segunda-feira, 29 de junho de 2015

HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NO ENSINO MÉDIO: DA OBRIGATORIEDADE À REALIDADE NO IFAL/MACEIÓ - Maria Luciane da Silva1 Anne Francialy da Costa Araújo2 Maria Lucilene da Silva3

HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NO ENSINO MÉDIO:


DA OBRIGATORIEDADE À REALIDADE NO IFAL/MACEIÓ

Maria Luciane da Silva1 Anne Francialy da Costa Araújo2 Maria Lucilene da Silva3

Recebido em: ago. 2013


Aceito em: out.2013


RESUMO


Desde 2003, o Brasil instituiu, por meio de uma norma legal (a Lei nº 10. 639/2003, modificada pela Lei nº 11.645/2008), a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro- brasileira e indígena em todas as escolas do ensino fundamental e médio do país. Transcorridos dez anos de promulgação dessa primeira lei, suas determinações ainda não fazem parte do cotidiano de todas as escolas brasileiras; no máximo, observam-se aplicações pontuais e esparsas. Considerando isso, este artigo discute a obrigatoriedade e a realidade em torno da implantação das referidas leis, citando a experiência com o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena, a partir das aulas de Língua Portuguesa para alunos do ensino médio tecnológico. Os dados foram coletados em pesquisa bibliográfica aliada à observação, descrição e análise de situações reais vivenciadas no campus Maceió do Instituto Federal de Alagoas (IFAL). Verificou-se que a realidade ainda está muito distante do que a lei exige, apontando para a necessidade de melhoria na formação docente e mais discussões no contexto escolar sobre a prática com os saberes exigidos pela norma legal.

Palavras-chave: História e cultura afro-brasileira e indígena. Ensino médio tecnológico. IFAL.


HISTORY AND AFRO-BRAZILIAN AND INDIGENOUS CULTURE IN HIGH SCHOOL: FROM OBLIGATION TO PRACTICE IN IFAL/MACEIÓ


ABSTRACT


Since 2003, Brazil has established, through a legal regulation (law n° 10.639/2003, changed by the law n° 11.645/2008), the mandatory teaching of history and afro-Brazilian and indigenous culture in middle and high schools. After ten years of promulgation of this law, its determination has not been implemented in all Brazilian schools, only punctual and sparse applications. Considering this situation, this article discuss the obligation and the practice

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  1. around the implementation of these laws, mentioning the experience in history and afro- Brazilian culture teaching , from the Portuguese Language classes to students of technological High School. Data were collected in bibliographical, observation, description and situations experienced in the Instituto Federal de Alagoas (IFAL), campus Maceió. It was observed that the reality is far from what is demanded by the law, showing the necessity of implementing the teaching education and more discussions in the scholar context about the practice with the knowledge demanded by the legal regulation.

    Keywords: History and afro-Brazilian culture. Technological high school. IFAL.


    INTRODUÇÃO


    O Brasil, como se sabe, é marcado por uma colonização multicultural. Descoberto oficialmente por portugueses, em 1500, o território era habitado por várias tribos indígenas, sofreu invasões francesas, espanholas e holandesas e usou a mão de obra escrava africana, até 1889, data oficial do fim da escravatura. Todos esses povos e suas culturas, entre outros que também vieram para cá, contribuíram para a diversidade cultural e étnica que hoje caracteriza mundialmente o Brasil. Apesar disso, a história oficial, relatada a partir da visão do colonizador branco e europeu, apaga e/ou diminui o papel, a importância e a existência de outras culturas e grupos étnicos na formação do país.
    Especificamente sobre os índios, por exemplo, o que se tem são breves relatos, nos quais os indígenas são definidos apenas como seres ingênuos que habitavam as terras brasileiras, apagando-se as reações à colonização, o extermínio desses habitantes, a variedade de tribos que aqui havia, suas distintas culturas e línguas, etc4. Em relação aos negros, algo semelhante acontece e estes quase sempre são citados apenas pelo trabalho escravo nas plantações e engenhos de cana-de-açúcar; esconde-se ou minimiza-se a forma como eles foram retirados, à força, de suas terras e trazidos para cá, como eram tratados aqui e mesmo assim mantiveram suas tradições, influenciando na constituição do Brasil.
    Depois da luta de vários grupos que defendem a cultura e a identidade negra, reconhecendo a dívida que o país tem com esse grupo étnico, em 2003, foi sancionada a lei nº
    10. 639/2003 que, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei nº 9394/96), obrigou o ensino da história e cultura afro-brasileiras em todas as escolas da educação básica. Transcorridos cinco anos dessa primeira norma legal, entidades representantes dos indígenas também conseguiram igual reconhecimento e a aprovação da lei nº 11.645/2008, que alterou a lei nº 10.639, acrescentando a obrigatoriedade do ensino, também, da história e cultura indígena.

