e mais especificamente à história de seus movimentos ('movimentos sociais')". A partir deste principio dirá que o termo manteve-se fortemente vinculado com a história do protesto social ou dos movimentos socialistas (HOBSBAWM, 1998, p. 83).
Observa este historiador que tanto a evolução do campo como a utilização do termo se fez efetivamente a partir da década de 1950, e que dentre as razões para o seu rápido desenvolvimento atribui "a historicização das ciências sociais", bem como, a imprescindível significação das "revoluções e lutas de emancipação política e econômica dos países coloniais e semicoloniais" a partir das quais, governos, instituições de pesquisa, cientistas sociais direcionaram sua atenção para a existência e sentido dos "problemas de transformações históricas" ou, ao que amplamente se apresente como a "história das sociedades" (HOBSBAWM, 1998, p. 86).
Assim, reconhecendo ter havido, no percurso de seu desenvolvimento histórico, certa aversão por parte dos historiadores quanto à constituição do campo e a utilização do termo em si, Hobsbawm (1998) fará lembrar que:
[...] os aspectos sociais ou societais da essência do homem não podem ser separados dos outros aspectos de seu ser, exceto à custa da tautologia ou da extrema banalização. Não podem ser separados, mas que por um momento, dos modos pelos os quais os homens obtêm seu sustento e seu ambiente material. Nem por um só momento podem ser separados de suas ideias, já que suas mútuas relações são expressas e formuladas em linguagem que implica conceitos no momento mesmo em que abrem a boca (HOBSBAWM, 1998, p. 87).
Desse modo, e a despeito dos padrões estruturais-funcionais empregados pela sociologia e antropologia no estudo dos fenômenos sociais, para Hobsbawm (1998), o que importa ao historiador social não é saber o que as tribos amazônicas podem esclarecer sobre a sociedade moderna, mas sim, desvendar como a humanidade passou do homem das cavernas para o pós-industrialismo, bem como, que mudanças na sociedade estão associadas a esse progresso, se foram necessárias para que ele ocorresse, ou se foram consequências do mesmo (HOBSBAWM, 1998, p.90).
Por outro lado, também não descarta o valor da análise histórica da sociedade pelo viés econômico, tendo em vista, a economia em sua abordagem, constituir o processo - (ou o progresso, em termos globais e de longa duração) - como um elemento essencialmente dinâmico da história e da produção social, como bem percebeu e o sabia Marx: de que a utilidade dos modelos econômicos para a análise histórica não poderiam estar separados das realidades sociais, nem tampouco, das estruturas e proposições próprias de formações socioeconômicas particulares enquanto cultura (HOBSBAWM, 1998, p. 91).
Em uma perspectiva sugestiva acerca de possíveis parâmetros para a construção desse campo historiográfico, Hobsbawm (1998) salienta que história da sociedade é história, e o tempo cronológico uma de suas dimensões, cuja colaboração reside em modelos gerais de estrutura e mudança social e num conjunto de fenômenos que de fato aconteceram. Na mesma medida, arremata:
A história da sociedade é, dentre outras coisas, a história de unidades específicas de pessoas que vivem juntas, unidades que são definíveis em termos sociológicos. As tensões às quais a sociedade está exposta no processo de mudança histórica e transformação permite então que o historiador exponha, em primeiro lugar, o mecanismo geral pela qual as estruturas da sociedade tendem simultaneamente a perder e restabelecer seus equilíbrios e, em segundo lugar, os fenômenos que tradicionalmente são o tema de interesse dos historiadores sociais, como, por exemplo, consciência coletiva, movimentos sociais e a dimensão social das mudanças intelectuais e culturais (HOBSBAWM, 1998, p. 94).
Num ângulo similar de análise e de compreensão acerca da formação do campo teórico que se designou denominar de história social e de sua abrangência, partindo do princípio de que o homem em sociedade constitui o objeto final da pesquisa histórica, a historiadora Hebe Castro (1977), inicialmente, observará com pertinência que:
Antes de ser um campo definido por uma postura historiográfica, que resulta num alargamento do interesse histórico, construído em oposição às limitações da historiografia tradicional, a história social passa a ser encarada como perspectiva de síntese, como reafirmação do princípio de que, em história, todos os níveis de abordagem estão inscritos no social e se interligam (CASTRO, 1977, p. 76-77).
