segunda-feira, 12 de agosto de 2013

“POR QUE, CALABAR?” O MOTIVO DA TRAIÇÃO "- Frans Leonard Schalkwijk

“POR QUE, CALABAR?”
O MOTIVO DA TRAIÇÃO

Frans Leonard Schalkwijk* 


A figura de Calabar insere-se na história pátria colonial durante a época da invasão dos holandeses no Nordeste (1630-1654). Morador de Porto Calvo, Alagoas, passou para o lado holandês em 1632. Conseqüentemente, é desprezado pela maioria das pessoas como traidor; outros, porém, acreditam que Calabar amava a sua terra natal e fez uma escolha sábia. Mas, afinal, por que ele teria passado para o outro lado? Qual a razão da traição?
I. Contexto
Para entendermos o drama de Calabar, temos de lembrar do contexto histórico.Portugal e suas colônias estavam debaixo do domínio espanhol desde que Filipe II conquistara a coroa portuguesa em 1580. Com isso, ele pode afirmar com razão que no seu império o sol nunca se punha. Somente sessenta anos depois, em 1640, Portugal se livraria de Castela e constituiria de novo um reino independente sob o governo de D. João IV. Mas a história de Calabar se desenvolveu inteiramente no contexto do Brasil ibérico, quando, por algum tempo, não havia previsão de mudanças políticas.
Domingos Fernandes Calabardeve ter nascido durante a primeira década do século XVII, no atual Estado de Alagoas, na região de Porto Calvo, sendo filho de pai português e de mãe indígena, de nome Ângela Álvares.3 Era, assim, um mameluco,e foi batizado numa igreja da paróquia de Porto Calvo.O menino foi educado numa escola dos padres jesuitas e, homem feito, ainda antes da invasão batava, possuía três engenhos de açúcar naquela região.Então, em 1630, a segunda onda de invasores holandeses alcançou a costa do Nordeste. Portugal e a Holanda geralmente gozavam de um bom relacionamento, inclusive por causa do seu inimigo comum, a Espanha. Na época do reino unido ibérico (1580-1640), a invasão flamenga fazia parte da guerra dos oitenta anos que a Holanda travava contra o domínio espanhol sobre os sofridos Países Baixos (1568-1648).A Ibéria continuou tentando recapturar suas províncias perdidas e esmagar a reforma religiosa naqueles rincões. A Europa sempre se admirava de como os Filipes conseguiam colocar exércitos bem equipados tão longe das suas terras, e sabia que o segredo era a riqueza oriunda principalmente das colônias americanas, inclusive do Brasil. De lá não vinha ouro nessa época, e sim grandes caixas do apreciado açúcar, branco e mascavo. Eram umas 35.000 caixas de 300 quilos cada uma por ano.O paladar europeu estava se adaptando ao novo produto e o preço do açúcar estava em alta. A Holanda procurava “estancar as veias do rei da Espanha,” pelas quais fluía tanta riqueza, e muitos holandeses apoiaram de coração os esforços da Companhia das Índias Ocidentais no sentido de causar “prejuízo ao inimigo comum.”
O domínio holandês do Nordeste durou quase um quarto de um século (1630-1654) e teve três períodos distintos. A primeira etapa abrange os anos da resistência ibérica e do crescimento do poderio neerlandês (1630-1636). O segundo período compreende a resignação lusa e o florescimento da colônia holandesa (1637-1644). Os últimos anos compõem a insurreição dos moradores portugueses e o fenecimento do domínio flamengo até a expulsão final (1645-1654). São períodos de aproximadamente sete, oito e nove anos, respectivamente. O florescimento da colônia holandesa coincidiu com a presença do Conde João Maurício de Nassau-Siegen como governador do Brasil holandês, e deveu-se em grande parte à sua pessoa. Especialmente na época nassoviana, mas de fato durante todo o período holandês, o Nordeste era como que um enclave renascentista10 no Brasil colonial, com uma forte influência cristã reformada. A história de Calabar é parte integrante do primeiro período da ocupação holandesa, a da resistência ibérica contra os conquistadores recém-chegados.
Olinda, a capital da capitania de Pernambuco, caiu nas mãos dos holandeses em fevereiro de 1630. Sua conquista fez parte da “primeira guerra mundial... contra o rei do planeta.”11 A composição das tropas invasoras refletia esse aspecto global, à semelhança dos atuais Gideões Internacionais, incorporando holandeses, frísios, valões, franceses, poloneses, alemães, ingleses e outros. Envolvidos na guerra contra Madri, todos se alegraram quando os “espanhóis” bateram em retirada.12 Essa luta contra a Espanha tinha implicações profundamente religiosas. Embora a instrução do almirante Lonck estipulasse que todos os padres jesuítas e outros religiosos teriam de abandonar o país, ela reafirmava a “liberdade de consciência, tanto para os cristãos como para os judeus, desde que prestassem juramento de lealdade..., assegurando-lhes que (a Holanda) não molestaria ou investigaria as suas consciências, mas que a religião reformada seria publicamente pregada nos templos...”13 Foi instituído um governo civil; um dos membros desse Alto Conselho era o médico Servaes Carpentier.14 O exército ficou sob o comando do coronel Diederick van Waerdenburch, o governador, presbítero da Igreja Reformada, homem estimado pelas tropas.
Em 1631, foi conquistada a Ilha de Itamaracá e construído o Forte de Orange sob a supervisão do capitão protestante Chrestofle Arciszewski, um nobre polonês.15 Todavia, a expansão foi lenta, e outras tentativas de ampliar a conquista vieram a fracassar por causa da resistência dos luso-brasileiros, que eram grandes conhecedores da região e haviam adotado a tática de guerrilhas (“capitanias de emboscada”), o que deixou os holandeses praticamente encurralados. O próprio almirante Lonck quase caiu numa emboscada no istmo entre o Recife e Olinda, e o pastor Jacobus Martini foi morto no mesmo trecho.16 O centro da resistência portuguesa estava localizado a uns seis quilômetros do litoral, em um terreno alagadiço no lugar denominado Arraial do Bom Jesus.17 A Ibéria enviou uma armada de mais de 50 navios para recapturar Pernambuco, sendo que a maior parte da contribuição dada por Lisboa veio de empréstimos compulsórios de “cristãos novos” (judeus convertidos compulsoriamente ao catolicismo romano).18 
Em setembro de 1631, a batalha naval de Abrolhos, no litoral pernambucano, ficou sem vencedor. Em seguida, as tropas espanholas, sob o comando do não muito benquisto conde napolitano Bagnuolo, desembarcaram em Barra Grande, no sul de Pernambuco, a cerca de cinco léguas do maior povoado da região, Porto Calvo, às margens do Rio das Pedras. Entre eles estava Duarte de Albuquerque Coelho, o novo donatário de Pernambuco, autor das famosas Memórias Diárias19 sobre os primeiros oito anos dessa guerra colonial. Por ora a situação era de empate, os holandeses dominando o mar, os portugueses as praias.
II. História
Essa situação de virtual equilíbrio no Nordeste continuou até 22 de abril de 1632, quando um soldado de nome Calabar, homem muito forte e audaz, deixou o campo português e passou para o lado dos holandeses. Foi apenas por um breve período, pouco mais de três anos, mas teve conseqüências para toda a época flamenga. Calabar não foi o único a passar para o outro lado, mas sem dúvida foi o mais importante entre eles. Era um homem inteligente e grande conhecedor da região, que já tinha se distinguido e ficado ferido na defesa do Arraial sob a liderança do nobre general Matias de Albuquerque.20
Inicialmente, os holandeses não confiaram muito nele.21 No entanto, dez dias depois Calabar provou pela primeira vez o que podia fazer, levando as tropas do coronel Van Waerdenburch a saquear Igaraçu, a segunda cidade de Pernambuco, para onde uma parte das riquezas de Olinda tinha sido transportadas. Durante os meses seguintes, muitas campanhas foram feitas pelas colunas volantes batavas sob a orientação de Calabar, que tornou-se amigo do coronel alemão Sigismund von Schoppe. Por outro lado, o general Matias tentou “por todos os meios possíveis (reduzir Calabar), assegurando-lhe não só o perdão, mas ainda mercês, se voltasse ao serviço de el-rei; e esta diligência repetiu por muitas vezes, no que se gastou algum tempo; mas vendo que nada bastava para convencê-lo, tratou de outros meios.”22 
Em 1633, com a ajuda de Calabar, foi conquistado o litoral norte, desde Itamaracá até a fortaleza dos Reis Magos, e com isso o Rio Grande do Norte, o que levou a contatos amigos com os tapuias, indígenas antropófagos daquela região. Na parte sul, foi tomado o valioso ancoradouro do Cabo Santo Agostinho, o que privou os portugueses do porto mais próximo do Arraial, dificultando o recebimento de reforços de Lisboa e o envio de açúcar para Portugal. Nessa altura, o coronel Sigismund, como o mais velho dos oficiais, assumiu o comando das tropas terrestres. No mar, o almirante Jan Cornelis Lichthart, que falava português, tornou-se amigo de Calabar, que lhe ensinava as entradas dos rios.