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  2. Mais informações sobre a influência da colonização sobre os índios brasileiros, ver o livro de Araújo (2007).
Dez anos se passaram desde a sanção da primeira norma legal e a incorporação, pelas escolas, do que se exige na lei, ainda enfrenta muitas dificuldades. Atento a isso, este artigo discute as leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008 e outros textos que abordam temas correlatos, além da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena, mostrando- se, especificamente, as experiências que têm sido desenvolvidas no campus Maceió do Instituto Federal de Alagoas (IFAL). Utiliza-se, para tanto, a pesquisa bibliográfica e em sítios eletrônicos, bem como a observação e os registros de experiências desenvolvidas em aulas do ensino médio tecnológico do IFAL.

  1. ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A COLONIZAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DE “UMA HISTÓRIA DE BRASIL”

    Portugal, a História mostra isso, não teve para com o Brasil interesse colonizador, no sentido dado a esse termo de ocupar uma terra, povoá-la. Os povos ibéricos (Portugal e Espanha) movidos por suas disputas e relações com a Igreja,

    Se lançaram à aventura no além-mar, abrindo novos mundo atiçados pelo fervor mais fanático, pela violência mais desenfreada, em busca de riquezas a saquear ou de fazer produzir pela escravaria. Certos que eram novos cruzados cumprindo uma missão salvacionista de colocar o mundo inteiro sob a regência católico-romana. Desembarcavam sempre desabusados, acesos e atentos aos mundos novos, querendo fluí-los, recriá-los, convertê-los e mesclar-se racialmente com eles (RIBEIRO, 1995, p.67).

    A colonização das Américas, então, toma a forma de uma grande empresa comercial, “[...] mais complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu” (PRADO JÚNIOR, 1998, p. 23). Esse é o sentido, também, da “colonização” brasileira, afinal,

    Se vamos à essência de nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamantes; depois, algodão e, em seguida, café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras [...] Este início, cujo caráter manter-se-á dominante através dos séculos da formação brasileira, gravar-se-á profunda e totalmente nas feições e na vida do país. Particularmente na sua estrutura econômica (PRADO JÚNIOR, 1998, p. 23, grifou-se).
    Não havia um interesse, portanto, em construir uma nação. O intuito era, tão somente, obter provimentos para alimentar a elite portuguesa e para o comércio com o restante da
    Europa. Essa forma de constituição ganha mais um elemento quando se verifica com Holanda (1995, p.107) que:

    Mesmo em seus melhores momentos, a obra realizada no Brasil pelos portugueses teve caráter mais acentuado de feitorização do que de colonização. Não convinha que aqui se fizessem grandes obras, ao menos quando não produzissem imediatos benefícios. Nada que acarretasse maiores despesas ou resultasse em prejuízo para a metrópole. (Grifou-se).