Do mesmo modo, resgata Hebe Castro (1997, p. 79) que a história social tendeu a se tornar especialidade historiográfica a partir das décadas de 1950 e 1960, nas quais demandavam o auge dos estruturalismos (antropologia estrutural e abordagens marxistas), a euforia dos avanços em informática e a incidência de tensões sociais que dificilmente poderiam ser ignoradas pelos historiadores. É ainda nos anos de 1960 que a história social recolocava no ápice das abordagens estruturalistas o papel da ação humana na história e o problema das durações. Acerca de tais proposições, complementa:
Ao se formular como problema o comportamento humano, no estudo das migrações, da mobilidade social, das estratégias de preservação de fortunas ou status, das greves ou do protesto popular, o tempo da experiência e do vivido (as conjunturas, na perspectiva francesa) se impunha aos pesquisadores (CASTRO, 1997, p. 81).
Nesta mesma perspectiva de resgate e de análise, a autora também irá avaliar que, “mesmo os estudos de movimentos sociais ou das representações coletivas, mais fortemente dependentes de fontes qualitativas, sofreram o impacto da informática e da tendência serial” (CASTRO, 1997, p. 83). Outro aspecto da abordagem de Hebe Castro (1997) está na aproximação da história social com a antropologia. Segundo a autora, tal aproximação reforçou e enfatizou a problemática da construção das identidades sociais e das relações, considerando-se a noção de comunidade assimilada da antropologia, sobre as abordagens nas quais prevaleciam as posições sociais e estruturas hierárquicas influenciadas pela sociologia. Desta aproximação, tendeu a história social estritamente considerar as abordagens socioculturais por sobre os enfoques econômico-sociais que prevaleciam até então. Hebe Castro também irá destacar que essa aproximação com a antropologia deu origem ao que se designou de "história vista de baixo" (history from bellow), impressa em 1966 por Edward Thompson, cuja tradição marxista britânica de história social, empirista da historiografia e da antropologia anglo-saxônica, colocou no centro das análises sobre ação social, as noções de experiência e cultura, na qual, a noção de cultura é percebida como inseparável da natureza humana, e que implicou em reavaliações metodológicas na disciplina. Dentre estas reavaliações metodológicas, cita a influência das concepções interpretativas de Clifford Geertz (1978), cuja perspectiva de abordagem considera que é "a cultura compartilhada que determina a possibilidade de sociabilidade nos agrupamentos humanos e dá inteligibilidade aos comportamentos sociais" (CASTRO, 1997, p. 84-85)
Por fim, mediante debates em torno da redução das escalas de abordagem, da ação humana na história e da multiplicidade de objetos que se põe ao campo da historiografia social, a autora conclui que:
[...] a partir das temáticas clássicas em história social, não me parece mais factível caracterizá-la como especialidade da disciplina histórica. A história social mantém, entretanto, seu nexo básico de constituição, enquanto forma de abordagem que prioriza a experiência humana e os processos de diferenciação e individuação dos comportamentos e identidades coletivos – sociais - na explicação histórica (CASTRO, 1997, p. 89).
Movimentos sociais contemporâneos: inter-relações e mudanças
Tomando como referencial as décadas de 1980 e 1990, Hobsbawm (1998) ao examinar a prática efetiva da história social, tendo como meta entrever futuras abordagens e problemas por ela propostos, sugere que em história social o volume de trabalhos na área se agregou, dentre outros tópicos, em complexos de questões que trataram da transformação das sociedades, apresentando temas como a modernização e a industrialização; e de estudos sobre movimentos sociais e fenômenos de protesto social (HOBSBAWM, 1998, p. 95).