Do outro lado, os portugueses prosseguiam com suas tentativas de destruir Calabar. Assim, em março de 1634, o general Matias prometeu a Antônio Fernandes, um primo irmão com quem Calabar fora criado, “que lhe faria mercê que o contentasse se pudesse matá-lo em algum ataque.” Antônio aceitou a comissão mas foi morto na tentativa.23 
Enquanto isso, Calabar se adaptava mais e mais à sociedade dos invasores e tornou-se um indivíduo estimado e respeitado, inclusive na “igreja católica reformada.”24 Prova disto é que, quando nasceu um filhinho do casal, foi batizado na Igreja Reformada do Recife. O livro de batismo dessa igreja registra que no dia 20 de setembro de 1634, Calabar esteve ao lado da pia batismal com o seu filho nos braços. O menino foi, então, batizado “Domingo Fernandus, pais Domingo Fernandus Calabara e Barbara Cardoza.”25 Como testemunhas, ali estavam o alto conselheiro Servatius Carpentier, o coronel Sigismund von Schoppe, o coronel polonês Chrestofle Arciszewski, o almirante Jan Cornelisz Lichthart e uma senhora da alta sociedade.26 O pastor oficiante foi provavelmente o Rev. Daniel Schagen.27
No final de 1634, a Paraíba também havia se rendido aos invasores. Alguns sacerdotes (exceto os jesuítas) inclusive tiveram a permissão de assistir aos ofícios religiosos. Houve até um padre, Manuel de Morais, S.J., que passou para o lado invasor. Dessa forma, os holandeses ocuparam a faixa litorânea desde o Cabo Santo Agostinho até o Rio Grande do Norte. A Espanha não podia fazer muito devido aos grandes problemas que enfrentava na Alemanha (com o avanço do exército sueco para ajudar a Reforma contra as tropas do imperador), a perda de uma frota carregada de prata do México (devido a um furacão), problemas no Ceilão, vários anos de seca em Portugal, etc.
Novamente orientados por Calabar, os holandeses continuaram a expansão para o sul e, em março de 1635, atacaram Porto Calvo, a terra natal do próprio Calabar. Os defensores, liderados por Bagnuolo, fugiram para o sul, e com a ajuda de frei Manuel Calado do Salvador28 os moradores da região submeteram-se aos holandeses. Dessa forma, o Arraial ficou isolado e, depois de três meses, em junho, Arciszewski conquistou aquela fortificação lusa, os religiosos recebendo permissão para levarem as suas imagens. Matias de Albuquerque havia fugido para o sul com aproximadamente 7000 moradores que preferiram acompanhá-lo a ficar sob o domínio flamengo. A única estrada da região pantanosa de Alagoas que podia ser usada por carros de boi passava por Porto Calvo, e nessa altura estava em poder do major Picard e de Calabar, acompanhados de uns 500 homens. Matias viu-se forçado a atacar a praça, que teve de pedir condições de entrega. Picard tentou salvar a vida de Calabar e finalmente foi combinado que ele ficaria “à mercê d’el-rei.”29 Porém, como disse o historiador De Laet, a proteção concedida foi “à espanhola” e um tribunal militar o condenou a ser enforcado e esquartejado como traidor.30 O frei Manuel o assistiu nas últimas horas31 e ao anoitecer do dia 22 de julho de 1635 a sentença foi executada. Foi também enforcado um judeu, Manuel de Castro, “homem de nação,” que estava ali a serviço dos holandeses.32 Poucas horas depois, os portugueses continuavam a sua retirada em direção à Bahia, levando consigo cerca de 300 prisioneiros holandeses. Nenhum dos moradores cuidou de enterrar o soldado executado. Dois dias depois, chegaram a Porto Calvo as forças combinadas dos coronéis Sigismund e Arciszweski, que ficaram enfurecidos ao achar os restos mortais do seu amigo e compadre Calabar. Foram colocados num caixão e sepultados com honras militares. Querendo vingar-se da população lusa, foram dissuadidos por Calado, “o frei dos óculos,” especialmente pelo fato de que os holandeses precisavam dos “moradores da terra” para a plantação da cana-de-açúcar e a criação do gado.
III. Motivos
Por que Calabar teria passado para o lado do invasor? Capistrano de Abreu pergunta: “Talvez a ambição ou esperança de fazer mais rápida carreira, ou desânimo, a convicção da vitória certa e fácil do invasor”?33 Reconheçamos que, com esta inquirição, entramos no campo da especulação histórica, pois não há indícios concretos nos documentos, somente alusões vagas.34 Deve ter havido motivos claros e outros ocultos, motivos diurnos e noturnos.35 Além disto devem ter existido forças que o empurravam para fora do círculo português e outras que o atraíam para dentro do campo holandês, forças centrífugas e centrípetas. Lembremos ainda que uma decisão dessas geralmente não se toma de um dia para o outro. Havia motivos que se cristalizaram com o tempo, até que algo levou o barril de pólvora a explodir.
A. Fugitivo?
A primeira pergunta deve ser: será que Calabar era um fugitivo? O confessor de Calabar, antes da sua execução, foi o frei Manuel Calado do Salvador, vigário da paróquia de Porto Calvo. Treze anos depois, em 1648, no auge da revolta contra os holandeses, ao escrever O Valeroso Lucideno, seu livro panegírico em louvor do líder João Fernandes Vieira, Calado afirmou que Calabar era um contrabandista, que inclusive teria cometido grandes furtos e vários crimes atrozes na paróquia de Porto Calvo e, temendo a justiça, fugiu com Bárbara para o campo do inimigo.36 As Memórias de Duarte Coelho, escritas em 1654, acompanham Calado nessa opinião.37 Vários historiadores, como Varnhagen e outros, mantêm esse veredito.38 Mas o cônego Pinheiro lembra que “os mais graves cronistas como Brito Freyre (1675), e frei José da Santa Teresa (1698), não falam nesses crimes atrozes atribuídos pelo Valeroso Lucideno e seu Castrioto Lusitano compilador.”39 Quanto às Memórias do donatário Duarte de Albuquerque Coelho, temos de observar que o autor (cujo irmão Matias, cognominado o “terríbil,”40 era o general da resistência portuguesa), escrevendo sobre a traição de 1632, não mencionou motivo algum, somente se admirou de que um homem tão corajoso, que ficou ferido duas vezes na defesa da sua terra, não sentisse ódio dos invasores.41 Mas, depois, quando tratou da morte de Calabar, disse que foi um “castigo reclamado por sua infidelidade,” acrescentando que tinha “cometido grandes crimes, e para evitar a punição fugiu passando-se para o inimigo.”42 Será que Coelho refletia boatos do campo português depois da traição, além de referir-se aos crimes de guerra ocorridos nas incursões dos holandeses com Calabar entre 1632 e 1635, inclusive em Barra Grande e Camaragibe, ambos distritos no litoral da paróquia de Porto Calvo?43 Quanto às informações de Calado, temos de reconhecer que elas nem sempre são muito precisas,44 e são às vezes romanceadas;45 além disso, conforme C. R. Boxer, elas freqüentemente eram um tanto caluniadoras e não necessariamente fidedignas.46 
Talvez Flávio Guerra seja o autor mais sistemático na rejeição da idéia de fuga por roubo e outras razões dessa natureza. Ele argumenta: a) Calabar era um homem de posses que não aceitou dinheiro dos holandeses; b) ele não poderia ter defraudado bens do estado no Arraial; c) não há documento nenhum que fale em fraude; d) essa alegação surgiu somente alguns anos depois da morte de Calabar.47 Reconhecemos, porém, que esse jovem inteligente e proprietário de engenhos de açúcar talvez não tenha herdado essas propriedades; talvez fosse mesmo um contrabandista e como tal pudesse ter cometido algum furto ou crime antes da traição. Entretanto, seja como for, naqueles dias de guerra dificilmente esse corajoso e astuto defensor do Arraial seria entregue nas mãos da justiça enquanto o general Matias e o donatário Duarte estavam a seu favor. Por outro lado, depois da traição, depois de tantas tentativas de reconduzi-lo gentilmente, depois de tantos prejuízos e mortes causados na conquista de Igaraçu, Itamaracá, Rio Grande, Paraíba e boa parte do sul de Pernambuco, depois de tantas tramas abortadas para liquidá-lo, não havia chance nenhuma de escapar das garras dos seus justiceiros comandados pelo general Matias, com ou sem crimes cometidos antes da traição.48 