    Assim, confirmando o dizer de Prado Júnior (1998), a feitorização defendida por Holanda (1995) é marca do desinteresse de Portugal com o desenvolvimento das terras “descobertas”. Aliado a isso, tem-se o fato de que aqueles que vieram “colonizar” o Brasil vieram por falta de opção melhor. Quando a “Colônia” foi dividida em capitanias, por exemplo, isso se fez para que essas capitanias fossem “distribuídas aos fidalgos da pequena nobreza, pois os de grande nobreza desejavam terras nas Índias, no Reino ou nas ilhas adjacentes” (SILVA, 1990, p.57).
    Voltando ao interesse “fornecedor”, nota-se que o Brasil, por um certo tempo, passa despercebido por seus “descobridores”, até que questões religiosas e político-econômicas fazem a Metrópole olhar para a “Colônia” de uma forma cada vez mais sequiosa, exigindo desta um “fornecimento” mais eficaz de riquezas.
    Nesse sentido, os jesuítas cumpriram durante bastante tempo a missão que lhes foi imposta pela Coroa, qual seja atuarem como “amansadores de índios” para a incorporação destes “na força de trabalho ou nas expedições armadas da Colônia” (RIBEIRO, 1995, p.54).
    Apesar de não ser este o seu propósito explícito, os jesuítas cumpriram, por muitos anos, um papel de dizimador de índios, ao afastá-los de suas aldeias e concentrá-los em pontos, nos quais ficaram mais sujeitos às contaminações por moléstias brancas e, apenas serviam aos padres e aos portugueses, em lutas contra tribos hostis (RIBEIRO, 1995, p. 55). Passado algum tempo, arrependidos de seu “papel alienador” e de responsabilidade na “dizimação” resultante disso, alguns jesuítas chegaram a assumir riscos no resguardo e defesa de índios, entrando em choque, muitas vezes, com os interesses econômico-políticos de colonos e da Coroa. São, por isso, expulsos do Brasil e, obedientemente, entregam “[...] as missões aos colonos ricos, contemplados com a propriedade das terras e dos índios” pelo governo português. (RIBEIRO, 1995, p.56).
    Nesse pequeno resumo de uma história do Brasil, vê-se o quanto os índios foram usados, tanto pela coroa portuguesa, quanto pelos demais invasores europeus, missionários e colonos. As tribos indígenas foram dizimadas e escravizadas e, quando não serviram mais aos interesses daqueles que as exploraram, foram trocadas por outra mão de obra: os negros
    trazidos d’África como se escravos fossem, desde o nascimento, e não uma condição que lhes foi imposta, para que servissem aos colonos.
    Em Casa-Grande & Senzala, Freyre (2002, p. 223) relata como os sistemas escravocrata e missionário jesuítico devastaram a raça nativa brasileira, afirmando que “[...] os escravos índios, como depois os africanos, foram, no Brasil dos primeiros tempos, o capital de instalação dos brancos, muitas vezes chegados aqui sem recurso nenhum.” Assim, a presença dos indígenas, aos poucos, será cada vez menos percebida, a partir de “[...] seu desaparecimento como contingente demográfico relevante na sociedade brasileira e pelo esmaecimento da visibilidade de sua participação na composição da população inserida na estrutura demográfica e social do País” (DELGADO, 2006, p. 10).
    Os afrodescendentes, ao contrário disso, depois de séculos de escravismo colonial terão uma percepção diferente. Conforme Delgado (2006, p.10):

    plasticidade dos portugueses, referida por Gilberto Freyre ao descrever o intercurso sexual entre os senhores de terra e suas escravas, e a relativa proximidade social de libertos e brancos pobres favoreceram a inegável expansão da mestiçagem no Brasil. Entretanto, a ela associou-se uma hierarquia valorativa – em boa medida entronizada na própria percepção que os negros têm de si na sociedade brasileira –, na qual a pessoa de pele preta está situada no patamar inferior de uma escala, que se eleva conforme o gradiente da cor da pele e o manejo dos símbolos próprios do mundo dos brancos. Durante décadas, tal percepção instruiu políticas abertamente racistas, nas quais o recurso à imigração européia [sic] era tomado como necessário ao branqueamento da população.

    Contraditoriamente arraigados e negados, o racismo contra os afrodescendentes e o apagamento da existência dos índios estão presentes na atual história do Brasil, contribuindo para a desigualdade social que atinge esses grupos étnicos, isolando-os entre a população mais pobre, mais carente de recursos de toda espécie, de saúde, de educação e de melhores condições de vida. Apenas muito recentemente, políticas e ações afirmativas procuram garantir, aos afrodescendentes, indígenas e pessoas portadoras de necessidades especiais, as condições para que estes possam inserir-se de forma mais igualitária na sociedade de hoje. Uma dessas ações foi a promulgação da lei 10.639/2003, modificada a seguir pela lei 11. 645/2008, abaixo descritas.