Em torno da questão que envolve o estudo de movimentos sociais, ou mais especificamente, da história dos movimentos populares, ainda argumenta que a história destes movimentos tornou-se relevante à história tradicional a partir do momento em que pessoas comuns se tornaram fator consistente nas principais decisões e acontecimentos políticos, cuja incidência irá acentuar-se por ocasião das grandes revoluções do século XVIII (HOBSBAWM, 1998, p. 217)
E assim, a constituição deste campo específico da historiografia - a história de pessoas comuns - bem como a maioria de seus temas e métodos, segundo Hobsbawm (1998, p. 218), se deu com a contribuição da tradição francesa de historiografia, embevecida não com a história da classe dominante francesa, mas com a história do povo francês, tendo por expoentes os historiadores Marc Bloch e George Lefevbre. Contudo, ressalta que em outros países esse campo historiográfico irá desenvolver-se após a Segunda Guerra Mundial, arraigando-se em meados dos anos de 1950, com a contribuição recebida do marxismo. Nesse sentido, observa:
Para os marxistas, ou para os socialistas em geral, o interesse pela história dos movimentos populares se desenvolveu com o crescimento do movimento operário. [...] Eles eram naturalmente seduzidos a estudarem não meramente pessoas comuns, mas as pessoas comuns que poderiam ser vistas como ancestrais do movimento operário: não operários como tais, mas principalmente chartistas, sindicalistas, militantes trabalhistas. E também eram tentados - de forma igualmente natural - a supor que a história dos movimentos e organizações que lideravam a luta dos trabalhadores e que, portanto, em um sentido real, "representavam" os trabalhadores, podia substituir a história das próprias pessoas comuns. Não foi senão a partir dos anos 50 que a esquerda começou a se emancipar da abordagem estreita (HOBSBAWM, 1998, p. 218-219).
Como tema de estudos historiográficos duas obras produzidas por Hobsbawm, no horizonte da historiografia social, são consideradas fundamentais para a constituição do campo de estudo dos movimentos sociais: Rebeldes Primitivos - Estudo sobre Formas Arcaicas de Movimentos Sociais nos séculos XIX e XX, de 1959 e Bandidos, de 1969. Nestas obras, esboça os primeiros conceitos para a categoria movimentos sociais, entendidos como “iniciativas de trabalhadores industriais urbanos, assim como as múltiplas formas de protesto da 'vontade popular', em diferentes épocas e por diferentes grupos sócio-profissionais; sua importância advém do caráter radical e de massa, ou de eventos caracterizados pela presença da multidão nas ruas, não importando sua intenção e ideologia – esquerda ou direita – nem sua capacidade de provocar reação na sociedade” (DUARTE, 2010, p. 10). É também no capítulo Da história social à história da sociedade, da obra Sobre História (1972), que Hobsbawm irá novamente definir movimentos sociais, cuja compreensão expressa da seguinte forma:
Acredito que o benefício dos numerosos estudos sobre conflito social, dos tumultos às revoluções, exija uma avaliação mais cuidadosa. A razão pela qual esses conflitos atualmente atraem pesquisa é óbvia. É indiscutível que sempre dramatizam aspectos cruciais da estrutura social que são tencionados até o ponto de ruptura [...] revoluções e temas de estudo similares (inclusive movimentos sociais) normalmente podem ser integrados em um campo mais amplo que não apenas propicia mas requer um compreensão abrangente da estrutura e dinâmicas sociais: as transformações sociais de curto prazo experimentadas e rotuladas como tal, que estendem por um período de algumas décadas ou gerações. [...] a popularidade de termos historicamente crus como "modernização" ou "industrialização" indica uma certa consciência desses fenômenos (HOBSBAWM, 1998, p.101-102).
E é em meio a estes aspectos processuais de transformações, mudanças e dinâmicas sociais, que a socióloga e cientista política Maria da Glória Gohn (1997) traça um perfil evolutivo das teorias que, mediante contextos históricos, socioculturais e políticos, buscaram delinear e conceituar a ação coletiva e a participação política dos indivíduos na sociedade, e que originou paradigmas na formação do campo de conhecimento dos movimentos sociais. Dentre os quais, o paradigma dos Novos Movimentos Sociais (NMS).
Das características apresentados por Gohn (1997, p. 123), acerca da configuração deste paradigma, está a observação de que "os atores sociais são analisados pelos teóricos dos Novos Movimentos Sociais prioritariamente sob dois aspectos: por suas ações coletivas e pela identidade coletiva criada no processo". Neste sentido, de análise das ações coletivas, de formação ou construção de identidades Gohn, ao melhor caracterizar os aspectos constitutivos do paradigma faz transparecer, mesmo que subliminarmente, o relacionamento e confluência que estes novos movimentos tendem a assumir e estabelecer com a mídia, e em termos gerais, com os meios de comunicação de massa. Nestes termos, delineando um perfil, pontua:
Os Novos Movimentos recusam a política de cooperação entre as agências estatais e os sindicatos e estão mais preocupados em assegurar direitos sociais - existentes ou a ser adquirido para suas clientelas. Eles usam a mídia e as atividades de protestos para mobilizar a opinião pública a seu favor, como forma de pressão sobre os órgãos e políticas estatais. Por meio de ações diretas, buscam promover mudanças nos valores dominantes e alterar situações de discriminação, principalmente dentro de instituições da própria sociedade civil (GOHN, 1997, p. 124).