B. Teria Segurança?
Mas, sendo fugitivo do lado português, teria realmente segurança se passasse para o outro lado? Inteligente como era, Calabar deve ter calculado o perigo que estava correndo. Será que ele teria tido medo de, no fim, ser abandonado pelos holandeses? Creio que não. Intimamente ele deve ter tido a certeza de que não seria como Frei Calado sugeriu, que os holandeses “se servem (dos seus ajudantes) enquanto os hão mister, (mas) no tempo da necessidade e tribulação, os deixam desamparados e entregues à morte.”49 A proteção dada posteriormente aos seus aliados judeus e índios e a resistência em render-se finalmente aos portugueses por causa dos mesmos (atestada pelo próprio Calado),50 mostra que não é provável que isto tenha acontecido. Mas, pela última vez em Porto Calvo, com soldados relutantes, restando pouca água e munições, com lenha amontoada pelos sitiantes debaixo da casa forte para queimá-los,51 e depois de “mais de meio-dia no ajuste dos artigos de rendição, porque o inimigo insistia em levar consigo Domingos Fernandes Calabar,” o próprio soldado Calabar sabia que era impossível escapar e, querendo poupar as vidas dos seus amigos e subordinados, “disse com grande ânimo estas palavras ao governador Picard: ‘Não deixeis, senhor, de concordar no que se vos exige pelo que me diz respeito, pois não quero perder a hora que Deus quis dar-me para salvar-me, como espero de sua imensa bondade e infinita misericórdia’.”52 Deve ter pedido, ainda, que cuidassem bem da sua mulher, com quem fugira para o campo holandês,53 e de seus filhos, pois ia entregar-se sozinho. De fato, o governo cuidou bem da família do seu nobre capitão, pois a sua viúva passou a receber para cada um dos seus três filhos menores o salário de um soldado, num total de 24 florins mensais, equivalente ao salário de um mestre-escola, o que não acontecia com a família de pastor e capelão do exército tombado no serviço da Companhia.54 Por outro lado, o próprio major Alexandre Picard deve ter ficado arrasado com o triste fim do colega, e nós o encontramos depois na Holanda recuperando-se na casa do seu irmão pastor em Coevorden.55 
C. Exemplos de “Traidores”
Fugindo em busca de refúgio ou não, também temos de lembrar que a época conhecia muitos exemplos de “traidores,” de ambos os lados. Embora Calabar fosse considerado em abril de 1632 como o primeiro a desertar do Arraial,56 os documentos testificam que já havia passagens dos dois lados. Alguns soldados franceses a serviço da Companhia das Índias Ocidentais passaram para o campo português devido à religião, e houve judeus que fizeram a viagem em direção oposta pelo mesmo motivo. Sabemos de escravos que fugiram dos seus donos para obter mais liberdade entre os holandeses,57 de grupos de índios tupis que deles se aproximaram,58 e também de soldados napolitanos que debandaram para o lado invasor. O “vira-casaca” holandês mais conhecido foi o capitão Dirk van Hooghstraten que, em 1645, entregou a fortaleza do Cabo Santo Agostinho aos portugueses por um bom dinheiro (que ainda não havia recebido quatro anos depois).59 Houve pessoas que trocaram de campo até duas vezes, e entraram para a história com honras, como o padre jesuíta Manuel de Morais e o próprio João Fernandes Vieira. O primeiro tinha liderado os índios na resistência contra o invasor, mas passou para o campo do inimigo depois da queda da Paraíba. Foi enviado à Holanda, onde casou-se com uma holandesa e, para ressarcir-se das despesas que teve, cobrou à Companhia das Índias Ocidentais pela ajuda prestada no Brasil. Depois de alguns anos, Morais deixou mulher e filhos, voltando para o Nordeste como negociante. Quando, no início da revolta, foi capturado pelos portugueses, salvou sua pele passando de novo para o campo católico romano. Quando foi preso pela Inquisição, defendeu-se habilmente diante dos seus inquisidores, insistindo que nunca tinha quebrado seus votos sacerdotais, mas, não reconhecendo o matrimônio herético, somente tinha se amancebado com mulheres reformadas.60 Por sua vez, João Fernandes Vieira ajudou um conselheiro holandês a achar o tesouro enterrado do seu antigo patrão português e conseguiu créditos e mais créditos da Companhia até, em 1645, proclamar a “guerra da liberdade divina” para livrar o Brasil dos “heréticos,” aos quais ficou devendo 300.000 florins, importância altíssima para a época.61 De fato, em tempo de guerra, a traição está “no ar.”
D. Interpretação Econômica
Revendo esses poucos exemplos, poderíamos então postular que a interpretação mais simples para o caso de Calabar seria econômica. Talvez Calabar, como grande conhecedor da região e dos acessos pelos rios, já fosse contrabandista antes e depois da invasão,62 e teria passado para os invasores em busca de dinheiro. Embora tudo indique que ele não precisava disto, pois já tinha adquirido propriedades e gado em Alagoas, um bom dinheiro sempre teria sido bem-vindo. Mas, se foi contrabandista, de certo havia cúmplices, como deixou transparecer o seu próprio confessor. É que Calado relatou alguns detalhes da confissão de Calabar (com permissão do mesmo) ao general Matias; entretanto, este ordenou ao padre “que não se falasse mais nesta matéria, por não se levantar alguma poeira, da qual se originassem muitos desgostos e trabalhos” (sem dúvida para alguns portugueses importantes).63 Mas, afinal, será que este moço abastado teria passado para o inimigo por dinheiro, pensando em aumentar a sua fortuna? Southey o acha mais provável.64  Calado não o diz, nem Coelho, que somente menciona que Calabar passou a receber o soldo de um sargento-mor.65 Também, através dos anos, não apareceu nenhum indício disto nos documentos, nem a mais ligeira referência como nos outros casos de peso. Ao contrário, há indicações de que ele recusou o suborno.66 Por outro lado, não parece muito provável que Waerdenburch teria oferecido a Calabar o título de capitão caso mudasse de lado, pois desconfiava dele. Se prometeu algo nesse sentido, teria sido mais por uma questão de honra do que por uma razão financeira.67 
E. Questão de Honra
Uma interpretação bem mais provável é essa questão de honra; talvez de glória, mas muito mais de reconhecimento, respeito, bom nome, dignidade. Vivendo no século XVII, por ser mestiço e não português “de sangue puro,” Calabar, apesar das suas qualidades, de certa forma era um inferior por causa da cor da sua pele, ainda que atualmente algumas pessoas tenham dificuldade em admitir esse fato histórico. Ainda quase um século e meio depois, o vice-rei do Brasil mandou degradar um cacique indígena que antes tinha recebido honras reais, pois “havia desprezado as mesmas… se baixando tanto que se casou com uma negra, manchando seu sangue.”68 Mestiçagem aviltada num Brasil mestiço. Na época de Calabar a situação não era muito melhor e parece que até os holandeses sabiam da discriminação racial contra Calabar.69 Talvez baseando-se na história de Southey, o romancista Leal faz Calabar pensar em “vingança de tantos desprezos e tantas humilhações com que me têm amargurado os da vossa raça.”70 E outro romancista, Felício dos Santos, bem pode ter razão quando faz o napolitano conde Bagnuolo insultar Calabar chamando-o de negro. Seria mesmo o estopim que o fez sair do acampamento do Arraial do Bom Jesus e passar para os holandeses.71 Anos depois, o próprio governador de Pernambuco (1661-1664) escreveu que Calabar buscara entre os inimigos “a esperança que lhe impedia entre os nossos a vileza do nascimento.” E falando sobre Henrique Dias, o herói africano da restauração portuguesa, acrescenta: “Um negro, indigno deste nome, pelo que emendou ao defeito da natureza.”72 Por outro lado, Calabar, o mameluco, deve ter observado como os holandeses tratavam melhor os seus escravos,73 e os índios até mesmo com respeito, chamando-os de “brasilianos” por serem os primeiros moradores do vasto Brasil.74 E quem sabe Calabar também fosse um tanto ambicioso e pensasse que poderia fazer carreira do outro lado,75 o que num certo sentido aconteceu, como Coelho lembra ao afirmar que “logo o fizeram capitão.”76 Não foi tão logo, mas de fato aconteceu.