  2. A OBRIGATORIEDADE NORMATIVA DO ENSINO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA

    O Brasil, como se descreveu, nasceu mestiço e plural. Apesar disso, de acordo com Machado et.al. (2012, p. 25), “No passado, houve políticas que visavam à homogeneização
    cultural, com ênfase na cultura do colonizador europeu”. Essas ações, no entanto, “[...] não impediram que muitos aspectos das culturas dos indígenas que aqui habitavam e dos negros trazidos para o Brasil se mesclassem à cultura do colonizador para formar a chamada cultura brasileira” (MACHADO et.al., 2012, p. 26).
    Reconhecendo isso, os séculos de apagamento dessas influências e o clamor das entidades representativas de grupos negros foi editada pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 9 de janeiro de 2003, a lei nº 10.639, a qual modificava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – lei nº 9394/96], afirmando:

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    Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
    "Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
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    § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
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    § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados
    no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
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    § 3o (VETADO)"
    "Art. 79-A. (VETADO)"
    "Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’." (BRASIL, 2013a, grifos no original).

    Como se pode observar, essa lei acrescentou artigos à LDB os quais tornaram obrigatórios o “ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira”, propondo que o conteúdo programático das disciplinas seja desenvolvido de modo a promover o resgate da “contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”. A lei nº 10.639/2003, ensina Pereira (2013), é resultante

    [...] de um processo muito longo de trabalho e de reivindicação das organizações negras do final do século XIX e início do século XX. Em meados do século XX, essa discussão foi proposta pela instituição da Frente Negra Brasileira, que atuou de forma mais incisiva politicamente. E, nos anos 1970, o movimento negro atuou politicamente e concretizou essa reivindicação sobre a questão negra da educação no sistema de ensino. Esse processo vem se desenvolvendo desde o período colonial com as Irmandades do Rosário, que sempre tiveram na pauta das suas ações a preocupação também com a educação. (Grifos no original).

    Ainda sobre essa lei, segundo a análise de Machado et.al. (2012, p. 27), seu objetivo era “[...] assegurar o reconhecimento e a igualdade de valor das culturas africanas em relação à matriz europeia. Resta-nos pensar se a promulgação da lei tem realizado, de fato, uma mudança de conceitos ante ao que se refere à África.”
    Essa tem sido a grande preocupação dos estudos em torno da lei nº 10. 639/2003. De acordo com Pereira (2013):
    A instituição da lei prevê uma revolução na educação do país para mostrar que o Brasil foi construído a partir de vários grupos étnicos: o grupo indígena, o grupo negro e o grupo europeu, e que essas histórias todas têm que vir à tona para entendermos como funciona nossa sociedade.
    Ainda hoje há aqueles que são resistentes à lei. Porém, o lado bom é que, diferente de dez anos atrás, mais pessoas, escolas e educadores têm ciência, se não consciência, dessa outra parcela da população, a qual precisa se ver na história e se ver de forma positiva.

    Numa recente audiência pública realizada na Comissão de Educação da Câmara de Deputados, estudiosos, políticos e professores avaliaram os dez anos de promulgação da lei 10.639 e reconheceram que ainda há muitos desafios a superar, a fim de que esta, de fato, torne-se ação concreta; um desses desafios é a própria formação dos docentes, que é falha e não incorpora o trabalho com a diversidade como prática corrente. Para Ana José Marques (apud AGÊNCIA CÂMARA, 2013), coordenadora de Educação em Diversidade da Secretaria de Educação do Distrito Federal e uma das participantes da audiência:

    [...] As escolas ainda trabalham a questão racial apenas em 13 de maio (data da abolição da escravatura no Brasil, em 1888) ou em 20 de novembro (dia da Consciência Negra), mas isso tem que fazer parte do cotidiano. Um professor não pode fazer carinho apenas no cabelo liso, mas também no cabelo crespo.

    Sem a preparação adequada, os docentes sentem-se inseguros e, quando muito, promovem ações pontuais em datas comemorativas e/ou aproveitando algumas indicações que os livros didáticos têm apontado, a partir da edição da lei nº 10. 639/2003. No que se refere à inserção da história e cultura indígena, tal como exigiu a lei nº 11. 645 de 10 de março de 2008, igualmente promulgada pelo ex-presidente Luiz Inácio da Lula Silva, a questão parece ainda caminhar mais lentamente. Essa última norma legal alterou o Art. 26-A da LDB, anteriormente alterado pela lei 10.639/2003, acrescentando-se a questão indígena:

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    Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:
    Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
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    § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir
    desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
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    § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos
    indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” (BRASIL, 2013b, grifos no original).
    Denota-se nesse artigo a preocupação de se resgatar, além da presença negra nos diversos setores da sociedade, a influência dos índios. Destaque-se a observação de que “os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas” devam ser explorados por todo o currículo escolar, ressaltando-se as áreas de artes, literatura e história. Esse, aliás, é mais um dos desafios a superar. A lei trata como em especial, e não exclusivamente por essas três áreas. O fato é que, nas escolas, muitos têm entendido que a responsabilidade é exclusiva das artes, da literatura e da história, quando não é.
    Outro aspecto de relevo nessa lei é indicação de “povos indígenas”, o que aponta para o reconhecimento de que por aqui não havia apenas uma tribo, com uma só cultura e uma língua. Cabe, mais uma vez, a reflexão sobre o papel que a escola exerce/exercerá a partir do que essas leis indicam como obrigação para o seu currículo. Pensando nesse trilho, a seguir, discutem-se algumas ações que vêm sendo realizadas no Instituto Federal de Alagoas (IFAL), buscando-se a inclusão dos conteúdos antes listados e o trabalho com a pluralidade e diversidade cultural e étnica que caracterizam o Brasil. Afinal, como apontam Machado et.al. (2012, p. 25):

    Um dos objetivos do trabalho sobre a pluralidade cultural, apresentado nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, é permitir que cada aluno tenha a oportunidade de conhecer as suas origens e, dessa forma, sentir-se inserido em algum grupo cultural específico. O sentido de pertencimento favorece a constituição de uma autoestima positiva, o que possibilita à criança expor suas ideias e vivências e orgulhar-se do grupo ao qual pertence.

    Esse também é o interesse das leis aqui indicadas e dos educadores, as questões que se põem para a reflexão e análise são: que caminhos seguir? O que e como fazer? Que obras usar? Como usá-las? Onde inserir? Como abordar os conteúdos de forma multi, pluri e transdisciplinar? Essas e outras questões fazem parte do cotidiano de muitos educadores; a seguir, tratam-se algumas, a partir da realidade do IFAL-Maceió.

  3. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE TRABALHO COM CONTEÚDOS AFRO- BRASILEIROS EM DISCIPLINAS DO IFAL-MACEIÓ-AL


Embora se saiba que, como Instituto Tecnológico, no IFAL haja a prevalência do ensino técnico, como meio de inserção do aluno no mercado de trabalho, não se pode deixar à margem a formação humanística, nem o que determinam as leis objeto desta análise. Na área de Linguagens e Códigos, a qual congrega Artes, Letras e outras linguagens, há uma preocupação, a partir da própria especificidade dos temas nela abordados, em formar um
indivíduo que, além do domínio do conhecimento técnico-científico, seja um ser social, crítico, capaz de articular vários saberes em sua prática.
No IFAL, a disciplina de Língua Portuguesa está no componente curricular das três primeiras séries do ensino médio, com uma carga horária semanal de 3 horas aulas, destinadas ao trabalho com Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Produção de Textos. Esse aspecto já merece uma observação: tem-se um extenso conjunto de saberes a serem abordados e pouco tempo destinado para tanto; além do mais, apesar da determinação legal, não há espaço explícito nesse componente curricular para o trabalho com outras literaturas, especificamente a afro-brasileira e indígena. Isso acaba abrindo espaço para a improvisação de ações e/ou autoriza a falta de interesse de muitos em construir uma prática que envolva multi, trans e pluridisciplinarmente esses saberes.
Apesar disso, tem-se um projeto, voltado mais especificamente para Literatura, cuja proposta é, a partir da leitura e discussão de autores que abordam o negro e/ou o índio em suas obras, confrontar o texto literário e a vivência de cada aluno, percebendo esses elementos na formação da identidade individual e coletiva do brasileiro.
Nesse projeto, foram selecionados autores e, considerando-se a periodização literária, observou-se, do período romântico, a fase indianista, e do modernismo sua proposta de resgatar os valores nacionais. O objetivo era contrapor esses dois momentos da história literária, cuja ênfase é a construção da identidade brasileira, destacando assim o papel que o índio e o negro têm na formação dessa identidade. Foram selecionadas, de acordo com essa proposta, obras de Gonçalves Dias, Castro Alves, Jorge Amado e Solano Trindade, além da obra do escritor africano Mia Couto.
Feita a seleção de autores e obras específicas, buscou-se desenvolver atividades reflexivas, complementares e motivadoras para a leitura e análise dos textos selecionados. Realizaram-se, nesse sentido, a visita ao Museu Xucurus, em Palmeira dos Índios-AL, além da exibição e debate de 3 filmes relacionados à temática indígena e africana, quais sejam: “O grande debate”, “Tainá” e “O guarani”.
Concluídas essas atividades, procedeu-se um seminário, no qual os alunos, individual e coletivamente, expuseram sua compreensão/ponto de vista sobre a diversidade cultural que constitui o mundo contemporâneo e, especificamente o Brasil, e a implicação/importância dessa diversidade para a constituição dos valores pessoais e a prática cidadã de cada indivíduo.
A avaliação dessa experiência foi muito positiva, tanto do ponto de vista dos discentes, quanto para o educador, mas deve-se ressaltar, para os fins da crítica que aqui se elabora, mais uma vez, o caráter isolado dessa prática. Infelizmente, essa tem sido a realidade
observada em torno da aplicação do que as leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 exigem. O desafio que se coloca rotineiramente é como torná-las uma realidade? Inserir a história e a cultura afro-brasileira e indígena nos componentes curriculares do ensino médio tecnológico de maneira formal, atribuindo, inclusive uma carga horária específica para tanto, pode ser um caminho.