Além de observar este aspecto da formação paradigmática dos Novos Movimentos Sociais, o que Gohn ainda irá atentar é o fato de que este relacionamento com a mídia e meios de comunicação de massa também é uma característica mais ampla da organização social que tende a sofrer influência direta do poder capital e dos avanços e recursos tecnológicos impostos à sociedade, como destaca ao referenciar os estudos de Mouffe:
Mouffe (1988) afirma que a novidade dos Novos Movimentos na Europa deriva de novas formas de subordinação ao capitalismo tardio: a banalização da vida social ou a expansão das relações capitalistas na cultura, no lazer e na sexualidade; a burocratização da sociedade; e a massificação ou homogeneização da vida social pela poderosa invasão dos meios de comunicação de massa (GONH, 1997, p. 125).
Observando, do mesmo modo, elementos de natureza semelhantes que determinam subordinação econômica entre nações e invasão midiática na vida em sociedade, o pesquisador George Yúdice (2000), ao enfocar o modo como os atuais processos de globalização geraram discussões sobre o papel da sociedade civil e refletir sobre a tradição dos estudos culturais na Europa e América Latina, delineia a existente relação e alcance das comunicações que caracterizaram novos cenários e arenas de luta para a ação dos movimentos sociais, retratando a atuação, apropriação e uso pioneiro dos meios de comunicação e tecnologias contemporâneas desencadeado pelos zapatistas no México. Em suas palavras, destacará que:
Embora a maioria das visões de esquerda da globalização seja pessimista, a virada para sociedade civil no contexto das políticas neoliberais e os usos das novas tecnologias sobre as quais repousa a globalização abriram formas novas de luta progressista em que o cultural é uma arena crucial de luta. [...] Os zapatistas, fizeram uso da internet e outros meios de comunicação de maneira inovadora a fim de criar redes amplas de solidariedade, não somente para promover os direitos dos grupos indígenas e a democratização do México, mas também para organizar um movimento mundial contra o neoliberalismo (YÚDICE, 2000, p. 432-433).
O episódio, a insurreição do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZNL) em 1994 contra a precária situação econômica e social das populações indígenas e do acordo realizado entre o estado mexicano e o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), transformou-se em um movimento de repercussão internacional quando o conflito, os gritos das manifestações e as reivindicações dos zapatistas foram divulgados em meios de comunicação de massa e em conexões eletrônicas da grande rede mundial de computadores, a Internet.
Após o episódio, e dentre os estudiosos e intelectuais que refletiram sobre a manifestação dos zapatistas, Alain Touraine irá afirmar, em 1996, que "precisamos revisar o conceito de movimento social, mediante a produção recente dada as mudanças e o impacto da globalização na territorialidade e na soberania das nações” (GONH, 1997, p. 153). E ao se referir à ação zapatista, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, Touraine reflete:
Aqueles que veem na ação dos zapatistas de Chiapas um novo surto guerrilheiro, responsável por criar de forma esporádica focos de violência nas várias partes do território mexicano, enganam-se profundamente. A ação armada não é mais essencial para os zapatistas; o que importa a Marcos e aos demais líderes do movimento é desempenhar um papel decisivo na transformação do sistema político (TOURAINE, 1996 apud GOHN, 1997, p. 153).
A ação, ou a luta que os zapatistas planejaram tornou-se, como observa Yúdice (2000), numa
[...] habilidosa guerra de guerrilha que abriu espaços para si e para seu projeto de sociedade e empurrou os meios de comunicação, cujos serviços são orientados para o Estado e suas políticas, para um diálogo de mão dupla (Yúdice, 2000, p. 445 apud López, 1996, p. 30-31).