F. Motivação Religiosa
Resta ainda uma dupla de motivos que deve ser considerada, a político-religiosa. Estas são duas alavancas importantes da história e naquele tempo estavam entrelaçadas quase que inseparavelmente. Será que houve algum motivo religioso na traição de Calabar? Representantes do pensamento cristão reformado como o presbítero holandês coronel Waerdenburch, reconhecidamente um homem de Deus,77 ou o alemão Von Schoppe, ou o polonês Arciszewski, devem ter tido uma influência nesse sentido. Será que Calabar leu o livro de Carrascon, ou “O Católico Reformado” de Perkins,78 livros que já estavam circulando no Nordeste e sobre os quais frei Calado advertia constantemente os seus fiéis em Porto Calvo, berço de Calabar? Anos depois Calado se lembrava de que se não tivesse ficado em Porto Calvo, “os pusilânimes haviam de ter titubeado na fé, e haviam de estar envoltos em muitos erros e heresias. Porquanto os predicantes dos holandeses haviam derramado por toda a terra uns livrinhos que se intitulavam O Católico Reformado em língua espanhola, composto por Fulano Carrascon, cheios de todos os erros de Calvino e Lutero, e persuadiam os ignorantes (e ainda aos que não eram) de que a verdadeira religião era a que naqueles livros se ensinava.”79
De fato, houve uma escolha religiosa voluntária por parte de Calabar, o que não era possível na direção oposta.80 Ele podia ter passado para o lado holandês sem filiação à “igreja do estado” e Bárbara podia ter procurado um padre católico romano para o batismo do seu filho. Calabar teria sido considerado um aliado valioso da mesma forma que os tapuias com o seu pajé, os judeus com o seu rabino e os soldados franceses e napolitanos com o seu vigário católico romano. A entrada da família Calabar na igreja reformada foi voluntária e o batismo do seu filho na igreja reformada do Recife em 1634 aponta para isto.81 Finalmente, dez meses depois, no dia da sua execução, Calabar reconheceu mais claramente os seus pecados e se mostrou tão arrependido que os religiosos que o assistiram acharam que “Deus por meio de tal pena o quis salvar, dando-lha no próprio lugar de seu nascimento e onde tanto o havia ofendido.”82 Quem sabe Calabar lembrou-se, como posteriormente o índio Pedro Poti durante o seu suplício, das primeiras frases do Catecismo de Heidelberg, escrito em tempos de perseguição pela Inquisição e memorizado pelos fiéis: “Qual o teu único consolo na vida e morte? Que, na vida e na morte, não pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador, Jesus Cristo.”83 
G. Patriotismo
Finalmente, quanto ao aspecto político convém abordar o motivo do amor à terra natal, o patriotismo. José Honório Rodrigues observa que talvez tenha sido Francisco de Brito Freyre (almirante da armada que reconquistou o Nordeste e posteriormente governador de Pernambuco), “dos primeiros a manifestar, ao se referir a Calabar, sentimentos patrióticos em relação ao Brasil,” quando diz que Calabar foi enforcado em Porto Calvo, “pátria sua.”84 Recentemente, o historiador Flávio Guerra defendeu esse sentimento de patriotismo e, ao mesmo tempo, o ódio luso-brasileiro contra a opressão da Espanha. El-rei teria praticamente abandonado o Brasil e quando chegou o reforço sob o comando de Bagnuolo, os estrangeiros receberam, por ordem régia, tratamento melhor do que os “moradores da terra,” dos quais alguns foram indo para suas casas, conforme Calado. Por outro lado, os holandeses prometiam menos impostos do que os espanhóis e tentaram trazer Calabar para si. “A catequização do mameluco estivera sendo trabalhada por um tal de Joer,” agente dos invasores, católico romano, que falava muito bem o idioma do Brasil. Finalmente Calabar teria escrito ao governador Waerdenburch, dizendo: “Passei para essa causa sem querer recompensa, e vim para melhorar minha terra, que não tem liberdade de espécie alguma.” Waerdenburch teria confirmado à Holanda que “Calabar só se colocou ao nosso lado por convicção, pois recusou as recompensas que vossas senhorias lhe haviam mandado. Diz estar certo de que a sua pátria irá melhor do que com os espanhóis e os portugueses.” Guerra conclui que “convicções talvez erradas mas honestas… decorreram do seu idealismo… (para) melhor servir à pátria.” E quando, depois, o general Matias acenou com anistia total na tentativa de trazê-lo de volta, Calabar teria respondido: “Tomo Deus por testemunha de que meu procedimento é o indicado pela minha consciência de verdadeiro patriota, não como traidor, mas como patriota.” E no fim, em Porto Calvo, antes de entregar-se, teria escrito ao governo holandês no Recife: “Serei um brasileiro que morre pela liberdade da pátria.” Infelizmente, não conseguimos localizar os documentos em que a informação de Guerra se baseia. Mesmo assim, a base histórica parece muito sólida.85 
Conclusão
Pessoalmente, tenho a impressão de que o motivo que impulsionou Calabar foi um pouco mais “caleidoscópico.” O fator centrífugo ou negativo mais forte talvez tenha sido a ira, ira contra o desprezo racial, inclusive, quem sabe, ódio contra o seu pai português (desconhecido?), uma ira impotente contra a primeira onda de invasores na terra dos “brasilianos.” Se fosse fugitivo, a segurança lhe acenaria. Todavia, o fator positivo mais forte certamente teria sido o seu patriotismo, enfatizado por Flávio Guerra.
A descrição intuitiva de João Felício dos Santos talvez possa estar perto da resposta que se esconde na névoa da história. Para Felício, esse amor à terra natal era patente em todas as fases da vida do soldado, quem sabe um desejo de realmente ver “ordem e progresso” no Brasil (talvez o sonho de servir, não a si mesmo, mas à comunidade, com justiça e paz). Como menino, o romancista faz Calabar estudar em um colégio de jesuítas onde se ensinava uma obediência incondicional à coroa católica romana de Castela, mas faz o menino responder que somente devia obediência à sua mãe e à terra brasileira. Como jovem, ele teria percebido que os holandeses amavam o Brasil pela construção e limpeza do Recife (e podia ter acrescentado: por planos de melhorias como o ensino primário generalizado, limpeza dos limpos, proibição do corte do pau-brasil e do cajueiro, etc.). Finalmente, Felício faz Calabar adulto dizer ao frei Calado, seu confessor, defendendo-se do epíteto de traidor: “São partidários dos flamengos todos os que querem esta terra farta e acarinhada, sejam eles de que nação forem.”86 Provavelmente foi isto em essência que Chico Buarque também quis enfatizar, em 1973, com seu musical “Major Calabar.”87
Na verdade, à pergunta “Por que Calabar passou para o outro lado?” temos de responder por enquanto com um “non liquet,” pois, mesmo do lado holandês, nem o meticuloso cronista De Laet (1644) e nem o panegirista Barlaeus (1647) mencionam motivo algum. De Laet registra somente que “para os nossos passou um mulato, de nome Domingo Fernandes Calabar” e Barlaeus observa que esse “português abandonou o partido do rei (da Espanha) pelo nosso,” mencionando a sua terrível morte por causa da sua infidelidade.88 Talvez seja pessimista demais a conclusão de Capistrano de Abreu: “nunca se saberá.”89 Se for localizada uma das cartas mencionadas por Flávio Guerra, teremos uma resposta clara e autêntica. Mas, de fato, atualmente não sabemos com certeza. Na velha Roma, os juízes podiam usar seu “NL” com discrição, porém sem constrangimento. Era uma placa cujas letras queriam dizer “non liquet,” isto é, o assunto não está claro (líquido). Se, depois de ouvir as testemunhas, o caso ainda não estava claro, eles erguiam as suas plaquinhas “NL” na hora da votação. Não era um atestado de ignorância, nem prova de indecisão, mas de juízo. Era um sinal humilde de que estavam no limite da interpretação honesta dos dados conhecidos. Precisamos ter sabedoria e coragem para erguer o “NL,” porque no caso do capitão Calabar por enquanto não sabemos mesmo. Provavelmente, ele foi movido por um misto de motivos, tendo o amor à sua terra natal como Leitmotiv. Porém, foi sempre uma motivação mesclada, pois “o coração tem razões que a própria razão desconhece” (Blaise Pascal).