CONCLUSÃO


Expôs-se aqui o que determinam as leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 sobre a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena. Verificou-se que essas leis são resultado da luta de entidades representativas desses dois grupos étnicos, não sendo, portanto, como apontam alguns críticos destas, algo que foi imposto pelo governo e que, por isso, não teve a repercussão desejada.
Os dados apontam que as normas precisam, sim, ser melhor discutidas, especialmente, nos cursos de formação de professores, mas também dentro das escolas, para que as ações sejam desenvolvidas rotineiramente dentro do currículo escolar, tal qual se estuda a história e geografia geral ou a literatura portuguesa, por exemplo.
Enquanto o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena continuar sendo restrito a uma data comemorativa, tal qual o dia do Índio ou o dia da Consciência Negra, ou ser tratado, como o título deste artigo anuncia, uma “experiência”, não se terá, de fato, conseguido implantar o que as leis aqui expostas exigem.
É preciso que o vocábulo “experiências” se torne uma prática que, de tão comum, não seja necessário mais experimentar, mas sim vivenciar. Dessa forma, a escola poderá concretizar o seu papel social e educativo, possibilitando que essa vivência espalhe-se, contribuindo para a diminuição do racismo, valorização da cultura e identidade negra e indígena e o reconhecimento da diversidade e o pluralismo que constitui e torna os brasileiros únicos em todo o mundo.

REFERÊNCIAS


AGÊNCIA CÂMARA. Ensino da cultura afro-brasileira ainda enfrenta desafios, dizem especialistas. Todos pela educação. Disponível em: < http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-na- midia/26912/ensino-da-cultura-afro-brasileira-ainda-enfrenta-desafios-dizem-especialistas/>. Acesso em: 03 ago. 2013.

ARAÚJO, Anne Francialy da Costa. Língua e Identidade: reflexões discursivas a partir do Diretório dos Índios. Maceió: EDUFAL, 2007.
BRASIL. Lei nº 10. 639 de 9 de Janeiro de 2003. Planalto. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm>. Acesso em: 02 ago. 2013a.

BRASIL. Lei nº 11. 645 de 10 de Março de 2008. Planalto. Disponível em:

DELGADO, Ignacio Godinho. Apresentação. In: DELGADO, Ignacio Godinho (Coord.). Vozes (além) da África: tópicos sobre identidade negra, literatura e história africanas. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2006.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 46 ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das
Letras,1995.

MACHADO, Emilia et.al. Da África e sobre a África. Textos de lá e de cá. São Paulo: Cortez Editora, 2012.

PEREIRA, Lúcia Regina. Entrevista. Unisinos. Disponível em:< http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/519509-lei-106393-a-cultura-tem-de-ser-tratada-como- uma-questao-educacional-entrevista-especial-com-lucia-regina-pereira>. Acesso em: 03 ago. 2013

PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil43 ed. São Paulo: Brasiliense, 1998. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Conquista e colonização da América Portuguesa – O Brasil Colônia – 1500/1750. In: LINHARES, Maria Yedda (Org.). História Geral do Brasil. 9 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990.

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