Ademais, a iniciativa zapatista que repercutiu internacionalmente inaugurou arenas de luta tornadas possível por meio da comunicação em circuitos digitais; demandou em novos espaços para os conflitos sociais e ativismo político em conexões das redes eletrônicas do ciberespaço, e deu origem a um novo ciclo de ações que podem servir de exemplo ou de modelo para a formação e atuação de novos ou de tradicionais movimentos sociais, mesmo que contemporâneos.
Considerações Finais
Tomados como fenômenos históricos concretos e geradores de mudanças, de rupturas e de transformações da e na sociedade, movimentos sociais tendem a se “modernizar” ou a se inter-relacionar com os paradigmas postos à sociedade e ao passar dos tempos; à cultura e consciência dos povos; à ação coletiva ou isolada dos indivíduos originando, eles próprios, novas categorias temáticas para os debates acadêmicos e rupturas teóricas. Questões novas e conflitos sociais em prol ou contra alguma causa que originam novas identidades sociais e inauguram novas arenas de luta de participação política e mobilização social, constituindo e constituindo-se em categorias de análise na construção do campo de conhecimento que os designaram, na modernidade ou na pós-modernidade, sob a teoria paradigmática e denominação de novos movimentos sociais, e que instauraram a temática e a problemática dos movimentos sociais contemporâneos.
Imersos em um campo de análise social que valoriza mais a cultura do que as demandas na economia, e que se refletiu na organização e atuação dos novos movimentos sociais em redes de troca de informações, cooperação e solidariedade, o relacionamento com a mídia e a recente apropriação dos meios e aparatos tecnológicos de comunicação que os movimentos sociais contemporâneos têm empreendido em suas lutas por reconhecimento de direitos, muitos dos quais centrados em questões de minorias étnicas e raciais, de preservação ambiental, de liberdade religiosa, expressão cultural e partidarismo político, se desenvolvem em conformidade e em consonância com as mudanças e transformações sociais pelas quais tem passado a humanidade ao longo da história, e que estabelece novos conceitos e preceitos para a vida em sociedade.
Integrante de um processo histórico em constante construção, o estudo de movimentos sociais tem instigado pesquisas em diversas áreas do conhecimento humano, contudo, para profissionais que se debruçam sobre suas questões, sejam elas do passado ou do presente, como campo específico da historiografia, a recomendação recai sobre o que Hobsbawm (1998), com propriedade observa:
Os historiadores dos movimentos populares passam grande parte de seu tempo descobrindo como as sociedades funcionam e quando não funcionam, e também como mudam. Não podem deixar de fazer isso, uma vez que seu objeto, as pessoas comuns, constituem maioria de qualquer sociedade. Partem com a enorme vantagem de saber que são em grande medida ignorantes, seja dos fatos, seja das respostas a seus problemas. [...] Mas a modéstia não é uma virtude desprezível. É importante nos lembrarmos de vez em quando que não sabemos todas as respostas sobre a sociedade e que o processo de descobri-las não é simples (HOBSBAWM, 1998, p. 231).
Referências
CASTRO, Hebe. História Social. In: Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (orgs.). 5ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 45-60.
DUARTE, Adriano Luiz. Algumas considerações sobre a categoria movimentos sociais . In: Seminário Internacional Arquivo Edgar Leuenroth: história e pesquisa, 2010. Disponível em http://segall.ifch.unicamp.br/publicacoes_ael/index.php/cadernos_ael/ article/view/173/180. Acesso em: 08 out. 2012.
GOHN, Maria da Glória. O Paradigma dos Novos Movimentos Sociais. In: Teoria dos Movimentos Sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Editora Loyola, 1997. p. 121-170.
HOBSBAWM, Eric. Da história social à história da sociedade. In: Sobre História. Companhia das Letras, 1998. p. 36-48.
YÚDICE, George. A Globalização da Cultura e a Nova Sociedade Civil. In: Cultura e Política no Movimentos Sociais Latino-Americanos: novas leituras. ALVAREZ, Sonia E., DAGNINO, Evelina, ESCOBAR, Arturo (orgs.). Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000. p. 427-464.


[1] Este trabalho foi apresentado na categoria de comunicação livre no II Encontro de Pesquisa em História da UFMG – EPHIS realizado, entre os dias 04 a 07 de junho de 2013, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais.
[2] Maria Vandete de Almeida é licenciada em História pela Universidade Federal de Alagoas, especialista em Desenvolvimento de Sistemas para Web e mestre em História pela Universidade Estadual de Maringá.

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