Apeldoorn, Holanda, 08-05-2000 A.D.
Dedicado ao meu irmão e colega Rev. Klaas Kuiper (biógrafo de João Ferreira de Almeida [1628-1691], o tradutor da Bíblia para o português e pastor da “Santa Igreja Cristã Católica Apostólica Reformada” em Jakarta, Indonésia).

Post Scriptum
Quanto aos cinco documentos mencionados por Guerra (Aventura, 79-84, 103; Calabar, 42, 69), os mesmos poderiam encontrar-se em Haia, no Rio ou em Recife. Os originais deviam estar no Arquivo Real de Haia, na Holanda (Algemeen RijksArchief), nas respectivas caixas de cartas escritas do Recife para os Estados Gerais dos Países Baixos (ARA-AStG 5753 e 5754; 1631-34 e 1635) ou para os Senhores XIX (ARA-OWIC 49 e 50; 1630-32 e 1633-35). As cópias podem estar no Brasil, pois as transcrições das missivas aos Estados Gerais (1854) constituem hoje a “Coleção Caetano,” no Rio de Janeiro; as transcrições das cartas aos Senhores XIX (1886) formam a famosa “Coleção José Higino,” no Recife. Os documentos procurados (originais, cópias ou traduções; principais ou anexados) devem ser os seguintes:
(a) Carta de 14-11-1631 de “Aldiembert” a Holanda (Estados Gerais ou Senhores XIX). Guerra informa que segundo Assis Cintra “[Aldiembert] ‘teria dito’ que Calabar ‘apesar de ter sofrido injustamente dos seus patrícios por ser mulato, tem recusado aceitar o nosso oferecimento de dinheiro e honrarias’” (Ver notas 66 e 69. Guerra, Aventura, 83).
(b) Carta entre 22 e 30-04-1632 de Calabar (ao Governador Waerdenburch?). Guerra diz: “Conta-se que Calabar escreveu: ‘… vim para melhorar minha terra’” (Nota 85. Guerra, Aventura, 84).
(c) Carta entre 22 e 30-04-1632 de Waerdenburch à Holanda (Estados Gerais ou Senhores XIX). Guerra, fazendo citação: “(Calabar) só se colocou ao nosso lado pela convicção, pois recusou-se a recompensas que vossas senhorias lhe haviam mandado. Diz que está certo que conosco a sua pátria irá melhor do que com os espanhóis e os portugueses. Envio-lhes uma carta [de certo a carta “b”] que nos mandou comunicando a sua adesão … Iremos atacar agora Igaraçu” (Notas 66 e 85. Guerra, Calabar, 42).
(d) Carta (entre 01-05-1632 e 03-1635?) de Calabar a Matias de Albuquerque. Guerra informa que a carta (descoberta no ARA por W. Wallitz) é uma resposta à oferta de anistia total para Calabar, dizendo: “Tomo Deus por testemunha de que meu procedimento é o indicado pela minha consciência de verdadeiro patriota… não como traidor, mas como patriota” (Nota 85. Guerra, Calabar, 44s).
(e) Relatório do Major Picard (depois de 19-07-1635) sobre a capitulação de Porto Calvo. Guerra informa que no relato (traduzido do holandês por Wallitz e divulgado por Assis Cintra), Picard diz que Calabar insistiu que aceitassem as condições da capitulação e afirmou: “Serei um brasileiro que morre pela liberdade da pátria.” Ao Governo no Recife Calabar escreveu: “Vós, os holandeses, oferecestes a liberdade ao Brasil, ao meu amado Pernambuco. Um homem como eu que recusou honras e proventos, não é traidor; se houve traição foi uma traição justificada pela nobreza do motivo …” (Nota 85. Guerra, Calabar, 69).
Infelizmente, ainda não conseguimos localizar nenhum desses documentos em Haia (AStG ou OWIC; somente a tradução de um breve relato de Picard numa missiva portuguesa que não menciona Calabar, em OWIC 50), e eles não constam dos índices das coleções do Recife ou do Rio de Janeiro. As outras cartas de Waerdenburch em 1631 e 1632 foram seis aos Senhores XIX (07-10 e 09-11-1631; 06-01, 09-05, 16-08 e 12-11-1632) e nove aos Estados Gerais (12-02, 24-03, 31-05, 03-08, 07-10 e 09-11-1631; ?-01, 09-05, 16-08-1632). Porém, nelas (mormente na de 09-05-1632, ver nota 21) as informações procuradas não foram encontradas. Temos de reconhecer que isto às vezes acontece com informações históricas sólidas por perda de documentos originais, perda essa acidental (como em F.A. Pereira da Costa, Annais Pernambucanos, III:5) ou intencional (óbvia pela seqüência de documentos referentes ao Brasil atualmente ausentes do Arquivo dos Estados Gerais; ver Schalkwijk, Igreja e Estado, p. 201, n. 112; 465:2.1.5; 466:2.4). Documentos extraviados são a frustração do historiador e apelamos aos que têm alguma pista dos documentos perdidos do Arquivo dos Estados Gerais que se comuniquem com o Algemeen RijksArchief, 2595BE, Den Haag, Holanda.
Guerra menciona como sua fonte Assis Cintra. Cintra publicou sua defesa de Calabar em 1933 (A Reabilitação Histórica de Calabar: Estudo Documentado, Onde Prova que Calabar não Foi Traidor. Depoimento, Acusação, Defesa e Reabilitação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933). A sua tese pode ter sido mal defendida e não muda o fato da traição (Rodrigues, Bibliografia, p. 423, #964), mas o importante era a sua documentação. Mesmo que, em 1933, certos documentos dos Estados Gerais já tivessem desaparecido do arquivo de Haia, Cintra ainda teria à disposição as transcrições da Coleção Caetano, no Rio de Janeiro, a não ser que esses cinco documentos não tenham sido transcritos. Seria uma coincidência, mas tem ocorrido com outros documentos, mormente com anexos interessantes. Infelizmente não há condições no momento de consultar Cintra, Recife ou Rio de Janeiro.

English Abstract
The author addresses a controversial issue in Brazilian historiography. During the Dutch occupation of northeastern Brazil (1630-1654), at a time when the colony was under Spanish sovereignty, a mestizo named Calabar changed sides and joined the Calvinist invaders. A few years later, during a siege, he had to be surrendered to the Luso-Brazilians, who executed him. He has been known since as a traitor of his country. Relying on an extensive research in Brazil and in the Netherlands, Schalkwijk discusses the possible motives for Calabar’s change of allegiance. He considers economic, moral, religious, and even patriotic reasons, concluding that the available data do not provide definitive answers. The evidence points to a mix of motives, love for the homeland being the Leitmotif.

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*      O autor é ministro da Igreja Reformada Holandesa, com mestrado no Calvin Theological Seminary, em Grand Rapids, Estados Unidos, e doutorado em história na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
1       Do lado português, a principal fonte de informações deste período é Duarte de Albuquerque Coelho, Memórias Diárias da Guerra do Brasil, 1630-1638 (Madri: 1654; Recife: Secretaria do Interior, 1944), que menciona Calabar em muitas páginas. Do lado holandês, Joannes de Laet, Iaerlijck Verhael, 4 vols. (Leiden: 1644; ‘s-Gravenhage: Linschoten Vereniging, 1931-1937); tradução portuguesa: História ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Índias Occidentais desde o seu começo até o fim do ano de 1636, 2 vols. (Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1916-1925).
2       J. da Silva Mendes Leal, Calabar (Rio de Janeiro: Correio Mercantil, 1863), p. 140, sugere que o seu nome era Domingos Fernandes, apelidado “o Calabar.” Com isto parece concordar a informação do general Matias de Albuquerque, de que o “primo co-irmão” de Calabar era Antônio Fernandes, sendo ambos nascidos, batizados e criados na paróquia de Porto Calvo (Coelho, Memórias, 197; 31-03 e 01-04-1634). De igual modo, alguns dos primeiros documentos holandeses não mencionam o nome Calabar, mas somente “Domingo Fernando,” como na carta do coronel Waerdenburch aos Diretores da Companhia das Índias Ocidentais, os chamados “Senhores XIX,” em 12-11-1632, sobre a incursão contra Barra Grande: “...porque o mesmo nasceu ali e é grande conhecedor.”
3       Frei Manuel Calado do Salvador, Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade (Lisboa: 1648; Recife: Cultura Intelectual de Pernambuco, 1942; 2 vols.), I:48; Ângela Alures Coelho, Memórias, 120: mãe e alguns parentes. F.A. de Varnhagen, História Geral do Brasil (Rio de Janeiro: 1854-1857; São Paulo: Melhoramentos, 1956, 5ª ed.), I:277: Ângela Álvares.
4       Frei Calado chama Calabar de “mancebo mameluco, mui esforçado e atrevido” (Lucideno, I:32). Por servir como pároco em Porto Calvo por alguns anos, Calado conhecia melhor o parentesco de Calabar. Às vezes Calado chama-o de mulato (com desprezo? Lucideno, I:48). Coelho, Memórias, p. 120 (o “mulato” Calabar; 20-04-1632); p. 68 (o “pardo” ferido, 14-03-1630). Laet, Verhael, III:95, 96: “mulaet.” Também depois, às vezes, chamado de mulato, como por R. Southey, História do Brasil (Londres: 1810-1819; São Paulo: Obelisco, 1965), II:164; mas, nas notas, o cônego J.C. Fernandes Pinheiro afirma que “todos os nossos cronistas qualificam a Calabar de mameluco e não de mulato” (p. 205, n. 13). Pedro Calmon, História do Brasil (Rio de Janeiro: Olympio, 1961), II:597, nota, julga que pelo nome africano, Calabar, de certo era negro ou mulato. No interior de Pernabuco, por volta de 1600, deve ter havido muitos mamelucos (mestiços índio-europeus), mulatos (mestiços africano-europeus) e cafuzos (mestiços índio-africanos; Alagoas: “pelos cafus,” ao anoitecer), de sorte que um mameluco bem podia ter alguns traços africanos e ser chamado mulato. João Felício dos Santos, Major Calabar (São Paulo: Círculo do Livro, s.d. [1ª ed. 1960]; ed. integral): mameluco. Romances usam liberdades históricas (ex: Felício faz Maurício de Nassau filho do “stadhouder” da Holanda, etc.), mas podem ajudar na interpretação dos fatos.
5       Coelho, Memórias, 197: “onde foram batizados” (isto é, Calabar e seu primo Antônio). Flávio Guerra, Uma Aventura Holandesa no Brasil (Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1977), 78s: ainda menino, Calabar foi parar, “não se sabe como, nem conduzido por quem,” em Olinda e batizado no dia 15-03-1610 na ermida do engenho N.S. da Ajuda, de Jerônimo de Albuquerque, sendo padrinhos Afonso Duro, rico colono de Évora, Portugal, e sua filha D. Inês Barbosa, nascida em Pernambuco. Flávio Guerra, Calabar: Traidor, Vilão ou Idealista (Recife: ASA Pernambuco, 1986). Talvez com a fórmula: “Si non baptizatus es, ego te baptizo…”
6       Guerra, Aventura, 78: em 1628 Calabar tinha três engenhos de açúcar em Porto Calvo e participava da procura das lendárias minas de prata de Caramuru. Novo Dicionário de História do Brasil, 2ª ed. (São Paulo: Melhoramentos, 1971), s.v. “Calabar” (o artigo merece reparos). Os batavos foram os primeiros moradores históricos da Holanda.
7       Naquela época, os Países Baixos, pertencentes à coroa da Espanha, englobavam Bélgica e Holanda, com capital em Bruxelas. A palavra “flamengos,” freqüentemente usada para “holandeses,” refere-se propriamente aos moradores do norte da atual Bélgica. Ver a história sociológica do Dr. José Antônio Gonçalves de Mello, Tempo dos Flamengos (Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1978).
8       C.R. Boxer, Os Holandeses no Brasil, 1624-1654 (São Paulo: Editora Nacional, 1961; tradução de The Dutch in Brazil, 1624-1654 [Londres: Oxford University Press, 1957]), p. 45. Em 1630, havia 137 engenhos de açúcar, com uma produção de 700.000 arrobas, ou seja, 10.500.000 quilos por ano. O livro de Boxer dá um ótimo resumo da história geral da época. Evaldo Cabral de Mello, Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654 (Rio de Janeiro/São Paulo: Forense-Universitária/Universidade de São Paulo, 1975).
9       Panfleto De Portogysen goeden Buyrman (O bom vizinho português; Lisbon: Drucksael daer uyt-hangt het Verradich Portugael, 1649. Sic: Lisboa? Sala de impressão com a placa Portugal Traidor? ), p. 13.
10      José Honório Rodrigues, Civilização Holandesa no Brasil (Rio de Janeiro: Nacional, 1940), p. 169: “capa cultural.” Ver E.van den Boogaert, ed., Johan Maurits van Nassau-Siegen, 1604-1679: A Humanist Prince in Europe and Brazil. Essays on the Occasion of the Tercentenary of his Death (‘s-Gravenhage: The Johan Maurits van Nassau Stichting, 1979).
11      C.R. Boxer, The Dutch Seaborne Empire (Londres: Hutchinson, 1965), 108.
12      Panfleto Veroveringh van de Stadt Olinda (Conquista da cidade de Olinda; Amsterdam: J. Luyck, 1630). Rev. J. Revius, Biechte des Conincx van Spanjen (Confissão do rei da Espanha mortalmente doente pela perda de Pernambuco; S.l.: s.e., 1630): “mea gravissima culpa.”
13      Instrução do almirante Lonck de 01-08-1629 sobre “onze rechtvaardige oorlog,” nossa guerra justa contra a Espanha. Sobre a questão da liberdade religiosa durante esta época, ver F.L. Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês, 1630-1654, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova, 1989), 335-458.
14      F.J. Moonen, Holandeses no Brasil (Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1968), 53.
15      E. Fischlowitz, Christoforo Arciszewski (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1959).
16      Laet, Verhael, III:143.
17      Ver F.A. Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, 10 vols. (Recife: Arquivo Público Estadual, 1952-1966), III:12-19.
18      Boxer, Holandeses, 63, nota 27.
19      Ver nota 1. Somente em 1817 Alagoas tornou-se uma capitania independente de Pernambuco.
20      Coelho, Memórias, 120 (20-04-1632). Matias era irmão do donatário Duarte de Albuquerque Coelho.
21      Em 01-05-1632, Waerdenburch fez uma incursão a Igaraçu “sob a fidelidade ou infidelidade de um negro que me serviu de guia” (carta aos Estados Gerais, 09-05-1632; provavelmente a primeira referência a Calabar nos documentos holandeses). F.A. de Varnhagen, História das Lutas com os Hollandezes no Brasil desde 1624 a 1654 (Lisboa: Castro Irmão, 1872), 59. Até novembro de 1632 provavelmente surgiu certa dúvida por causa da confissão do colaborador Leendert van Lom, que alertou o governo a não confiar em nenhum português e que suspeitava de “Domingo Fernando,” que joga (cartas) com capitães (de barcos) portugueses, dando-lhes dinheiro e chamando-os de primos (o que não são).” Porém, na hora da execução Lom hesitou em confirmar os nomes dos portugueses, de sorte que ficou a incerteza (Laet, Verhael, III:107).
22      Coelho, Memórias, 138 (07-02-1633).
23      Ibid., 197 (31-03 e 01-04-1634).
24      Os protestantes, inclusive o pastor João Ferreira de Almeida, insistiram que não pertenciam a uma nova seita, mas à igreja cristã “católica reformada,” não católica romana. Ver Schalkwijk, Igreja e Estado, 234s.
25      No dia 20-09, não em 10-09 como foi sugerido pela edição impressa do Doopboek por ter omitido “Sept. 20” (Livro de Batismos da Igreja Reformada do Recife, 1633-1654, publicado por C.J. Wasch, Nederlandsch Familieblad, 5 e 6, 1888-1889). Frei Calado diz que Calabar travou amizade com Von Schoppe tomando-o “por compadre de um filho que lhe nasceu de uma mameluca, chamada Bárbara, a qual levou consigo e andava com ela amancebado.” Calado não reconheceu o matrimônio protestante (Calado, Lucideno, I:32, seguido por J.B.F. Gama, Memórias Históricas da Província de Pernambuco, 2ª ed., 2 vols. [Recife: Secretaria da Justiça/Arquivo Público Estadual, 1977], I:239). O colaborador Leendert van Lom afirmou (hesitando porém na hora da execução) que “a mulher de Domingo” falou que todos os holandeses deviam ser mortos à bala (“Domingos vrouw,” Laet, Verhael, III:107). Em 1636, as atas do governo no Recife falam sobre “a viúva de Calabar” (Dagelijkse Notulen, 13-04-1636). Mameluca (Calado, Lucideno, I:14). Parece que Bárbara também era natural de Porto Calvo, porque em março de 1635 o cunhado (“swagher”) de Calabar traz notícias de que os grandes da povoação querem discutir (a rendição; Laet, Verhael, IV:151). Leal, no seu romance, desconhece Bárbara (Leal, Calabar, passim).
26      Magtelt Daays. Engana-se o romancista Felício ao fazer Bárbara e o filho morrerem em 1631 (Santos, Calabar, 97 e 102). Coelho, Memórias, 116.
27      Pastores no Recife no ano de 1634: Christianus Wachtelo (1630-1635) e Daniel Schagen (1634-1637), este mais ligado ao exército.
28      Sobre Calado, ver J.A.G. de Mello, “Frei Manuel Calado do Salvador,” Restauradores de Pernambuco (Recife: Imprensa Universitária, 1967). Era um religioso da ordem de São Paulo.
29      Calado, Lucideno, I:46-48. “E como se havia de entender aquela promessa dos concêrtos, que ficaria a mercê d’El-Rei.” Calado justifica o não cumprimento do “à mercê d’el-rei,” considerando o general Matias como representante do rei. Varnhagen, História geral, I:263, “(Calabar) esperançado talvez de ter algum meio de escapar-se, se em tempo de guerra andassem com ele, de uma parte para outra, à espera de ordens da metrópole.”
30      Enforcado, dizem Calado (Lucideno, I:47) e Coelho (Memórias, p. 264); garroteado, diz Guerra (Aventura, 103). João Ribeiro, História do Brasil, 19ª ed., rev. por Joaquim Ribeiro (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1966), 152: “como é próprio da fraqueza humana, vingaram-se.” Mas parece que alta traição exigia este tipo de execução (ver Laet, Verhael, III:107, o traidor Leendert de Lom foi decapitado e esquartejado no Recife). O problema era o não cumprimento total das cláusulas (escritas ou orais) da rendição, pois teriam dado quartel a Calabar, “a mercê d’el-rei” (Calado, Lucideno, I:46-48; Carta do governo no Recife aos Senhores XIX, 23-08-1635, prometido o quartel. Laet, Verhael, IV:169).
31      Calado, Lucideno, I:46-48, com Calabar durante quatro horas pela manhã e mais três horas à tarde; lágrimas e arrependimento. Leal se engana fazendo padre Manuel de Morais confessor de Calabar (Leal, Calabar, IV:135).
32      Calado, Lucideno, I:47. Coelho, Memórias, 264 (22-07-1645), aguazil (funcionário administrativo e judicial) dos holandeses em Porto Calvo. Castro ou Crasto: Laet, Verhael, IV:162, Manuel de Crasto Fortado.
33      J. Capistrano de Abreu, Capítulos de História Colonial, 4ª ed. (Rio de Janeiro: Briguet, 1954), 155.
34      J. Veríssimo qualifica os motivos, sem mencioná-los: “Foram vis e infamantes os móveis que o fizeram bandear-se” (“Os Hollandezes no Brazil,” Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano [RIAP] 54:127).
35      Ver Ruy dos Santos Pereira, Piso e a Medicina Indígena (Recife: Instituto Histórico Pernambucano e Universidade Federal de Pernambuco, 1980), 23.
36      Calado, Lucideno, I:14, 46-48. Rodrigues diz sobre esse “saboroso livro” (no Index, Índice de Livros Proibidos, de 1655 até 1910) que o desejo de Calado “de ver o Brasil livre dos holandeses … conduziram-no muita vez ao erro, à parcialidade, à falsidade.” Mas “foi uma injustiça … quando (Varnhagen julgou a obra) defeituosa e sem dignidade histórica”; José Honório Rodrigues, Historiografia e Bibliografia do Domínio Holandês no Brasil (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1949), 11,12. Boxer, Holandeses, p. 68, n. 34,35. Mello, Calado, 9: “É, não uma história, mas o depoimento de um contemporâneo … a fim de influir sobre o Rei a favor dos insurretos …” (1648).
37      Coelho, Memórias, 264 (22-07-1635). Guerra: Coelho precisava de um bode expiatório (Aventura, 79).
38      Varnhagen, História das Lutas, 58; História Geral, I:277. H. Wätjen, O Domínio Colonial Hollandez no Brasil (São Paulo: Editora Nacional, 1938), 119: “um trânsfuga,” sem mencionar motivos.
39      Southey, História, II:212, 239, n. 1. Francisco de Brito Freyre, Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica (Lisboa: 1675; Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977). Gioseppe di S. Teresa, Istoria delle Guerre del Regno del Brasile (Roma: Corbelletti,1698), “compilação pouco estimável,” conforme Rodrigues (Bibliografia, 147). Raphael de Jesus, Castrioto Lusitano (Lisboa: 1679; Recife: Assembléia Legislativa de Pernambuco, 1979), na sua maior parte cópia de Calado.
40      Guerra, Aventura, 94, 102.
41      Coelho, Memórias, 68, 120.
42      Ibid., 264 (22-07-1635). Nota 131: “Tradução literal do texto espanhol.” A tradução (Melo Morais, 1855) rezava: “por sua infidelidade e crimes.” Rodrigues avalia esta tradução como “indigna de apreço pelos seus erros e omissões” (Bibliografia, 223, ítem 410). Leal sugere que Calabar tentou organizar com uns cúmplices um desastre no Arraial para acabar com a guerra, e teria fugido depois de pôr fogo na barraca do general Matias (Leal, Calabar, II:104,132).
43      Ver Laet, Verhael, III:95 (Barra Grande, 09-1632); III:112 (Camaragibe, 12-1632); II:190 (descrição do litoral de Porto Calvo). Coelho, Memórias, 197 (Barra Grande, 04-1634).
44      Ver Schalkwijk, Igreja e Estado, 234, n. 81.
45      Como sobre a morte do almirante Pater envolvido na bandeira holandesa. Varnhagem, História Geral, I:276 (n.V).
46      Boxer, Holandeses, 71, n. 38.
47      Guerra, Aventura, 79ss. Guerra, Calabar, 36.
48      Coelho, Memórias, 263 (19-07-1635: “o general assegurou [ao inimigo] que arriscaria a sua própria pessoa para não perder das mãos a de Calabar”); p. 264 (22-07-1635: “tão firme em não entregá-lo.” Varnhagen, História Geral, I:263, “(Calabar) traidor por todos os séculos dos séculos.”
49      Calado, Lucideno (1648), I:46. Opinião copiada ao pé da letra por Diogo Lopes Santiago, História da Guerra de Pernambuco (1660?; Recife: Fundarpe, 1984), 92, e Raphael de Jesus, Castrioto Lusitano (p. 115). Assim também Varnhagen, História Geral, I:263. Mas o próprio donatário reconheceu que os holandeses fizeram muitos esforços para salvar a vida de Calabar: (Deus permitiu que) “o nosso general estivesse tão firme em não entregá-lo, a despeito de tamanhas instâncias que fazia o inimigo” (Coelho, Memórias, 264, 22-07-1635).
50      Calado, Lucideno, II:241: “se não foram os judeus ...” Panfleto Portugysen, 13.
51      Coelho, Memórias, 262 (17 e 18-07-1635). Laet, Verhael, IV:168.
52      Coelho, Memórias, 263 (19-07-1635). Brito Freyre, Nova Lusitânia, 349: “persuadindo-os a se renderem, capitularam.” Não há provas do engano sugerido por Freyre. Guerra, Aventura, 102, parafraseando: “O mameluco, ante a recusa de Picard em atender a intimação do ‘terríbil,’ reagiu, e, com rara altivez e coragem, retorquiu para o enviado do inimigo: ‘Ide e dizei ao General Matias de Albuquerque que o Coronel Picard aceita a proposta’.”
53      Calado, Lucideno, I:32.
54      A Companhia reconheceu o valor de Calabar: o diretor De Laet escreveu que esse homem corajoso e forte “fez mui grandes serviços” (Laet, Verhael, IV:162,171). Nótulas Diárias do Governo no Recife, 13 de abril de 1636 (ver 24-01-1636). A viúva do pastor Stetten e seus filhos receberam uma ajuda provisória (Nótulas Diárias, 12-07-1647), suspensa em junho de 1650 (carta da D. Raquel à Stetten ao pastor P. Wittewrongel, de Amsterdam – Recife, 18-05-1652 (GAA-ACA 88, 4, p. 167-169).
55      G. Groenhuis, De Predikanten (Groningen: Wolters-Noordhoff, 1977), 36.
56      Coelho, Memórias, 120 (20-04-1632).
57      Ver J.A.G. de Mello, “A Situação do Negro sob o Domínio Holandês,” em Gilberto Freyre e outros, Novos Estudos Afro-Brasileiros (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1937).
58      Informações geralmente contidas nas “cartas gerais” do governo no Recife aos Senhores XIX, 1630-1632 (ver o índice da coleção “Brieven en Papieren” no Instituto Histórico no Recife; RIAP 30:129-144).
59      Pedidos de Hooghstraten ao Conselho Ultramarino em Lisboa para pagar o soldo prometido (Lisboa, Arquivo Histórico Ultramarino, cod. 14:88 e 278:230v, de 28-09-1647 e 25-02-1649).
60      Boxer, Holandeses, 380-382. Muitas referências nos documentos holandeses.
61      J.A.G. de Mello, João Fernandes Vieira, 2 vols. (Recife: Imprensa Universitária, 1967), I:105-127.
62      Abreu, Capítulos, 155.
63      Calado, Lucideno, I:48.
64      Southey, História, II:164.
65      Coelho, Memórias, 264 (22-07-1635).
66      Guerra, Aventura, 83: segundo Assis Cintra “[Aldiembert] ‘teria dito’ que Calabar, ‘apesar de ter sofrido injustamente dos seus patrícios por ser mulato, tem recusado aceitar o nosso oferecimento de dinheiro e honrarias’.” Guerra, Calabar, 42: Waerdenburch teria escrito à Holanda que “(Calabar) só se colocou ao nosso lado por convicção, pois recusou-se a recompensas que vossas senhorias lhe haviam mandado.” Ver o post scriptum deste artigo.
67      Santos, Major Calabar, 107 (capitão Jouer de Haia, o “língua,” tradutor), 113-115. Calabar era capitão, não major, ver Laet, Verhael, IV:162s, em Porto Calvo, julho de 1635, Major Picard, Capiteyn Langley, Capiteyn van Exel, Capiteyn Domingo Fernandes Calabar, Capiteyn Jan Muller.
68      C.R. Boxer, Race Relations in the Portuguese Colonial Empire, 1415-1825 (Oxford: Clarendon, 1963), 86-130; 1771.
69      Guerra, Aventura, 83: Calabar “(sofreu) injustamente dos seus patrícios por ser mulato.” Ver nota 66 e o post scriptum deste artigo.
70      Southey, História, II:164: “se o tratamento recebido dos comandantes o desgostou.” Leal, Calabar, I:141, em um conclave com conspiradores, faz Calabar dizer: “A minha raça é outra … Tolerais-me quando vos sou útil” (II:100), e faz com que o futuro sogro de João Fernandes Vieira bata com um ferro no rosto de Calabar, marcando-o (I:146; “ansiedade de vingança, III:29; IV:104). Ambos, Vieira e Calabar, seriam apaixonados por Maria César (I:141), sugerindo ainda outro motivo. Isso, porém, não é válido, pois Leal desconheceu Bárbara (nota 25).
71      Santos, Major Calabar, 112s. Leal, no seu romance histórico, não aproveita o desgosto geral contra Bagnuolo por fazê-lo chegar depois da deserção de Calabar (Leal, Calabar, IV:54). Calado, segundo Boxer, é um crítico muito escarninho de Bagnuolo (Boxer, Holandeses, 68, n. 35).
72      Brito Freyre, Nova Lusitânia, 240, 254.
73      Ver nota 57. Observe-se sobre o tratamento dos escravos, as instruções de João Fernandes Vieira e as de Nono Olferdi para os novos colonos no Sergipe. Schalkwijk, Igreja e Estado, 74, n. 81.
74      Também o índio Pedro Poti, membro da igreja cristã reformada, assina a sua carta na língua tupí como “regedor (dos) brasilianos em Paraíba” (31-10-1645). Talvez fosse bom usar de novo este nome arcaico, porém honorífico, como coletivo para todas as nossas tribos indígenas em geral. “Brasilianen,” passim nos documentos holandeses para as tribos tupis (como tupinambás, potiguaras, sergipes, etc.), distinguindo-os dos tapuias (nhanduis, cariris). Os (luso) “brasileiros” eram chamados “portugueses” ou “moradores.” Calado, Lucideno, I:xvi, “brasilianos” no sentido de “moradores.”
75      Abreu, Capítulos, 155.
76      Coelho, Memórias, 264 (22-07-1635).
77      Carta de Dom. (Rev.) Pistorius aos Senhores XIX, Recife, 04-11-1631.
78      Schalkwijk, Igreja e Estado, 231-235.
79      Calado, Lucideno, I:68s.
80      Schalkwijk, Igreja e Estado, caps. 12-15, sobre a liberdade religiosa nessa época, mormente pp. 388-458.
81      Ver notas 25 e 26.
82      Coelho, Memórias, 264 (22-07-1635). Brito Freyre, Nova Lusitânia, 350: “com piedosas mostras de verdadeiro arrependimento e lágrimas constantes, nascidas mais do temor de Deus que do receio do castigo.” Guerra, Aventura, 103: “firme e seguro, sem denotar arrependimento,” ou seja, não se sabe se considerou a “traição” como pecado.
83      O Catecismo de Heidelberg (1563) era estudado dominicalmente nas igrejas reformadas. Havia no Brasil uma edição em espanhol, Catechismo (s.l.: Ioris van Henghel, 1628, 135 p.), 1ª pergunta e resposta. Sobre Poti, Schalkwijk, Igreja e Estado, 309.
84      Rodrigues, Bibliografia, 13. Brito Freyre (Armada: 1654; Governador: 1661-1664), Nova Lusitânia, 350.
85      Guerra, Aventura, 79-84, 103. Guerra, Calabar, 42, 69. Ver o post scriptum no fim deste artigo.
86      Santos, Major Calabar, 99, 101 e 205. Capitão Jouer, ver nota 66.
87      A peça “Calabar” (com subtítulo de “O Elogio da Traição” e músicas como “Bárbara”), de Chico Buarque de Hollanda e Ruy Guerra, foi proibida em 1973 pelo governo militar, mas liberada em 1980. O alvo era debater a figura do “traidor” por ocasião do sesquicentenário da independência (Veja, 14-05-1980, pp. 60ss).
88      Laet, Verhael, III:98. Gaspar Barlaeus, História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil (Amsterdam: 1647; Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1980), 39.
89      Abreu, Capítulos, 155. Muitos têm opinião semelhante, como Rocha Pombo, História do Brasil, 7ª ed. (São Paulo: Melhoramentos, 1956), I:171; Southey, História do Brasil, II:164: “não se sabe”; Hélio Vianna, História do Brasil (São Paulo: Melhoramentos, 1961), etc.

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